Capa da publicação A inconstitucionalidade de portaria MTP nº 620/2021: vacina e justa causa
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A inconstitucionalidade de portaria n. 620. de 1º de novembro de 2021 do Ministério do Trabalho e Previdência Social

04/11/2021 às 07:11
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Ao proibir a dispensa do trabalhador por negativa de se vacinar, o governo termina incentivando que os trabalhadores deixem de tomar a vacina.

Sob o pretexto de proibir a discriminação do trabalhador quando da admissão e da dispensa, o Ministro do Trabalho e Previdência Social, publicou em 1.11.2021, a Portaria 620/2021, prevendo:

Art. 1º É proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal, nos termos da Lei nº 9029, de 13 de abril de 1995.

§ 1º Ao empregador é proibido, na contratação ou na manutenção do emprego do trabalhador, exigir quaisquer documentos discriminatórios ou obstativos para a contratação, especialmente comprovante de vacinação, certidão negativa de reclamatória trabalhista, teste, exame, perícia, laudo, atestado ou declaração relativos à esterilização ou a estado de gravidez.

§ 2º Considera-se prática discriminatória a obrigatoriedade de certificado de vacinação em processos seletivos de admissão de trabalhadores, assim como a demissão por justa causa de empregado em razão da não apresentação de certificado de vacinação.

Referida Portaria, a par de mais uma vez afirmar, agora por norma expressa, o negacionismo do Governo quanto as medidas de prevenção contra a covid-19, ao proibir a dispensa do trabalhador por negativa de se vacinar, termina incentivando que os trabalhadores deixem de tomar a vacina contra essa perigosa patologia que até aqui tirou a vida de mais de seiscentas mil pessoas, violando à mais não desejar, o que previsto no art. 196 da Carta de 1988, estabelecendo que a saúde é direito de todos e dever do Estado, que tem o dever promover todas as medidas e políticas públicas para prevenir a redução dos riscos de doenças e outros agravos, preceito que também encontra abrigo no art. 1º da Lei 8.080/90[2], que praticamente repete o dispositivo constitucional.

De outro lado, constitui dever do empregador a adoção de medidas para a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º, inciso XXII da Constituição da República), entre eles, é claro, e com maior razão, o risco de contaminação pela covid-19 e outras patologias de natureza grave.

Trata-se de um dever se encontra albergado também no previsto no art. 7º, inciso II, alínea b do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização das Nações Unidas ONU de 1966, e que ao mesmo tempo constitui um direito humano do trabalhador[3], como recentemente defendido com absoluto acerto pelo jurista laboral uruguaio Hugo Barreto, em palestra no Evento Construção do Trabalho Seguro e Decente em Tempos da Crise, realizado no Tribunal Superior do Trabalho TST, em 18.10.2021. O compromisso mundial com a proteção dessa face do Direito do Trabalho refletiu-se no continente americano quando se observa a reprodução da norma no art. 7º, alínea e, do Protocolo Adicional à Convenção Americana sobra Direitos humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da Organização Americana de Direitos Humanos - 1988.

Ora, a partir do momento em que o Ministério do Trabalho e Previdência Social, proíbe a dispensa do trabalhador que se recusa injustificadamente a tomar vacina, viola de forma direta referidas normas internas e internacionais, colocando em risco os trabalhadores de serem contaminados por aqueles que, se recusando a se vacinarem, poderão infectarem suas próprias famílias e a outras pessoas com quem tiverem contato, nomeadamente os assintomáticos.

Se isso não bastasse, o Plenário do Excelso Supremo Tribunal Federal STF, entendeu no julgamento das ADIs 6586 e 6587 e RE com Agravo (ARE) 1267879, que o Estado pode determinar aos cidadãos que se submetam à vacinação contra a Covid-19, nos termos do previsto na Lei 13.979/2020, podendo impor aos que se recusem à vacinação, medidas restritivas previstas em lei, como multa, impedimento de frequentar determinados lugares, fazer matrícula em escolas e outras, entre as quais, com todo respeito, se inclui aquelas que pode o empregador estabelecer, com base no inciso XXII do art. 7º do Texto Maior, a dispensa motivada do trabalhador, em face da eficácia horizontal dos direitos fundamentais. O que não pode fazer o Estado nem as empresas, é obrigar, compulsoriamente, o trabalhador a se imunizar, porque nessa hipótese violaria o direito à autonomia individual do cidadão. Aliás, é isso que se extrai dos votos do Ministros daquela Corte, especialmente no voto do Ministro Luís Roberto Barroso (Relator do ARE 1267879), ao deixar assentado que, embora a Constituição da República proteja o direito de cada cidadão de manter suas convicções filosóficas, religiosas, morais e existenciais, os direitos da sociedade devem prevalecer sobre os direitos individuais. Com isso, o Estado pode, em situações excepcionais, proteger as pessoas, mesmo contra sua vontade - como, por exemplo, ao obrigar o uso de cinto de segurança, não sendo, assim, legítimas as escolhas individuais que possam atentar contra os direitos de terceiro. Por conseguinte, a vacinação embora seja um direito individual de cada cidadão, não pode ser exercido de forma abusiva a prejudicar as demais pessoas, como parece entender, equivocadamente, o Ministério do Trabalho e Previdência Social.

Se isso não bastasse, não pode o Poder Executivo, no uso do poder regulamentar, por ato administrativo, criar, modificar ou extinguir direito não previsto em lei, pena de violar o constante dos arts. 84, inciso IV e 87. Inciso II do Texto Maior, pois como lembra Oswaldo Aranha Bandeira de Melo, os regulamentos "são regras jurídicas gerais, abstratas, impessoais, em desenvolvimento da lei, referentes a organização e ação do Estado, enquanto poder público" (Princípios gerais de direito administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2a ed., v. 1, p. 342), que são expedidos pelo Poder Executivo, visando tornar efetivo o cumprimento da lei, propiciando facilidades para que a lei seja fielmente executada, porém, jamais, podendo inovar na ordem jurídica (RAO, Vicente. O Direito e a vida dos direitos. São Paulo: Ed. Res. Universitária, 1976, p.266). Por isso mesmo, não poderia, o Ministério do Trabalho, a pretexto de proibir a discriminação do trabalhador quando da admissão ou demissão, porque essa vedação já se encontra prevista na Lei 9.029/95 e na Convenção 111 da Organização Internacional do Trabalho OIT e nos arts. 3º, inciso IV e 5º do Texto Maior, proibir o empregador de despedi-lo por haver se recusado, sem justificação plausível, a tomar a vacina contra a covid-19, pois ao fazê-lo, terminou inovando a ordem jurídica, criando uma nova garantia de emprego não prevista em lei, e mais que isso, incentivando a não vacinação, extrapolando, assim, o poder regulamentar que é limitado e vinculado ao que previsto na lei (Dirley, CUNHA JUNIOR. Curso de Direito Administrativo. Salvador: JusPODIVAN, 2020, p. 88-89). Por conseguinte, evidente que não poderia, nem pode, o Poder Executivo, legislar sobre matéria de dispensa do trabalhador por Portaria, típico ato administrativo, pois compete exclusivamente ao Poder Legislativo, com a sanção do Presidente da República, legislar sobre Direito do Trabalho (art. 22, inciso I da Constituição da República).

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E mais, a partir do momento em que o Ministério do Trabalho cria mais uma estabilidade do trabalhador não prevista em lei nem na Constituição, termina interferindo, de forma absolutamente inconstitucional, no poder diretivo da empresa, que encontra abrigo nos arts. 5º, inciso XII e 170, Parágrafo único do Texto Supremo, obrigando-a manter um empregado que, por não ter tomado a vacina contra a covid-19, sem justificação razoável, poderá colocar em risco não apenas a saúde dele próprio e dos demais, mas a própria vida destes e de suas famílias.

Nesse sentido, aliás, foi o que entendeu o Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região, no julgamento do Recurso Ordinário - Rito Sumaríssimo 1000122-24.2021.5.02.0472, tendo como Relator o Desembargador Roberto Barros da Silva, deixando assentado no seu voto que a vacinação em massa da população contra a COVID19 se constitui como medida emergencial que vem sendo adotada pelas autoridades de saúde pública de todo o mundo, no claro intuito de proteger a população em geral, evitar a propagação de novas variantes, bem como reduzir o contágio, diminuir as internações e óbitos e possibilitar o retorno da sociedade para assuas atividades laborativas, comerciais, empresariais, acadêmicas e familiares e que acrescento, sem o risco de contaminar outras pessoas, o que será inviabilizado pela equivocada Portaria do Ministério do Trabalho e Previdência Social, porque não podemos perder de vista que a pandemia não acabou e existe o risco de novas cepas possam aparecer como advertem as autoridades sanitárias e cientistas dá mostras o que ocorre no momento da Rússia e outros países e até mesmo em determinados locais no Brasil, o que apenas será evitado com medidas concretas de prevenção e a vacinação é mais eficaz delas, não podendo o Governo impedir que o empregador, no regular exercício do poder diretivo empresarial, inclusive no viés disciplinar, legal e constitucionalmente legitimado, adote medidas preventivas, inclusive a extrema de demissão do trabalhador que venha se recusar sem justificação razoável, a tomar a vacina colocando em risco a saúde e vida dele próprio e das demais pessoas que com ele tiverem contato, inclusive no local de trabalho, evidentemente.

Por último, vale lembrar que o Governo ao invés de tomar medida equivocada como a adotada pela Portaria 620/2021/MTPS, deveria fazer uma maciça campanha de incentiva à vacinação, especialmente face as fake news publicadas diariamente a respeito da vacina nas redes sociais, que têm levado muitas pessoas desinformadas ou informadas de forma equivocada, a não se vacinarem. É uma lástima que tenhamos um Governo nagacionista que estimula por ato administrativo a não vacinação dos trabalhadores colocando em risco a saúde e a vida destes, de suas famílias e da própria coletividade.

Notas

  1. De acordo com o art. 1º da Lei 8.080, de 19.9.1980: Art. 2º A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício. § 1º O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação. § 2º O dever do Estado não exclui o das pessoas, da família, das empresas e da sociedade.
  2. De acordo com o Princípio 1 da Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambienta e Desenvolvimento de 1991: Os seres humanos constituem o centro das preocupações relacionadas com o desenvolvimento sustentável. Têm direito a uma vida saudável e produtiva, em harmonia com a natureza, que em verdade reflete o que consta do princípio 1 da Declaração de Estocolmo nos seguintes termos: O homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequadas em um meio ambiente de qualidade tal que lhe permita levar uma vida digna e gozar de bem-estar, tendo a solene obrigação de proteger e melhorar o meio ambiente para as gerações presentes e futuras. A este respeito, as políticas que promovem ou perpetuam o apartheid, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação estrangeira são condenadas e devem ser eliminadas.
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Sobre o autor
Francisco das C. Lima Filho

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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