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O sentimento de justiça da comunidade teresinense

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"Bem aventurados os que têm sede de Justiça porque eles serão saciados."
          Jesus Cristo

"Quem se deixa intimidar perante a idéia, também será incapaz de apreender o conceito."
          Goethe


JUSTIÇA

Desde sempre os homens te perseguiram
Como se a si mesmos buscassem
Desde sempre os homens te intuíram
Como se os anjos lhes soprassem
A sublime beleza que te reveste
Não raro, ao homem desatina
Como a criança a buscar o arco celeste
Que sempre lhe interpõe uma colina
És o bálsamo que sana o sofrimento
És sopro divino, poção homeopática
És irracional, coisa do sentimento
E és como a verdade matemática
Perco-me em teu corpo impalpável
Em tua ausência te reconheço
Contigo desdenho o inalcançável
E em teu manso colo adormeço.

Paulo Henrique Alves Ferreira
Acadêmico de Direito – UFPI


RESUMO

A presente pesquisa consiste numa perquirição do sentimento de justiça predominante na comunidade teresinense, fundada em um conjunto de enquetes realizadas por alunos da Universidade Federal do Piauí, que cursavam no segundo semestre letivo de 1998 a disciplina Filosofia do Direito II. A relevância da Justiça para o homem, nos planos teórico e prático, constitui motivo bastante para qualquer labor do espírito voltado a compreendê-la. Adotou-se um marco referencial teórico que englobava várias das acepções de justiça cunhadas pelas escolas filosóficas ao longo dos tempos, sendo, a posteriori, acrescidas de outras reveladas no decorrer da análise das fontes, em face de sua citação pelos entrevistados. Valeu-se aqui dos métodos hermenêutico e comparativo, além de uma abordagem crítica, buscando ter sempre os dados empíricos somente como bases a partir das quais se possam inferir ou perquirir informações verdadeiramente relevantes. Mostrou-se dominante a visão institucional e/ou legal da justiça, revelando um pálido indício de mudança as opiniões femininas, as dos neófitos no saber jurídico e as dos não-juristas, divergentes que foram da maioria.


SUMÁRIO: INTRODUÇÃO; I – QUADROS DA DEUSA: THÊMIS SOB VÁRIOS ÂNGULOS, 1.1.Daquilo que a Justiça sempre foi, 1.1.1 Justiça como Expressão da Vontade do Cosmos, 1.1.2 Justiça como Compensação ou Retribuição, 1.1.3 Justiça como Virtude, 1.1.4 Justiça como Igualdade, 1.1.5 Justiça como Vontade ou Razão Divina, 1.1.6 Justiça como Ideal de Liberdade, 1.1.7 Justiça como Bem da Sociedade, 1.2.Daquilo que a Justiça se tornou, 1.2.1 Justiça como Princípio, Valor ou Ideal, 1.2.2 Justiça como Harmonização Social, 1.2.3 Justiça como Instituição ou Lei, 1.2.4 Justiça como Realização do Justo ou Eqüidade, 1.2.5 Justiça Inexistente (não existe), 1.2.6 Justiça como Fruto da Sociedade, II – O SENTIMENTO DE JUSTIÇA EM TERESINA, 2.1Subindo o Monte Olimpo rumo à morada de Thêmis, 2.2.Do alto da montanha divisa-se a lei, 2.3.Como entender que a Justiça é a lei (e algumas outras coisas), 2.4.A Justiça e as questões de gênero, 2.4.1.Na opinião dos homens e das mulheres a Justiça veste toga, 2.4.2.Homens e mulheres confirmam: a Justiça é votada por representantes eleitos, 2.4.3.Transitado em julgado: a Justiça é tangível; III – O MUNDO PROFISSIONAL E A JUSTIÇA, 3.1.A Justiça e os "de fora", 3.1.1.As opiniões dos "de fora" não apagam a luz no fim do túnel, 3.1.2.Os sábios "leigos" e sua Justiça que não é só a lei, 3.1.3.A vitória do legalismo institucional, 3.1.4.As questões de gênero nos "leigos", 3.2. A Justiça e os profissionais da Justiça, 3.2.1.Justiça dos "iniciados": lei, virtude ou compensação?, 3.2.1.1.A communis opinio doctorum: a Justiça de tijolos, togas e letras, 3.2.12.O tribunal não reforma a sentença: a Justiça está escrita em , códigos, 3.2.2.As questões de gênero nos "iniciados", 3.3. Os "leigos" e os "iniciados" vêem a mesma luz no fim do túnel, 3.3.1.A igualdade na Justiça dos "de fora", 3.3.2.O veredicto da maioria: A lei é dura, mas é a Justiça, CONCLUSÃO ; ANEXO I – TABELAS; ANEXO II – OPINIÕES QUE CLAMAM POR JUSTIÇA; BIBLIOGRAFIA; ÍNDICE DE TABELAS, Ranking das acepções em função do sexo – referente à Tabela 3, Ranking das acepções entre os profissionais de áreas não jurídicas – referente à Tabela 4, Incidência das acepções em função do sexo dentro dos profissionais de outras áreas, Ranking das acepções entre os profissionais de áreas não jurídicas do sexo masculino, Ranking das acepções entre os profissionais de áreas não jurídicas do sexo feminino, Incidência das acepções em função do sexo dentro dos profissionais do direito


INTRODUÇÃO

A partir do momento em que o homem se fez o que é, reunindo em torno de si os elementos que fazem dele o ser racional, lógico, ético e estético único, o sentimento de justiça passou a fazer parte do conjunto de atributos que o acompanha sem cessar, como bússola que lhe dá o norte.

Vingança? Retribuir na medida do feito? Dar a cada um segundo a sua necessidade? Os sentimentos de justiça que os homens cultivaram dentro de si são tantos quantos são os próprios, variando de cultura em cultura, de tempos em tempos, segundo a tradição e as realizações de cada civilização. Essa relação entre o sentimento de justiça de cada indivíduo dentro da comunidade e a história que a constrói é inegável e um tanto quanto óbvia.

Incontáveis páginas foram escritas acerca de tais assuntos e têm sido eles objetos das mais elevadas construções do espírito filosófico desde os primórdios da humanidade. De toda uma gama de conhecimentos que o homem pôde e ainda pode apreender ou, ao menos perceber, ele traçou inúmeras secções [01] — como é próprio da mente humana — para melhor visualizar o que se apresentava à sua razão. Assim também ocorreu com o que chamamos de justiça. Com o evolver da história, o homem pôde aprimorar e depurar o conhecimento que tinha desse todo que lhe era descortinado pela razão.

Como dito, os sentimentos de justiça variam conforme a apreensão de determinado povo ou pessoa, influenciada sem dúvida pelos condicionamentos históricos. Tal exposição, de pronto, já explicaria o fato de existirem inúmeras concepções a respeito da justiça. Certamente a discordância referida não invalida a busca humana em descobrir o que ela seja. Aliás, desde o remoto instante no qual o homem percebeu ser capaz de compreender o que fazia, ou seja, "que sabia que sabia", não deixou a Justiça de povoar suas visões, seus sonhos, suas reflexões e seus pensamentos mais elevados. E pela própria subjetividade desta percepção, limitada como o ser que a realiza, sempre houve e por muito tempo haverá discrepância no assunto ora tratado.

Tal discrepância pode ser notada mesmo em pequenos grupos sociais, não se excluindo, portanto, o campo social analisado nesta pesquisa, qual seja, a comunidade teresinense. Que conteúdo as pessoas desta comunidade pensam e vivem através da palavra justiça? Qual o sentimento de justiça predominante na comunidade referida? Podemos obter observações e/ou conclusões seguras sobre os porquês da comunidade ou pessoas, isoladamente, manifestarem uma concepção de justiça determinada e não outra? E podemos investigar sua relação com as atividades pessoais de cada membro da sociedade? Foram basicamente a estes questionamentos que se procurou responder com o presente estudo.

A fonte na qual beberam os elaboradores da presente pesquisa foi um conjunto de enquetes realizadas por alunos da Universidade Federal do Piauí, que cursavam no segundo semestre letivo de 1998 a disciplina Filosofia do Direito II. Tais entrevistas, realizadas no seio da comunidade teresinense, almejavam averiguar o sentimento pessoal de justiça dos entrevistados e foram solicitadas pelo professor da referida disciplina a título de avaliação. Um grupo de estudantes da citada turma se prontificou a sistematizar os dados obtidos nas ditas enquetes, sob orientação do Professor e Mestre em Direito, também responsável pela cadeira já indicada, Marcelino Leal Barroso de Carvalho.

Como norteamento na avaliação dos dados, adotou-se um marco referencial teórico que, inicialmente, continha os seguintes paradigmas:

1.justiça como expressão da vontade do cosmos (escolas Eleática, Jônica e Atomística);

2.justiça como compensação ou retribuição (escolas Pitagórica e Aristotélica);

3.justiça como virtude (escolas Socrática, Platônica e Estóica);

4.justiça como igualdade (escolas Pitagórica e Aristotélica);

5.justiça como vontade ou razão divina (Escolástica e Patrística);

6.justiça como ideal de liberdade (Renascimento e Revolução Francesa);

7.justiça como bem da sociedade (Materialismos Histórico e Dialético);

8.justiça libertadora (escola Crítica).

A busca fundamental dos pesquisadores foi, então, a de determinar o sentimento de justiça predominante em Teresina, ou melhor, de enquadrá-lo nas proximidades das acepções de Justiça defendidas pelas escolas filosóficas do pensamento humano ao longo dos tempos.

Estes agrupamentos de idéias mostram-nos que o homem ainda não alcançou um consenso quanto ao justo, visto que, já vislumbrara, em alguns momentos, a justiça como algo externo a ele e em outros, como ponto constituinte de seu âmago; bem como já tivera sentimento de justiça voltado para o coletivo em certa época, e em outra, a justiça estaria voltada para o indivíduo. Em dados períodos, acreditava que a justiça estivesse relacionada com as forças do cosmos, com mitos ou ainda com deuses ou crenças religiosas. Depois passou a racionalizar o sentimento de justiça crendo que poderia atingi-la através de um conjunto coercitivo de regras de conduta a ser observado por todos.

Todos estes prismas serão abordados nesta pesquisa quando forem tratadas as acepções de justiça adotadas no referencial teórico. Contudo, ao lado da estimativa histórica a qual balizou o referencial, as enquetes revelaram junto aos entrevistados outros sentimentos de justiça muito interessantes. Dessa forma, optou-se pela ampliação do quadro de paradigmas, elastecendo a pesquisa para abranger ainda as seguintes acepções:

1. justiça como princípio, valor ou ideal;

2.justiça como harmonização social;

3.justiça como instituição ou lei;

4.justiça como a realização do justo ou eqüidade;

5.justiça como algo que não existe;

6.justiça como fruto da sociedade;

A importância de um trabalho como o aqui delineado está explícita no seu próprio tema, ainda que, para alguns, pouco dados a especulações, a justiça constitua matéria puramente teorética. De qualquer forma, a relevância da Justiça para o homem, seja no plano teórico (no qual se investiga a essência da Justiça, sua Idéia), seja no plano prático (para tornar o ser humano virtuoso e construir uma sociedade onde reine o bem comum), constitui motivo mais que suficiente para qualquer labor do espírito voltado a compreendê-la.

Não há que se negar que a feitura deste tipo de trabalho expande, consideravelmente, a percepção dos próprios pesquisadores do que venha a ser justiça. Em âmbito mais geral o conhecimento do pensamento local acerca do tema tratado serve, para todo indivíduo inserido na comunidade, como ponto a partir do qual possa desenvolver sua atuação pessoal; seja identificando-se com a opinião geral, seja desta discordando, apontando novos rumos que sirvam como arquétipos para uma ação transformadora.

Cabe ainda uma palavra quanto à terminologia empregada no trabalho. No campo das ciências físicas as palavras possuem quase sempre um sentido claro e preciso, o que impede a ocorrência de dúvidas quanto ao seu significado. Os termos próprios destas ciências são passíveis de serem previamente estabelecidos, uma vez que não oferecem resistência a um acordo terminológico. Porém, ao migrarmos para a seara das ciências humanas, encontramos palavras que abrigam uma multiplicidade de idéias. São verdadeiras células permeadas de múltiplos sentidos. Com o intuito de conhecermos a riqueza de seus significados faz-se necessário a cisão destas estruturas celulares. A variabilidade de acepções é muito maior quando se trata de palavras de uso mais freqüente, porque dizem respeito a exigências essenciais à própria vida.

É fácil notar a grande complexidade de palavras como liberdade e igualdade, visto que ao longo do tempo esses vocábulos têm sido aplicados em sentidos diversos e, muitas vezes, conflitantes. Situação análoga acontece com a palavra justiça, cujo valor para a vida humana traduz perfeitamente a razão de tantos sentidos que se lhe agregaram. Por serem palavras que se aprofundam no mundo contraditório dos interesses e das preferências humanas e que refletem os anseios da existência do homem, todas elas não possuem univocidade.

Com o exposto, tão-somente se quis chamar a atenção para o fato de que, no evolver do estudo em mãos, os termos: concepção, sentimento, opinião e idéia, referiram-se a aspectos subjetivos, ou seja, à percepção pessoal dos entrevistados. Por outro lado, termos como: acepção, significado ou mesmo sentido, foram empregados em referência aos paradigmas adotados, emprestando a tais palavras um cunho nitidamente objetivo.

Como já exaustivamente apontado, os dados utilizados neste estudo foram obtidos de entrevistas, algumas dadas oralmente, outras sob forma de questionário. Não há como negar o caráter empírico-analítico da pesquisa. Isto, contudo, não obstaculiza, como evidentemente não ocorreu, o uso dos métodos hermenêutico e comparativo, além de uma abordagem crítica, buscando ter sempre os dados empíricos somente como bases a partir das quais se possam inferir ou perquirir informações verdadeiramente relevantes.

Daqui em diante o leitor entrará em contato com a trilha que os pesquisadores traçaram para a compreensão do sentimento de justiça da comunidade teresinense, seja em alguns momentos dividindo os entrevistados por sexo, seja em outros pela profissão (jurídicas e não-jurídicas). Assim, por meio de tais análises pormenorizadas, espera-se facilitar o entendimento dos resultados obtidos, em especial a prevalência da acepção de justiça como instituição ou lei e a identidade entre as opiniões de homens e mulheres, assim como, de profissionais jurídicos e não-jurídicos.

Finalmente, quanto à estrutura, o estudo foi dividido em três capítulos. O primeiro contém informações gerais sobre os dados utilizados ao longo da pesquisa, assim como considerações acerca das acepções de Justiça que balizaram o trabalho, sejam as difundidas ao longo da história e adotadas inicialmente como paradigmas, sejam as acrescidas à pesquisa em virtude de sua citação nas opiniões dos entrevistados. O segundo engloba análises dos dados em seu panorama geral, definindo o sentimento de justiça predominante em Teresina. Também será exposto um cruzamento de dados mostrando a relação entre o sentimento de justiça e as questões de gênero. O terceiro, por sua vez, envolve relações entre as opiniões (ou concepções) dos entrevistados e a área profissional a que pertencem (jurídica ou não jurídica), não olvidando as questões de gênero dentro do mundo profissional.

O enquadramento das concepções reveladas pelas entrevistas nas proximidades dos paradigmas referidos resultou na construção de tabelas, que serviram de instrumento à distribuição e compreensão dos dados, as quais figuram em anexo. Outrossim, com vistas ao enriquecimento do estudo, algumas das opiniões mais interessantes avaliadas no decorrer da pesquisa foram transcritas em anexo a este fim destinado, acompanhadas de comentários que explicitam quais acepções podem ser nelas verificadas.

Ao término desta jornada espera-se que um pouco da evolução histórica do pensamento humano sobre a justiça tenha sido transmitida. Mas, muito mais que isso, espera-se expor, com fidedignidade aos dados, quais os sentimentos de justiça mais alentados dentro da sociedade de Teresina. Por fim, reafirmamos a essencialidade da Justiça para o homem, esperando possa o estudo filosófico-sociológico aqui apresentado contribuir de alguma forma para o enriquecimento do leitor, seja este acadêmico ou não, posto que o seu tema é inarredável do ser humano.


I – DO "SER" DA JUSTIÇA

O presente capítulo trata das acepções de justiça adotadas no referencial teórico da pesquisa ora exposta. Constitui-se, portanto, de explicações relativamente breves acerca dos paradigmas que nortearam a classificação dos dados coletados ao longo do processo de tabulação [02], especificando os traços essenciais de cada acepção e que opiniões foram nela enquadradas segundo um núcleo central.

Basicamente, as acepções de justiça adotadas na pesquisa desde o seu início foram:

1.Justiça como expressão da vontade do cosmos (escolas Eleática, Jônica e Atomística);

2.Justiça como compensação ou retribuição (escolas Pitagórica e Aristotélica);

3.Justiça como virtude (escolas Socrática, Platônica e Estóica);

4.Justiça como igualdade (escolas Pitagórica e Aristotélica);

5.Justiça como vontade ou razão divina (Escolástica e Patrística);

6.Justiça como ideal de liberdade (Renascimento e Revolução Francesa);

7.Justiça como bem da sociedade (Materialismos Histórico e Dialético);

8.Justiça libertadora (escola Crítica).

Na etapa de classificação dos dados coletados nos trabalhos individuais, contudo, percebeu-se que várias opiniões não se adequavam satisfatoriamente a nenhum dos referenciais acima, ou pelo menos não poderiam ser enquadradas somente nos até agora expostos. A necessidade de alargar os horizontes da pesquisa obrigou os elaboradores à admissão de outras categorias de justiça, não vislumbradas plenamente pelo paradigma teórico adotado de início.

Dado tal fato, as seguintes acepções foram adicionadas às anteriores, buscando com isso uma maior fidedignidade nos resultados posteriormente apresentados:

- Justiça como princípio, valor ou ideal;

- Justiça como harmonização social;

- Justiça como instituição ou lei;

- Justiça como realização do justo/eqüidade;

- Justiça inexistente (não existe);

- Justiça como fruto da sociedade.

Tais acepções são também rapidamente explicadas a seguir, assim como as categorias de opiniões que foram nelas enquadradas.

1.1 Daquilo que a Justiça sempre foi

1.1.1 Justiça como Expressão da Vontade do Cosmos

Foi quando o primeiro raio do pensamento iluminou o céu da mitologia desenvolvida na Grécia que a idéia de Justiça como expressão de uma vontade cosmológica desabrochou.

Convém lembrar que a mentalidade unificadora e dinamizadora dos conhecimentos (que comumente chamamos de Filosofia ocidental) surgida na Grécia Antiga foi resultado de um "longo processo de racionalização da cultura, acelerado a partir da demolição da antiga civilização micênica". [03] É por volta do século VI a.C. que, como é apontado por inúmeros estudiosos, nasce a filosofia como a entendemos hoje. Esse primeiro período do pensar filosófico grego é denominado pré-socrático ou cosmológico, pois os "representantes da filosofia nessa época, interessaram-se, principalmente, pelo mundo físico, pela explicação da origem e da formação do cosmos" [04].

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Nesse contexto cosmogônico, onde o homem buscava a apreensão da unidade na multiplicidade, a própria concepção de justiça advinha da compreensão de tal identidade cosmológica. Em outras palavras, sejam os representantes da Escola de Mileto (Tales, Anaximandro, Anaxímenes), sejam os Atomistas (Demócrito, Leucipo) e mesmo os Eleatas (Parmênides, Zenão, Melinos), todos procuravam o entendimento, por meio da razão, das leis que governam o universo (ou cosmos).

Obviamente que as formas de manifestação dessa procura foram diferenciadas; mas na água de Tales, no ar de Anaxímenes, no infinito (ápeiron) de Anaximandro, no Ser parmenídico ou no átomo de Demócrito está sempre presente o princípio único, a "idéia" unificadora. E como antes colocado, as leis que governam o cosmos determinam seu equilíbrio e, assim, a justiça. Injusto é o que agride a tais leis, ou seja, que viola a "vontade do cosmos". Como magnificamente disse Parmênides, "a justiça não permite nem o nascimento nem a morte, mas mantém firme o que é" [05].

Portanto, a justiça seria a manutenção do equilíbrio universal, a expressão de uma vontade cosmológica, inscrita em todas partes do todo (universal). Assim, não constitui a justiça uma determinação humana; ela está na natureza considerada como um todo (cosmos).

Na presente concepção foram enquadradas as opiniões que colocassem o equilíbrio das leis universais (cósmicas) como a própria justiça, ou seja, as que afirmassem a justiça como a manutenção do estado geral do Universo.

1.1.2 Justiça como Compensação ou Retribuição

Semelhante às concepções cosmológicas dos pensadores anteriores a Sócrates é o pensamento de Pitágoras de Samos. No mesmo quadro anteriormente delineado – a busca da unidade (ou identidade) na multiplicidade (ou diferença) - situa-se o pensamento pitagórico.

A Escola Itálica ou pitagórica constituiu transição entre o pensamento jônico (materialista, físico) e o eleático (metafísico-ser). Aqui, o absoluto passa a ser concebido como determinação do pensamento, ou seja, o universal passa a ser um inteligível, o número [06].

Num quadro como esse, a justiça seria um par que, multiplicado por si mesmo, era sempre par. Como colocou Aristóteles, influenciado por essas idéias, o justo implicaria quatro termos: as pessoas para as quais é justo (duas); em outras palavras, uma espécie de proporção [07].

Logo, a compensação e/ou retribuição são as manifestações práticas dessa justiça. O justo se faz, portanto, segundo uma proporção compensatória e retributiva. Assim, a justiça manifesta-se na pena para o crime, na troca entre iguais, no mérito que é recompensado. E ela, como fonte desse todo numérico, que é total e perfeita, também é plena.

Quando da análise das opiniões, usualmente foram aqui classificadas aquelas que apontaram para a punição, o ressarcimento dos direitos, o reconhecimento do mérito como critérios de justiça essenciais (compensação/ retribuição).

1.1.3 Justiça como Virtude

A partir dos sofistas a filosofia grega sofre modificações essenciais, ao transferir o núcleo de pensamento dos elementos materiais, cosmológicos e naturais para o Homem, iniciando-se a fase antropológica do pensamento grego, marcado pela célebre frase de Protágoras: "o homem é a medida de todas as coisas".

A concepção de justiça inicia então a transição da noção de "equilíbrio entre as forças do cosmos" para o âmbito interno do indivíduo, exacerbando-se a subjetividade e o egocentrismo.

A noção de justiça como virtude, fundada na consciência e no bem agir, baseada na Razão e em valores universais nasce com Sócrates, pai do Humanismo grego, que coroa o "século de ouro" com o seu racionalismo antropocêntrico, o que representou um marco fundamental na filosofia de todos os tempos, influenciando mais diretamente os pensamentos platônico e aristotélico.

Para Sócrates a virtude seria expressão da conduta humana, conduta esta que deveria seguir os ditames da Razão, expressando-se esta no bem agir – que seria resultado de uma avaliação moral tão profunda que as conseqüências imediatas e individuais poderiam ser desconsideradas e perderiam seu significado diante da necessidade íntima de agir de acordo com a consciência.

Muitos estudiosos da Filosofia e do Direito pecam ao afirmar que Sócrates não deixou grandes contribuições no que tange à idéia de justiça, negando-lhe relevo ao afirmar que "o que é legal é justo".

A concepção socrática de justiça, bem mais profundamente arraigada em sua filosofia do que muitos pretenderam demonstrar, está em perfeita concordância com o núcleo do seu pensamento: a virtude como retidão da conduta, conscientemente incorporada. Vejamos:

— E crês que quem sabe o que tem que fazer pode julgar que lhe convenha não o fazer?

— Não o creio.

— E conheces alguém que faça coisas diferentes das que julga que é necessário fazer?

— Não.

— Então os que sabem o que as leis ordenam fazem coisas justas.

— Sem dúvida.

— Então definiremos como homens justos os que sabem o que a lei ordena.

Assim, Sócrates identifica a justiça com a ciência, e não necessariamente com as leis. É a ciência que determina a retidão da conduta, expressa no cumprimento das leis. O justo seria então o sábio, o moralmente correto – o virtuoso.

A justiça como virtude também encontra expressão na filosofia estóica.

Para os estóicos a felicidade humana dependeria da aceitação do seu estado de natureza, das coisas como realmente o são.

O estoicismo, contudo, não pregava uma absoluta resignação irracional, de aceitação irrestrita e meramente determinista. Para que o Homem fosse capaz de viver em equilíbrio com a natureza, seria necessária uma aceitação volitiva e, sobretudo, racional, com a renegação das paixões mundanas – só assim seria verdadeiramente livre.

Como Sócrates, os estóicos identificam justiça com retidão de conduta, num rigor tão absoluto que chega a afirmar que "uma ação reta que não é inteiramente reta é uma ação injusta". [08]

Para Platão, a justiça seria a maior das virtudes, tanto no âmbito interno do indivíduo – por organizar os elementos da alma, possibilitando o bom desenvolvimento da personalidade – quanto como critério de organização social, considerando justa a sociedade em que cada um desempenha seu papel no Estado de acordo com suas aptidões.

Aristóteles precisa a justiça como virtude especial, assinalando que o seu objetivo, neste sentido, é que cada um possua o que é seu. [09]

Influenciado, direta ou indiretamente, pelas doutrinas de Platão e Aristóteles, Ulpiano define justiça como a "constante e firme vontade de dar a cada um o que é seu".

Podemos decompor esta definição em dois elementos: o elemento subjetivo, caracterizando pela "constante e firme vontade" e o elemento objetivo, o "dar a cada um o que é seu".

Ambos conjugados sintetizam a concepção moderna de justiça como virtude, observada nas respostas assim classificadas – o primeiro, o volitivo e racional, diretamente relacionado à personalidade humana – o segundo funciona como parâmetro, quando a justiça deixa de pertencer exclusivamente ao interior do indivíduo e parte em busca de concretização.

Devido ao seu relativismo e à sua flexibilidade, a definição de Ulpiano atravessa os séculos, sendo proferida com convicção mesmo por pessoas leigas em Direito e em Filosofia, principalmente no que tange ao seu elemento objetivo, o "dar a cada um o que é seu" (embora o elemento volitivo esteja implícito, já que o termo "dar" pressupõe vontade).

O que é de cada um varia historicamente e de indivíduo para indivíduo. A vontade de, de acordo com ditames da Razão e da consciência, dar a cada um o que lhe é devido, é virtude universal dos justos – possibilitando a continuidade da eterna caminhada que, a cada passo, aproxima a humanidade do horizonte da Justiça.

1.1.4 Justiça como Igualdade

A simbolização numérica preconizada por Pitágoras e o justo meio-termo, expressão aristotélica, representantes da Escola Pitagórica e Peripatética, respectivamente, consubstanciam um conceito de justiça baseado na idéia de igualdade. Desta forma, tem-se dois importantes representantes da Filosofia grega contribuindo para a construção do saber ocidental a partir de idéias extremamente práticas, às quais sempre se voltam os estudiosos quando necessitam trabalhar os conceitos e as idéias aparentemente complexos.

Pitágoras, filósofo nascido em Samos no ano de 571 a.C, desenvolveu suas idéias a partir da premissa de que a essência do universo se encontrava nos números, não somente da maneira simbólica como se compreendem os números hodiernamente, ou seja, a expressão de valores, pois "quando os pitagóricos falam que as coisas imitam os números estariam entendendo essa imitação (mímesis) num sentido perfeitamente realista: as coisas manifestariam externamente a estrutura numérica que lhes é inerente". Pitágoras destacou ainda que a unidade só poderia existir na multiplicidade e que, portanto, uma coisa só existe em relação à outra, que se lhe opõe. Então, o que seria justiça? Ora, como os pitagóricos só entendiam o universo a partir da representação numérica, a justiça seria, neste contexto, o número quatro, ou seja, a multiplicação de dois números pares iguais (2 x 2 = 4). Ressaltando-se que o número par significa, na concepção pitagórica, sinônimo de alteridade, ou seja, de algo que existe em relação a outrem.

Aristóteles, filósofo estagirita nascido em 384 a.C, foi mais além, traçando com seu racionalismo os pilares para uma concepção de justiça calcada no ideal de igualdade, concebendo-a como um termo mediano entre dois extremos. Mister que se verifique, neste contexto, que existiam, na concepção aristotélica, dois tipos de justiça: a geral, entendida como virtude da pessoa, e a particular, que se subdividia em distributiva e corretiva. A justiça distributiva seria aquela aferida de modo proporcional, como por exemplo por mérito; e a corretiva seria, especificamente, a justiça com função igualadora resultando daí o conceito do meio-termo aritmético.

É justamente no conceito justiça corretiva que se encontra um ideal de justiça baseado no pressuposto da igualdade. Explica, pois, Aristóteles, no Livro V de sua obra Ética a Nicômaco, que a justiça funcionaria analogamente à seguinte premissa: dado um segmento AC, medindo 7cm e dado um segmento CB, de 3cm, a justa proporção manda que se igualem os dois da seguinte forma: 7 + 3 = 10. Se a metade de 10 é 5, então o justo meio é 5cm para cada segmento. Ora, se AC possuía 2cm a mais que o segmento CB, então a perda foi de 2cm para AC e o ganho foi de 2cm para CB.

Desta forma metafórica entendia o filósofo estagirita que se conseguiria atingir uma proporção tal que igualaria os dois extremos, transformando a então diferença em uma igualdade aritmética. A justiça seria, portanto, o meio-termo entre a perda e o ganho, cabendo ao juiz estabelecê-la mediante o princípio igualador. Utilizando as singelas e sábias palavras de Aristóteles: "Se o injusto é o não igual, o justo é o igual, e, como o igual é o meio, o justo será um justo meio".

A simplicidade e similaridade dos conceitos pitagórico e aristotélico encerram uma das noções mais profundas de justiça, dentre todas talvez a mais enraizada na mente e no coração do homem contemporâneo, principalmente porque foi a partir do desenvolvimento destas idéias, na Europa revolucionária do século XVIII, que a igualdade viria a figurar como valor intrínseco ao sentimento de justiça, imprimindo-lhe uma dimensão ainda mais significativa.

1.1.5 Justiça como Vontade ou Razão Divina

Numa tentativa de racionalizar e reafirmar a fé, fornecendo alicerces filosóficos sólidos para sua sustentação, despontam na Idade Média duas principais correntes filosófico-teológicas da doutrina cristã, quais sejam: a Patrística e a Escolástica.

A denominação da expressão Patrística deriva de pater (pai) de onde advém patris, isso em virtude de ter sido ela desenvolvida pelos "Padres" da Igreja ou pelos Santos "Padres" entre os séculos II e VI d.C. [10].

Santo Agostinho, o principal expoente da Patrística, foi responsável pela cristianização de Platão, traçando, de forma irrepreensível, paralelos entre a Teoria das Idéias de Platão e o pensamento Cristão. Ele também é considerado precursor de Descartes, de Rousseau e do existencialismo.

Há nele uma forte tendência a opor-se às dualidades extremas, isso talvez decorra de, na juventude, ter entrado em contato com os maniqueus, cuja seita pressupunha um dualismo radical entre o bem e o mal. Santo Agostinho rejeitava de todo a existência de um desvalor absoluto, do mal como princípio absoluto, aceitando tal denominação somente para o bem. Em outras palavras, ele opunha-se à contraposição entre o bem e o mal como forças iguais. Tal forma de pensar, bem como as influências dos estóicos, de Platão e dos neoplatônicos, além dos adeptos do ceticismo, influenciaram sobremaneira a sua concepção do que seria a Justiça.

Para Santo Agostinho, não existe o mal, apenas a ausência de Deus. Ao homem é dado o livre arbítrio o qual pode conduzi-lo tanto à Verdade divina, como ao mal. Este, portanto, seria tão-só fruto do mau uso do livre arbítrio, seria ato de livre decisão ou opção em manter-se longe de Deus; ato da livre vontade humana. Assim, a Justiça, para Santo Agostinho, consistiria no respeito à vontade divina, no seguir a Verdade divina, abandonando os desejos da carne.

A respeito da doutrina geral da lei, o bispo de Hipano [Sto. Agostinho], difere a lex aeterna da lex naturalis. Deus é o autor da lei eterna, enquanto a lei natural é a manifestação daquela no coração do homem [Tertuliano, outro pensador da Patrística, diria que, devido a uma parcial corrupção do gênero humano, muitos preceitos naturais teriam sido esquecidos]. Portanto, a lei natural é a lei eterna transcrita na alma do homem, em razão do seu coração, também chamada lei íntima. Corrige assim, o erro do pensamento estóico que situava a lei natural também nos animais [11].

A lei humana "deve" advir da lei natural, de outro modo jamais presumir-se-á que seja autêntica. Qualquer preceito humano injusto não é lei. Santo Agostinho, destarte, trás à lume um esboço primário da distinção e dos liames entre Direito e Moral. "A lei humana tem por fim o governo dos homens, manter a paz entre eles (harmonia social). Enquanto a lei eterna e a natural referem-se à moralidade, a humana pode ser vista como o Direito [12]". A Felicidade estaria, assim, na eterna contemplação da Verdade (verdades eternas).

O método escolástico, por seu turno, preocupa-se "em fundamentar racionalmente os dogmas e estabelecer sistemas universais compatíveis com a ortodoxia católica (...) procura descobrir em cada ponto debatido as opiniões das autoridades, fundamentando-as à luz da razão [13]".

São Tomás de Aquino é o principal corifeu da Escolástica e também o responsável pela introdução e adequação do racionalismo aristotélico à Igreja de modo semelhante ao que fez Santo Agostinho com Platão.

Não obstante Aristóteles não tenha conhecido a revelação cristã, como afirma Santo Tomás, e de sua obra estar pautada em um saber estritamente racional e mesmo antagônico à qualquer dogmatismo, ela está perfeitamente em consonância com o saber revelado pela fé contido na Bíblia. Santo Tomás afirma que, na essência, reside a igualdade e que as desigualdades são acidentais. A essência é imaterial, possui apenas forma, enquanto que a "substância composta" possui forma e matéria; a alma seria imortal posto que imaterial. Tal essência seria passada por Deus e igualmente com ela uma capacidade natural de distinguir o certo do errado. Nisso residiria o direito natural.

"Santo Tomás de Aquino admite uma diversidade de lei, seriam: a lei divina revelada ao homem, a lei humana, a lei eterna e a lei natural, contudo, não as considera como compartimentos estanques [14]".

A lei eterna é a razão oriunda do divino que coordena todo o universo, acercando-se inclusive do homem. Assim, conforme afirma Santo Tomás, Deus não age diretamente nos fatos de sua criação, atuando tal coordenação do universo somente em sentido providencial. A natural, assim como em Santo Agostinho, é o reflexo da lei divina no homem. "Por ser a lei natural proveniente de disposição divina, eterna, ela é soberana, participando assim do absoluto poder de Deus, não cabendo ao homem modificá-la, anulá-la, nem desconhecê-la" [15].

Vale dizer ainda que, tanto para Santo Agostinho como para Santo Tomás de Aquino, a Felicidade resumir-se-ia na contemplação da Verdade.

Não procede querer reduzir o ser às partes componentes de sua essência. Há quem diga ser Deus a Justiça, outros diriam que Deus é o Amor, há até os que diriam que Deus seria a força que coordena o universo, a Verdade ou mesmo a Causa Primeira de todas as coisas. Tal discussão revela-se inócua. Não se pode consubstanciar Deus em uma das partes que o compõem. Poder-se-ia dizer que o homem fosse, em essência, seu braço? Seria ele o seu coração? Ou a sua cabeça? Não, o homem é a sua essência (alma ou espírito, para uns; razão, para outros), Deus, por sua vez, é essência pura (enteléquia pura); ainda assim a essência guarda uma multiplicidade específica. Infere-se daí que não se pode querer consubstanciar o ser em uma das multiplicidades de sua essência. Deus não é tão-só o Amor, a Justiça, a Verdade, a Causa Primeira de todas as coisas, etc.; antes é ele a junção de tudo isso àquilo que lhe é íntima essência. Isso não significa que a Justiça, o Amor, a Verdade, etc, não lhe sejam por essência. Se Deus é essência pura e se estes estão presentes em Deus, logo fazem parte da essência divina.

Dessa forma, não importa de onde advém a Justiça; não interessa de que parte de Deus ela brota (da Vontade ou da Razão), uma vez que, certamente, ela faz parte de Deus. Importa tão-somente, segundo os argumentos desenvolvidos pela Patrística e pela Escolástica, que a Justiça está em Deus e nos é revelada por ele.

1.1.6 Justiça como Ideal de Liberdade

O século XV apresentou com o Renascimento novos valores para os diversos campos do saber, como o humanismo, o individualismo, o experimentalismo, a importância do método científico, e, notadamente, o predomínio da razão. Essas preocupações foram mais tarde amplamente trabalhadas pelos filósofos iluministas.

O Iluminismo foi um movimento de idéias que teve suas origens no século XVII e que teve seu apogeu na França no século seguinte. Este século ficaria conhecido como o século das luzes porque a razão seria a "luz" que ilumina as trevas da ignorância. Esse movimento tomou proporções impressionantes e suas conseqüências não se restringiram a revoluções intelectuais. O pensamento iluminista foi responsável por revoluções mais intensas como a Revolução Gloriosa na Inglaterra, o processo de independência das colônias inglesas da América do Norte e a Revolução Francesa.

O Iluminismo proporcionou ao homem uma nova maneira de compreender a realidade social e natural que o cercava, por isso transformou-se num elemento poderoso de crítica ao absolutismo monárquico e às desigualdades sociais daquela época. O Iluminismo veio com novas propostas que indicavam o caminho do progresso, de liberdade e de busca da felicidade. Sua influência não ficou restrita ao século das luzes e continua sendo percebida até os nossos dias.

As bases do pensamento iluminista foram erguidas no século XVII por René Descartes (com seu racionalismo), Jonh Locke (com seu liberalismo político e sua teoria da tábula rasa) e Isaac Newton (contribuindo com suas leis físicas). Desses destacamos Locke que defendia uma relação contratual entre o Estado e os indivíduos, por meio das leis escritas, uma constituição que regularia os deveres e obrigações de ambas as partes. Locke foi mais longe e chegou a afirmar que o homem possuía alguns direitos naturais dentre os quais se destacava a liberdade.

Na França do século XVIII encontramos outros nomes importantes como Diderot, D’Alembert, Helvetius, Voltaire, Montesquieu e Rousseau. Não podemos deduzir que esses filósofos construíram uma escola homogênea, uma vez que não concordavam plenamente em suas teorias. Todavia, o ponto comum em seus pensamentos é o valor da liberdade diante da razão humana. Percebemos isso ao observarmos que todos eles tratam-na com muita importância, como expressa essa passagem de Diderot: "Nenhum homem recebeu da natureza o direito de comandar outros. A liberdade é um presente do céu, e cada indivíduo da mesma espécie tem o direito de gozar dela logo que goze da razão". Ou ainda esse trecho do Contrato Social de Rousseau: "Se indagarmos em que consiste precisamente o maior bem de todos, que deve ser o fim de todo o sistema de legislação, achar-se-á que se reduz a estes dois objetivos principais: liberdade e igualdade".

No campo da Filosofia do Direito, à mesma época, o filósofo alemão Immanuel Kant, desenvolveu importantes teorias. Numa delas, ao tratar de liberdade, elaborou uma distinção na qual "a moral garante a liberdade interna do indivíduo e o Direito, a liberdade externa" [16]. De acordo com Kant, "o único direito inato é o da liberdade, existente aprioristicamente, porque o homem é um ser racional e livre" [17].

Aproveitamos as contribuições filosóficas do Iluminismo para caracterizarmos o ideal de liberdade, um dos referenciais teóricos apreendidos neste trabalho de pesquisa. A explicação de sua concepção nos é necessária, pois dentro do público entrevistado encontramos opiniões que se referiam à justiça como sinônimo de libertação, um ideal de liberdade.

1.1.7 Justiça como Bem da Sociedade

A larga diferença entre os homens e os demais seres vivos é inquestionável e a transcendentalidade desses aspectos diferenciadores é discutível. Indiscutível, no entanto, é o fato de que a capacidade de escolher princípios orientadores do que venha a ser justo; e preocupar-se com isso a ponto de comprometer sua vida com a busca ardente da justiça, e a de poder decidir por um conceito de bem são particularidades humanas derivadas da sua diferenciação, que isolam a raça humana no globo, deixando-a sem ter a quem pedir conselhos em tais assuntos.

No desenvolvimento dessas forças morais certamente a vida do homem, atrelada à coletividade, tem feito diferença, seja na exclusão de princípios que venham a ferir sua natureza social, ou na aceitação de elementos que venham a torná-la ainda mais "sólida", produtiva e satisfatória.

Identificar a justiça como sendo a própria realização do Bem da Sociedade significa elevar o organismo social à categoria de ente primeiro, o qual todos os princípios aceitos a partir daí, que devem direcionar a vida da sociedade (política e econômica) e assim a vida do indivíduo, devem guardar respeito no sentido da busca de seu melhoramento.

Não significa o abandono da importância do indivíduo, mas a realização de suas necessidades e desenvolvimento (no sentido rigoroso do termo), reconhecendo, em primeiro plano, como sendo a vida em sociedade a primeira grande necessidade. Sendo assim, o Bem da Sociedade é o bem do próprio indivíduo. Para entender como é razoável essa identificação da justiça como Bem da Sociedade (no sentido de que uma é exatamente a outra) é necessário perceber que quem assim entende a justiça o faz dentro de uma sociedade, realizando-a, assim, também para ele, mas não só, para todos, sem exceção, na medida em que todos são extensão do que ele é, sendo as necessidades alheias as suas também.

Assim, desejar a justiça como Bem da Sociedade é desejar a realização do bem comum. Sendo o todo formado por partes, buscar o bem comum é buscar tudo enquanto o compõe, e o que o compõe de forma alguma se limita a alguma utopia socialista, ou algo conhecido pelo homem. Não estando claro, apresenta-se como apenas intuitivamente em todos os homens e encontra sua realização no final de todo processo dialético, seja ele aplicado às circunstâncias históricas [18] ou ao conhecimento das Idéias.

O bem comum contém tudo enquanto o homem necessita ter de condições por ser tudo o quanto ele pode ser, e ele é.

No enquadramento das opiniões emitidas, as que relacionavam a melhoria global das condições sociais (saúde, educação, alimentação, etc) foram aqui classificadas.

1.1.8 Justiça Libertadora

No contexto do início do Século XIX, das grandes transformações econômicas, do trabalho em série, da produção em larga escala, do homem urbanizado, da cultura massificada, da sociedade dividida em classes - os que têm os meios de produção e os que vendem sua força de trabalho - surge uma acepção de Justiça que se amolda a esse quadro caótico, que transformara a vida do homem de então, outrora simples camponês, independente na sua manutenção, num homem oprimido, vinculado à força do Estado e à pressão da burguesia. A acepção de Justiça Libertadora nada mais é que o reflexo desse mundo novo, no qual o Capitalismo surge com força total, desestruturando concepções filosóficas, morais, religiosas etc.

O pluralismo jurídico, a Escola Crítica e a Escola do Direito Alternativo têm origem direta nesse movimento de repensar os valores sociais, consagrando à Ciência Jurídica um papel preponderante na decisiva tomada de posição dos operadores do Direito, porque há uma verdadeira mudança paradigmática no âmbito da Ciência Jurídica. Finda-se a visão monista e centralizadora do Direito e do Estado como um fim, surgindo novas concepções pluralistas, versando sobre a importância dos movimentos sociais e das práticas normativas não-estatais.

A Escola Crítica surgiu justamente no período pós-guerra, em torno, principalmente, de intelectuais alemães marxistas e não-ortodoxos, ficando, inicialmente, restrita a estudos acadêmicos na Universidade de Frankfurt, para só depois irradiar-se por todo o mundo ocidental.

Seus integrantes, dentre eles Habermas, Horkheimer, Adorno e Luhmann, não possuíam uma homogeneidade de pensamento, entretanto, a temática abordada por seus trabalhos é quase sempre a mesma, qual seja, a dialética da Razão iluminista, a indústria cultural ou de massa e a questão do Estado, mais especificamente, as formas de legitimação de uma sociedade de consumo.

A preocupação é histórica, ou seja, assegurar as conquistas do homem comum, do proletariado que surge como classe social no contexto da Revolução Industrial, das conquistas do trabalhador, numa perspectiva, por quê não dizê-lo, mais sociológica e menos filosófica. Destarte, a Justiça de que se trata aqui é a Justiça Social.

Aqui, a Liberdade não é uma aspiração utópica de um homem metafísico; é a concreção dos ideais marxistas de uma política social voltada para o bem-estar do homem inserido no seu contexto, na sua comunidade. A visão é menos onírica e, portanto, mais pragmática.

A intenção da Escola Crítica é bem clara: libertar o homem da ignorância, da "atrofia da capacidade crítica", das amarras que o prendem às determinações ideológicas daqueles que detêm o poder. Para tanto, prega-se a utilização da razão como o instrumento de libertação do homem, preso à incapacidade de formular um pensamento crítico. O intelectual aqui é um ativista. No dizer de Horkheimer: "Nosso princípio básico sempre foi: pessimismo teórico e otimismo prático".

Interessante notar que a Razão e a Liberdade constituíram a base do movimento Iluminista do século XVIII. Não obstante, a Razão iluminista é, para os críticos, somente instrumental, ou seja, conduz somente à técnica e ciência modernas. A Razão crítica, por sua vez, encerra os conceitos de Razão instrumental e Razão emancipatória. A dialética do esclarecimento, ensina Horkheimer, procura demonstrar o quão perniciosa é a teoria tradicional (Descartes), que estuda a lógica formal a partir do princípio da identidade, definindo os conceitos universais a partir de um homem abstrato. Em contraposição a esta, tem-se a teoria crítica (Marx), que analisa as dimensões históricas e sociais dos indivíduos inseridos numa sociedade, a partir do princípio da contradição.

Na "Dialética Negativa" (1970), Adorno expõe a necessidade de se evitarem as falsas verdades, como faz a lógica formal, que se distancia do objeto de estudo, concebendo-o como um ente abstrato. Aconselha, por sua vez, a inclusão de elementos contraditórios na apreensão de um conceito, de forma a compreendê-lo num contexto, de maneira crítica.

Mais do que uma simples teoria socialista aplicada à Filosofia, a Escola de Frankfurt, ao destacar os elementos contraditórios e estudá-los de forma integrada, contribuiu sobremaneira para a consolidação do pensamento crítico essencial ao desmascaramento do sistema capitalista em vigor e das implicações do mesmo em todas as esferas do desenvolvimento humano. Trouxe à tona, portanto, um sentimento de justiça que liberta os homens de seus semelhantes que lhe oprimem, injetando-lhes nas veias um sentimento renovado de esperança na realização da justiça num plano concreto, retirando-lhe a aura suprema e rasgando o véu que encobre ideologias conservadoras.

A Escola Crítica determina o aniquilamento deste homem fraco e acorrentado, que "nasceu livre, e não obstante, está acorrentado em toda parte", indefeso à tirania do mundo e da realidade que o cerca, tornando-o um ser forte e ativo, na busca incessante da realização de seus ideais, na concretização de suas aspirações sociais, libertando-o das amarras que reprimem seu corpo e sua mente, libertando sua alma para que seja o autor de seu próprio destino.

1.2 Daquilo que a Justiça se tornou

1.2.1 Justiça como Princípio, Valor ou Ideal

A denominação de Justiça como princípio, valor ou ideal, conforme evidenciaram as entrevistas, consubstancia-se na noção de que a Justiça é a priori, eterna, imutável, universal e perfeita. Outras vezes, explicitavam que a Justiça seria como que um parâmetro (perfeito) jamais passível de concreção; jamais atingível, entretanto, sempre perseguido.

Por a priori, entende-se que a Justiça é preexistente ao homem, o qual tão-só a percebe (valor); sendo eterna, preexiste a tudo, é um ente incriado, sempre existiu e sempre vai existir (princípio). Dado o seu caráter imutável, a Justiça não está sujeita às leis do devir: A Justiça "é" (ideal, ou, mais adequadamente, o termo seria Idéia, ou ainda, Arquétipo). Pode-se inferir disso, que a Justiça é essência pura, de outra forma, estaria afeta à mudança. Por fim, entende-se por universal o fato de ser ela aplicável a tudo e a todos independentemente de quem quer que seja. Dito isto, não mais se necessita especificar o porquê de tal acepção ser tida como perfeita.

Vale dizer que tais características estão presentes tanto nas entrevistas daqueles que não aceitam ser a Justiça atingível, como nas respostas daqueles que a tem como exeqüível de pleno.

1.2.2 Justiça como Harmonização Social

Harmonização social relaciona-se, segundo atestam as respostas conformes a esta acepção de justiça, a um equilíbrio das relações intersubjetivas, das relações entre os indivíduos componentes de dada sociedade, ou pelo menos, ao "intuito" que teria a justiça de estabelecer e garantir os limites mínimos suportáveis de convivência entre os homens. A referida acepção aproximou-se, em muito, de outra, a de justiça como instituição/lei, conforme se apreendeu das entrevistas. Bem como na acepção instituição/lei, a acepção harmonização social aproxima justiça ao Judiciário (instituição). Isso talvez seja reflexo da indefinição dos entrevistados (leigos ou não) entre o que venha a ser Justiça e o que venha a ser direito.

1.2.3 Justiça como Instituição ou Lei

Em contraste absoluto com o jusnaturalismo surge, no século XIX, fundado nas idéias de Augusto Comte, o Positivismo Jurídico, cujos principais adeptos foram os da Escola da Exegese, na França, os da Escola dos Pandectistas, na Alemanha, os da Escola Analítica de Jurisprudência, na Inglaterra, além de Duguit, Hans Kelsen, Clóvis Beviláqua e Pontes de Miranda [19].

Para seus adeptos, o Direito deve se resumir à lei, institucionalizada pelo Estado. Abandonam-se, desta forma, os estudos acerca da razão de ser do Direito, da sua gênese, formação e desenvolvimento, do seu ontos, para prender-se, exclusivamente, ao estudo da norma jurídica enquanto manifestação formal. Eis, segundo Paulo Nader, a proposição que melhor caracteriza o positivismo jurídico: "Não há mais direito que o direito positivo" [20].

Embora criticado com veemência pelos doutrinadores, devido ao seu extremismo e visão restrita do Direito — sem atentar para sua identidade com a Justiça, em sentido amplo — o positivismo jurídico (já decadente em nossos dias) encontra suporte na necessidade milenar de segurança jurídica, no esforço contínuo, que data das sociedades primitivas, para codificar as regras de convivência, a fim de que estas sirvam de parâmetro, e por que não dizer, de base, para as relações sociais. A lei estaria acima de qualquer outra manifestação a ela contrária.

Afirma-se assim a relação lei/Estado, entendendo-se Estado em sentido amplo, transcendendo a pessoa do governante, visto que este também estaria subordinado às normas jurídicas.

No bojo da presente pesquisa, a identidade entre Justiça e lei, encontrada por considerável parcela dos entrevistados, divide-se em duas grandes vertentes:

a)A Justiça está na lei. A norma jurídica funcionaria como um pressuposto de realização do justo – a noção do que seja justo muito variou entre os inquiridos e em geral as pessoas que se posicionaram desta forma tiveram suas respostas enquadradas em duas ou mais categorias de pensamento.

Além disso, grande parte das respostas deste grupo foram acompanhadas de ferrenhas críticas às próprias leis, muitas vezes chegando-se a conclusões extremamente paradoxais, tais como: existem leis injustas. Isto denota a idéia de que a Justiça está – ou deve estar – na lei, mas nela não se esgota.

b)A Justiça é a lei. Eis o positivismo expressando-se com plenitude. A norma jurídica é considerada única forma de expressão do justo - aliás, o "justo" e o "legal" são entendidos como sinônimos.

Grande parte das pessoas que assim se posicionaram, também explicitaram certo descrédito em relação à justiça, o que relacionaram, em geral, à falta de segurança jurídica, ao não cumprimento das leis - muitas vezes com menções à ineficácia do Judiciário.

A identificação de Justiça com a instituição ou o Poder Judiciário também encontra justificativa no clamor por segurança jurídica, de ordem positivista. Os motivos que explicam tal posicionamento talvez sejam encontrados quando da análise da atual organização judiciária brasileira, quando a impunidade, a morosidade, a omissão, e, por que não dizer, as injustiças saltam aos olhos de uma população já descrente e aprisionada com tal rudeza que não se atreve a imaginar uma Justiça superior à efetivação das parcas leis dos homens.

Cumpre lembrar, ainda, aqueles que consideraram o vocábulo Justiça como órgão do Judiciário, por uma questão meramente terminológica, devido, talvez, ao direcionamento do entrevistador ou à utilização coloquial e usual do termo neste sentido.

1.2.4 Justiça como Realização do Justo ou Eqüidade

Algumas respostas apontaram uma aproximação do sentimento de justiça dos entrevistados com as idéias de justo e de eqüidade. Aqueles que entendem a justiça como o justo, expressaram seu pensamento afirmando que seu sentimento de justiça seria conseqüência da aplicação do Direito de maneira justa e equânime, ou ainda, que seria a projeção do sentimento de justo que o aplicador da norma deve utilizar-se a fim de solucionar um conflito de interesses.

Os outros que vislumbraram a eqüidade como forma de justiça, argumentavam que esta surgia no relacionamento interpessoal, quando cada indivíduo deveria ser tratado de forma particularizada. Esse conceito seria uma forma particular de aplicação do princípio da igualdade.

Para os aplicadores do Direito, a aplicação estrita da norma criada pelo legislador acarretaria a transmissão de suas falhas aos casos por ela atendidos. Para evitar essa injustiça deveriam, segundo suas opiniões, utilizar a eqüidade como meio de se atingir a justiça.

1.2.5 Justiça Inexistente (não existe)

Dentro do espaço amostral desta pesquisa foram constatadas respostas que não descreviam a justiça com elementos suficientes para que fossem enquadrados em alguma acepção estabelecida. A estas opiniões foram somadas aquelas nas quais o ouvinte afirmou explicitamente, ou não, que a justiça não existe em nenhum universo, seja ele humano, cosmológico ou divino. Todas estas repostas foram apresentadas por indivíduos que se mostraram descrentes quanto à existência da justiça.

Tal pessimismo certamente vincula-se à constatação diária das torpezas e iniqüidades que assolam a humanidade. Como disse Rui Barbosa quanto ao homem honesto (que acabaria por ter vergonha de se apresentar como tal de tanto ver prosperar a desonestidade), de tanto ver se espalhar a injustiça, o homem às vezes deixa se abater pela rudeza da realidade fática, não mais conseguindo vislumbrar o horizonte que a justiça sempre foi para os povos.

1.2.6 Justiça como Fruto da Sociedade

Inegavelmente, um traço típico do homem que se manifestou em todos os instantes do seu tempo de existência, em maior ou menor grau, nesse ou naquele momento histórico, é a sua capacidade de transformar. Mais do que se adaptar ao meio, o homem aprendeu a modelar o meio a seu "gosto", modificando o clima e alterando a paisagem. Organizando-se em diversas formas de agrupamento, conseguiu sobreviver em todos os lugares do globo, das áreas mais frias às mais quentes; habitando sob o gelo, ou morando em enormes arranha-céus.

Não podendo ser diferente, encontrando na história humana tamanha variabilidade de comunidades, encontram-se também distintas regras sociais e os vários sentimentos de justiça que resultaram da construção de cada um desses sistemas normativos (aqui não no sentido rigoroso).

Diante do fenômeno, seria então a justiça apenas uma "obra" humana, fruto da sua natureza inconformada? É a resposta afirmativa a essa questão, ainda que sob argumentos diferentes, que identifica o sentimento de justiça como fruto da sociedade. Dependeria então dos princípios e valores consagrados por uma dada sociedade e seria apenas construção cultural, perdendo o caráter absoluto e exterior, passando a ser humana e mutável.

Pensando assim, construções filosóficas, com reflexos políticos marcantes, se formaram, deixando de lado os problemas da justiça enquanto criteriosamente absoluta e onipresente, pondo no centro a problemática da praticidade. Do maquiavelismo, passando pelo marxismo, até a sua manifestação mais vitoriosa, o positivismo, a justiça governante e criadora perdeu terreno para a justiça serva e criada.

No tocante à pesquisa, as opiniões enquadradas em justiça como fruto da sociedade apresentam-na, basicamente, como realização dos princípios e valores de cada sociedade localizadamente. Nesses termos, um ato moralmente justificável em um ponto do globo poderia ser considerado extremamente reprovável em outro. Ou seja, o critério de justiça seria delineado pelas convenções sociais. O que é justo poderia também ser injusto, variando no tempo e no espaço condicionados humanamente.

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Sobre os autores
Francisco de Sousa Vieira Filho

Advogado, militando sobretudo na área trabalhista, em Teresina-PI, Especialista em Direito Constitucional pelo LFG e Mestre em Direito pela Universidade Antônoma de Lisboa. Professor nas faculdades AESPI e FAPI, e professor substituto na UESPI (Campus Clóvis Moura). Autor dos livros: Lira Antiga Bardo Triste (2009); Lira Nova Bardo Tardo (2010) e Codex Popul-Vuh - ramo de folhas (2013).

Alex Myller Duarte Lima

Auditor Fiscal do Trabalho no Mato Grosso.

Ana Lygian de Sousa Lustosa

Juíza do Trabalho da 16ª Região (Maranhão).

Carlos Eduardo Gomes

Advogado militante em Teresina (PI).

Gleyciane Tenório Rios

Advogada da União em Brasília (DF).

Venceslau Felipe Oliveira

Escrivão da Polícia Civil do Estado do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA FILHO, Francisco Sousa ; LIMA, Alex Myller Duarte et al. O sentimento de justiça da comunidade teresinense. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1307, 29 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9429. Acesso em: 25 abr. 2024.

Mais informações

A presente monografia decorre de pesquisa (teórico-prática) realizada sob a coordenação e orientação do professor e mestre MARCELINO LEAL BARROSO DE CARVALHO, tendo como autores-pesquisadores: ALEX MYLLER DUARTE LIMA; ANA LYGIAN DE SOUSA LUSTOSA; CARLOS EDUARDO GOMES; FRANCISCO DE SOUSA VIEIRA FILHO; GLEYCIANE TENÓRIO RIOS; e VENCESLAU FELIPE OLIVEIRA

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