Interpretação é a atividade mental que procura estabelecer o conteúdo e o significado contido na lei.
A ciência que disciplina e orienta a interpretação das leis é chamada de hermenêutica jurídica.
Toda lei, por mais clara que seja, deve ser necessariamente interpretada. Sobremais, a clareza só aflora após uma interpretação.
O objeto da interpretação é a busca da vontade da lei, e não do legislador. Uma vez promulgada, a lei desvincula-se do pensamento daqueles que a elaboraram.
FUNÇÕES DA INTERPRETAÇÃO
As funções da interpretação são:
a) viabilizar a aplicação da norma jurídica ao caso concreto. Qualquer lei, seja clara ou ambígua, submete-se a um processo de interpretação para só depois ser aplicada.
b) adaptar a lei à realidade atual, fazendo com que ela se desvencilhe do contexto social que lhe deu origem, quando este tornar-se arcaico.
c) amenizar o eventual rigor excessivo da lei, temperando o seu alcance para que possa atender aos fins sociais e às exigências do bem comum, conforme preceitua o art. 5º da LINDB.
Os fins sociais e o bem comum nada mais são do que a própria ética da vida em comunidade, compreendendo o modelo ético do comportamento humano social.
A expressão fins sociais refere-se aos fins do direito que o intérprete deve encontrar embutidos na lei. O bem comum, por sua vez, é o fim da vida social, isto é, os fins que inspiram a elaboração da lei. Portanto, o intérprete deve procurar desvendar as duas finalidades contidas na lei, isto é, a finalidade do Direito e a finalidade da vida social
INTERPRETAÇÃO QUANTO AO SUJEITO
Quanto ao sujeito que a realiza, a interpretação pode ser: autêntica, doutrinária e judicial.
Interpretação autêntica ou legislativa é a que emana do próprio legislador, quando edita uma norma com o objetivo de esclarecer o conteúdo de outra lei. É a chamada lei interpretativa. Essa interpretação tem força obrigatória. Exemplos: o conceito de causa (art. 13 do CP) e o conceito de funcionário público (art. 327 do CP). A interpretação autêntica pode ser:
a) interpretação contextual: é a que se realiza no próprio texto da lei;
b) interpretação posterior: ocorre quando a lei interpretativa surge depois da lei interpretada.
A lei interpretativa posterior tem eficácia retroativa (ex tunc), só não abrange os casos definitivamente julgados. A lei interpretativa não cria situação nova; ela simplesmente torna obrigatória uma exegese que o juiz, antes mesmo de sua promulgação, já podia adotar.
Não há qualquer discrepância na doutrina no sentido de que a lei interpretativa posterior retroage até a data da entrada em vigor da lei interpretada.
Interpretação doutrinária ou científica é a oriunda da doutrina, isto é, dos teóricos do direito penal. Não tem força obrigatória.
Interpretação judicial ou jurisprudencial é a realizada pelos magistrados na decisão do caso concreto. Não tem força obrigatória, salvo para o caso concreto, quando a sentença que a adotou transitar em julgado. É também obrigatória, vinculando todos os magistrados, a decisão do STF declarando a constitucionalidade ou inconstitucionalidade da lei, no controle por via de ação direta. Já no controle por via de exceção, uma vez declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF, a lei só perde a eficácia quando o Senado, por resolução, suspender sua aplicação.
Por outro lado, ingressou no ordenamento jurídico pátrio o polêmico instituto da súmula vinculante do STF. Com efeito, dispõe o art. 103-A da EC n. 45/2004 que o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública, direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.
No § 1º dispõe que a Súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a Administração Pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.
O § 2º estabelece que sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação de inconstitucionalidade.
E em seu § 3º diz que do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável, ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
A Exposição de Motivos do Código Penal não é interpretação autêntica, pois não é lei. É uma simples interpretação doutrinária. Não tem, portanto, força obrigatória.
INTERPRETAÇÃO QUANTO AOS MÉTODOS
A interpretação é um processo unitário, desenvolvido, sucessivamente, por dois métodos: o gramatical e o lógico.
A interpretação gramatical ou literal prende-se à análise sintática das palavras, esclarecendo se o termo foi empregado no sentido vulgar. De acordo com o art. 5º da LINDB, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
A interpretação teleológica, na busca do verdadeiro escopo da lei, serve-se dos seguintes elementos:
a) Histórico: analisa a realidade social existente ao tempo da promulgação da lei, bem como os trabalhos, discussões e debates que a antecederam. Todavia o que importa é o significado atual da norma, e não o seu sentido pretérito.
b) Sistemático: analisa a coerência entre a lei interpretada e os outros dispositivos legais, buscando extrair uma harmonia entre ela e a ordem jurídica como um todo. Confronta-se a lei interpretada com as outras, procurando harmonizá-la com o sistema jurídico. Uma lei não deve ser interpretada isoladamente, mas, em conjunto com as demais. Nessa interpretação, a rubrica, isto é, o nomen juris do delito, acaba exercendo importante papel.
c) Direito comparado: analisa a interpretação dada pelo direito estrangeiro sobre uma lei semelhante à nacional.
d) Extrajurídico: analisa o significado do termo à luz de outras ciências diversas do direito, medicina, filosofia, química etc. Exemplos: as expressões doença mental (psiquiatria) e veneno (química).
INTERPRETAÇÃO QUANTO AO RESULTADO
Quanto ao resultado ou conclusão obtida, a interpretação pode ser: declarativa, extensiva, restritiva e ab-rogante.
Interpretação declaratória é a que apresenta coincidência entre o texto e a vontade da lei. É uma interpretação normal, sem tropeços; nada há a suprimir ou acrescentar.
Interpretação extensiva é a que amplia o texto da lei, adaptando-o à sua real vontade. Ocorre quando a lei disse menos do que queria dizer (minus dixit quam voluit). Na interpretação extensiva, o fato está implicitamente previsto no texto da lei. É admissível o seu emprego até mesmo nas normas penais incriminadoras. Aplicam-se, para justificar a interpretação extensiva, os argumentos da lógica dedutiva:
a) argumento a fortiori: se a lei prevê um caso deve estendê-la a outro caso em que a razão da lei se manifeste com maior vigor;
b) argumento a maiori ad minus: o que é válido para o mais deve também ser válido para o menos;
c) argumento a minori ad maius: o que é proibido para o menos é proibido para o mais.
Interpretação restritiva é a que diminui a amplitude do texto da lei, adaptando-o à sua real vontade. A lei disse mais do que queria dizer (plus dixit quam voluit).
Interpretação ab-rogante é aquela em que, diante da incompatibilidade absoluta e irredutível entre dois preceitos legais ou entre um dispositivo de lei e um princípio geral do ordenamento jurídico, conclui-se pela inaplicabilidade da lei interpretada.
INTERPRETAÇÃO PROGRESSIVA
Interpretação progressiva, também chamada adaptativa ou evolutiva, é a que amolda a lei à realidade atual. Na verdade, toda interpretação deve ser progressiva, sob pena de a lei desvirtuar-se dos fins sociais e das exigências do bem comum.
É claro que a interpretação evolutiva não é direito livre. Com efeito, o juiz não pode criar normas jurídicas; veda-lhe o princípio da separação dos Poderes. O intérprete, porém, deve adaptar os termos da lei às concepções atuais.
MECANISMOS DE INTEGRAÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO
De acordo com o princípio da indeclinabilidade da jurisdição, o juiz é obrigado a decidir, ainda que não haja lei disciplinando o caso concreto.
Diante da lacuna, isto é, ausência de lei regulando determinada situação jurídica, torna-se necessário ao magistrado valer-se dos mecanismos de integração do ordenamento jurídico, que são a analogia, os costumes, os princípios gerais do direito e a equidade.
É certo, pois, que o art. 4º da LINDB não se refere à equidade.
Todavia, caso os outros mecanismos de integração sejam insuficientes, outra saída não há a não ser solucionar a lide pela equidade.
ANALOGIA
O legislador não poderia prever, de antemão, todas as hipóteses passíveis de ocorrência na vida real. É, pois, natural que a lei contenha lacunas.
Na ausência, ou lacuna da lei, surgem os mecanismos de integração do ordenamento jurídico: analogia, costumes, princípios gerais do direito e equidade.
O direito não tem lacunas porque ele não se expressa apenas através da lei. Esta, sim, pode ser lacunosa e até ausente na disciplina do caso concreto.
Analogia, costumes, princípios gerais do direito e equidade são outras formas de expressão do direito, aplicáveis somente na ausência ou lacuna da lei.
Efetivamente, dispõe o art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil:
Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
A integração da lei penal, porém, só acontece no campo das normas não incriminadoras, que beneficiam o réu. O nullum crimen, nulla poena sine lege impede que, na ausência ou lacuna da lei, o delito seja criado pela analogia, costumes ou princípios gerais do direito.
A analogia é a aplicação, ao caso não previsto em lei, de lei reguladora de caso semelhante.
Não se trata de mera interpretação da lei, mas, sim, de um mecanismo de integração do ordenamento jurídico.
O fundamento da analogia é o argumento pari ratione, da lógica dedutiva, segundo o qual para a solução do caso omisso aplica-se o mesmo raciocínio do caso semelhante.
ESPÉCIES DE ANALOGIA
A doutrina ainda costuma distinguir a analogia em: legal e jurídica. A primeira aplica, ao caso omisso, lei que regula caso semelhante. A segunda aplica, ao caso omisso, um princípio geral do direito. A analogia jurídica distingue-se da aplicação direta do princípio geral do direito. Com efeito, na analogia jurídica, aplica-se, ao caso não previsto em lei, um princípio geral do direito que rege caso semelhante. Já o princípio geral do direito é aplicado diretamente ao caso omisso.
NORMAS QUE NÃO ADMITEM ANALOGIA
Não admitem o emprego da analogia:
a) leis restritivas de direito: são as que proíbem certa conduta. Por força do princípio da legalidade, previsto no art. 5º, inc. II, da CF, o que não for proibido por lei é permitido, vedando-se, por consequência, a analogia.
b) leis excepcionais: são as que regulam de modo contrário à regra geral. A capacidade civil, por exemplo, é uma regra geral, sendo, pois, presumida. As exceções, vale dizer, os casos de incapacidade, encontram-se nos arts. 3º e 4º do CC, cujos róis não podem ser ampliados por analogia. Com efeito, o pressuposto da analogia é a lacuna da lei, isto é, a ausência de lei que regule determinada situação jurídica. No caso, não há falar-se em lacuna, porquanto as situações não elencadas na lei excepcional encontram-se automaticamente abrangidas pela norma geral.
c) leis administrativas: são as que disciplinam a atividade administrativa do Estado. O direito administrativo é regido pelo princípio da legalidade, segundo o qual o administrador público só pode fazer aquilo que a lei o autoriza, de forma expressa ou implícita. Administrar é, portanto, cumprir a lei. Se a lei não autoriza é porque o fato é proibido, razão pela qual torna-se inviável o emprego da analogia.
COSTUMES
Costume é a repetição da conduta, de maneira constante e uniforme, em razão da convicção de sua obrigatoriedade. O costume requer dois elementos: o objetivo (repetição do comportamento) e o subjetivo (convicção de sua obrigatoriedade).
A norma costumeira, que também é norma jurídica, pois é uma das formas de manifestação do direito, não surge ex abrupto, e, sim, paulatinamente, à medida que o povo vai tomando consciência de sua necessidade jurídica.
No Brasil, há o predomínio da lei escrita sobre a norma consuetudinária. E, no aspecto penal, o costume nunca pode ser empregado para criar delitos ou aumentar penas. Sua intromissão nesse campo, que é restrito à lei, é barrada pelo princípio da reserva legal.
Os costumes distinguem-se em:
d) Costume secundum legem: é o que auxilia a esclarecer o conteúdo de certos elementos da lei .
e) Costume contra legem ou negativo: é o que contraria a lei.
f) Costume praeter legem: é o que supre a ausência ou lacuna da lei. É o chamado costume integrativo.
Acrescente-se ainda que os costumes auxiliam na análise dos chamados standard jurídico. De acordo com Limongi França, standard jurídico é o critério básico de avaliação de certos preceitos jurídicos indefinidos, variáveis no tempo e no espaço, como, por exemplo, a noção de castigar imoderadamente o filho a que faz menção o art. 1638, inc. I, do CC.
Finalmente, o costume judiciário ou jurisprudência é o conjunto de decisões judiciais no mesmo sentido, prolatadas de maneira uniforme e constante. Nem toda decisão judicial constitui jurisprudência. Esta não se confunde com ato jurisprudencial particularmente considerado. Urge, para caracterização da jurisprudência, que a decisão se repita de maneira uniforme e constante. No Brasil, em regra, a jurisprudência não tem valor vinculante, de modo que o magistrado pode afastar-se de sua orientação. Em certos casos, porém, a decisão judicial tem efeito vinculante, aplicando-se, a outros casos concretos. Refiro-me às seguintes hipóteses:
g) lei declarada inconstitucional em ação direta de inconstitucionalidade movida perante o STF. Nesse caso, todos os magistrados devem observar essa decisão, abstendo-se de aplicar essa lei.
h) lei declarada constitucional em ação declaratória de constitucionalidade movida perante o STF.
i) decisões normativas da Justiça do Trabalho acerca dos dissídios coletivos.
j) juízo de admissibilidade dos recursos. Com efeito, dispõe o art. 557 do CPC que o relator negará seguimento a recurso que confronta com súmula ou jurisprudência dominante do respectivo Tribunal.
k) súmula vinculante do STF. Com efeito, dispõe o art. 103-A da EC n. 45/2004 que o Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. No § 1º dispõe que a Súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. O § 2º estabelece que sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação de inconstitucionalidade. E em seu § 3º que do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.