4. RESPONSABILIDADE PENAL, CIVIL E ADMINISTRATIVA
4.1. Competência
Na matéria em comento, a competência para processo e julgamento do abuso de autoridade será da Justiça Federal na hipótese de funcionário público federal praticar o ato delituoso. Será da competência da Justiça Estadual nos demais casos. Esse é o entendimento dos autores, que não conseguem vislumbrar hipótese em que funcionário público federal pudesse praticar conduta caracterizadora de crime de abuso de autoridade sem que tal fato comprometesse a honradez e a credibilidade dos serviços públicos da União e de suas autarquias. Entretanto, dando interpretação restritiva ao art. 109, IV da Constituição Federal, o STJ, nos autos do HC nº 10.2048-ES, vinculado no Informativo nº430, entendeu que a simples condição de agente público federal não implica que o crime seja de competência da Justiça Federal, o que só ocorrerá se forem comprometidos bens, serviços ou interesse da União e suas autarquias (PORTOCARRERO E FERREIRA, 2020).
4.2. Ação Penal
Os crimes previstos na Lei 13. 869/2019 são todos perseguidos mediante ação penal pública incondicionada, isto é, de ofício, não dependendo de qualquer pedido/autorização da vítima, tem como titula da ação o Ministério Público (GRECO e CUNHA, 2020).
É o que o art. 3º da lei 13. 869/2019 prevê
Art. 3º Os crimes previstos nesta Lei são de ação penal pública incondicionada (BRASIL, 2019).
4.3. Efeitos extrapenais decorrentes da sentença penal condenatória
Efeitos da condenação são todas as consequências que direta ou indiretamente atingiram a pessoa do condenado em razão da sentença penal transitada em julgado. Esses efeitos não se limitam a área penal, incidindo também na área civil, administrativa, trabalhista e político-eleitoral. De acordo com Lima (2020), os efeitos extrapenais da sentença condenatória são divididos em: efeitos extrapenais obrigatórios ou genéricos que estão presentes no art. 91. do Código Penal ou na Legislação Especial e são aplicáveis por força da lei, independe de manifestação por parte da autoridade judicial para se efetivar, uma vez que são inerentes a condenação, qualquer que seja a pena imposta. A única condição para o implemento desses efeitos é o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. São aplicáveis em tese, a qualquer condenação criminal. E os efeitos extrapenais específicos, previstos no art. 92. do Código Penal ou na Legislação Especial, esses efeitos não são automáticos, eles demandam de manifestação expressa e fundamentada da autoridade judiciaria na sentença condenatória para se efetivarem.
Após fazer essa distinção, ao analisar o art. 4º, inciso I, da Lei nº 13.869, de 05 de setembro de 2019, tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, devendo o juiz, a requerimento do ofendido, fixar na sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos por ele sofridos. É um efeito extrapenal obrigatório em relação ao abuso de autoridade, ou seja, independe de manifestação da autoridade judiciaria na sentença condenatória, pois tem efeito automático (LIMA, 2020).
De acordo com Portocarrero e Ferreira (2020), em sentido diverso, os outros dois efeitos extrapenais listados no o art. 4º, inciso II e III, da Lei nº 13.869, de 05 de setembro de 2019, a inabilitação para o exercício de cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 (um) a 5 (cinco) anos; e a perda do cargo, do mandato ou da função pública. Devem ser considerados como efeitos específicos, que dependem da reincidência específica, em crime da Lei de Abuso de Autoridade e de expressa e fundamentada manifestação do judiciário para que sejam aplicados, não são efeitos automáticos. Prova disto esta expressamente no art. 4º, parágrafo único, da Lei nº 13.869, de 05 de setembro de 2019, Os efeitos previstos nos incisos II e III do caput deste artigo são condicionados à ocorrência de reincidência em crime de abuso de autoridade e não são automáticos, devendo ser declarados motivadamente na sentença.
O primeiro efeito extrapenal decorrente da sentença condenatória transitada em julgada e tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, devendo o juiz, a requerimento do ofendido, fixar o valor mínimo para reparação dos danos causados pelo crime, na parte inicial , o dispositivo reproduz integralmente o art. 91, inciso I, do Código Penal, mas inova na parte final ao determinar que a requerimento do ofendido, o juiz da vara criminal, fixe na sentença o valor mínimo para reparação dos danos (GRECO E CUNHA, 2020).
O ofendido não é mais obrigado a promover a liquidação para apuração do valor a título de reparação, com o transito em julgado desta decisão, a vítima poderá promover, de imediato, no âmbito cível, a execução deste valor, caso entenda que o valor mínimo fixado pelo juiz ficará aquém do prejuízo efetivamente causado, o mesmo título executivo judicial poderá dar ensejo, simultaneamente, a execução de valor liquido e outro ilíquidos, após o último passar por previa liquidação (GRECO E CUNHA, 2020).
O segundo efeito extrapenal previsto na Lei de Abuso de Autoridade é a inabilitação para o exercício do cargo, mandato ou função pública, pelo período de 1 a 5 anos. Uma vez decorrido o período estabelecido na sentença condenatória, o agente público condenado volta a estar habilitado ao exercício das referidas atividades.
No art. 92, inciso I, o Código Penal prevê como efeito da condenação, a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo nos casos em que forem aplicadas penas privativas de liberdades por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a administração pública ou quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 anos, nos demais crimes. Diferentemente deste efeito da condenação, previsto no CP, a Lei de Abuso de Autoridade, que também prevê a perda do cargo, do mandato ou função pública, neste caso para que seja aplicado, basta que haja reincidência no crime de abuso de autoridade, nada determina sobre a quantidade ou o tipo de pena aplicada, então o art. 4, inciso III, da Lei nº 13. 869/19 funciona como norma especial em relação ao art. 92, inciso I, Código Penal, a aplicação motivada desse efeito poderá ocorrer independentemente do tipo de pena ou quantum de pena aplicada, desde que o agente seja reincidente específico em crime de abuso de autoridade. Mesmo se o funcionário viesse a se aposentar dias após a sentença condenatória fundamentada que determina a perda do cargo por crime cometido na atividade, é legitima a cassação da sua aposentadoria. A autoridade administrativa tem o dever de proceder a demissão do servidor ou cassação da aposentadoria, independente da instauração de processo administrativo disciplinar, que será desnecessário, porque qualquer que seja a conclusão em que chegar o processo administrativo, não terá condão para modificar o decreto penal condenatório. Inclusive se o administrador não cumprir a decisão, ele pode ser responsabilizado criminalmente pelos delitos de prevaricação e/ou desobediência. Neste efeito, não se possui um prazo, é um efeito permanente, o agente não só perde o cargo, como também fica impossibilitado de exercer outro cargo, função pública ou mandato, somente por meio de reabilitação criminal, que poderá readquirir sua capacidade de ocupar novo cargo, função ou mandato, desde que seja por nova investidura, sendo vedado o restabelecimento da situação anterior (LIMA, 2020).
Greco e Cunha (2020), expressão entendimento contrário de que se no curso do processo penal, o a gente pedir exoneração ou renunciar ao mandato ou se demitir, nesse caso, não será possível o juiz determina a perda do cargo, função ou mandato, entretanto será possível, motivadamente, que inviabilize que o referido agente volte a exercer qualquer outro cargo, função pública ou mandato pelo período de 1 a 5 anos.
Ao contrário do pensamento dos autores apresentados acima, Portocarrero e Ferreira (2020) entendem, que o efeito do inciso II é cumulativo com o do inciso III, jamais podendo se operar de forma dissociada da perda de cargo.
4.4. Substituição das penas restritivas de liberdade por restritivas de direitos
De acordo com Portocarrero e Ferreira (2020), a atual lei prevê as penas restritivas de direito que poderão ser aplicadas na hipótese de substituição. Por tanto, não poderão ser aplicadas, quanto ao abuso de autoridade, outras penas restritivas de direito porventura trazidas pelo Código Penal ou outras Leis Extravagantes. Como a Lei de Abuso de Autoridade não previu os requisitos necessários para substituição, de acordo com o art. 12. do CP, se aplica os requisitos do CP quando a lei especifica for omissa. Então no que tange aos requisitos para a substituição, todavia, serão os mesmos do art. 44, CP:
Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando:
I aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo;
II o réu não for reincidente em crime doloso;
III a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente (BRASIL, 1984).
As espécies de penas restritivas de liberdade prevista pela Lei 13.869/2019 são as seguintes:
Art. 5º As penas restritivas de direitos substitutivas das privativas de liberdade previstas nesta Lei são:
I - Prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas;
II - Suspensão do exercício do cargo, da função ou do mandato, pelo prazo de 1 (um) a 6 (seis) meses, com a perda dos vencimentos e das vantagens (BRASIL, 2019).
A prestação de serviços à comunidade ou entidades públicas somente, de acordo com o Código Penal, será aplicada às condenações superiores a 6 meses de privação de liberdade (art. 46, caput, CP), sendo que até os 6 meses, poderão ser aplicadas as penas substitutivas previstas no inciso I (prestação pecuniária), II (perda de bens e valores), V (interdição temporária de direitos) e VI (limitação de final e semana) do art. 43. do CP, além de multa. Existe uma discussão sobre esse piso de 6 meses continuar na Lei de Abuso de Autoridade ou não, uma corrente entende que o silencio da lei especial elimina o requisito, podendo ser aplicada a prestação de serviços à comunidade mesmo para condenações inferiores a 6 meses. Para outros, o silêncio obriga o aplicador observar a norma geral, isto é o limite mínimo de 6 meses para que se aplica a pena de prestação de serviços à comunidade. O entendimento de Lima (2020) e Greco e Cunha (2020) é pela primeira corrente.
As referidas penas restritivas de direito podem ser aplicadas autônoma ou cumulativamente, o juízo que fundamentadamente determinará, analisando as circunstâncias do caso concreto e as condições pessoais do sentenciado. O descumprimento injustificado da pena restritiva de liberdade fará com que a pena alternativa seja convertida em privativa de liberdade (GRECO E CUNHA, 2020).
4.5. Ilicitude penal, civil e administrativa
A tríplice sanção, a lei 13. 869/2019 não apenas trata da responsabilidade penal, mas também da responsabilidade administrativa e civil daquele que pratica o abuso de autoridade. Não se pode falar em bis in idem caso o a gente seja condenado nas três esferas pois são distintas as naturezas da sanção. Contudo, restando decidido na esfera penal que o fato existiu e que o agente foi o seu autor, essas questões não poderão ser rediscutidas na esfera civil e administrativa, como do contrário também, se na esfera penal ficar decidido pela inexistência do fato ou que o agente não é o autor. Da mesma forma, que se a sentença penal reconhecer a presença de alguma das excludentes de ilicitude, o juiz civil e a autoridade administrativa também estarão vinculados a essa decisão (PORTOCARRERO E FERREIRA, 2020).
5. CONCLUSÃO
Diante do exposto, conclui-se que a inovação na Lei de Abuso de Autoridade era realmente necessária, em razão da lei anterior se mostrar insuficiente para punir com efetividade um crime tão nefasto, além da lei está ultrapassada e com penas insignificantes, ela também possuía muitos tipos penais abertos e abstratos, o que causa insegurança jurídica, sendo assim, vários assuntos eram solidificados e definidos pela jurisprudência.
Conclui-se ainda que a necessidade acima relatada e a expectativas dos doutrinadores e dos operados do Direito em relação a uma Lei mais rigorosa e com tipos penais mais claros e concretos, não foi o motivo que impulsionou o Congresso Nacional a aprovar a nova Lei de Abuso de Autoridade. O que ficou demonstrado pelas circunstâncias do momento político em que a lei foi aprovada, é que a intenção do Legislativo era de promover uma retaliação ao Poder Judiciário, por causa da operação Lava Jato e de alguns políticos estarem sendo alvo da operação.
Mesmo não tendo os motivos ideias, para aprovação de uma lei, pelo menos se esperava uma lei completa, com penas mais rígidas, o que no ponto de vista de muitos doutrinadores não aconteceu, a lei atual ainda apresenta muitos termos abertos e de difícil precisão, o que prejudica a atuação dos operadores do Direito, torna o serviço da polícia complexo, porque a linha entre o estrito cumprimento do dever legal e o agir ilegal é muito tênue, por esse motivo conclui-se nesse trabalho que o elemento especifico finalidade especifica de prejudicam outrem ou beneficiar a si mesmo ou a terceiro, ou, ainda por mero capricho ou satisfação pessoal é imprescindível para que a lei não torne a atividade do Poder Judiciário totalmente invalida e perigosa do ponto de vista legal.
Conclui-se ainda que a solução mais pratica é moldar os limites da atual lei através da jurisprudência, pela interpretação dos nossos Ministros, é mais viável no plano fático do que uma nova alteração legislativa. Essa interpretação se faz necessária para dar mais clareza a alguns termos da lei que possuem mais de um significado e também para limitar o alcance da lei, já que é uma lei muito ampla, trazendo mais segurança jurídica e possibilitando que o Poder Judiciário e a polícia atuem efetividade sem medo de se enquadrar nos tipos penais da nova lei de abuso de autoridade, quando na verdade só estaria agindo de acordo com o seu dever.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 13.869, de 05 de setembro de 2019. Dispõe sobre Abuso de Autoridade. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/L13869.htm. Acesso em: 01, julho, 2020.
CUNHA, Rogério Sanches, GRECO, Rogério. Abuso de Autoridade: Lei 13. 869/2019: comentada artigo por artigo/ Rogério Sanches Cunha, Rogério Greco 2. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Editora Juspodivm, 2020.
GIL, Antônio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social / Antônio Carlos Gil 6. ed. São Paulo: Atlas, 2008.
HASSEMER, Winfried. Introdução aos fundamentos do direito penal. Porto Alegre: SA Fabris, 2005.
LIMA, Renato Brasileiro de. Nova Lei de Abuso de Autoridade / Renato Brasileiro de Lima Salvador: Editora JusPodivm, 2020.
LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação Criminal Especial Comentada Volume Único / Renato Brasileiro de Lima 8. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Editora JusPodivm, 2020.
MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de metodologia da pesquisa no Direito 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2004
NUCCI, Guilherme. A nova lei de abuso de autoridade. 2019. Disponível em: https://guilhermenucci.com.br/sem-categoria/a-nova-lei-de-abuso-de-autoridade. Acesso em: 14/09/2020.
PROTOCARRETO, Cláudia Barros, FERREIRA, Wilson Luiz Palermo. Leis Penais Extravagantes: Teoria, jurisprudência e questões comentadas / Cláudia Barros Portocarreto e Wilson Luiz Palermo Ferreira 5. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Ed. JusPodivm, 2020.
SILVA, E. L.; MENEZES, E. M. Metodologia da pesquisa e elaboração de dissertação. Florianópolis: UFSC/PPGEP/LED, 2000.
SOUZA, Renee do Ó. Comentários à nova lei de abuso de autoridade. Salvador: Editora JusPodivm, 2020.
Notas
1 As ações diretas de inconstitucionalidade foram propostas pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais de Tributos dos Municípios e Distrito Federal (Anafisco) (Adin n.º 6234), pela Associação dos Magistrados do Brasil (AMB) (Adin n.º 6236), outra pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (CONAMP), Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), e Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) (Adin n.º 6238) e, por fim, pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) (Adin n.º 6239).
2 STJ, Corte Especial, APn 858/DF, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, j. 24/10/2018, DJe 21/11/2018.
Abstract: The research aims to reflect on the real need for legislative innovation in the Law of Abuse of Authority and how the process of passing this law took place, which deals with such a serious problem and has been present in our system for many years and yet it is still a very current issue, mainly after the Operation Lava Jato that used several mechanisms to arrest important figures in the country's politics and for that reason, the power of the Judiciary started to be even more questioned and feared by some, who saw as a solution, the sudden approval of a Law that apparently sought to provide a brake, but that in reality was not so efficient in this point, since mechanisms were introduced to minimally protect the operators of the Right to answer for just being fulfilling their legal duty. The work will also address the ways in which Law operators can be held accountable administratively, civilly and criminally. A bibliographic research was carried out considering the contributions of authors such as Renato Brasileiro Lima (2020) and Rogério Greco and Rogério Sanches Cunha (2020) and Cláudia Barros Portocarrero and Wilson Luiz Palermo Ferreira (2020), among others, trying to emphasize that a new diploma normative about the matter was necessary, because the old Law nº 4.898 / 65 was no longer proving more effective and rigorous. It is concluded that despite the need for more current legislation, the new Law of Abuse of Authority is still abstract in some points, lacking clarity from the legislator and unable to efficiently solve some problems faced in the factual plan, therefore, the Law needs interpretation of jurisprudence.