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O sentimento de justiça da comunidade teresinense

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III - O MUNDO PROFISSIONAL E A JUSTIÇA

3.1 A Justiça e "os de fora"

Cumpre destacar, neste momento, antes de atermo-nos à contextualização de cada acepção de justiça, o quadro percentual, ou seja, representativo, do número de profissionais de áreas não jurídicas no montante da amostragem desta pesquisa, de forma que se possa ter uma idéia real e concreta da representação desta parcela na construção das conclusões que serão elaboradas.

De pronto, constata-se que no universo de 340 pessoas entrevistadas, 218 eram profissionais não ligados, direta ou indiretamente, à Ciência Jurídica. Destes 218, por sua vez, pode-se extrair os mais diferentes níveis de educação e cultura. São empregadas domésticas, gazeteiros, médicos, engenheiros, sociólogos, donas de casa, professores, estudantes do ensino médio e superior, dentre outros, que colaboraram com um total de 431 opiniões, num total de 728 obtidas no montante geral.

Dessa forma, conclui-se que os profissionais de áreas não jurídicas representaram cerca de 64,12% dos entrevistados e 59,20% das opiniões auferidas. E o que estes dados nos revelam? É o que se tentará esclarecer nos tópicos abaixo enumerados. De tal sorte que serão divididas, inicialmente, as opiniões predominantes na totalidade dos profissionais de áreas não jurídicas; e, logo a seguir, serão analisadas as opiniões de cada acepção sobre o número de profissionais de áreas não jurídicas (incidência das acepções), bem como as diferenças entre homens e mulheres, nas definições do que seja justiça.

3.1.1 As opiniões dos "de fora" não apagam a luz no fim do túnel

A análise das porcentagens opinativas (número de opiniões que citaram aquela acepção emitidas por profissionais de áreas não jurídicas sobre o número total de vezes que as acepções apareceram entre estes profissionais) revelou aspectos interessantes no quadro formado pelos profissionais "leigos" nas ciências jurídicas.

Não fugindo à regra positivista que identifica o Direito e a Justiça com a norma posta, tal é o tradicionalismo de nossa cultura jurídica na identificação dos pressupostos da Teoria Pura do Direito de Kelsen, que a Justiça foi indicada, em assustadora maioria das opiniões, como sendo instituição ou lei.

De fato, a maioria dos entrevistados identificou imediatamente a Justiça como sendo o próprio Poder Judiciário ou a Lei, e isso ocorreu até mesmo entre os profissionais do Direito, totalizando um percentual de 25,99% das opiniões coletadas entre os profissionais de outras áreas.

Um segundo grupo de opiniões identificou Justiça como sendo igualdade (14,62%) ou compensação ou retribuição (14,15%). Aqui, pode-se ver que a distribuição das opiniões não se deu de forma equânime, muito pelo contrário. A acepção mais citada foi bem superior às outras.

Os profissionais de áreas não jurídicas que identificaram a Justiça como sendo igualdade externaram, em sua grande maioria, o descontentamento com as desigualdades sociais. Na mais das vezes, quem se reportou a essa acepção, optou por acreditar que a justiça seria uma forma de transformação da sociedade a partir do pressuposto de que, se todos são iguais, merecem ter as mesmas condições de vida. Mesmas condições de vida, entenda-se, significando mesmas condições materiais de vida, numa sociedade Capitalista, em que se mede o valor das pessoas, não pelo que são, mas pelo que possuem.

Entretanto, há que se salientar que algumas das pessoas que entenderam Justiça como sendo igualdade, fizeram-no acreditando ser a Justiça a medida perfeita, ou seja, a medida do que deve ser dado a cada um para que se atinja o bem-comum, a paz social.

Justiça como compensação ou retribuição afigura-se dentro da mesma linha de raciocínio que a acepção igualdade, isto é, são primados os mesmos valores individualistas que na anteriormente mencionada acepção. Aqui, importa saber que os profissionais não ligados à Ciência Jurídica associaram tal acepção, quando de suas opiniões, à idéia de vingança, de castigo.

A justiça identificada como virtude (10,44%) ocupou a quarta posição dentre as 14 (quatorze) acepções consideradas nesta pesquisa, encerrando o quadro daquelas com mais de 10% de freqüência dentre os profissionais ora tratados. Aqui, destaca-se um aspecto interessante, pois virtude está associada à idéia de bem agir, agir segundo sua consciência, fazendo aquilo que é justo, o que significa dizer que, para esta parte dos profissionais de áreas não jurídicas, a Justiça funciona como um controle interno do indivíduo, fazendo a sociedade tanto melhor, quanto mais homens cultivarem a Virtude do bem agir, que não depende de leis nem de códigos para se manifestar.

As acepções princípio, valor ou ideal (7,88%) e bem da sociedade (7,88%) compreendem um quarto grupo. Empatadas no número de opiniões, estas duas acepções trazem algumas diferenças mais marcantes em relação ao sexo. De fato, os homens destacaram duas vezes mais a acepção bem da sociedade do que as mulheres.

Justo ou eqüidade e fruto da sociedade empataram com 4,40% das opiniões colhidas. Vale ressaltar que a acepção fruto da sociedade adquiriu uma porcentagem bem maior de opiniões entre os homens do que entre as mulheres; enquanto que a acepção justo ou eqüidade foi bem mais citada entre as mulheres, o que será mais detalhado em momento oportuno.

Há ainda um sexto grupo de opiniões que deve ser mencionado. Aqui, estão as acepções de Justiça como harmonização social (3,24%), ideal de liberdade (2,03%) e não existe (2,32%).

Destaca-se, de pronto, que a justiça libertadora, das 431 opiniões colhidas entre os profissionais de áreas não jurídicas, obteve apenas uma opinião, representando 0,23% das opiniões emitidas por esse grupo.

Infelizmente, aqui se retrata com mais nitidez o que pôde ser constatado durante toda a pesquisa, ou seja, o descrédito para com a capacidade do homem em transformar a sociedade em que vive e as instituições que lhe dão forma. Ora, quando se perde a capacidade de acreditar no Homem, deixa de existir a motivação, a mola propulsora capaz de fazer girar as engrenagens que podem transformar a História e a Vida do Homem em sociedade, fazendo-o escravo porque não acredita que possa viver fora dessa escravidão. Daí o percentual até representativo de 4,64% que acreditam, simplesmente, que não existe Justiça ou de que ela é proveniente apenas da Vontade ou Razão Divina (2,32% + 2,32% = 4,64%).

3.1.2 Os sábios leigos e sua Justiça que não é só a lei

Considerando-se a tabulação referente ao número de opiniões que apontaram certa acepção (ou de profissionais de áreas não jurídicas que a citaram) sobre o número total de entrevistados profissionais de áreas não jurídicas, ou seja, não ligados à Ciência Jurídica, destaca-se que:

a)A acepção mais difundida foi instituição ou lei (51,38%), o que não foge à regra de que grande parte das pessoas quando se referem à Justiça a associam diretamente ao Poder Judiciário. Isto posto entre os profissionais de áreas não jurídicas serve, sobretudo, para evidenciar que as práticas reiteradas do ensino positivista nas Escolas de Direito influenciam também os profissionais não ligados diretamente à Ciência Jurídica. De fato, nossas universidades têm se preocupado mais com o ensino da Norma Jurídica, numa atitude francamente positivista, esquecendo-se que a aprendizagem dos códigos deve ser feita de maneira crítica. A sociedade teresinense, expressando suas concepções sobre Justiça, nada mais fez do que refletir aquilo que é difundido entre os próprios profissionais do Direito. Contudo, deve ser ressaltado que grande parte dos entrevistados que citaram essa acepção também citaram outra(s). Além disso, um aspecto muito interessante, é o que versa sobre a importância da Lei. Ora, se é lugar comum afirmar, na nossa sociedade, que as leis não são cumpridas, nada mais lógico que afirmar que a Justiça seria o cumprimento destas leis; donde se conclui que a insegurança gerada pelo descumprimento de nossos preceitos jurídicos origina, talvez, uma necessidade de amparar um conceito de Justiça numa acepção concreta, que não figure no tecido social apenas como um ideal distante, tão distante que o fato de se estar ainda na mera expectativa de realizá-la não se constitua, por si só, numa desculpa para sua total ausência.

b)Um segundo grupo de opiniões versou sobre as acepções compensação ou retribuição (27,98%) e igualdade (28,90%) que, juntas, representam um pouco mais que o percentual apresentado pela acepção instituição ou lei.

c)A acepção de Justiça como virtude figurou significativamente entre os profissionais de áreas não jurídicas (20,64%), o que, de certa forma, nos anima a crer numa atitude progressista por parte destes profissionais. De fato, a virtude figurando em grande número de opiniões pode denotar uma atitude de apego a uma acepção mais valorosa de Justiça, que não se localiza nas leis, nos códigos e nas instituições, mas no Homem, como ser racional e capaz de construir seus caminhos.

d)Um terceiro grupo percentual citou, de forma até significativa, as acepções bem da sociedade (15,60%) e princípio, valor ou ideal (15,60%). Não serão feitas explanações, neste momento, porque as diferenças mais acentuadas serão detalhadas quando da análise das questões de gênero, que será feita logo a seguir.

e)Fruto da sociedade (8,72%) e harmonização social (6,42%) formam um quarto grupo, que teve uma porcentagem pouco significativa (na comparação entre os sexos) na análise das opiniões pelo número total de entrevistados porque não foram acepções de grande aceitação entre as mulheres.

f)Num quinto grupo estão presentes as acepções de vontade ou razão divina (4,59%), não existe (4,59%) e ideal de liberdade (4,13%). Estas acepções, dentro da categoria estudada, ou seja, dos profissionais de áreas não jurídicas, denotam interessantes conclusões. A acepção vontade ou razão divina e não existe podem estar muito próximas do descrédito para com o Poder Judiciário e a Justiça dos Homens.

g)As acepções justiça libertadora (0,46%) e expressão da vontade do cosmos (0,00%) não obtiveram um número expressivo de opiniões.

3.1.3 A vitória do legalismo institucional

A seguir expõe-se, para fins ilustrativos, um ranking das acepções indicadas pelos profissionais de outras áreas.

Ranking das acepções entre os profissionais de áreas não jurídicas – referente à Tabela 4

Nº de opiniões que indicaram aquela acepção/ordem decrescente

Instituição ou Lei

112

Igualdade

62

Compensação ou Retribuição

60

Virtude

45

Princípio, Valor, ou Ideal

34

Bem da Sociedade

31

Justo ou Eqüidade

19

Fruto da Sociedade

19

Harmonização Social

14

Ideal de Liberdade

12

Não Existe

10

Vontade ou Razão Divina

9

Justiça Libertadora

1

Expressão da Vontade do Cosmos

0

OTAL

431

3.1.4 As questões de gênero nos "leigos"

Incidência das acepções em função do sexo dentro dos profissionais de outras áreas*

Acepção de Justiça

Homens

Mulheres

TOTAL

Expressão da Vontade do Cosmos

0 – 0,00%

0 – 0,00%

0

Compensação ou Retribuição

28 – 12,02%

31 – 17,32%

59

Virtude

24 – 10,34%

19 – 10,61%

43

Igualdade

34 – 14,59%

27 – 15,08%

62

Vontade ou Razão divina

6 – 2,57%

3 – 1,67%

9

Ideal de Liberdade

6 – 2,57%

3 – 1,67%

9

Bem da Sociedade

21 – 9,01%

10 – 5,59%

31

Justiça Libertadora

1 – 0,43%

0 – 0,00%

1

Princípio, Valor ou Ideal

17 – 7,29%

17 – 9,5%

34

Harmonização Social

11 – 4,72%

2 – 1,12%

13

Instituição ou Lei

60 – 25,75%

45 – 25,1%

105

Justo ou Eqüidade

7 – 3,00%

12 – 6,7%

19

Não Existe

5 – 2,14%

5 – 2,79%

10

Fruto da Sociedade

13 – 5,57%

5 – 2,79%

18

TOTAL

233

179

412**

* Referente à Tabela 4.

** Observar que não foram inclusos os profissionais de áreas não jurídicas que não puderam ser identificados pelo sexo

No âmbito da tabulação por sexo, entre os profissionais não ligados à área jurídica, destacam-se alguns dados: das 218 pessoas entrevistadas nessa categoria, 19 não puderam ser identificados pelo sexo, figurando, portanto, fora dos quadros desta parte da pesquisa. Deste número de 218 entrevistados, 111 eram do sexo masculino e 94 eram do sexo feminino. Houve, portanto, uma diferença de 17 homens a mais que as mulheres, dado este que deverá ser considerado ao longo das conclusões que serão estabelecidas neste momento da pesquisa.

As porcentagens ora estudadas (número de opiniões daquela acepção sobre o número de opiniões de profissionais de áreas não jurídicas classificados pelo sexo) desenham um quadro a partir do qual algumas interessantes conclusões podem ser extraídas, especialmente no que se refere à média da quantidade de respostas entre homens e mulheres e às acepções mais significantes, quais sejam, instituição ou lei, igualdade, compensação ou retribuição e virtude.

De fato, tanto em relação aos homens como em relação às mulheres, a média de respostas foi de aproximadamente duas por cada entrevistado: em relação às mulheres essa média ficou em torno de 1,90; enquanto entre os homens foi de 2,10. Demonstra-se, pois, uma ínfima diferença quanto ao número de acepções citadas por homens e mulheres, profissionais de áreas não jurídicas.

Quanto às acepções mais citadas, tem-se algumas peculiaridades no que tange à distribuição das respostas entre os dois sexos, que poderão ser visualizadas pela tabela disposta logo abaixo.

Ranking das acepções entre os profissionais de áreas não jurídicas do sexo masculino

*

Homens – nº opiniões

Instituição ou Lei

60

Igualdade

34

Compensação ou Retribuição

28

Virtude

24

Bem Da Sociedade

21

Princípio, Valor, ou Ideal

17

Fruto Da Sociedade

13

Harmonização Social

11

Justo ou Eqüidade

7

Ideal de Liberdade / Vontade ou Razão Divina

6

Não Existe

5

Justiça Libertadora

1

Expressão da Vontade do Cosmos

0

TOTAL

233 OPINIÕES

* Referente à Tabela 4.

Ranking das acepções entre os profissionais de áreas não jurídicas do sexo feminino*

Mulheres – nº opiniões

Instituição ou Lei

45

Compensação ou Retribuição

31

Igualdade

27

Virtude

19

Princípio, Valor ou Ideal

17

Justo ou Eqüidade

12

Bem da Sociedade

10

Fruto da Sociedade/Não Existe

5

Ideal de Liberdade / Vontade ou Razão Divina

3

Harmonização Social

2

Justiça Libertadora/Expressão da Vontade do Cosmos

0

TOTAL

179 OPINIÕES

* Referente à Tabela 4.

Após a visualização das tabelas, algumas conclusões podem ser auferidas, a saber:

a)As quatro acepções mais citadas coincidem entre homens e mulheres, com algumas diferenças quanto à porcentagem de preferência dentre um e outro sexo. São elas: instituição ou lei, igualdade, compensação ou retribuição e virtude. Estas quatro acepções representaram, entre as mulheres, 68,16% das opiniões e, entre os homens, 62,66%. Destaca-se que, quanto às mulheres, a forma de distribuição das respostas foi mais paritária, dentro destas quatro acepções mais significativas, entendendo-se que houve uma maior diversificação das respostas entre as mulheres, o que pode ser melhor compreendido pela tabela supra citada.

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b)A acepção instituição ou lei foi a mais significativa na pesquisa entre os profissionais de áreas não jurídicas, quer sejam homens ou mulheres. Para os homens, compreendeu cerca de 25,75% das opiniões; para as mulheres, esse percentual foi um pouco menor, 25,13%. Esta referência majoritária à Justiça como sendo instituição ou lei foi de tal forma significativa entre os homens que, ao se analisar a segunda acepção mais citada dentro das opiniões colhidas, teremos o seguinte quadro: entre os homens, instituição ou lei (25,75%) foi citada quase que duas vezes mais que a segunda acepção (14,59%), que foi igualdade; entre as mulheres, por sua vez, o resultado foi um pouco diverso, pois a primeira acepção foi referência em 25,13% das opiniões; ao passo que a segunda, compensação ou retribuição, em 17,32% das opiniões emitidas.

c)Um outro fato interessante é que a quinta referência mais citada entre homens e mulheres foi diversa. Para estas, princípio, valor ou ideal; para aqueles, bem da sociedade. Se fizermos o mesmo cálculo percentual do item "a", supra, teremos a seguinte conclusão: as cinco acepções mais citadas entre as mulheres representaram cerca de 77,65% do total de opiniões; entre os homens, incluindo-se a acepção bem da sociedade, esse valor percentual é da ordem de 71,67%. Com isso verifica-se que, em termos gerais, as opiniões emitidas entre homens e mulheres, profissionais de áreas não jurídicas, não foram bem distribuídas, concentrando-se preferencialmente em cinco acepções, das quatorze mencionadas na pesquisa em geral.

d)Um outro ponto que deve ser mencionado, com cautela, é o das acepções que figuraram em segundo lugar entre os homens e mulheres. Aqui, há uma sensível diferença, pois a igualdade figurou mais vezes entre os homens do que entre as mulheres; equiparando-se à compensação ou retribuição dentre as opiniões femininas.

e)A acepção bem da sociedade foi, entre os homens, a quinta mais citada, ao passo que, nesta posição, entre as mulheres, figurou a acepção de Justiça como princípio, valor ou ideal. Isto nos leva, fatalmente, a concluir pela descrença das mulheres num conceito de Justiça que se baseie na evolução natural da sociedade. De fato, os anos de dominação do homem em detrimento da mulher podem aqui ser apontados como fator decisivo na pequena porcentagem de opiniões que pôde ser colhida entre as mulheres, no sentido de identificar a Justiça como um bem da sociedade. Dado este que pode ser, inclusive, ratificado, quando da análise da acepção de Justiça como harmonização social, que obteve, entre os homens, 11 opiniões, ao passo que entre as mulheres, somente duas, ou seja, mais do quíntuplo de referência entre as opiniões masculinas em detrimento das femininas. Daí por que, a acepção princípio, valor ou ideal tenha figurado, entre as opiniões femininas, como a quinta posição, com 17 citações dentro das 179 colhidas. De fato, numa sociedade "machista", difícil é, para o caráter feminino, afirmar que Justiça seria o bem da sociedade, pois surgem sempre as perguntas: Mas, que sociedade? A sociedade "machista" em que vivem? Melhor, portanto, para elas, é considerá-la como um Princípio, um Valor ou até mesmo um Ideal, distante que seja, para que não se acredite que o que está posto como ordem, como razão social ou como "o bem da sociedade" não se confunda e, principalmente, não se misture sequer com o pálido rascunho do que seja o Justo.

3.2 A Justiça e os profissionais da Justiça

Serão analisados aqui os valores anotados na Tabela 1, mas somente aqueles presentes nos campos assinalados por profissionais do Direito (ou seja, os contidos na Tabela 5 – A Justiça e os "iniciados"), a saber: advogados, defensores públicos, promotores de justiça, juízes, desembargadores, estudantes de Direito e outros identificados ou não pelo sexo. A categoria "outros" representa as demais atividades ligadas ao mundo do Direito como delegados de polícia, técnicos e auxiliares judiciários, oficiais de justiça etc.

Participaram da pesquisa 122 pessoas ligadas ao Direito. Este universo amostral é composto por 79 homens, 36 mulheres e 7 pessoas cuja descrição apresentada nas enquetes-fonte da pesquisa não permitiu a identificação por sexo.

Dentre todos os operadores do Direito, os advogados foram os que mais emitiram opiniões sobre seu sentimento de justiça. As participações destes contabilizaram um número de 106 opiniões na pesquisa, o que representa 35,69% das opiniões totais dos operadores do Direito.

Analisando o percentual da cada acepção de justiça em cada categoria de operadores do Direito percebemos que entre os advogados a mais citada foi instituição ou lei com 23,58% das suas opiniões, seguida por virtude com 18,86% e fruto da sociedade com 14,15%. Em todo o conjunto formado por profissionais do Direito foi assinalada somente uma opinião declarando que a justiça não existe e este profissional era um advogado.

Entre os promotores imperou também a acepção de justiça como instituição ou lei. Sua parcela representa exatamente um terço do total de opiniões emitidas pelos membros do Ministério Público, o que é um valor muito expressivo.

Os magistrados, assim como a maioria dos profissionais do Direito, também expressaram por meio de suas opiniões uma aproximação de seu sentimento de justiça com a acepção instituição ou lei. Cerca de 28% das opiniões dos juízes esteve ligada a esta acepção. Esta constatação é lamentável, uma vez que, em tese, deveriam ser os maiores provedores da verdadeira justiça.

Percebe-se uma melhor distribuição das opiniões pelas acepções de justiça dentre os estudantes de cursos jurídicos. Eles são o segundo grupo mais representativo nesta pesquisa, suas opiniões somam 20,53% do total — isso mostra quanto a participação dos advogados é substancial, pois suas opiniões alcançam quase o dobro destas.

Uma surpresa foi registrada no grupo de estudantes, a acepção de justiça como lei ou instituição ficou apenas em terceiro lugar dentre as mais citadas pelo grupo. A maioria dos estudantes de Direito entrevistados concebe a justiça como princípio, valor ou ideal. Aproximadamente 18,03% dos universitários tiveram suas opiniões relacionadas a esta acepção. Este resultado inesperado talvez seja uma conseqüência positiva da adoção recente de mais disciplinas filosóficas e sociológicas voltadas ao Direito, o que influencia na formação do pensamento jurídico do futuro profissional do Direito. De uma maneira pessimista, poder-se-ia cogitar que estes valores surgiram em virtude de os estudantes entrevistados não possuírem ainda uma vivência do Direito que lhes permitisse vislumbrar a justiça sob outro foco — talvez o da maioria: justiça como lei ou instituição.

Para os oficiais de justiça, delegados de polícia e demais integrantes da categoria denominada "outros" operadores do Direito a acepção que melhor representaria seus sentimentos de justiça seria instituição ou lei com 24,48% das opiniões por eles emitidas. E outra vez a acepção dominante no mundo dos operadores do Direito registrou o primeiro lugar, ficando em segundo a acepção compensação ou retribuição com 20,40% das opiniões.

Fato curioso foi encontrado na resposta de um desembargador entrevistado. Ele foi o único dentre todos os demais, profissionais do Direito ou não, a apontar um sentimento de justiça ligado à acepção expressão da vontade do cosmos.

As opiniões emitidas por defensores públicos, procuradores de justiça e desembargadores não foram analisadas individualmente porque representam números pequenos diante do quadro geral. Porém, quando unidos foram de grande importância para traçar-se um perfil acerca do sentimento de justiça dos operadores do Direito de Teresina.

3.2.1 Justiça dos "iniciados": lei, virtude ou compensação?

Analisando-se quantitativamente os entrevistados, segundo suas profissões, constatou-se que aproximadamente 35,88% deles exerciam alguma atividade jurídica (122 pessoas num total de 340). Quanto às opiniões emitidas pelos profissionais do Direito, estas representam cerca de 40,80% do total de opiniões coletadas nos trabalhos.

3.2.1.1 A communis opinio doctorum: a Justiça de tijolos, togas e letras

A interpretação das porcentagens opinativas (nº de opiniões daquela acepção emitidas por profissionais do direito sobre o nº total de opiniões emitidas por estes profissionais) revelou que dentre as diversas acepções de justiça encontradas nos trabalhos aquela que obteve um número de opiniões significativamente superior foi a que simbolizava justiça como instituição ou lei, registrando 22,56% do total.

O estudo dos valores percentuais acima referido pode ser realizado em quatro grupos, a saber:

a)Justiça como instituição ou lei foi a acepção com o maior número de opiniões. Este dado faz emergir uma triste realidade, a de que está presente na maioria dos profissionais do Direito uma tendência a confundir a justiça com o próprio Poder Judiciário, ou senão, com o ordenamento jurídico. A razão para explicar esta realidade pode ser encontrada na formação profissional dos entrevistados que exercem alguma atividade no meio jurídico. Grande parte deles não teve uma formação universitária que lhes permitisse adquirir conhecimentos filosóficos e sociológicos mais apurados. Isto se deve ao fato de que até bem pouco tempo os cursos jurídicos do Estado do Piauí não ofereciam aos alunos a oportunidade de lidar com aquelas matérias de maneira que pudessem associá-las ao Direito.

b)As acepções de justiça como compensação ou retribuição e como virtude formam o segundo grupo. Estas acepções obtiveram valores percentuais muito próximos (13,80% e 14,14% respectivamente). A interpretação do número de opiniões que indicaram estas acepções revela haver uma ligação entre ambas. A justiça enquanto virtude está assentada no bem agir do indivíduo segundo sua consciência. A justiça como compensação ou retribuição é entendida pelo ressarcimento de um dano causado por alguém que deixou de bem agir. Devido, talvez, a esta relação entre as acepções houve uma aproximação numérica bastante nítida no que tange ao número de opiniões em cada uma delas.

c)As acepções de justiça como igualdade (7,74%), bem da sociedade (6,06%), princípio, valor ou ideal (10,10%), harmonização social (7,41%), justo ou eqüidade (5,39%) e como fruto da sociedade (10,10%) foram reunidas neste terceiro grupo em virtude de suas pequenas representações percentuais. Individualmente, os números de opiniões de cada uma destas acepções foram pelo menos 50% menores que o número de opiniões ligadas à acepção instituição ou lei (a que obteve o maior percentual individual). Os baixos índices aqui apresentados apenas reforçam a idéia anteriormente citada, ou seja, estes números refletem que a formação do profissional do Direito neste Estado era (e em alguns casos continua) deficiente no que diz respeito ao ensino de matérias filosóficas e sociológicas. Ressalta-se que a compreensão de tais matérias é o que garante o entendimento delas como parte integrante do Direito.

d)Por fim, as acepções de justiça como expressão da vontade do cosmos, vontade ou razão divina, ideal de liberdade, justiça libertadora e como algo que não existe apresentaram um número inexpressivo de opiniões. A soma percentual destas acepções representa 2,7% do total. A variação percentual do número de opiniões de cada uma destas acepções sobre o número total de opiniões registrou valores irrisórios, limitados entre 0,34% e 1,01%.

3.2.1.2 O tribunal não reforma a sentença: a Justiça está escrita em códigos

Ao desenvolver-se um estudo sobre a razão entre o número de profissionais do Direito com aquela acepção sobre o número total de profissionais do Direito entrevistados torna-se mais visível ainda a substancial superioridade numérica das opiniões dirigidas à acepção de justiça como instituição ou lei.

Neste campo da tabela (Tabela 5 – A Justiça e os "iniciados"), a acepção de justiça como instituição ou lei, que supera, com 67 opiniões, qualquer outra acepção, registra o surpreendente índice de 54,92% do total de opiniões. É seguida à distância pelas demais acepções, sendo que as que mais se aproximam são justiça como virtude (34,43%) e como compensação ou retribuição (33,61%). As outras acepções apresentaram valores percentuais sempre inferiores a 25%, o que significa que elas possuem um número de opiniões inferior à metade da acepção com o maior número de opiniões registradas.

A soma de todos os percentuais individuais registrados neste campo atinge um valor superior aos 100%, visto que grande parte dos profissionais do Direito indicou mais de uma acepção quando da entrevista. Em termos numéricos, foi emitida uma média de 2,43 acepções por entrevistado.

No mais, dentre as outras acepções, foram mantidas aqui as mesmas relações já verificadas no campo em que foram analisadas as opiniões daquela acepção sobre o número total de opiniões dos profissionais de Direito entrevistados (ver item 3.2.1.1).

3.2.2 As questões de gênero nos "iniciados"

Incidência das acepções em função do sexo dentro dos profissionais do direito*

Acepção de Justiça

Homens

Mulheres

TOTAL

Expressão da Vontade do Cosmos

01 – 0,52%

00

01 – 0,52%

Compensação ou Retribuição

30 – 15,54%

10 – 11,00%

40 - 26,54%

Virtude

22 – 11.40%

18 – 19,78%

40 - 26,54%

Igualdade

13 – 6,74%

09 – 9,89%

22 - 16,63%

Vontade ou Razão Divina

02 – 1,04%

00 – 00,00%

02 - 1,04%

Ideal de Liberdade

01 – 0,52%

02 – 2,20%

03 - 2,72%

Bem da Sociedade

12 – 6,22%

06 – 6,59%

18 - 12,81%

Justiça Libertadora

01 – 0,52%

00 – 00,00%

01 - 0,52%

Princípio, Valor ou Ideal

20 – 10,36%

07 – 7,69%

27 - 18,05%

Harmonização Social

18 – 9,33%

03 – 3,30%

21 – 21,63%

Instituição ou Lei

42 – 21,76%

20 – 22,00%

62 – 43,76%

Justo ou Eqüidade

09 – 4,66%

07 – 7,69%

16 – 12,35%

Não Existe

01 – 0,52%

00 – 00,00%

01 – 0,52%

Fruto da Sociedade

21 – 10,88%

09 – 9,89%

30 – 20,77%

TOTAL

193

91

284**

* Referente à Tabela 5.

** Não inclusas as opiniões dos profissionais do direito que não puderam ter o sexo identificado

Foram entrevistados 122 profissionais da área jurídica. No entanto, nem todos foram identificados de maneira que se pudesse distingui-los pelo sexo. Dessa forma, foram contabilizadas para o estudo desta tabela somente as opiniões daqueles profissionais do Direito passíveis de identificação conforme o sexo. A exclusão de alguns dados não interferirá nos resultados finais, visto que os não identificáveis emitiram apenas 13 opiniões, enquanto os demais somam 284 opiniões.

No universo de operadores do Direito identificados pelo sexo (número de opiniões daquela acepção sobre o número de opiniões de operadores do direito classificados pelo sexo) pode-se constatar que os homens emitiram duas vezes mais opiniões que as mulheres (193 e 91 opiniões respectivamente). Foram abordados 79 homens, 36 mulheres e 7 pessoas não identificadas pelo sexo.

Dentre as acepções listadas a mais citada em ambos os sexos foi a de justiça como instituição ou lei, que apresentou um empate de porcentagens opinativas entre homens (21,76%) e mulheres (22,00%).

Com 15,54% do total de opiniões masculinas, a acepção de justiça como compensação ou retribuição ocupa o posto de segunda acepção mais lembrada. Em seguida surge a justiça como virtude com cerca de 11,40%. Enquanto isso no universo feminino, a ordem se inverte. Em segundo lugar está a acepção virtude com 19,78% e em terceiro compensação ou retribuição com 11,00%.

Destaca-se o elevado percentual da acepção de justiça como virtude (18 opiniões), lembrado pelas mulheres do mundo jurídico, que se aproxima bastante, numericamente, da acepção instituição ou lei (20 opiniões). Este fato revela o quanto as profissionais da área jurídica do Piauí estão mais avançadas que os homens da mesma área. Enquanto a grande maioria do grupo masculino ainda associa a justiça ao Poder Judiciário ou à lei propriamente dita, as mulheres já apresentam além desta acepção, uma segunda, que vincula a justiça à virtude.

Presumimos que este progresso feminino é explicado historicamente. Até bem pouco tempo, as mulheres não desfrutavam dos mesmos direitos masculinos, e um destes direitos era o acesso à educação fundamental, ainda menos de uma formação universitária. Logo percebemos que os cursos jurídicos começaram a receber mulheres no quadro discente há pouco tempo.

Desta forma, compreendemos que o ingresso da mulher nas faculdades de Direito do Estado coincide com a exploração mais intensa de disciplinas crítico-reflexivas (sociologia e filosofia, por exemplo) nos cursos jurídicos. Assim, a grande maioria feminina formada em Direito no Piauí possui uma formação mais atual que a obtida pelos homens.

3.3 Os "leigos" e os "iniciados" vêem a mesma luz no fim do túnel

Diferentemente das análises das questões de gênero, a avaliação por profissão abrange todas as pessoas entrevistadas, visto que em todos os trabalhos que constituíram a fonte dos dados ora apresentados foi somente a ocupação o dado identificado sem obscuridade.

O primeiro aspecto a ser citado é a marcante diferença numérica entre profissionais do direito e os das demais áreas: estes últimos superam os primeiros em mais de 75%. O fato é facilmente explicável, pois embora uma das exigências que recaíram sobre os trabalhos individuais tenha sido entrevistar pelo menos alguns profissionais do direito, a realidade social é que estes profissionais são raros em comparação com a somatória dos demais (acesso difícil ao curso universitário).

Outro resultado interessante é a relação entre número de opiniões de cada área sobre o número de profissionais de cada área, que revelou uma média mais alta entre os profissionais do direito (quase 2,5 acepções por pessoa, enquanto entre os demais profissionais essa média não chega a 2 acepções por pessoa). A principal explicação para esse dado se nos afigura o maior preparo teórico para tratar desse tema entre profissionais jurídicos, mas não se pode olvidar a existência de outras razões (como por exemplo, a indecisão pessoal, que faz citar várias acepções conhecidas no decorrer de seus cursos universitários como se refletissem suas próprias opiniões).

3.3.1 A igualdade na Justiça dos "de fora"

Se na tabulação por sexo as semelhanças eram relevantes, agora o quadro é um pouco diverso. A não ser no que tange à vitoriosa acepção instituição ou lei, no conjunto das porcentagens opinativas de cada área (número de opiniões daquela acepção dentre aqueles profissionais sobre o número total de opiniões daqueles profissionais) surgiram diferenças importantes. As mais significativas se deram nas acepções de justiça como igualdade, vontade ou razão divina, ideal de liberdade, harmonização social, algo que não existe e fruto da sociedade.

A diferença nas porcentagens da acepção justiça como igualdade é espantosa: quase o dobro percentual entre os profissionais de outras áreas (14,62%) em comparação com os do direito (7,74%). Provavelmente o mundo do direito vivido (e não o do pensado) tenha enfraquecido entre os que nele se movem a certeza da igualdade como critério de justiça. Afinal, o pragmatismo jurídico é lar de privilégios e de prepotência, ambos contrários à retidão e à igualitariedade. Por outro lado, a relevância de tal acepção entre os profissionais de outras áreas é imensa (2º lugar geral). Isto reflete simplesmente uma situação social de fato: a igualdade é uma aspiração há muito perseguida, mas ainda não atingida.

A acepção justiça como vontade ou razão divina, por sua vez, figurou notadamente mais entre os profissionais de outras áreas. Certamente, o vivenciar acadêmico do direito muitas vezes afasta o indivíduo dessa acepção deísta, especialmente porque o positivismo domina a doutrina e a produção jurisprudencial nacionais. Além disso, a cisão entre Igreja e Estado, ocorrida há muito em todo o mundo ocidental (no qual Teresina está inserida), ainda agora não pode deixar de manifestar-se visivelmente na opinião daqueles que são os cientistas jurídicos.

Justiça como ideal de liberdade é uma acepção que se mostrou duas vezes mais presente entre os profissionais de outras áreas (2,09%, enquanto entre os profissionais do direito chegou a 1,01%). Como acima, se admitimos que a enorme sombra do positivismo ainda obscurece os horizontes jurídicos teresinenses, é perfeitamente explicável que os juristas, em geral, prefiram a ordem à liberdade – ou concebam uma justiça na qual a ordem seja mais essencial que um vivenciar tão extremado da liberdade. É o mesmo fato que acaba por explicar a diferença nos números da acepção harmonização social (dentro das opiniões de cada grupo profissional, os juristas, percentualmente, emitiram duas vezes mais opiniões voltadas a tal acepção de justiça – 7,41% - contra 3,25% nos profissionais de outras áreas).

Além disso, esse positivismo desemboca num relativismo axiológico, atingindo em cheio o conceito de justiça dos profissionais do direito. Isto explica a brutal diferença nas porcentagens de justiça como fruto da sociedade entre estes (10,10% das opiniões emitidas) e os demais profissionais (4,41%).

Por fim, é interessante constatar a importância muito maior que teve a acepção de que justiça não existe entre as opiniões dos profissionais não-jurídicos. Evidentemente, a distância existente entre os demais profissionais e o estudo jurídico – repleto de belíssimas definições de justiça, enunciadas por filósofos, juristas, etc – influenciou decisivamente na descrença refletida em tais opiniões. Ou seja, ainda que com conceitos de justiça extremamente diferentes, os juristas dificilmente admitem a sua inexistência – mesmo que ela se reduza ao cumprimento dos mandamentos legais positivos. Para as demais pessoas, profissionais das mais diversas áreas, a frieza e a brutalidade da realidade por vezes afastam a idéia de que a justiça possa sequer existir. Entre estes, 2,32% das opiniões emitidas consideraram a justiça como algo inexistente (no conjunto das opiniões dos profissionais do direito, tal percentual chegou apenas a 0,34%).

3.3.2 O veredicto da maioria: A lei é dura, mas é a Justiça

Alguns interessantes pontos podem ser observados numa análise comparativa entre os profissionais do direito e aqueles de outras áreas, tomando-se por base as porcentagens tratadas nesta seção - número de opiniões que citaram aquela acepção (ou número de pessoas que a emitiram) sobre o número de entrevistados em cada campo profissional (jurídico e não jurídico):

a)As significativas diferenças nas porcentagens referidas quanto às acepções de justiça como igualdade, vontade ou razão divina, ideal de liberdade, princípio, valor ou ideal, harmonização social, fruto da sociedade ou algo que não existe;

b)A semelhança das acepções mais lembradas, a despeito das diferenças profissionais.

Quanto à letra a, as diferenças aludidas já foram parcialmente explicadas no item 3.3.1 deste estudo comparativo, exceto o caso da justiça como princípio, valor ou ideal. Vale ressaltar que as razões anteriormente explicitadas também se aplicam às porcentagens aqui tratadas, na verdade ainda com mais força que anteriormente. Exemplificando: o fato de entre os profissionais do direito menos de 20% terem citado a acepção de justiça como igualdade, enquanto entre os demais profissionais a mesma acepção ter sido lembrada por quase 30% dos entrevistados (ficando em segundo lugar num ranking das acepções) demonstra que os primeiros, no dia-a-dia da labuta jurídica, certamente convivem com privilégios e diferenciações (mesmo que formais) que acabam por minar a certeza da igualdade (ou a necessidade dela) como critério de justiça.

No que tange à acepção de justiça como princípio, valor ou ideal, 24,59% dos profissionais do direito entrevistados a lembraram em suas opiniões, contra 15,60% dos profissionais de outras áreas. Tal diferença, bastante significativa, provavelmente possa ser explicada pelo maior contato dos profissionais do direito com correntes do pensamento jusfilosófico que tendem a considerar (ou realmente consideram) a justiça como algo perfeito, geralmente inatingível na situação do homem como ser circunstancialmente material. Além disso, em muitas pessoas a convivência numa realidade como a da vida jurídica acaba por solidificar ainda mais a convicção íntima de uma justiça-modelo, perseguida pelo ser humano incansavelmente. Ela serve até mesmo como tábua de salvação, a flutuar em um mar de iniqüidades diárias.

Contudo, tanto a convivência acima mencionada como as próprias convicções pessoais dos entrevistados do universo jurídico podem incliná-los a enxergar a justiça como fruto da consciência coletiva de cada grupo social – uma espécie de convenção valorativa dos homens em sociedade. E isto se deu com o mesmo percentual de entrevistados do caso anterior (24,59%). Por sua vez, entre os profissionais de outras áreas a significância de tal acepção foi bem menor (8,72%).

Voltemos agora nossas vistas para as importantes semelhanças entre os percentuais ora estudados.

De início, ressalte-se a elevada freqüência de entrevistados que consideram a justiça como instituição ou lei. Como antes mencionado, muitas dessas pessoas emitiram opiniões que criticavam o Judiciário ou as próprias leis (escritas), sem contudo esclarecerem os seus sentimentos estritamente pessoais. De uma forma ou de outra, todavia, tais opiniões denunciavam uma pressuposição da existência de órgãos ou leis realmente eficazes para que se realize a justiça. Em meio à impunidade que assola o país, é compreensível que tantas pessoas acreditem que o cumprimento pelo menos dos mandamentos legais assegure a justiça, já que a realidade social é exatamente a oposta.

Independentemente da área profissional, mais de 50% dos entrevistados fizeram alguma referência à instituição ou lei quando explicitaram seus sentimentos do que venha a ser a justiça. O que se nos afigura digno de nota é que 54,92% dos profissionais do direito citaram a referida acepção – uma marca maior que entre os profissionais de outras áreas (51,38%). É provável que a influência do positivismo, aliada à vida forense diária dos juristas, explique satisfatoriamente a diferença. O elevado número de pessoas de outras profissões que apresentaram tal acepção, contudo, só pode ser explicado pela falta de bagagem teórica (estudos de filosofia, direito, etc) ou pelas razões apontadas anteriormente (inclusive quando da análise de outras tabelas).

Entre os profissionais do direito, a segunda acepção mais lembrada foi a de justiça como virtude (34,43%), seguida de perto pela de justiça como compensação ou retribuição (33,61%). A ligação entre elas já foi explicitada em outras partes da presente pesquisa. O que interessa aqui é perceber que entre os profissionais de outras áreas a acepção de justiça como igualdade figura em segundo lugar (28,90%) e a de justiça como compensação ou retribuição - semelhante ao que ocorre entre os profissionais do direito – em terceiro (27,98%). A enorme diferença na posição da acepção de justiça como igualdade (6ª entre os profissionais do direito) já foi explicada anteriormente.

A acepção de justiça como virtude ocupa o 4º posto entre os profissionais de outras áreas e, como dito acima, o 2º entre os profissionais do direito. Parece razoável a explicação que parte do fato de que uma das acepções de justiça mais difundidas nos meios jurídicos ocidentais é a do jurista romano Ulpiano: "Justiça é a firme e perpétua vontade de dar a cada um o que é seu". Por ser vontade dirigida a um fim, a justiça aqui se apresenta como virtude.

Finalmente, ressalte-se que as acepções mais citadas, tanto pelos profissionais do direito quanto pelos demais, foram, em geral, as mesmas, ainda que em posições diferentes. Certamente, os condicionamentos sociais semelhantes impostos às pessoas – que são seres humanos em sociedade antes mesmo de serem profissionais – influenciou decisivamente para que tal similitude se configurasse.

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Sobre os autores
Francisco de Sousa Vieira Filho

Advogado, militando sobretudo na área trabalhista, em Teresina-PI, Especialista em Direito Constitucional pelo LFG e Mestre em Direito pela Universidade Antônoma de Lisboa. Professor nas faculdades AESPI e FAPI, e professor substituto na UESPI (Campus Clóvis Moura). Autor dos livros: Lira Antiga Bardo Triste (2009); Lira Nova Bardo Tardo (2010) e Codex Popul-Vuh - ramo de folhas (2013).

Alex Myller Duarte Lima

Auditor Fiscal do Trabalho no Mato Grosso.

Ana Lygian de Sousa Lustosa

Juíza do Trabalho da 16ª Região (Maranhão).

Carlos Eduardo Gomes

Advogado militante em Teresina (PI).

Gleyciane Tenório Rios

Advogada da União em Brasília (DF).

Venceslau Felipe Oliveira

Escrivão da Polícia Civil do Estado do Piauí.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VIEIRA FILHO, Francisco Sousa ; LIMA, Alex Myller Duarte et al. O sentimento de justiça da comunidade teresinense. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1307, 29 jan. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9429. Acesso em: 29 mar. 2024.

Mais informações

A presente monografia decorre de pesquisa (teórico-prática) realizada sob a coordenação e orientação do professor e mestre MARCELINO LEAL BARROSO DE CARVALHO, tendo como autores-pesquisadores: ALEX MYLLER DUARTE LIMA; ANA LYGIAN DE SOUSA LUSTOSA; CARLOS EDUARDO GOMES; FRANCISCO DE SOUSA VIEIRA FILHO; GLEYCIANE TENÓRIO RIOS; e VENCESLAU FELIPE OLIVEIRA

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