Artigo Destaque dos editores

O sentimento de justiça da comunidade teresinense

Exibindo página 2 de 5
Leia nesta página:

II – O SENTIMENTO DE JUSTIÇA EM TERESINA

2.1 Subindo o Monte Olimpo rumo à morada de Thêmis

Primeiramente, cabe esclarecer que os dados utilizados na presente pesquisa foram recolhidos através de enquetes realizadas por estudantes de Direito da Universidade Federal do Piauí, durante a disciplina Filosofia do Direito II, ministrada pelo professor Mestre em Direito Marcelino Leal Barroso, entre agosto de 1998 e janeiro de 1999.

Como trabalhos individuais, é de notar-se que não havia a homogeneidade própria à pesquisa científica. O empenho de unificação da multiplicidade foi a principal tarefa dos elaboradores do presente estudo. Algumas das ressalvas mencionadas a seguir decorreram fundamentalmente de tal heterogeneidade.

O ponto inicial a elucidar diz respeito à diferença entre o número de entrevistados e o de opiniões coletadas. Tal fato deveu-se à informalidade das enquetes, nas quais cada entrevistado pôde abordar todos os aspectos que achasse relevantes no tocante ao seu sentimento de justiça. Sendo assim, enquanto uns proferiram opiniões sucintas, outros dissertaram (oralmente ou não) acerca de vários aspectos que a justiça apresentaria para eles. Logo, muitas opiniões foram classificadas em mais de um dos referenciais teóricos adotados, algumas até mesmo em quatro ou cinco [21].

O segundo ponto vincula-se ao fato de que alguns entrevistados não foram identificados suficientemente nos trabalhos individuais dos quais suas opiniões foram retiradas. Em certas enquetes não foram indicados os nomes; em outras a profissão não bastou para determinar-lhes o sexo. Portanto, quando da tabulação dos dados, incluiu-se uma categoria denominada não identificados pelo sexo, subdividida entre profissionais do direito e de outras áreas (a profissão foi o único dado mencionado de forma plenamente segura em todas as enquetes individuais).

Por fim, procurou-se manter o máximo possível de fidelidade na análise e enquadramento das opiniões emitidas. A tabulação a seguir foi refeita inúmeras vezes, objetivando torná-la tão fidedigna quanto a insipiência dos pesquisadores permitiu, em especial no que tange aos referenciais adotados na primeira parte deste trabalho.

Segue a análise do Panorama Geral do Sentimento de Justiça em Teresina (Tabela 1), do qual se extraiu as tabulações por sexo e por profissão (operadores do direito/outras áreas) que o sucedem ao longo do trabalho.

2.2 Do alto da montanha divisa-se a lei

Antes de ater-se a considerações mais pormenorizadas, achou-se por bem proceder a uma exposição das considerações extraídas da Tabela 1, ou seja, do Panorama geral do sentimento de justiça em Teresina. Considerações estas, a mais das vezes, simples tentativas de propor leis empíricas diante dos dados estatísticos observados e que, em grande parte, apresentam um sensível aspecto sociológico [22].

Pretende-se enfeixar aqui, num só enfoque, as análises por sexo e por profissão, de modo a considerar apenas os números absolutos de opiniões obtidas na pesquisa (Tabela 1). Mais adiante serão feitas as devidas e mais minuciosas observações quanto aos critérios classificatórios sexo e profissão dos entrevistados.

Vale dizer, de antemão, que as conclusões inferidas de simples dados numéricos (tal quais os da Tabela 1) não são tão científicos, nem tão próximos da realidade social de Teresina quanto às observações percentuais, entretanto, não menos profícuas.

De uma observação imediata da referida tabela, pode-se facilmente constatar, e é lamentável, que não tenham sido entrevistadas sequer uma defensora pública ou mesmo uma desembargadora. No primeiro caso, é perfeitamente cabível, como se verá no estudo das demais tabulações, que a pouca uniformidade da matéria-prima de que se valeu esta pesquisa, qual seja, as entrevistas, sirva de justificativa. No segundo caso, entretanto, não há ainda em Teresina qualquer desembargadora, tal é a distância que a luta das mulheres por igualdade ainda tem por percorrer.

Nas duas áreas profissionais aqui tratadas (não jurídica e jurídica) há um desequilíbrio entre o número de acepções diversas lembradas por cada homem e o número de acepções diferentes indicadas por uma mesma mulher, agravado talvez pela disparidade entre homens e mulheres entrevistados, mas que, decerto, revela serem as mulheres bem mais sintéticas que os homens ao dizer o que venha a ser a justiça para elas, ao explicitar seu sentimento de justiça, sua concepção acerca da justiça.

Entre os profissionais de áreas não jurídicas, guardadas as devidas exceções, há uma certa paridade quanto às opiniões emitidas por homens e mulheres a respeito de uma mesma acepção de justiça. Os motivos, para tanto, serão melhor explicitados na análise das questões de gênero.

Poucas são as diferenças numéricas entre as opiniões de homens e mulheres (profissionais de áreas não jurídicas) acerca de uma mesma acepção de justiça, havendo, no entanto, algumas que merecem ser aqui destacadas. Entre elas estão as referentes às acepções de justiça como harmonização social, justo ou eqüidade, bem da sociedade e fruto da sociedade, além de instituição ou lei. Em todas estas acepções citadas, as opiniões masculinas atingem quase o dobro, o dobro ou mais que o dobro das opiniões femininas, exceto nas de justiça como justo ou eqüidade, em que o quadro se inverte, passando as mulheres a ser maioria (quase o dobro) e em relação à harmonização social, em que o número de opiniões masculinas chega a superar o quíntuplo do número de opiniões femininas. Tais constatações são acintosas de que tamanho desequilíbrio guarda nítido fundo sociológico.

Para fins introdutórios, vale dizer que o fato de as opiniões femininas terem sido bem menores nas acepções harmonização social, bem da sociedade, fruto da sociedade e instituição ou lei remonta todo um passado de opressão, submissão e dominação sofrido pela mulher. As citadas acepções reafirmam toda uma realidade que foi marcantemente dolorosa para a mulher, fomentam a manutenção de todo um status quo que favorece a dominação masculina. Tenha ela emitido opinião contrária a essas acepções, consciente ou inconscientemente, pode-se concluir que isso resulta das marcas deixadas por uma ordem que privilegiou sobremaneira os homens.

As diferenças numéricas nas demais acepções são pouco relevantes, seja pelo pequeno número das opiniões, seja pela pequena desigualdade quantitativa entre os sexos. Em relação às igualdades numéricas, tem-se entre as mais significativas as das acepções princípio, valor ou ideal e não existe. Tanto homens como mulheres de áreas não jurídicas emitiram o mesmo número de opiniões acerca dessas duas acepções de justiça. É, entretanto, bem mais profícuo notar o elevado número de opiniões condizentes com a acepção princípio, valor ou ideal, o que revela uma mudança, ainda que pequena, na mentalidade das pessoas em Teresina. Devido à significativa desconfiança e descrença em relação às autoridades – da mesma forma que ocorre em quase todas as cidades do País – a população teresinense sempre teve a nítida tendência de reduzir a justiça à mera lei ou instituição, tal fato é o que se apreende das tabulações. E esse, como já se disse, pequeno mas significativo montante de opiniões relacionadas à acepção princípio, valor ou ideal já é indício de mudança.

É necessário frisar novamente que, no panorama geral das opiniões, como entre os profissionais do direito, ou ainda, entre os profissionais de áreas não jurídicas há um elevado número de opiniões condizentes com a acepção instituição ou lei. Dentre estas, um número considerável das pessoas que indicaram tal acepção questionavam e criticavam a moralidade e a morosidade do Judiciário; sem, no entanto, especificar qualquer outro arquétipo de justiça, daí ter sido forçoso englobá-las dentro da referida acepção.

Ainda entre os profissionais de áreas não jurídicas, constatam-se aproximações ou mesmo igualdades numéricas entre algumas das acepções de justiça. Como não poderia ser diferente pelos motivos anteriormente explicitados, o maior número de opiniões entre os profissionais de áreas não jurídicas aglutinou-se no grupo instituição ou lei.

Dentre as aproximações, a mais relevante foi a que se estabeleceu entre as acepções compensação ou retribuição e igualdade, que pelas formas como foram expressas demonstraram haver entre os juridicamente leigos uma concepção de justiça liberal e, pelo menos em parte, individualista. Vale dizer que a compensação ou retribuição, quando indicada nas entrevistas, referiu-se geralmente a uma sensível preocupação com o que lhe é próprio, com a reparação de danos à propriedade, seja ela material ou não, enfim, com o individual (embora não necessariamente tal acepção esteja ligada aos dogmas do Liberalismo [23]). Ora, vivemos imersos numa sociedade e num mundo capitalista; nada mais natural que a grande maioria da sociedade interiorize a ideologia individualista que lhe é imposta. Houve, por outro lado, uma dicotomia entre aqueles cuja opinião relacionava-se à acepção de justiça como igualdade. Uma pequena parte deles deixava nítido que a igualdade por eles propugnada era individualista e massificadora; outra parte, esta bem mais numerosa, associou a igualdade com algo mais abrangente, relacionando-a, inclusive, com o bem da sociedade e com o bem-comum.

Quanto aos profissionais do direito, inicialmente far-se-á uma análise comparando cada acepção de justiça entre as diversas profissões jurídicas (pelo menos as acepções mais relevantes, segundo os propósitos desta pesquisa). Posteriormente, ou mesmo concomitantemente quando a elucidação no caso se faça exigir, proceder-se-á a comparação das opiniões entre os sexos dentro das profissões jurídicas.

Somente uma pessoa, a citar, um desembargador, atestou ser a justiça, para ele, a expressão da vontade do cosmos. Isso provavelmente se deve ao fato de essa acepção, ainda que bem próxima de outras, como: princípio, valor ou ideal e justo ou eqüidade, não ser tão acessível a quem não tenha um razoável conhecimento filosófico. Ainda assim, é bem difícil adotar-se tal acepção, talvez pela relativa complexidade, talvez pelo suposto distanciamento da realidade cotidiana mais perceptível.

A acepção compensação ou retribuição apresenta certas peculiaridades, entre as quais, a aproximação entre estudantes de direito (9), advogados (8) e outros profissionais da área jurídica (10). Isso bem poderia denotar que há, em Teresina, uma manutenção de um certo nível de educação jurídica, o qual não permitiria ao estudante desvencilhar-se de um sentimento pessoal de justiça ligado à compensação de danos, à retribuição das perdas eventualmente sofridas, ou mesmo, à vingança. Por outro lado, tem-se um número bem expressivo de advogados (20) e um relativo número de estudantes (7) cujas opiniões indicaram a acepção justiça como virtude, ou seja, em poucas palavras, a prática reiterada do que é certo e do que é justo. Há também um considerável número de estudantes (10) que citaram a acepção de justiça como princípio, valor ou ideal, o que de pronto bastaria para negar a primeira afirmação [24], atestando sim, a contrário senso, uma perceptível mudança nos moldes do ensino jurídico em Teresina [25].

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Em contrapartida, não se pode afirmar que tal mudança tenha atingido plenamente os advogados, possivelmente tal mudança não tenha atingido os mais velhos, uma vez que o maior número de opiniões dos advogados (25) atesta que a justiça é instituição ou lei, constatando-se, assim, que a referida mudança no ensino do direito é relativamente recente. O mesmo pode-se dizer para os juízes, cujo maior e mais expressivo número de opiniões (9), entre todas as demais acepções, aglutinou-se na acepção de justiça como instituição ou lei.

Entre os defensores públicos, houve um certo equilíbrio na distribuição das opiniões, talvez até pelo pequeno número de defensores entrevistados. Há de se falar apenas que, dentre eles, haviam alguns que tinham como única e exclusiva acepção de justiça a de instituição ou lei. Dado que todos os promotores sem exceção alguma, indicaram a acepção de instituição ou lei, dentre suas diversas opiniões acerca da justiça, ela foi a que atingiu um maior número dentro desta profissão. Vale afirmar que houve um equilíbrio entre homens (4) e mulheres (4) desta profissão que admitiram a acepção instituição ou lei. Por fim, tem-se que, quanto aos procuradores, predominou a acepção virtude.

A assertiva feita entre homens e mulheres (profissionais de áreas não jurídicas), cujas opiniões acerca das acepções harmonização social, de fruto da sociedade e de justo ou eqüidade eram sobremaneira discrepantes, por motivos já expostos, demonstra aqui ser novamente válida, mesmo nos campos específicos de cada profissão jurídica. Há, entre os advogados (homens) um número bem maior de opiniões nas acepções de harmonização social (16) e fruto da sociedade (10), enquanto que as advogadas expressam nas mesmas acepções, respectivamente, nove (9) e cinco opiniões (5). Dentre os procuradores, não há sequer uma mulher cuja opinião se enquadre na acepção fruto da sociedade e, entre os juízes e outros profissionais da área jurídica, ocorre o mesmo, entretanto referindo-se não mais a fruto da sociedade, mas a harmonização social, sendo que o número de homens foi bem mais expressivo nestes últimos (7 – outros profissionais do direito).

A situação novamente se inverte com a acepção de justo ou eqüidade, agora com algumas exceções. Com relação aos advogados e procuradores, a regra fez valer-se, sendo que nenhum procurador (homem) emitiu opinião condizente com esta acepção. Entretanto, houve o inverso com estudantes, outros profissionais do direito e juízes, sendo que, no caso dos estudantes, nenhuma mulher propôs dentre suas acepções esta acepção, qual seja: justo ou eqüidade.

Por fim, encetar-se-á agora uma comparação entre as principais acepções adotadas pelos profissionais do direito e por profissionais de áreas não jurídicas a fim de constatar aproximações (pontos de contato) e distanciamentos entre suas opiniões.

As opiniões relacionadas à justiça como compensação ou retribuição foram bem mais significativas entre os profissionais de áreas não jurídicas (61 – profissionais de áreas não jurídicas a 41 – profissionais do direito), devido talvez à diferença numérica de entrevistados na área jurídica e o somatório dos entrevistados nas demais áreas. O mesmo se poderia dizer sobre as acepções igualdade, vontade ou razão divina, ideal de liberdade e bem da sociedade, se a diferença numérica entre os juridicamente leigos e os profissionais do direito não fosse, proporcional e respectivamente, tão grande (igualdade / 63 – profissionais de áreas não jurídicas a 22 – profissionais do direito; vontade ou razão divina / 10 – profissionais de áreas não jurídicas a 2 – profissionais do direito; ideal de liberdade / 9 – profissionais de áreas não jurídicas a 3 – profissionais do direito; e bem da sociedade / 34 – profissionais de áreas não jurídicas a 18 – profissionais do direito). O que se pode constatar nesses casos é que os profissionais do direito, seja em Teresina, seja em qualquer outro estado brasileiro, ou mesmo, em qualquer outro país, tem o vício, imposto talvez pelo próprio labor jurídico, de distanciar-se da população, daqueles para quem e por quem o direito é feito; daí as discrepâncias entre o pensar do povo e o dos profissionais da área jurídica.

Ocorre o inverso quando das acepções de harmonização social e fruto da sociedade (harmonização social / 22 – profissionais do direito a 14 – profissionais de áreas não jurídicas; e fruto da sociedade / 30 – profissionais do direito e 19 – profissionais de áreas não jurídicas). Já estas diferenças denotam que o primado de uma ordem que oprime, de um equilíbrio que tão-só vem mantendo as desigualdades, decepciona todo o povo – isso é o que se nota não só em Teresina, mas em âmbito nacional – daí jamais ter sido ou vir a ser essa pretensa ordem e esse "equilíbrio" a bandeira de um povo.

Há de se falar ainda nas aproximações e igualdades numéricas entre os dois citados grupos, quais sejam, profissionais do direito e profissionais de áreas não jurídicas.

Quanto às acepções virtude, princípio, valor ou ideal e justo ou eqüidade, houve uma proximidade marcante entre o número de opiniões emitidas pelos profissionais das áreas aqui consideradas (virtude / 42 – profissionais do direito a 45 – profissionais de áreas não jurídicas; princípio, valor ou ideal / 30 – profissionais do direito a 34 – profissionais de áreas não jurídicas; justo ou eqüidade / 16 – profissionais do direito a 19 – profissionais de áreas não jurídicas). Houve ainda uma igualdade, talvez até inexpressiva para fins científicos, dado o número irrelevante diante do todo desta pesquisa (1), quanto à acepção de justiça libertadora [26].

Propositadamente, deixou-se para agora a análise em separado das acepções não existe e instituição ou lei. Como muito já se frisou, há uma perceptível revolta da população contra as injustiças e a pouca celeridade em algumas das ações do Judiciário, bem como das demais autoridades, pertençam elas a quaisquer dos poderes. Daí ter sido maior o número de opiniões agrupadas na acepção instituição ou lei, não apoiando necessariamente tal acepção, antes, em considerável parcela dos casos, denunciando e criticando os vícios já citados (instituição ou lei / 112 – profissionais de áreas não jurídicas a 67 – profissionais do direito). Contribui para confirmar isso o fato de que as opiniões referentes à acepção não existe terem sido, em muito, maiores nos profissionais de áreas não jurídicas (10) que nos profissionais do direito (1), denotando, mais uma vez, a descrença do povo não necessariamente na Justiça, mas no Judiciário.

2.3 Como entender que a Justiça é a lei (e algumas outras coisas)

A tabela ora analisada (Tabela 2) reúne o conjunto de dados obtidos através das relações entre três elementos coletados: a quantidade de vezes que cada acepção foi citada, o total das opiniões emitidas e o número total dos entrevistados. Em outras palavras, evidencia a Incidência das acepções de justiça na comunidade teresinense.

Relacionando a quantidade de opiniões que indicaram cada acepção com o total das opiniões, obtém-se os dados da terceira coluna, que nos mostram o percentual representativo de cada acepção diante do total das opiniões manifestadas (ou seja, do total de vezes que se citaram cada uma das acepções). Quanto à coluna seguinte, seus dados dizem respeito à relação entre o número de aparições de cada acepção e o número total de entrevistados.

Presentemente, deve ser levado em consideração que cada entrevistado mencionou uma média de 2,14 acepções de justiça. Desse modo, a segunda coluna mostra os percentuais de freqüência da incidência de cada acepção entre os entrevistados. Esses dados devem ser entendidos da seguinte forma, tomando-se a acepção Instituição ou Lei como exemplo:

1)Pela terceira coluna (nº opiniões daquela acepção sobre o nº total de opiniões), quantidade de vezes que tal acepção foi mencionada constitui 24,59% de todas as opiniões coletadas;

2)Multiplicando-se esse percentual pelo total das opiniões (728) pode-se encontrar a quantidade de vezes que a acepção foi mencionada (179).

O que se atinge, desse modo, é, na verdade, a quantidade de pessoas que fizeram alusão à acepção Instituição ou Lei. Relacionando esse número com o número total de entrevistados (340) obtém-se o percentual da quarta coluna (52,65%). Este impressionante dado mostra a quantidade de pessoas do total que apontaram justiça como Instituição ou Lei: a maioria.

O processo de leitura deve ser feito dessa forma para todas as acepções da presente tabela que, apesar de conter informações preciosas, mostra apenas os números gerais da pesquisa, desdobrados mais adiante nas relações entre acepções e sexo dos entrevistados, acepções e profissão e outros elementos.

Comentários sobre as prováveis razões pelas quais os resultados finais foram especificamente os acima e não outros serão delineados ao longo de todo o presente estudo.

2.4 A Justiça e as questões de gênero

Em comparação com o número de mulheres entrevistadas, houve quase 50% mais homens nos trabalhos dos quais foram coletados os testemunhos. O mesmo se repetiu proporcionalmente ao número de opiniões.

2.4.1 Na concepção dos homens e das mulheres a Justiça veste toga

O fato principal a ser notado com a interpretação dos dados da Tabela 3 – Justiça e as questões de gênero – é a semelhança marcante entre os resultados concernentes às porcentagens número de opiniões daquela acepção naquele sexo sobre o número total de opiniões daquele sexo. Ou seja, em termos gerais, as acepções mais lembradas pelos homens e pelas mulheres foram as mesmas.

Ora, dado o avanço significativo da mulher no cenário social durante este último século é evidente que os valores educacionais colocados para cada sexo se aproximaram. Ou seja, o condicionamento social imposto ao indivíduo em virtude do seu sexo tem perdido importância, ou ao menos tem se tornado semelhante. Provavelmente tais mudanças expliquem a gritante identidade de resultados nas porcentagens acima referidas dentro do conjunto de opiniões de cada sexo.

Tanto entre homens quanto entre mulheres a acepção mais lembrada foi a de justiça como instituição ou lei, seguida por outras quatro que apenas alternaram suas posições dentro do conjunto opinativo de cada sexo: compensação ou retribuição, virtude, igualdade e princípio, valor ou ideal.

As únicas dessemelhanças realmente significantes na proporção opinativa ora estudada foram as apresentadas nas acepções de justiça como harmonização social e justiça como justo ou eqüidade.

No caso da harmonização social, dentro do quadro de opiniões masculinas a sua importância é muito maior (6,81%) do que no de femininas (1,85%). Ou seja, proporcionalmente ao total de opiniões em cada sexo (masculino – 426; feminino – 270), a citada acepção figurou acima de três vezes e meia a mais entre os homens que nas mulheres.

Um pouco menos exacerbada foi a diferença no caso das mesmas proporções aplicadas à acepção justo ou eqüidade. Dentre as opiniões femininas, sua relevância (7,04%) foi quase duas vezes maior que em meio às masculinas (3,76%).

Bem, provavelmente as causas de tal diferença estejam vinculadas à situação social feminina de ontem e hoje. Nos últimos milênios as mulheres sofreram violentas repressões masculinas a sua liberdade, seja em nome de uma suposta "natureza superior do homem", seja em favor das "tradições sociais". A posição de justiça como harmonização social, por sua vez, está muito próxima de uma ordem, em nome da qual milhões de mulheres foram assassinadas desde muito. Sendo assim, dificilmente as mulheres se sentiriam dispostas a apresentar tal acepção de justiça, conscientes disso ou não, visto que a mesma harmonização social tem servido por muitos séculos como pretexto para a perseguição e assassínio de inúmeros seres humanos (naturalmente, entre estes, de um sem número de mulheres). Este fato iníquo, longe de ter se manifestado isoladamente, se estendeu por praticamente todo o globo, inclusive a sociedade ocidental – da qual Teresina faz parte.

Por outro lado, a relevância de uma acepção mais pessoal de justiça (justo ou eqüidade) denuncia que, no quadro geral das opiniões por sexo, as mulheres tendem a acreditar muito mais numa configuração individual da justiça que numa construção por fora, ou de fora para dentro (harmonização social). Logicamente, se a "ordem" e o "equilíbrio" têm servido muito mais ao confinamento que à libertação feminina, um paradigma de justiça pessoal [27] é um contrapeso a tal situação e uma forma de contrastá-la.

2.4.2 Homens e mulheres confirmam: a Justiça é votada por representantes eleitos

Quando a análise é focalizada nas porcentagens definidas pela razão entre o número de opiniões daquela acepção naquele sexo (o que equivale a número de pessoas com aquela acepção naquele sexo) sobre o número total de pessoas daquele sexo as diferenças se avultam.

Novamente, é necessário destacar a supremacia da acepção Justiça como instituição ou lei. Mais da metade dos homens (53,68%) e metade das mulheres (50,00%) lembraram tal acepção em suas opiniões. Como será bastante colocado adiante, em um país onde reinam a impunidade e o desprezo pelas leis e abundam as denúncias de corrupção envolvendo magistrados, não se pode estranhar que as pessoas vejam o cumprimento (tão raro) das normas elaboradas pelos seus representantes como efetiva realização da Justiça.

Enquanto nas demais acepções o equilíbrio se mantém, confirmando os comentários iniciais do item anterior, no caso de justiça como vontade ou razão divina, como bem da sociedade, como harmonização social, como justo ou eqüidade e como fruto da sociedade as dessemelhanças se agravam consideravelmente.

Como o desequilíbrio das acepções harmonização social e justo ou eqüidade já foi tratado, nos ateremos a comentar as demais:

a)A acepção divina de justiça teve maior eco entre os homens. Tal consideração parece paradoxal, uma vez que a mulher, ao longo da história, tem estado imersa na religião bem mais que o homem. Pode-se supor que tal fato deva-se à opressão mesma sofrida pela mulher. Uma provável, mas remota explicação para esse desequilíbrio entre as opiniões masculinas e femininas, especificamente nesta acepção, seria a posição feminina no contexto das religiões, em geral de submissão ao marido, situação esta que se não atinge diretamente a mulher citadina atual – como no caso da teresinense – ainda persiste em relação às interioranas dos rincões mais afastados, inclusive do nosso estado. Além disso, as seqüelas deixadas por tal fato não se apagam em menos que séculos ou décadas;

b)Justiça como bem da sociedade teve, maior relevância entre os homens. As doutrinas materialistas, sem dúvida, tiveram um eco maior no século XIX, quando o homem era o centro social único, seja na Europa, seja em plena Teresina;

c)Já visível nas porcentagens antes estudadas, agora ainda maior, é a significância das opiniões que indicam a justiça como algo variável de sociedade para sociedade entre os homens que foram entrevistados. A explicação para isto parece ser um misto da já realizada quanto às diferenças correspondentes às acepções de justiça como harmonização social, justo ou eqüidade e bem da sociedade. Ao mesmo tempo em que esse relativismo atingiu muito mais aos homens (que eram os únicos a freqüentarem centros de intelectualidade na Antigüidade dos Sofistas ou a maioria na contemporaneidade dos materialistas), para as mulheres enxergar justiça como fruto da sociedade significaria concordar com as injustiças praticadas contra elas em nome dessa mesma justiça. A concepção de justiça como algo superior a um simples fruto social (mesmo que tal justiça superior seja o tratamento equânime que cada pessoa deve dispensar as outras – e, portanto, bastante individualizada) é o que tem sustentado a luta feminina contra a barbárie a que os homens submeteram (e, em alguns casos como nos países islâmicos, ainda submetem mais abertamente) as mulheres ao longo dos séculos.

2.4.3 Transitado em julgado: a Justiça é tangível

Elaborou-se o ranking abaixo buscando um termo de comparação final entre os homens e mulheres entrevistados (posição de cada acepção por sexo), fundando a determinação das posições na coluna número de opiniões (ou pessoas) daquele sexo que indicaram aquela acepção sobre o número total de pessoas daquele sexo (vide Tabela 3):

Ranking das acepções em função do sexo – referente à Tabela 3

Acepção de justiça

Homens

Mulheres

Expressão da Vontade do Cosmos

14º

13º

Compensação ou Retribuição

*

Virtude

Igualdade

Vontade ou Razão divina

10º

12º

Ideal de Liberdade

11º

Bem da Sociedade

Justiça Libertadora

13º

13º

Princípio, Valor ou Ideal

Harmonização Social

Instituição ou Lei

Justo ou Eqüidade

Não existe

12º

Fruto da Sociedade

* Em destaque as posições que foram idênticas no ranking

Quanto àquelas pessoas não identificadas pelo sexo, a análise das suas opiniões será realizada no capítulo seguinte (onde serão avaliadas as relações entre acepções de justiça e profissão dos entrevistados), posto que além de não apresentarem referências que possibilitassem sua consideração nesta parte do estudo, suas opiniões pouco influenciariam nos resultados acima (representaram cerca de 4,36% das opiniões e 5,88% das pessoas).

Assuntos relacionados
Sobre os autores
Francisco de Sousa Vieira Filho

Advogado, militando sobretudo na área trabalhista, em Teresina-PI, Especialista em Direito Constitucional pelo LFG e Mestre em Direito pela Universidade Antônoma de Lisboa. Professor nas faculdades AESPI e FAPI, e professor substituto na UESPI (Campus Clóvis Moura). Autor dos livros: Lira Antiga Bardo Triste (2009); Lira Nova Bardo Tardo (2010) e Codex Popul-Vuh - ramo de folhas (2013).

Alex Myller Duarte Lima

Auditor Fiscal do Trabalho no Mato Grosso.

Ana Lygian de Sousa Lustosa

Juíza do Trabalho da 16ª Região (Maranhão).

Carlos Eduardo Gomes

Advogado militante em Teresina (PI).

Gleyciane Tenório Rios

Advogada da União em Brasília (DF).

Venceslau Felipe Oliveira

Escrivão da Polícia Civil do Estado do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA FILHO, Francisco Sousa ; LIMA, Alex Myller Duarte et al. O sentimento de justiça da comunidade teresinense. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1307, 29 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9429. Acesso em: 27 abr. 2024.

Mais informações

A presente monografia decorre de pesquisa (teórico-prática) realizada sob a coordenação e orientação do professor e mestre MARCELINO LEAL BARROSO DE CARVALHO, tendo como autores-pesquisadores: ALEX MYLLER DUARTE LIMA; ANA LYGIAN DE SOUSA LUSTOSA; CARLOS EDUARDO GOMES; FRANCISCO DE SOUSA VIEIRA FILHO; GLEYCIANE TENÓRIO RIOS; e VENCESLAU FELIPE OLIVEIRA

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos