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A Lei nº 11.418/06 e a repercussão geral no recurso extraordinário

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O instituto da repercussão geral tem o claro propósito de diminuir a avalanche de recursos extraordinários que diariamente aportam no Supremo Tribunal Federal, visando a tornar mais racional a atividade judicante.

01. INTRODUÇÃO

Confirmando a tendência, firmada já há algum tempo, de ser o processo civil o ramo do direito que tem sofrido as maiores, amplas e profundas alterações legislativas, em final de 2006, mais um pacote de leis alterando a sistemática processual foi aprovado.

Uma dessas novas leis veio preencher lacuna legislativa existente desde 2004, quando foi editada a Emenda Constitucional n? 45, rotulada como reforma do judiciário.Naquela oportunidade, viu-se inserido na Carta da República de 1988 um novo § 3? ao artigo 102, que trata do recurso extraordinário ao Supremo Tribunal Federal, erigindo-se um novo requisito específico de admissibilidade para essa impugnação excepcional, qual seja, a repercussão geral.

O então novel texto constitucional, entretanto, remetia a regulamentação do instituto à legislação ordinária, o que acabou acontecendo com a edição da lei 11.418/06, ora em comento, e que tem vacatio legis de 60 (sessenta) dias.

O presente texto pretende promover uma breve análise dessa legislação acerca da repercussão geral, requisito (restritivo!) de admissibilidade do recurso excepcional que certamente alterará o perfil dos casos a serem julgados pelo STF, projetando uma nova realidade para o recurso extraordinário.


02. A REPERCUSSÃO GERAL: UM NOVO FILTRO PARA A ADMISSÃO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO

A diminuição do acesso aos tribunais superiores pela via recursal é uma tendência que se percebe em todo o mundo. O abarrotamento das pautas de julgamento dessas cortes de cúpula impõe, cada vez mais, a criação de requisitos que dificultem o conhecimento de recursos, tudo com o fim último de racionalizar a atividade jurisdicional. Essa realidade é percebida, como mencionado, em todo o mundo, sendo a Suprema Corte dos EUA um dos melhores exemplos dessa restrição aos recursos excepcionais [01].

No Brasil, como se sabe, o recurso extraordinário terá cabimento contra decisões de única ou última instância que, em termos gerais, envolva matéria constitucional – isso a teor do art. 102, III e alíneas da CF/88.

Ocorre que a Constituição brasileira de 1988 se caracteriza por ser analítica, detalhista e longa, além de em muitas ocasiões veicular matérias que melhor se conformariam em sede de legislação ordinária. Como conseqüência, inúmeros são os casos que acabam por desafiar recurso extraordinário, pois não raro os acórdãos de última instância discutem e aplicam matérias constitucionais.

Desse modo, a despeito da já extensa lista de requisitos (genéricos e específicos) de admissibilidade do recurso extraordinário – cite-se, a título de exemplo, o famoso prequestionamento – ainda assim um número excessivo dessas impugnações aporta, diariamente, no Supremo Tribunal Federal, que por sua vez não tem condições de dar vazão – leia-se julgar – a essa demanda.

A solução então encontrada pelo legislador foi tornar mais difícil a subida de RE’s, o que se deu através da criação de um novo requisito específico de admissibilidade. Assim, tais recursos excepcionais agora só receberão juízo de admissibilidade positivo quando a matéria constitucional discutida apresentar-se altamente relevante para a sociedade e para a nação. Esse novo e específico requisito de admissibilidade encontra-se previsto no § 3? do art. 102 da CF/88.

Deste modo, recursos que a despeito de discutirem questões constitucionais se mostrarem irrelevantes [02], não serão conhecidos por não terem passado por esse novo filtro da repercussão geral.


03. O QUE É REPERCUSSÃO GERAL?

Desde a edição da EC/45 essa dúvida permaneceu no ar: o que seria a repercussão geral?

Para responder a essa pergunta, a lei n? 11.418/06, regulamentado o dispositivo constitucional que criou esse requisito de admissibilidade, acrescentou ao Código de Processo Civil o art. 543-A, que possui a seguinte redação:

Art. 543-A. O Supremo Tribunal Federal, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário, quando a questão constitucional nele versada não oferecer repercussão geral, nos termos deste artigo.

§ 1?. Para efeito da repercussão geral, será considerada a existência, ou não, de questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

O caput do dispositivo deixa claro o que antes já se afirmou: a repercussão geral é requisito específico de admissibilidade do RE. A letra clara da lei não deixa margem a dúvidas nesse sentido: "o STF, em decisão irrecorrível, não conhecerá do recurso extraordinário".

Noutro giro, o § 1? pretende conceituar o que seja a repercussão geral, considerando presente tal requisito quando a questão discutida apresente relevância do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa.

A despeito de ainda veicular um conceito muito amplo – afinal, relevância econômica, política, social ou jurídica é conceito bastante subjetivo – a norma regulamentadora teve o mérito de deixar clara uma questão: o STF não é um tribunal vocacionado a decidir "briga de vizinhos", ou seja, questões que só interessem às partes e mais ninguém. Doravante, apenas temas de notável importância, com transcendente relevância é que merecerão a atenção da Corte Suprema brasileira. Não há dúvida, entretanto, que pela larga margem de subjetivismo inerente a esse novo requisito, incumbirá, em última análise, aos ministros do STF, construir, cotidianamente, o conceito de repercussão geral.

O § 3? do mesmo artigo 543-A veicula, por sua vez, norma bastante interessante, pois cria uma situação em que há presunção iure et de iure da presença da repercussão geral. De acordo com esse dispositivo, "haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisão contrária a súmula ou jurisprudência dominante do tribunal". Salutar a norma em comento por dois aspectos: primeiro por erigir hipótese objetiva de presença da repercussão geral; segundo por criar uma presunção de que as matérias sumuladas pelo STF ou que foram objeto de reiteradas decisões são, por só esse motivo, dotadas de repercussão geral. Ademais, se nem todas as matérias sumuladas ou reiteradamente tratadas pelo STF têm relevância econômica, política ou social, é imperioso reconhecer que têm relevância jurídica. Assim, o que enseja a presunção tratada no dispositivo é a inerente relevância jurídica de tais matérias.

Ingressando no campo do procedimento, reza o § 2? do art. 543-A: "o recorrente deverá demonstrar, em preliminar de recurso, para apreciação exclusiva do Supremo Tribunal Federal, a existência de repercussão geral". Quanto a esse parágrafo, duas situações merecem destaque, quais sejam: a) primeiramente, ao contrário do que ocorre com todos os demais requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário, a repercussão geral é matéria a ser analisada exclusivamente pelo STF, sendo, pois, defeso ao juízo a quo adentrar na apreciação desse requisito específico; b) em segundo lugar, o dispositivo em comento deixa claro que o requisito da repercussão geral é antecedente e prejudicial a qualquer outro, de modo que incumbe ao recorrrente, antes de discutir qualquer matéria, analiticamente demonstrar a existência dessa transcendência da causa. Vale ressaltar que se trata de regra de regularidade formal e uma vez não observada pode acarretar o não conhecimento do RE.

O § 4?, a seu turno, trata da competência e do quorum para a deliberação acerca da presença ou não da repercussão geral, estipulando que "se a Turma decidir pela existência da repercussão geral por, no mínimo, 4 (quatro) votos, ficará dispensada a remessa do recurso ao plenário". Pela redação do dispositivo em comento, quem dá a palavra final sobre a presença ou não da repercussão geral é o Plenário do STF. Entretanto, quando, na Turma, que é composta de cinco ministros, quatro deles decida pela presença da repercussão geral, a remessa ao Plenário é dispensada. Fácil entender, no caso, o motivo da desnecessidade do envio a Plenário. O artigo 102, § 3?, da CF/88, ao prever o requisito em comento, veicula regra que exige o voto de dois terços dos membros do plenário para deixar de conhecer um recurso por ausência de repercussão geral, o que equivale a oito votos em onze. Assim, se na Turma quatro ministros já concluíram pela presença da repercussão geral, o máximo que se obteria no plenário seriam sete votos pela ausência desse requisito, o que seria inferior aos 2/3 exigidos pela norma constitucional.

Ainda no artigo 543-A, o § 5? confere eficácia vinculante às decisões que negarem repercussão geral a determinados temas, impondo que a decisão valha para todos os recursos sobre idêntica matéria, que serão indeferidos liminarmente. Notar que essa eficácia vinculante apenas ocorrerá para as decisões que negarem a presença da repercussão geral. Aquelas outras que decidam pela presença da repercussão não assumirão a mesma eficácia em relação a outros recursos que tratem do mesmo tema. Nesse particular, a despeito da falta de clareza da lei, quem deverá indeferir liminarmente esses recursos extraordinários é o próprio STF – certamente por intermédio de decisão monocrática do relator – e não o tribunal recorrido, visto que, como já antes mencionado, a análise desse requisito específico de admissibilidade compete exclusivamente ao Pretório Excelso.

O § 6? do mesmo dispositivo prevê uma possível intervenção de amicus curiae [03], a ser autorizada pelo relator do RE, na análise da repercussão geral. Trata-se de norma sem precedentes na legislação recursal brasileira, conquanto seja prática já admitida nas ações de controle de constitucionalidade. Sobre essa peculiaridade, interessante é a observação feita por ANDRE DE ALBUQUERQUE CAVALCANTI ABBUD [04], em excelente artigo escrito quando a atual lei ainda tramitava pelas casas do congresso:

A admissão do amicus curiae tem o propósito de ampliar os mecanismos de participação da sociedade no processo, contribuindo assim para acentuar o caráter democrático e pluralista deste e, nessa medida, conferir maior legitimidade à decisão judicial. A previsão do anteprojeto foi, assim,bastante feliz. Tendo em vista a enorme força por ele atribuída aos precedentes do STF no juízo sobre a repercussão geral, os quais terão larga influência sobre o julgamento de outros recursos, nada melhor que abrir à sociedade, na figura do amicus, a possibilidade de participar ativamente da formação do convencimento e tomada de decisão da corte".

Finalmente, encerrando o art. 543-A, o § 7? determina que o resumo da decisão sobre a repercussão geral conste de ata que deve ser publicada no Diário Oficial, valendo então como se acórdão fosse.


04. O ARTIGO 543-B: UM NOVO PRESTÍGIO AOS PRECEDENTES DO STF

O novo artigo 543-B conta com a seguinte redação:

Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo.

§1?. Caberá ao tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da corte.

§2?. Negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos.

§3?. Julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.

§ 4?. Mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada.

§5?. O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal disporá sobe as atribuições dos Ministros, das Turmas e de outros órgãos, na análise da repercussão geral.

O caput e o parágrafo primeiro do artigo falam que, em casos de multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, incumbirá ao tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da corte.

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Nesse contexto, surge uma primeira indagação: o que seriam processos com idênticas controvérsias?

Não parece haver dúvida que o legislador quis se referir aos chamados processos repetitivos, nos quais se submete ao Poder Judiciário uma mesma questão jurídica que demanda, por óbvio, uma mesma resposta jurisdicional. Não se trata de técnica inovadora no sistema processual, encontrando similitude com as normas, por exemplo, do artigo 557 e parágrafos do CPC, bem como, mais recentemente, com o artigo 285-A do mesmo diploma legal.

CÁSSIO SCARPINELLA BUENO [05], comentando acerca dessas demandas repetitivas (idênticas) no contexto do artigo 285-A – mas em tudo aplicável à lei ora em estudo -, explica que se trata de técnica que deve ser entendida "como uma forma de debelar o que a pratica judiciária costuma denominar, muitas vezes, de ‘processos repetitivos’, em que o que se discute basicamente é uma mesma tese jurídica aplicada a uma mesma situação fática inconteste ou, quando menos, que não desperta maiores dúvidas ou indagações das partes e do próprio magistrado. Uma situação fática que não aceita ou não apresenta peculiaridades".

Com efeito, havendo diversos recursos extraordinários que externem controvérsia idêntica, caberá ao tribunal recorrido selecionar um ou alguns recursos – os quais servirão de paradigma – e enviá-lo(s) ao STF para que essa corte suprema decida se, naquele caso, a questão constitucional debatida tem ou não a repercussão geral exigida pela nova lei. Todos os demais recursos sobre aquele tema permanecerão represados – a lei fala em sobrestamento - na instância a quo, no aguardo da decisão do STF sobre a questão.

Nesse ponto cumpre fazer uma observação que, conquanto não decorra diretamente da lei, parece de todo óbvia: como se sabe, a admissibilidade dos recursos excepcionais é bifásica, sendo realizada tanto pelo juízo a quo (normalmente o tribunal recorrido), quanto pelo juízo ad quem (STF ou STJ, dependendo tratar-se de RE ou REsp). Com efeito, apenas os recursos que tenham juízo de admissibilidade positivo na instância a quo é que seguirão para o tribunal superior, de modo que, para que se cogite levar ao STF um RE para que esta corte suprema discuta sobre a repercussão geral, deve esse recurso, antes de tudo, já ter tido juízo de admissibilidade positivo no tribunal recorrido, visto que, em caso contrário, a negativa de seguimento do RE prejudicaria qualquer discussão sobre o requisito da repercussão. Assim sendo, o dispositivo em comento apenas se aplica aos recursos extraordinários já admitidos no juízo a quo.

Voltando ao texto da lei, o § 2? dispõe que negada a existência de repercussão geral, os recursos sobrestados considerar-se-ão automaticamente não admitidos. Aqui se nota o motivo do sobrestamento dos recursos. Ao invés de lotar o STF de recursos idênticos, julga-se um ou alguns quanto à repercussão geral e, negada a existência da mesma, os recursos represados na instância a quo sequer são apreciados pela corte suprema.

Ainda sobre o parágrafo segundo, parece interessante consignar que, a despeito da expressão automaticamente contida na lei, é imprescindível que o Presidente ou vice do tribunal a quo profira decisão interlocutória nos processos sobrestados [06], negando seguimento aos mesmos por força da decisão paradigmática do STF. Este parece ser o caminho adequado porque a parte prejudicada ainda poderia interpor, contra essa decisão do presidente ou vice, o agravo de instrumento do artigo 544 para rever essa decisão, buscando demonstrar, por exemplo, que o seu recurso não veicula matéria idêntica àquele examinado e ao qual foi negada a repercussão geral.

O parágrafo terceiro da lei, por sua vez, dispõe sobre questão diferente, asseverando que julgado o mérito do recurso extraordinário, os recursos sobrestados serão apreciados pelos Tribunais, Turmas de Uniformização ou Turmas Recursais, que poderão declará-los prejudicados ou retratar-se.

O dispositivo citado não é de fácil entendimento. De todo modo, a norma em comento parece indicar a possibilidade da ocorrência de algumas hipóteses.

Em primeiro plano, é mister reconhecer que para a aplicação desse dispositivo é absolutamente indispensável que o STF, por intermédio do plenário ou turma, tenha decidido pela presença da repercussão geral, uma vez que só assim franqueado estará ao tribunal o conhecimento do recurso e o julgamento de seu mérito (lembrar que a norma em comento diz julgado o mérito do recurso).

Uma vez, pois, conhecido o recurso extraordinário, o STF, em linhas gerais, poderá: a) manter (confirmar) a decisão recorrida, com o que estará negando provimento ao RE; ou b) reformar a decisão recorrida, com o que estará a dar provimento ao recurso extraordinário.

No caso da letra "a", em sendo confirmada a decisão recorrida, o tribunal a quo apreciará os RE’s sobrestados e os considerará prejudicados, porquanto, com o improvimento do RE paradigma (lembrar que se está a tratar de hipótese em que o STF mantém o acórdão recorrido), os demais recursos estarão a desafiar tese contrária da já esposada pela suprema corte. Aqui se nota a repetição de técnica já utilizada na grade recursal brasileira, de conferir eficácia a precedentes jurisprudenciais dos tribunais superiores – basta lembrar do art. 518, § 1?, do CPC.

No caso da letra "b", duas hipóteses podem ser aventadas: 1) o tribunal a quo, constatando que o STF, no julgamento do mérito do recurso extraordinário paradigma esposou tese contrária à veiculada no acórdão recorrido, se retrata e reforma seu próprio entendimento - com o que estará a atender a pretensão do recorrente; 2) o tribunal a quo, a despeito do entendimento contrário esposado pelo STF, opta por manter o acórdão recorrido, caso em que deverá determinar a remessa do RE para a análise do Supremo Tribunal Federal.

No caso do número 2 supra, o tribunal recorrido estará, é bem verdade, demonstrando certa rebeldia ao manter seu entendimento, a essa altura contrário ao do STF. Assim, aportando esse (rebelde) recurso extraordinário na suprema corte, deve incidir a norma do § 4? do art. 543-B, que reza: "mantida a decisão e admitido o recurso, poderá o Supremo Tribunal Federal, nos termos do Regimento Interno, cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada".

O dispositivo transcrito merece análise mais detida. Tendo o tribunal a quo mantido o acórdão recorrido – a despeito de o STF, no julgamento do RE paradigma, ter esposado entendimento contrário – deverá o tribunal a quo remeter à corte suprema o RE que estava sobrestado. No STF, esse recurso será distribuído a uma das turmas e, por sua vez, a um relator, o qual fará, de início, a análise da admissibilidade da impugnação. Admitido que seja esse recurso, o relator poderá então valer-se dos poderes agora conferidos pelo § 4? para "cassar ou reformar, liminarmente, o acórdão contrário à orientação firmada". É este, ao que parece, um novo caso de poder conferido a um ministro relator, que passa a ter competência para monocraticamente julgar o mérito de um recurso extraordinário.

É bem verdade, diga-se de passagem, que possibilidade parecida já se encontrava prevista no artigo 557, § 1-A do CPC. Entretanto, de acordo com esse dispositivo, o relator pode dar provimento ao RE – leia-se, julgar o mérito favoravelmente ao recorrente – quando a decisão recorrida esteja em confronto com súmula ou jurisprudência dominante do STF. A aplicação do § 1?-A do art. 557 exige, pois, a presença de súmula ou reiterada jurisprudência para permitir o julgamento meritório singular pelo relator.

O que chama a atenção nesse novo § 4? do art. 543-B é que a presença de súmula ou jurisprudência dominante é dispensada, bastando, para se aplicar o dispositivo em questão, que o RE paradigma – aquele recurso extraordinário que fora escolhido para servir de recurso representativo da controvérsia para fins de análise da repercussão geral (art. 543-B caput e § 1? do CPC) – tenha sido provido, ocasião em que o STF estará a firmar orientação contrária àquela adotada pelo tribunal a quo no acórdão recorrido.

Outrossim, o §5? do art. 543-B, bem como o artigo 3? da lei 11.418/06, dispõem que caberá ao Regimento Interno do STF estabelecer as normas necessárias à execução da lei da repercussão geral, bem como dispor sobre as atribuições dos Ministros, Turmas e outro órgãos do tribunal. Nota-se, pois, que muitos aspectos de detalhamento da nova legislação serão ainda preenchidos e delineados pelo RISTF.

Finalmente, as duas últimas disposições contidas na lei: a) a vacatio legis de sessenta dias, contados da data da publicação da lei, ou seja, 19 de dezembro de 2006; b) A explicitação – despicienda, mas didática - de que a lei aplicar-se-á apenas aos recursos interpostos à partir do primeiro dia de sua vigência.


05. À GUISA DE CONCLUSÃO

O instituto da repercussão geral, criado pela EC n? 45 e agora regulamentado pela lei 11.418/06 tem, como se viu, o claro propósito de diminuir a avalanche de recursos extraordinários que diariamente aportam no Supremo Tribunal Federal, anelando, com isso, tornar mais racional a atividade judicante perante a suprema corte brasileira.

Com a regulamentação ora efetivada, busca-se acentuar a tarefa do STF de decidir questões de impacto para os interesses da nação, retirando da pauta de apreciação dessa corte a análise de controvérsias que, conquanto importantes e relevantes para as partes litigantes, não apresentem relevância extra muros.

Se o novo requisito de admissibilidade cumprirá seu desiderato, apenas a atividade cotidiana da corte suprema haverá de demonstrar, bem como incumbirá ao Pretório Excelso efetivamente construir – de forma o mais objetiva possível, espera-se! – o conceito de repercussão geral.

Aos profissionais do direito e à sociedade resta torcer para que esta mudança contribua para o alcance da meta maior de uma Justiça célere e efetiva.


NOTAS

01 Sobre o tema, indica-se a leitura do artigo do Ministro aposentado do STJ, Adhemar Ferreira Maciel, publicado em http://jus.com.br/artigos/9178

02 Irrelevante no sentido de cingir-se a discussão a interesses egoísticos das partes.

03 Em tradução livre, amigo da corte, cujo objetivo é aprimorar as decisões do Poder Judiciário.

04 ANDRE A. CAVALCANTI ABBUD, O Anteprojeto de Lei sobre a Repercussão Geral dos Recursos Extraordinários, RePro n? 129 de 2005.

05 Cassio Scarpinella Bueno, A Nova Etapa de Reforma do Código de Processo Civil vol. 2, Saraiva, 2006.

06 No mesmo sentido do texto, ANDRE A. CAVALCANTI ABBUD, O Anteprojeto de Lei sobre a Repercussão Geral dos Recursos Extraordinários, RePro n? 129 de 2005.

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Sobre o autor
Lúcio Flávio Siqueira de Paiva

Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUC/GO. Professor Efetivo de Direito Processual Civil da PUC/GO e da Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás. Advogado, sócio do escritório GMPR Advogados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PAIVA, Lúcio Flávio Siqueira. A Lei nº 11.418/06 e a repercussão geral no recurso extraordinário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1315, 6 fev. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9470. Acesso em: 19 abr. 2024.

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