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Ações afirmativas:

origens, conceito, objetivos e modalidades

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12/02/2007 às 00:00

Resumo:


  • O artigo analisa as origens e fundamentos das Ações Afirmativas, abordando sua evolução desde movimentos cooperativistas na Europa até a luta pelos direitos civis nos Estados Unidos e no Brasil.

  • Discute a importância das Ações Afirmativas na promoção da igualdade de acesso a oportunidades, na reparação de danos causados por discriminações passadas e na eliminação do Racismo Institucional e das glass ceilings.

  • Apresenta uma reflexão sobre os objetivos das Ações Afirmativas, destacando a diversidade como valor, a reparação de injustiças, a concretização da igualdade de oportunidades e a redefinição dos critérios de mérito, entre outros.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Resumo: O presente artigo traça um quadro analítico das Ações Afirmativas através da busca de um conceito, das origens político-filosóficas, de uma tipologia e dos objetivos das Ações Afirmativas. As origens no Direito trabalhista europeu a partir das movimentações dos movimentos cooperativistas, as origens estadunidenses provocadas pelos Movimentos de Direitos Civis, e as origens brasileiras são passadas em revista. Em um segundo momento, busca-se entender os fundamentos da medida em estudo, bem como fazer distinções necessárias com as Políticas Públicas. Em um terceiro momento, tem-se esboçada uma tipologia e elencados alguns objetivos. Em conclusão, a presente dissertação defende um engajamento de toda a sociedade na construção de uma sociedade sem desigualdades a partir, também, do uso qualificado de Ações Afirmativas.

Palavras-chave: Direito, Ações Afirmativas e Políticas Públicas.


INTRODUÇÃO

          A calorosa discussão deflagrada, no cenário jurídico-político brasileiro, em torno das Ações Afirmativas, e mais especificamente, em torno da adoção de sistemas de cotas para negros em universidades, tem trazido à baila uma série de controvérsias entre os diversos atores que influenciam os processos decisórios nacionais.

          Além de estar na iminência de convocar o Supremo Tribunal Federal a se manifestar por ocasião da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2.858-8, ajuizada pela Confederação Nacional de Estabelecimentos de Ensino (CONFENEN), o aludido tema vem dividindo juristas, acadêmicos e movimentos sociais, sobretudo, em razão da natureza das eventuais alterações na composição de importantes espaços de poder e conhecimento, e das suas respectivas conseqüências.

          Neste quadro, iniciativas que estimulem a reflexão de estudantes e profissionais, bem como a oferta de respostas para as intrigantes questões jurídicas, políticas, filosóficas, dentre outras que despontam a partir da implantação das primeiras iniciativas afirmativas de segmentos tratados de maneira desvantajosa se colocam como inadiáveis.

          O presente artigo estuda elementos estruturais do instituto das Ações Afirmativas, os quais, contraditoriamente, têm sido negligenciados, portanto, este trabalho pretende qualificar a discussão em torno do tema a partir de uma pesquisa eminentemente bibliográfica que se seguiu após experiências práticas da implantação de Ações Afirmativas na Universidade Federal da Bahia.


ORIGENS EUROPÉIAS: COOPERATIVISMO E EQUITY

          As origens do instituto das Ações Afirmativas remontam ao tempo do Movimento Europeu Cooperativista, o qual propugnava por uma mudança das formas de reprodução social e material no seio da recém-nascida sociedade capitalista.

          Tal disputa no entendimento de Paul Singer, significava que os trabalhadores defendiam a solidariedade na economia, a qual só poderia se realizar se a mesma fosse organizada igualitariamente pelos que se associam para produzir, comerciar, consumir ou poupar. A chave dessa proposta seria a associação entre iguais em vez do contrato entre desiguais.(Singer, 2000, p.9)

          A depressão econômica em que a Grã-Bretanha mergulhara no início do século XIX, animou o britânico Robert Owen a propor uma série de mudanças estruturais nos modos de produção, a fim de que os membros afetados negativamente pelo capitalismo da sociedade britânica da época passassem a ter possibilidades de consumo, e, por conseguinte, acabasse-se com o desaquecimento da economia, ocasionado pela redução das demandas bélicas da sociedade pós-guerra, e conseqüente contração no mercado.

          A partir de então uma série de experimentos foram realizados em diversos lugares orientados pelas idéias cooperativistas de Charles Fourier, Saint-Simon e do próprio Owen. Ocorre que as condições de trabalho precárias da época obrigavam os trabalhadores a adotarem estratégias de reivindicação de melhoria salarial e de condições de trabalho, além de tentarem substituir os patrões no mercado, com as cooperativas.

          À medida que a militância dos trabalhadores crescia, os empregadores reagiam com lock-outs (greve patronal, literalmente "exclusão"), demitindo, retaliando, preterindo trabalhadores sindicalizados.(Singer, 2000, p.34)

          Para combater o tratamento diferenciado dado a trabalhadores sindicalizados, em 1935, ao contrário do que tem sido dito, temos a primeira notícia das Ações Afirmativas, consoante John Skrentny. "A idéia básica vem do centenário conceito legal inglês de equidade (equity), ou de administração da justiça de acordo com o que era justo numa situação particular, por oposição à aplicação estrita de normas legais, o que pode ter conseqüências cruéis".(Skrentny, 1996, p.6)

          The 1935 National Labor Relations Act previa que:

          um empregador que fosse encontrado discriminando contra sindicalistas ou operários sindicalizados teria que parar de discriminar e, ao mesmo tempo, tomar ações afirmativas para colocar as vítimas nas posições onde elas estariam se não tivessem sido discriminadas."(Skrentny, 1996, p.6)

          O caráter preventivo e reparatório de comportamentos discriminatórios, pois, encontra-se na raiz do instituto conhecido na Europa como discriminação positiva ou ação positiva, uma vez que tentava-se evitar a discriminação dos trabalhadores sindicalizados, ao mesmo tempo que tentava-se viabilizar a produção da situação gerada a partir da não existência da situação de discriminação.


ORIGENS ESTADUNIDENSES: MOVIMENTOS PELOS DIREITOS CIVIS E INCLUSÃO

          Os Estados Unidos deram grande contribuição para o desenvolvimento do instituto em estudo, difundiram o seu emprego nos mais variados campos da atividade humana coletiva, e cunharam a expressão mais difundida para definir as ações positivas de combate a desigualdade, talvez esse seja o motivo que leva muitos a afirmar os Estados Unidos como berço das Ações Afirmativas.

          Nos Estados Unidos, curiosamente, se deve ao governo republicano, conservador e minimalista de Nixon, a notícia histórica do uso primeiro das Ações Afirmativas na sociedade estadunidense.

          O então presidente Eisenhower incumbiu a seu vice – presidente, Nixon, a tarefa de elaborar um relatório sobre as desigualdades na sociedade estadunidense, ao fim, o mesmo concluiu que a geratriz das mesmas eram as produções e reproduções de um sistema que operava a partir de uma lógica business-as-usual (regular e inercial).

          Tal conclusão deu azo as primeiras iniciativas do que mais tarde se convencionou chamar de Racismo Institucional. Contudo, a sua abordagem se dará mais adiante, ocasião na qual poderemos descobrir como nasce a idéia de que os métodos meramente formais de combate a desigualdades encontram-se esgotados.

          No caso das mulheres, o título VII da Lei dos Direitos Civis de 1964 e a Executive Order 11246, emendada pela Executive Order 11375 de 1967, lançou as bases legais para Ações Afirmativas no mercado de trabalho em favor de mulheres, acompanhadas pela previsão do título IX da emenda educacional de 1972 que destinava recursos federais específicos para fomentar o ingresso de mulheres aos diversos graus de ensino.

          Grosso modo, à época, o argumento utilizado pelos defensores da medida, sobretudo pelos Movimentos de Direitos Civis e Políticos, era a necessidade de promover a igualdade através da oferta de oportunidades para que minorias pudessem assumir funções lucrativas, gratificantes e importantes.

          Em contrapartida, os opositores argumentavam violação a décima quarta emenda da Constituição dos Estados Unidos da América (cláusula de igual proteção). Acontece que a idéia ganhou força política suficiente para proliferar na educação e no emprego, até que as grandes controvérsias geradas levaram a discussão às últimas instâncias dos tribunais daquele país, lugar no qual, depois de controvertidas discussões, decidiu-se por uma interpretação que tomavam as medidas como constitucionais.

          A perspectiva deste segundo uso histórico nos informa uma perspectiva de inclusão relativamente desprovida de crítica aos paradigmas vigentes à época. Em outras palavras, ao passo que os britânicos cooperados tinham uma perspectiva eminentemente contestatória, no caso do capitalismo praticado pelos seus respectivos patrões, o exemplo estadunidense nos parece mais reivindicador de bilhetes de ingresso ao tão proclamado melting pot americano, desacompanhado de reflexões sobre a viabilidade de sobrevida em espaços dialogados sem a presença dos recém ingressos.


ORIGENS BRASILEIRAS

          A escassez de obras sobre o tema no Brasil dificulta a exata localização do uso primeiro do instituto no Brasil, todavia existe notícia histórica de oferta de incentivos à vinda de europeus ao Brasil mediante a doação de terras, aliás, sendo essa uma das razões para a fundação de várias cidades brasileiras, a exemplo de Nova Friburgo no Rio de Janeiro.

          De mais a mais, a década de 60 conheceu uma modalidade de Ação Afirmativa, refiro-me a lei 5.465/1968 (lei do boi), a qual reservava, preferencialmente, 50% das vagas de estabelecimentos de ensino médio agrícola e de escolas superiores de Agricultura e Veterinária, mantidos pela União, a agricultores ou filhos destes, proprietários ou não de terras, que residam com suas famílias na zona rural, e 30% a agricultores ou filhos destes, proprietários ou não de terras, que residam em cidades ou vilas que não possuíssem estabelecimentos de ensino médio.

          Como podemos ver as duas medidas supracitadas visavam oferecer um tratamento justo a grupos específicos. Os últimos em situação de desvantagem por morarem em regiões distantes ou por razão estratégica justificavam o tratamento desigual em relação aos seus desiguais; ao passo que os primeiros, por uma deficiência cognitiva do gestor público explicada por opções ideológicas ofertou tratamento desigual a grupos em melhor ou igual condição a grupos residentes no território nacional, a exemplo dos negros escravizados.

          O texto da Constituição Federal, ao dispor expressamente sobre Ações Afirmativas, ao lado de leis que oferecem incentivos a mulheres e deficientes físicos, inaugura a era moderna das Ações Afirmativas no Brasil. Destinamos tópicos específicos mais adiante para tratar do assunto.

          Nos últimos anos foram realizadas reuniões (em 1996) com setores dos Movimentos Negros, acadêmicos, dentre outros, sob o patrocínio do Governo Federal, produzindo os decretos de 20 de novembro de 1995, de 07 de fevereiro de 1996 e de 20 de março de 1996, voltados para a criação de Grupo de Trabalho Interministerial com a finalidade de desenvolver políticas para a valorização da População Negra, e para a eliminação da discriminação no emprego e na ocupação.

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          Houve uma confissão oficial do Governo da existência de graves assimetrias no acesso a direitos baseada em raça, gênero existente no Brasil por ocasião da Conferência de Durban, assim como a edição do Decreto n. ° 4.228/2002, da Portaria 1.156/2001, os quais estabelecem um Programa Nacional de Ações Afirmativas no âmbito da Administração Pública Federal, além de oferecer incentivos para o ingresso no Supremo Tribunal Federal e no Instituto Rio Branco.

          Em uma perspectiva comparada, podemos dizer que as reivindicações dos Movimentos Negros brasileiros aproximam-se do primeiro contexto, britânico, conquanto ao evitar expedientes com conteúdos meramente includentes afastam-se de padrões de integração tutelada, nos quais o exercício dos direitos estão fadados a condicionamentos (possibilidade de ingressar na universidade, mas pra estudar a história das elites brancas), ou a expectativas (possibilidade de preencher os quadros da magistratura aliada a eterna expectativa de não sentir mais drasticamente os efeitos do compartilhamento da experiência da discriminação, sendo confundido com um ocupante de funções desprestigiadas, por exemplo).

          Avançando numa postura de criação de condições para a construção de valores a fim de possibilitar interatividade dentro de um novo pacto social, os Movimentos Negros reivindicam o acesso aos meios de poder e conhecimento necessários para que o compartilhamento dos discursos seja bem sucedido.

          Esses elementos nos informam que, finalmente, começa a existir um ambiente propício para a discussão e superação das desigualdades no Brasil, mediante reivindicações de inclusão dentro de uma perspectiva de direito ao desenvolvimento e a reparação, similar ao emprego dado pelo Professor da Universidade da Flórida Winston Nagan.(Nagan, 2002).


RACISMO INSTITUCIONAL E GLASS CEILING

          A elaboração do conceito de Racismo Institucional ao lado da noção de Glass Ceiling foi fundamental para o amadurecimento teórico-político do instituto em estudo. Enquanto Glass Ceiling refere-se a obstáculos não palpáveis que condicionam o acesso de negros e mulheres qualificados a espaços de prestígio e poder, o conceito de Racismo Institucional refere-se a políticas institucionais que, sem o suporte da teoria racista de intenção, produz conseqüências desiguais para os membros das diferentes categorias raciais.(Rex, 1987, p.185).

          Apoiado nesse entendimento, podemos afirmar que os sistemas de crenças, os quais sugerem que uma categoria de indivíduos é, por qualquer razão determinista, incapaz de se mover de uma posição social para a outra (Racismo) e as políticas destinadas a impedir este movimento (Racialismo) são dois conceitos que nos ajudarão a compreender o tema. Até porque o Racismo Institucional, neste sentido, se traduz numa espécie de Racialismo inconsciente.

          O Racismo Institucional conta com um fator objetivo, qual seja, a consciência da prática do comportamento discriminatório não o isenta de culpa, em outras palavras aquele que produz efeitos desiguais para grupos étnicos diferentes, sem motivação justa, está sendo racista.

          Vejamos a definição dada na fundamentação da sentença de um caso de violência envolvendo dois jovens negros Lawrence e Brooks e a Polícia Inglesa, em cujo um grupo organizado branco racista praticou violência contra dois jovens negros, restando a Brooks, que sobreviveu, e à família de Lawrence o desamparo estatal, em razão da inabilidade de lidar com a situação, consoante aponta o relatório do caso:

          The collective failure an organization to provide an appropriate and professional service to people because of their colour, culture or ethnic origin. It cam be seen or detected in processes, attitudes and behavior which amount to discrimination through unwitting prejudice, ignorance, thoughtlessness and racist stereotyping which disadvantage minority ethnic people. (North, 1990)

          Tal caso nos mostra que glass ceiling é exatamente um dos resultados das práticas discriminatórias institucionalizadas, conquanto no aludido caso as prestações estatais legitimamente esperadas pelos mesmos e por suas respectivas famílias não foram adimplidas.

          Após essa introdução conceitual, podemos retomar a discussão gerada a partir do relatório do vice-presidente Nixon, a qual concluiu que a mera proibição gerada pelas primeiras leis de Dirietos civis, embora tenham logrado bons resultados, eram insuficientes para promover direitos a minorias até então alvo de discriminação.

          Assim, a partir do reconhecimento estatal (Estados Unidos) da existência desses obstáculos artificiais foi criada uma comissão para estudar e propor alternativas a questão, alimentada por esforços teóricos da academia tendo como alguns dos resultados o desenvolvimento de Políticas Públicas de Ações Afirmativas, e a proibição de existência de requisitos e testes que não mantivessem relação lógica com as tarefas a serem desenvolvidas pelo pleiteante a função.

          Em dois termos adjetivadores de ações consagrados no debate acadêmico e político, podemos sintetizar a polarização que se enfrenta ao fazermos uso de Ações Afirmativas, quais sejam colorblind e race conscious. Aquelas podem ser encaradas como ações universalistas que pretendem garantir direitos mediante a expansão universal dos mesmos, enquanto estas podem ser vistas como ações que pretendem garantir direitos a grupos específicos que não acessam direitos oferecidos universalmente devido a desvantagens geradas historicamente e a atualização destas, ou seja, a existência de práticas discriminatórias institucionalizadas, que por sua vez, geram glass ceilings.

          Interessante proposta faz o professor baiano Elias Sampaio, à medida que defende a potencialização do uso da concepção de organização, e por conseguinte o avanço definitivo rumo à Igualdade, nos termos do Prêmio Nobel Douglas North, qual seja:

          Institutions include any form of constraint that human beings devise to shape human interaction. (…) Organizations include political bodies (political parties, the Senate, a city council, a regulatory agency), economics bodies (firms, trade unions, family farms, cooperatives), social bodies (churches, clubs, athletic associations), and educations bodies (schools, universities, vocational training centers). They are groups of individuals bound by some common purpose to achieve objectives (North, 1990)


CONCEITO DE AÇÕES AFIRMATIVAS E POLÍTICAS PÚBLICAS

          A essa altura, faz-se necessário identificarmos os elementos que permitem-nos afirmar a existência ou ausência de Ações Afirmativas em determinado espaço-tempo como forma de detectarmos as mesmas nos mais variados contextos.

          Para levar a cabo tal tarefa, tomemos de empréstimo a conceituação feita por Joaquim Benedito Barbosa Gomes, o qual após historiar a primeira fase de mero encorajamento, e o avanço para a fase da fixação de cotas rígidas e perseguição de metas estatísticas, define Ações Afirmativas como sendo:

          um conjunto de políticas públicas e privadas de caráter compulsório, facultativo ou voluntário, concebidas com vistas à discriminação racial, de gênero, por deficiência física e de origem nacional, bem como para corrigir ou mitigar os efeitos presentes da discriminação praticada no passado, tendo por objetivo a concretização do ideal de efetiva igualdade de acesso aos bens fundamentais como a educação e o emprego.(Gomes, 2004)

          No conceito exposto, podemos identificar três elementos estruturantes:

  1. Políticas públicas ou privadas: tomada nessa acepção, política quer significar conjunto de ações articuladas teleologicamente a algum fim, as quais devem ser levadas a cabo por empresas, entes da administração pública, associações civis, enfim toda sorte de pessoas físicas e/ou jurídicas que estejam aptas a contribuir para a superação do nó górdio do Estado brasileiro: a situação de desigual distribuição de direitos baseada em raça.
  2. Dirigidas a eliminação e/ou mitigação de discriminações injustas e de suas respectivas conseqüências, rumo a concretização da efetiva igualdade.
  3. Caráter facultativo, compulsório ou voluntário: embora nenhum particular, ou mesmo ente da administração pública que não esteja diretamente envolvido com situações de desigualdade, estejam obrigados automaticamente a adotar Ações Afirmativas, os mesmos podem fazê-lo como forma de efetivar o princípio da igualdade.

          Considerando que políticas públicas são atos do Estado respaldados em algo ordenado ou proibido com efeitos vinculantes para todos os membros de um determinado grupo social, neste caso de um dado Ordenamento Jurídico; (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1999) considerando que entre os objetivos centrais da República Federativa do Brasil encontra-se a redução das desigualdades sociais, deve-se cobrar do Estado uma atitude afirmativa, inclusive cobrando a adoção de Políticas Públicas de Ação Afirmativa.

          O conceito de Gomes tem o inconveniente de não nos deixar suficientemente atentos para a necessária perseguição de políticas públicas, bem como a inelutável necessidade de prevenção frente à pseudo-políticas de Ações Afirmativas.

          Isto porque, não concordamos que faça parte da natureza do instituto o caráter de política, entendida como um conjunto de ações estruturadas em torno de um eixo de atuação que preveja metas, cronogramas e planos de execução, pertencentes a um conjunto mais amplo de iniciativas, muito embora desejássemos que o fizesse.

          Existem ações pontuais que, embora não da forma mais desejável, têm o condão de preencher os elementos estruturantes elencados nos pontos a e b, contribuindo assim para a concretização da Igualdade, sem precisar perder o caráter de Ação Afirmativa. Por outro lado, para que a densificação do Princípio da Igualdade seja potencializada melhor é trazer essas tarefas para a materialização enquanto política, haja vista seu caráter de articulado.

          Daí, tem se que o conceito melhor formulado seria se tivéssemos no lugar de políticas públicas ou privadas, ações públicas ou privadas. Resguardada a atenção para se exigir não apenas Ações Afirmativas, mas sim políticas de Ação Afirmativa, igualmente na esfera estatal, deve se ter atenção redobrada para que sejam produzidas Políticas Públicas de Ação Afirmativa baseada em pertença a grupos em desvantagem, enquanto dever estatal inscrito na Carta Magna.

          A própria ida de Gomes para o Supremo Tribunal Federal pode ser inscrita nesse quadro geral, senão vejamos, não há política pública (o que chamamos de elemento estruturante a) de promoção de profissionais do Direito para o Supremo, contudo entre ele (Gomes) e outros nomes igualmente qualificados, ponderou-se o pertencimento de Gomes a um grupo em desvantagem, conforme podemos depreender das falas do presidente da República no período que antecedeu a indicação. Exemplo de Ação Afirmativa que não é política pública.

          Outrossim, a partir de uma reelaboração do conceito de Ações Afirmativas colocado por Gomes, o qual leve em consideração mais duas notas distintivas trazidas pela Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, quais sejam, especificidade e temporalidade poderemos chegar a mais dois elementos estruturantes facilitadores do entendimento do espírito do instituto, veja o texto da Convenção:

          Não serão consideradas discriminação racial as medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos [especificidade] que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, contanto que tais medidas não conduzam, em conseqüência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos [temporalidade].

          Conclusivamente, chegamos ao seguinte conceito de Ações Afirmativas: ações públicas ou privadas, temporárias, de caráter compulsório, voluntário ou facultativo dirigidas a eliminação e/ou mitigação de discriminações injustas e de suas respectivas conseqüências, rumo a concretização da efetiva igualdade, sempre baseando-se no sentido de pertença a grupos, portanto específicas.

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Sobre o autor
Arivaldo Santos de Souza

bacharelando em Direito pela UFBA

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUZA, Arivaldo Santos. Ações afirmativas:: origens, conceito, objetivos e modalidades. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1321, 12 fev. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9487. Acesso em: 25 dez. 2024.

Mais informações

Trabalho elaborado sob a orientação do professor Samuel Santana Vida, professor do Departamento de Direito Privado da UFBA e da UCSAL.

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