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Ações afirmativas:

origens, conceito, objetivos e modalidades

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12/02/2007 às 00:00

Resumo:


  • O artigo analisa as origens e fundamentos das Ações Afirmativas, abordando sua evolução desde movimentos cooperativistas na Europa até a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos e no Brasil.

  • Discute a importância das Ações Afirmativas na promoção da igualdade de acesso a oportunidades, na reparação de danos causados por discriminações passadas e na eliminação do Racismo Institucional e das glass ceilings.

  • Apresenta uma reflexão sobre os objetivos das Ações Afirmativas, destacando a diversidade como valor, a reparação de injustiças, a concretização da igualdade de oportunidades e a redefinição dos critérios de mérito, entre outros.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

OBJETIVOS

          Esquematicamente, temos que os objetivos das Ações Afirmativas são: (1) induzir transformações de ordem jurídica, epistemológica e cultural através da promoção da diversidade enquanto valor e prática nos espaços coletivos, (2) reparar danos causados por injúrias a grupos no passado e no presente, (3) concretizar a igualdade de oportunidades, (4) criar personalidades emblemáticas, (5) contribuir para a eliminação do Racismo Institucional, inclusive das glass ceilings, (6) aumentar a representatividade de grupos em desvantagem, (7) zelar pela pujança econômica do país, (8) criar novos horizontes para grupos em desvantagem, (9) reformar os mecanismos de composição do mérito, (10) diminuir a importância da raça na vida social.

          A multifacetária atuação dos efeitos das Ações Afirmativas nos dá a impressão de que a mesma seria uma panacéia dos problemas nacionais, entretanto a mesma deve ser entendida como uma medida temporária que contribuirá à medida que acelerará o processo de equalização das condições dignas de existência, dentro de um quadro mais amplo de ampliação do acesso aos Direitos Fundamentais.

          Alguns dos objetivos serão estudados aqui, os demais serão deslocados para a derradeira parte deste trabalho monográfico, em virtude da atenção destinada para os potenciais grupos beneficiários diretos das medidas afirmativas e o cumprimento dos objetivos aqui elencados.

          A afirmação da diversidade enquanto valor inscreve-se no contexto da French Theory ou Teoria Pós-moderna, posto que a partir da avaliação da insuficiência dos modelos realistas e cartesianos, surgem crescentes movimentações relativizadoras da experiência humana.(Semprini, 1999).

          As aludidas movimentações orbitam em torno dos seguintes eixos: a realidade é uma construção portanto descrita de forma parcial e relativamente eficiente; as interpretações são subjetivas logo o horizonte interpretativo referencial condiciona a mesma; os valores são relativos face ao caráter subjetivo e enunciativo da experiência; o conhecimento é um fato político.(Semprini, 1999).

          Dentro dessa leitura, a diversidade passa a ser afirmada enquanto valor a ser perseguido como forma de aumentarem-se as possibilidades de aspiração da adequada representação da verdade e da realidade, de aumento das possibilidades de oferecimento de respostas aos problemas das instituições, enfim de qualificação de espaços compartilhados.

          Ao lado do surgimento de personalidades emblemáticas, as quais desempenhariam funções pedagógicas de incentivo a luta por freqüência a espaços de mobilidade social, o combate ao Racismo Institucional como vimos alhures concorrem com a abertura de horizontes para as sociedades que venham a adotar a medida.

          Explicando o dito acima, tendo como referência o caso do Estado brasileiro, podemos dizer que a negação de acesso à metade da população brasileira a bens e direitos essenciais como a educação e o trabalho dificilmente o Brasil poderá engajar-se numa onda de desenvolvimento, ou pelo menos de melhora das condições sociais.

          A síntese de indicadores sociais feita pelo IBGE em 2002 [1] indica que a população parda e preta (negra) ocupada aufere rendimentos mensais médios em torno de 50% do que os rendimentos percebidos pelos brancos. Tendo a situação agravada em Salvador, a cidade com maior população negra do país, cidade na qual um negro chega a auferir rendimentos, em média, de R$ 421,00 ao passo que os brancos percebem, em média, R$ 1233,00.

          Por fim, podemos afirmar que as Ações Afirmativas visam redefinir os mecanismos de seleção por mérito, através da disputa do que pode ser entendido como conteúdo do mesmo. Destarte, o mérito continua presente podendo assumir a forma dos mais variados elementos que possam figurar como importantes numa política estratégica organizacional, de uma Universidade exemplificativamente.

          Ronald Dworkin, ao se indagar sobre o que é o mérito, respondeu que "não há nenhuma combinação de capacidades, méritos e traços que constituam o mérito em abstrato".(Dworkin, 2002, p.446) O que se deve levar em conta no preenchimento dos itens meritocráticos são as características socialmente úteis no desempenho das funções futuras.

          Desse modo, se uma Universidade resolve que a diversidade deve ser privilegiada nos seus corpos discente, docente e técnico-administrativo pelos motivos acima expostos e/ou por estar orientada em qualquer outra motivação permitida constitucionalmente, o mérito poderá ser redefinido incluindo-se nas categorias definidoras do mesmo elementos como pertencimento a grupo racial.

          Contudo, nada impedirá de outros critérios serem utilizados pari passu com o pertencimento a grupo racial, a saber idade, notas em exames, sexo, etc. Cada um correspondendo ao perseguimento de um objetivo específico da política estratégica da organização, nesse caso uma Universidade.


MODALIDADES

          A elasticidade das Ações Afirmativas é tão maior quanto a criatividade da organização que as utiliza, e a intensidade da participação ativa da sociedade em razão da potencial diversidade de propostas e conhecimento da realidade local. Aliás, essa participação coaduna com o crescente fenômeno de intensificação das possibilidades de controle social das ações coletivas.

          O acautelamento que se deve ter por ocasião do emprego da medida em tela pode ser sintetizado nos seguintes elementos: potencialização do comprometimento coletivo; previsão de políticas que desenvolvam esforços de maior alcance para o combate das mesmas situações, inclusive materializando-os em programas e orçamentos estatais; otimização do uso do ambiente institucional; razoabilidade histórica; utilidade política estratégica; não atribuição de marcas estigmatizadores para os beneficiados.

          A criação de um ambiente institucional favorável para a adoção de ações promocionais passa necessariamente pela existência de um marco legal que possibilite e oriente o uso das mesmas, inclusive, nós já contamos com o mesmo conforme veremos mais adiante.

          O segundo passo consiste na potencialização do comprometimento coletivo como forma de estimular a adoção de medidas de discriminação positiva na medida das possibilidades negociadas de contribuição, fora dos marcos de uma economia da desigualdade pautada pelo uso oportunista da oferta de legítimo tratamento desigual, seja o uso travestido de pseudo-responsabilidade social, quer seja demagógico.

          Além do que, a observância de construção paralela de políticas de maior alcance deve ser uma prática emulada continuamente, dentro de uma perspectiva de ampliação do acesso a direitos orientada pela consciência dos objetivos, embora necessários e possíveis, limitados por definição das ações positivas.

          A razoabilidade histórica de cada medida afirmativa adotada refletirá diretamente no horizonte criativo das modalidades, suas adaptações e salvaguardas. Dito de outro modo, se o processo histórico de uma sociedade dada informa um grande volume de ações tendentes a embaraçar o exercício de direitos de liberdade de credo existirá uma natural expectativa de uma profusão de adoção de medidas nessa área.

          Cumpre-nos trazer à baila mais dois importantíssimos elementos ponderadores das ações em análise, a considerar, a utilidade política estratégica das iniciativas e a não estigmatização dos beneficiados pelas mesmas. A indagação possível, então, toma o caminho da operacionalização no cotidiano das sociedades das mesmas, então vejamos.

          Sem a pretensão, nem a possibilidade de elencar todas as possíveis modalidades de Ações Afirmativas, com efeito, figuram como modalidades de operacionalização das mesmas:

  1. implantação de sistemas de cotas em processos de seleção para vagas no mercado de trabalho e no sistema de educação, notadamente no ensino superior;
  2. implantação de sistemas de bônus e preferências em licitações e concorrências para prestações de serviços, venda e aquisição de produtos em geral;
  3. oferta de isenções, incentivos, benefícios fiscais a empreendedores levando-se em consideração a dimensão afirmativa do tratamento dos pleiteantes;
  4. adoção de métodos de estabelecimento de preferências negativas e positivas, exemplificativamente, critério de preferência na execução de dívidas ativas fiscais (primeiro caso, negativo), estabelecimento de preferências creditícias em operações comerciais e/ou falimentares (segundo caso, positivo);
  5. Programas de inclusão de estagiários, trainees e profissionais no quadro profissional de instituições (universidades, empresas, ONG’s)

          O professor de Direito da Universidade da Flórida, Winston Nagan, defende que, dentro de uma perspectiva coletiva, existem duas outras possíveis abordagens para o enfrentamento das desigualdades geradas pela discriminação, mais especificamente, pela discriminação racial: reparações em dinheiro pela escravidão e direito universal ao desenvolvimento.(Nagan, 2002)

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          Ambas possibilidades articulam-se de modo a formar uma fértil zona de contato propícia a formulação e fundamentação de políticas públicas ou privadas, podendo desdobrar-se em várias possibilidades de oferta de oportunidades de desenvolvimento para grupos em desvantagem, ou mesmo para pessoas jurídicas de direito público, a exemplo de compartilhamento de tecnologias. Considerando dessa forma podemos pensar em modalidades de Ação Afirmativa entre agentes de Direito Público Internacional, ou mesmo empresas multinacionais centenárias que tenham se beneficiado de comportamentos e atitudes racialistas.


CONCLUSÕES

          As origens revolucionárias do instituto das Ações Afirmativas, desde o caráter urgente das mudanças até as propostas de alterações estruturais nos pontos de intervenção, devem sempre orientar as iniciativas abrigadas nessa seara de atuação jurídico-política. Com efeito, tal postura se traduz na alternativa possível de otimizar o potencial transformador da medida aqui estudada como um dos mecanismos eficientes para o combate às desigualdades arraigadas nas mais recônditas práticas de sociedades desiguais.

          O caráter compartilhado do enfrentamento das desigualdades deve ser exaltado e materializado com o crescente comprometimento da sociedade através de adoção de comportamentos, atitudes e políticas de caráter afirmativo; assim como deve ser fomentada a adoção de políticas públicas de ação afirmativa, para tanto o exercício criativo e participativo deve balizar a formulação das ditas práticas afirmativas sempre guardando relação com a essência do instituto.

          A razoabilidade trazida no bojo da medida encontra-se afinada com as técnicas promocionais da pós-modernidade, que por seu turno, encontra-se autorizada e motivada constitucionalmente, o que deixa-nos à vontade para usar largamente ações positivas mediante posturas de densificação do princípio da Igualdade rumo a efetivação do bloco material necessário a existência digna de qualquer pessoa independente do pertencimento a grupo distinguível.

          Para terminar esse trabalho, curiosamente, invoco as palavras de Montesquieu, na qual se vê: "O princípio da democracia corrompe-se quando se perde o espírito da igualdade".(Montesquieu, 1994) Tomando essa igualdade nas suas acepções formal e material, é claro.


NOTA

          [1] Senado Federal. Jornal do Senado. Brasília: 16/06/2003, p. 2


BIBLIOGRAFIA

          BOBBIO, N.; MATTEUCCI, N.; PASQUINO, G. Dicionário de Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 12ª edição, 1999, volume 2.

          DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

          GOMES, Joaquim Benedito Barbosa. O debate constitucional sobre as Ações Afirmativas. Disponível em: http://www.mundojuridico.com.br. Acesso em: 20/10/2004.

          ______. A recepção do instituto das Ações Afirmativas pelo Direito Constitucional brasileiro. Disponível em: www.adami.adv.br. Acesso em: 20/10/2004.

          MONTESQUIEU. O Espírito das Leis. São Paulo: Editora Saraiva, 1994.

          NAGAN, P. Winston. "Reflections on Racism and World Order", University of Florida Journal of Law and Public Policy. Fall, 2002. Disponível em: Acesso em: 25/10/2004.

          NORTH, Douglas. Institutions, Institutional Change and Economic Performance. New York, Cambridge University Press. 1990.

          REX, John. Raça e Etnia. Lisboa: Editorial Estampa, LDA, 1987.

          SAMPAIO, Elias. Racismo Institucional: desenvolvimento social e políticas públicas de caráter afirmativo no Brasil. (e-mail pessoal)

          SEMPRINI, Andrea. Multiculturalismo. [local?]: EDUSC ,1999.

          SENADO FEDERAL. Jornal do Senado. Brasília, 16/06/2003, p. 2.

          SINGER, Paul. Introdução à Economia Solidária. 7ª edição. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2000.

          SKRENTNY, John Davis. The Ironies of Affirmative Action, Chicago: The University of Chicago Press, 1996, p. 6. In: GUIMARÃES, Antônio Sérgio Alfredo. Políticas Públicas para a ascensão dos negros no Brasil: argumentando pela ação afirmativa. Revista Afro-Ásia, n.° 18, Salvador: CEAO/EDUFBA.1996, p. 241.

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Sobre o autor
Arivaldo Santos de Souza

bacharelando em Direito pela UFBA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Arivaldo Santos. Ações afirmativas:: origens, conceito, objetivos e modalidades. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1321, 12 fev. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9487. Acesso em: 26 dez. 2024.

Mais informações

Trabalho elaborado sob a orientação do professor Samuel Santana Vida, professor do Departamento de Direito Privado da UFBA e da UCSAL.

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