O LIMITE DISCRICIONÁRIO DE ENTENDIMENTO NA CORREÇÃO DE QUESTÕES DE CONCURSO PÚBLICO E O TEMA 485 DO STF

19/11/2021 às 22:57
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O LIMITE DE BANCA EXAMINADORA DE CONCURSO PÚBLICO E A TESE DE REPERCUSSÃO GERAL DO TEMA 485 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Paulo Silva Lima Wu

1 - INTRODUÇÃO

O modelo analítico adotado pelo constituinte de 1988 abarcou os mais variados temas, desde a base de fundamentação do estado democrático de direitos até a previsão do Colégio Pedro II ser mantido em orbita federal (art. 242, § 2º); previu a separação dos poderes, deflagrando independência e harmonia (art. 2º) e assim impedindo a invasão de um sobre outro em determinadas funções para a qual foram instituídos. As competências inerentes aos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário são típicas e atípicas, sendo que aquelas, via de regra, não permitem a fiscalização, salvo nas hipóteses estritamente previstas na Constituição de 1988. O Executivo possui a função de administrar, enquanto o Judiciário julga os casos submetidos pelos jurisdicionados e o Legislativo elabora leis. Dentro da função executiva insere-se a organização de pessoal, cujo ingresso nos quadros de servidores públicos depende de aprovação prévia em concurso público de provas e/ou de provas e títulos (art. 37, I da CRFB/88).

Para que seja inaugurado um procedimento de concurso público é necessária a existência de legislação prévia com existência de vagas e disponibilidade orçamentaria para nomeação de pessoal na Administração Pública; assim, o Chefe do Poder Executivo inaugura um procedimento licitatório com a finalidade de contratar uma Banca examinadora para dar andamento à fase de consecução do concurso público.

Ocorre que a separação dos poderes permite a eles, bem como às autarquias, empresas públicas e sociedades de economia mista, contratar seus servidores e empregados públicos por meio de concurso público, realizando os atos necessários à concretização do procedimento de aferição do preparo para o exercício da função.

Inobstante e tal como previsto, esse modelo permite as mais variadas fraudes e uma sequência de contratações diretas por meio de arrumadinhos, comercialização de cargos e até mesmo apadrinhamentos, já que como detentor da máquina pública o Poder Executivo na maioria das vezes é exercido por políticos mal intencionados e com dividas de financiamento de campanha, amigos e parentes desempregados.

A contratação de Banca Examinadora de concurso público é um ato vinculado e necessário e, realizado o procedimento licitatório com escolha da empresa, esta passa a substituir a administração no seu mister de selecionar os candidatos para o cargo.

O cerne da questão resulta no entendimento de repercussão geral (Tema 485) do Supremo Tribunal Federal STF que expressamente impede o Pretório Excelso de invadir o mérito das questões elaboradas, permitindo manipulação dos resultados e fraudes; neste sentido, vejamos o entendimento adotado pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco:

EMENTA: ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. QUESTÃO IMPUGNADA. CONTEÚDO ABORDADO. IMPOSSIBILIDADE DE REVISÃO PELO JUDICIÁRIO. EXCEPCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO ÀS DISPOSIÇÕES DO EDITAL. DEVIDO PROCESSO LEGAL ADMINISTRATIVO OBSERVADO. RECURSO DESPROVIDO DECISÃO UNÂNIME. 1. Não é recente o entendimento jurisprudencial segundo o qual não compete ao Judiciário reavaliar o conteúdo de questões de concurso público, substituindo a atuação da banca examinadora.2. A interferência dos tribunais em matéria de concurso público só se legitima como medida restaurativa da legalidade do certame, afim de expurgar algum ato administrativo eivado de nulidade que contamine a validade do processo.3. O reexame das questões de concurso público pelo Judiciário implicaria inaceitável substituição à atuação administrativa, tolhendo-se o administrador da liberdade de exercício da função pública. Outro não foi o entendimento do Supremo exarado em sede de Repercussão Geral (Tema 485).4. Por outro lado, não é porque as questões de concurso albergam os critérios de avaliação da administração pública, segundo as competências e habilidades exigidas ao cargo, que seu conteúdo se mostra absolutamente infenso ao reexame jurisdicional.5. Existe uma hipótese em que a jurisprudência legitima a intervenção judicial, no escopo de tutela da legalidade do certame, quando haja suspeita de incompatibilidade entre o conteúdo dos quesitos e as disposições do edital.6. Na situação dos autos, não me parece haver a banca violado os termos do edital, de modo a justificar a intromissão do Judiciário. Isso porque a apelante não se insurge contra a suposta ausência de previsão do conteúdo abordado na questão no programa do edital. Pelo contrário, sua pretensão se dirige especificamente ao mérito do conteúdo abordado, impugnando o próprio entendimento adotado pela banca, rediscussão simplesmente inviável na instância jurisdicional.7. Apelo desprovido. Decisão unânime. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do Recurso de Apelação PJE nº 1813-37.2018, acordam os Desembargadores que integram a Segunda Turma da Câmara Regional de Caruaru do Tribunal de Justiça de Pernambuco, pela sessão de julgamento realizada no dia ___/___/___, à unanimidade de votos, em conhecerem do recurso acima descrito, negando-lhe provimento, tudo na conformidade dos votos e do Relatório proferidos neste julgamento.P. e I. Caruaru, Des. Demócrito Ramos Reinaldo Filho

Desta forma, o Judiciário pernambucano (1º e 2º Graus) adotou o entendimento entabulado no Tema de Repercussão Geral 485 do STF, sem que fundamentasse a aplicação de sua exceção no caso concreto, uma vez que em determinados casos o entendimento da Banca é manifestamente ilegal e inconstitucional, aplicando à espécie interpretação divergente do próprio mandamento da Colenda Corte Suprema, ferindo, ou mesmo rasgando a Constituição Federal de 1988, uma vez que o debate no caso concreto foi estabelecido em torno da questão 08 da prova de procurador municipal do Município de Santa Crus do Capibaribe PE, cujo conteúdo do entendimento adotado representa flagrante ilegalidade, somada a inconstitucionalidade e ausência de qualquer entendimento que permita socorrer argumento favorável (doutrina, trabalho científico, jurisprudência, sumula, lei, entendimentos etc.) ao que a Banca adotou como correto na questão ...O estabelecimento de restrições, por lei, à entrada e locomoção de pessoas com seus bens no território nacional em tempo de paz seria uma medida incompatível com as normas constitucionais garantidoras de direitos e garantias fundamentais da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988...", hipótese em que o Judiciário deveria aplicar a exceção do Tema 485. Assim, ao acolher a regra adotada no Tema 485 do STF e não a exceção, cuja subsunção é a hipótese de diversos casos concretos, os argumentos apresentados no R. Acórdão ferem dispositivos da Constituição Federal e da legislação, senão vejamos.

2 VIOLAÇÃO AO ART. 5º XV DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 IMPOSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO DO JUÍZO DE DISCRICIONARIEDADE DA BANCA CONSUBSTANCIADO NO TEMA 485 DO STF

O entendimento adotado no acordão foi o seguinte:

Com efeito, é imprescindível ressaltar que o STF, apreciando o tema 485 da repercussão geral, fixou a tese de que "... não compete ao Poder Judiciário substituir a banca examinadora para reexaminar o conteúdo das questões e os critérios de correção utilizados, salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade...".

Assim, o cerne da questão posta em debate resulta no fato de que taxativamente a Segunda Turma da Câmara Regional de Caruaru aplicou a regra geral, sem que atentasse para a exceção: salvo ocorrência de ilegalidade ou de inconstitucionalidade.

De acordo com o Min. Sepúlveda Pertence, a inconstitucionalidade da questão seria classificada por enlouquecida e desvairada, não tem como negar que a Banca exorbita dos limites que impediriam a intervenção judicial, aplicando entendimento sem qualquer base jurídica, doutrinária, legislativa, jurisprudencial, tese de trabalhos cientificos, manuscrito de aluno de 1º periodo de faculdade de direito etc., demonstrando atuação descompromissada e irresponsavel, tipico de uma instituição que atua sem qualquer respeito pelo administrado, os Municipios em que ela realiza concursos e os candidatos, na medida em que não há qualquer base sólida que permita a Banca aplicar o entendimento de que O estabelecimento de restrições, por lei, à entrada e locomoção de pessoas com seus bens no território nacional em tempo de paz seria uma medida incompatível com as normas constitucionais garantidoras de direitos e garantias fundamentais da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. (grifei)

Ora, percebe-se claramente que o item como correto é totalmente equivocado, vez que tal restrição é compatível sim com a Carta da República. O texto do art. 5º, inc. XV da CRFB/88 é o seguinte: é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens; (grifei)

Trata-se, pois, de norma de eficácia contida de acordo com a corrente doutrinária constitucionalista, podendo perfeitamente ser restringida (a locomoção) pelo legislador ordinário. Norma constitucional de eficácia contida, segundo José Afonso da Silva, é aquela em que "poderá haver restrição por parte do legislador infraconstitucional".

Para Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo (ALEXANDRINO, Marcelo e outro) (et al). Direito administrativo descomplicado. 23ª Edição: Método, 2015, p. 58):

Em regra, as normas de eficácia contida exigem a atuação do legislador ordinário, fazendo expressa remissão a uma legislação futura. Entretanto, a atuação do legislador ordinário não será para tornar exercitável o direito nelas previsto (este já é exercitável desde a promulgação do texto constitucional), tampouco para ampliar o âmbito de sua eficácia (que já é plena, desde sua entrada em vigor), mas sim para restringir, para impor limitações ao exercício deste direito. (grifo no original).

É certo que a margem de liberalidade da Banca examinadora para considerar um item como certo ou errado há de ser soberana no que diz respeito ao julgamento das assertivas, contudo essa liberdade deve necessariamente restringir-se á lei, à doutrina, aos princípios gerais de direito e à Constituição Federal, e não inovar o direito, criando algo que não existe. Não se trata de afirmação que deixa dúvida ou divida a doutrina ou jurisprudência. Não há qualquer respaldo jurídico normativo que fundamente a soberania da Banca para afirmar que o estabelecimento de restrições à liberdade de locomoção e entrada de pessoas com seus bens no território nacional é incompatível com a Constituição Federal.

O juízo de análise da banca deve restringir-se aos pontos em que a doutrina se divide quanto à interpretação de determinada norma jurídica ou entendimento, o que não é o caso da afirmação exposta, cuja equipe responsável pela elaboração da questão vai de encontro ao texto da Constituição e a toda a corrente doutrinária, apresentando a questão flagrante ilegalidade e inconstitucionalidade.

Ademais, não se pode permitir que a liberdade da banca para validar um item como correto ou errado adentre ao juízo da sorte ou azar do candidato (o que caracteriza ilegalidade), já que os mesmos aplicam seus conhecimentos de acordo com o que aprenderam ao longo dos estudos preparatórios e, obviamente, que todos nós, inclusive Juizes e Promotores sabemos que nenhum direito fundamental é absoluto. Não há qualquer segurança jurídica, pois não se trata de adivinhar a resposta que a Banca pretende que seja, mas de utilizar conhecimentos sobre a matéria. Ademais, concurso público não é um sorteio e sim um meio de aferir conhecimentos e preparação para o exercício do cargo. Não existe doutrina que afirme o entendimento da Banca. Não existe jurisprudência neste sentido. Não há na Constituição nada que proíba tal restrição, inclusive nem mesmo a vida pode ser considerada direito fundamental irretocável por absoluta disposição constitucional expressa, inclusive o art. 60, inciso IV da CRFB/88 estabelece a proibição de abolição e não de restrição, partindo do pressuposto de que os direitos constitucionais fundamentais são relativos, conforme vasta doutrina constitucionalista e entendimento do STF.

Mais absurdo ainda é que existem em nosso ordenamento diversas restrições, por lei, à liberdade de locomoção, que são provenientes do Decreto Presidencial nº 678/92, promulgando Tratado Internacional devidamente ratificado pelo Congresso Nacional, nos termos o art. 49, I, da CRFB/88 e, desse modo, o documento é totalmente compatível com a Constituição, posto que a norma do art. 5º, XV da Magna Carta é norma de eficácia contida, admitindo, pois, restrição por parte do poder constituinte derivado. Não apenas este Decreto, mas o Estatututo da criança e adolescente, o Código de Defesa do Consumidor, o Código de Transito Brasileiro, o Código Tributário Nacional e tantas outras leis federais que se destinam, obedecendo à Constituição, a restringir a livre liberdade de locomoção por meio de normas de ordem pública.

Ocorre que tal entendimento da banca, repita-se, contrário a todo o ordenamento jurídico e flagrantemente ilegal e inconstitucional, altera a classificação no concurso por meio de manipulação, obviamente que sem expor qualquer entendimento que justifique a Banca ter considerado o item como correto.

Isso porque a discricionariedade é a faculdade de que dispõe o aplicador do direito de escolher entre duas ou mais opções postas pelo legislador ou pela doutrina, acerca da melhor interpretação ou posicionamento que se conforme com a realidade em determinado caso concreto, e, como não há qualquer respaldo jurídico para o entendimento da Banca, não estamos diante de discricionariedade ou livre escolha do administrador, mas de pura inconstitucionalidade, flagrante ilegalidade. Neste diapasão, resta evidente que o posicionamento so Supremo é no sentido de que a anulação de questões de concurso público, pela via judicial, é possível em caso de flagrante ilegalidade ou inconstitucionalidade, o que recomenda diversos casos concretos.

A Banca não dispõe de nenhuma legislação, corrente, jurisprudência ou doutrina que albergue seu entendimento; assim não se trata de juízo discricionário da Banca examinadora e sim de pura ilegalidade e flagrante inconstitucionalidade. Haveria discricionariedade acaso uma mínima corrente corroborasse a tese da banca, o que não existe e, discricionariedade pressupõe dois lados. Logo, se a banca utiliza entendimento que inova o direito, pegando o candidato de surpresa porque contrario a tudo que ele estudou e se preparou, isso não pode ser denominado de discricionariedade, mas de inconstitucionalidade, ilegalidade ou mesmo imoralidade. Embora a Banca possua discricionariedade para fixação e analise de questões (como regra), ela jamais poderia utilizar seu juízo de escolha de entendimento que inove o direito, ou seja, ela jamais poderia legislar ou criar uma jurisprudência, entendimento doutrinário, etc., adentrando a sorte ou azar do candidato e não seus conhecimentos. Ademais, embora seja inviavel ao Judiciario adentrar ao mérito dos atos administrativaos realizados pelos Poderes da República, é evidente e sacramentado que essa regra não é taxativa e muito menos absoluta, posto que ao exercer o poder discricionário, qualquer dos poderes se submetem ao juízo vinculado à proporcionalidade, à legalidade, à constitucionalidade, à moralidade e demais normas e principios que regulam a atividade discricionária. A escolha é em relação ao mérito, todavia, esse mérito administrativo não pode jamais contrariar a Constituição e muito menos os entendimentos adotados pelo Colendo STF.

Assim, o cerne da questão posta resulta em demonstrar que o entendimento da Banca, à margem de sua discricionariedade, exorbita a discricionariedade, ultrapassando o limite, ferindo todo o ordenamento jurídico, a Constituição, toda a doutrina, a jurisprudência e demias compêndios de direito acerca da possibilidade de restrição à entrada e permanencia de estrangeiros no País.

Aliás, ao afirmar que ...O estabelecimento de restrições, por lei, à entrada e locomoção de pessoas com seus bens no território nacional em tempo de paz seria uma medida incompatível com as normas constitucionais garantidoras de direitos e garantias fundamentais da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988...", a Banca tambem afronta a soberania do Estado, anula (ou rasga) todas as leis alfandegárias, aéreas, marítimas, tributárias, comerciais, econômicas, sociais, culturais etc., que restrigem a liberdade e sem ônus para que estrangeiros transitem pelo território nacional, embora que em tempo de paz. Não apenas isso, afronta os constitucionalistas que defendem a relativização dos direitos fundamentais e que em suas obras e entendimentos sustentam a possibilidade de restrição dos direitos fundamentais. Mais além, a Banca afronta todos os tratados e convencões internacionais ratificados pelo Brasil e que dizem respeito à entrada e permanencia de estrangeiros em nosso País.

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O entendimento adotado pela Banca é totalmente inconstitucional, exorbitando de sua margem discricionária; é imoral porque inova o direito, legislando e criando entendimento que não existe; é ilegal porque se resume a sorte ou azar do candidato, fere todo o ordenamento jurídico, a jurisprudência, principio constitucional e a doutrina constitucionalista. Isso porque, não existe essa tese e assim sendo não há dois entendimentos que se contrapõem, não havendo consequentemente juízo de discricionariedade, posto que este pressupõe duas ou mais alternativas à Banca para adotar um entendimento entre eles. Mas, neste caso, não existe qualquer outro entendimento a se adequar à combatibilização de violação á liberdade de locomoção com a Constituição Federal de 1988. Repita-se, não existe no Brasil nada que se adeque ao entendimento da Banca e se ela elaborou a questão transgredindo todo o ordenamento jurídico, logicamente há ilegalidade e inconstitucionalidade, e não discricionariedade.

3 DA VIOLAÇÃO AO CAPUT DO ART. 37 DA CARTA DA REPÚBLICA - CONCURSO PÚBLICO MERITOCRÁCIA

Nesta ceara, temos que a interpretação utilizada pela Banca deflagra total desrespeito aos principios constitucionais do concurso público elencados nos incisos e paragrafos do do art. 37 da Carta da República, quais sejam, da moralidade, da eficiencia e da legalidade, e, como bem sabe os Eminintes leitores, a violação a esses principios constituem-se em inconstitucionalidade porque insculpidos na Carta Maior, vejamos um a um.

A violação ao principio do concurso público (art. 37, I e II da Constituição de 1988) resta maculada, na medida em que essa interpretação utilizada em flagrante ilegalidade, permitiu a preterição de classificação de candidatos, teoricamente escolhidos pela Banca, o que ocorre em diversos outros concursos, sendo alguns objeto de investigação pelo Tribunal de Contas, Ministério Público e até mesmo por Prefeitos que tomaram posse em substituição aos anteriores.

Essa técnica de inovar o direito, lastreada na regra de que ao Judiciario não compete adentrar o mérito das questões de concurso, é utilizada com frequencia para fins de classificar nas primeiras colocações e até mesmo dentro das vagas oferecidas no edital e no intuito de selecionar candidatos, ferindo o principio do concurso público e, em relação a questões como esta, todo o ordenamento jurídico, retirando a meritocracia, ignorando o esforço dos candidatos que abrem mão de afazeres de sua vida para se debruçarem sobre os estudos, no mais das vezes abandonando a família, gastando dinheiro de onde não tem etc.

4 -DA RESTRIÇÃO À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO POSSIBILIDADE ABSOLUTA NORMA DE EFICÁCIA CONTIDA ERRO GROSSEIRO INCONSTITUCIONALIDADE ILEGALIDADE PERMISSIVO LEGAL AO ABUSO DE PODER

Sabe-se que a Constituição possui natureza analítica por abarcar temas que, inclusive, não necessitariam constar do texto expresso da Carta Maior; é impossível a existência de uma previsão completa de todos os temas legislados, assim o contituinte manifestou dispositivos ora programáticos, ora dirigentes e ora negativos no sentido de balizar a atuação do contituinte derivado, sobretudo nas ditas normas de eficácia contida.

Sabe-se que a liberdade de locomoção é um direito fundamental de primeira geração e que não pode ser restringido de forma arbitrária pelo Estado, de forma que se deve respeitar o devido processo legal para que haja esta privação e encontra-se acolhido no art. 5º, XV. Assim, como direito fundamental, a liberdade de locomoção possui as características típicas dessa natureza de direito, tais como: a universalidade, a indivisibilidade, a complementaridade, a interdependência e a imprescritibilidade. Apresenta, de igual modo, força normativa que atinge tanto o Estado, informando suas atividades políticas, administrativas, judiciais e legislativas, como os particulares, através da eficácia horizontal dos direitos fundamentais que teoricamente não são absolutos.

Por não ser absoluto pode ser restringido em determinados casos, observando-se os princípios da ponderação e legalidade, na medida em que essa restrição ocorre tanto em esfera civil, como na penal e tributária, decorrentes de previsões expressas na Constituição Federal de 1988 para que se delimite a ação do Estado em relação aos administrados.

Existem casos em que as restrições atingem estrangeiros que ao ingressarem no Brasil podem ser impedidos de nele adentrar tendo em vista que esta permissão é concedida sob ato de discricionariedade da administração pública. Na esfera penal temos o flagrante de delito, crime propriamente militar e transgressão militar Art. 5º, LXI, CF/88. Na esfera tributária temos o pedágio, valor cobrado por uma concessionária responsável pelos cuidados de uma via pública que ainda pertencem ao Estado, mas que não estão sob sua tutela por tempo determinado em lei Art.150, V, CF/88.

Ocorre que a Constituição, em sua própria garantia fundamental, restringe sua aplicação ao proclamar a livre locomoção nos tempos de paz e nos termos da lei, deixando a cargo da legislação infraconstitucional a regulação da sua efetividade, ou seja, o direito de ir e vir não pode ser abolido, mas pode ser restringido e isso jamais poderá ser interpretado como violação ao texto da Constituição.

5 DA VIOLAÇÃO AO ART. 150, V DA CARTA DA REPÚBLICA DE 1988

É tão clara e inequívoca a existência da inconstitucionalidade do entendimento adotado na questão, que o próprio texto constitucional prevê restrição à liberdade de locomoção, sem diferenciar brasileiros de estrangeiros.

Vejamos o teor do Art. 150, V, da Constituição Federal: Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é verdade à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...) V- estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributos interestaduais ou intermunicipais, ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder Público. (grifei)

Sendo assim, está clara a possibilidade do pedágio, medida legal restritiva do direito de locomoção. Além disso, também está prevista a possibilidade do serviço ser prestado por concessionárias quando são tratadas as empresas em artigos tais como o Art. 54, I, a e o Art. 175, § único, I, ressaltando que ultrapassar pedágio sem a realização da tarifa constitui infração punida com multa, de acordo com a legislação infraconstitucional (Código de Trânsito Brasileiro), in verbis:

Art. 209. Transpor, sem autorização, bloqueio viário com ou sem sinalização ou dispositivos auxiliares, deixar de adentrar às áreas destinadas à pesagem de veículos ou evadir-se para não efetuar o pagamento do pedágio:

Infração - grave;

Penalidade - multa.

A possibilidade de estabelecer o pedágio para locomoção entre Municípios e Estados da Federação é uma restrição legitima à liberdade de ir e vir proveniente da Constituição.

6 DA VIOLAÇÃO DO ENTENDIMENTO ÀS NORMAS INFRACONSTITUCIONAIS - ILEGALIDADE

Conforme já explanado, o Decreto Presidencial nº 678/92 é documento compatível com a Constituição, posto que a norma do art. 5º, XV da Magna Carta é norma de eficácia contida, admitindo, pois, restrição por parte do poder constituinte derivado. Não apenas este Decreto, mas o Estatututo da criança e adolescente, o Código de Defesa do Consumidor, o Código de Transito Brasileiro, o Còdigo Tributário Nacional e tantas outras leis federais que se destinam, obedecendo à Constituição, a restringir a livre liberdade de locomoção por meio de normas de ordem pública, inclusive algumas delas tendo sido recepcionadas como Leis Complementares.

Há ainda a questão sobre o direito à liberdade de locomoção das crianças e adolescentes, uma vez que o principio da proteção integral deflagra inúmeras restrições a incidir sobre o livre acesso de menores de idade a determinados eventos, locais e de consumirem determinados produtos, como cigarro por exemplo, o que decorre do art. 227 da Constituição, que consagra a proteção absoluta e integral da criança e adolescente, cuja responsabilidade recai sobre a família, o Estado e a sociedade, conjuntamente. Pode se afirmar ainda que essas restrições possuem outras finalidades para além da proteção dos menores e fundamenta-se numa espécie de poder-dever de todos, de modo a salvaguardar os interesses fundamentais e sociais.

No âmbito da União, Estados e Municípios, foram baixadas diversas normas de saúde pública voltadas à restrição à liberdade de locomoção diante do cenário de Pandemia do COVID-19, isso em obediência às normas sanitárias e de saúde pública em que houve praticamente um toque de recolher para que a população permanecesse em suas casas, inclusive com o fechamento de vários estabelecimentos comerciais, portos e aeroportos. Fronteiras foram fechadas Mundo afora e a população quase que totalmente privada de seu direito fundamental de ir e vir.

Percebe-se ainda, no âmbito infraconstitucional, que o Estatuto da Ordem dos Advogados (Lei 8.906/94), somente permite o exercício da advocacia aos inscritos no Conselho de Classe respectivo, após aprovação no exame da ordem, o que caracteriza restrição da liberdade do múnus público, cabendo aqui mencionar que tal restrição se legitima no art. 5º, XIII da Carta Magna.

Ante o exposto, forçoso concluir que em casos como este consiste o limite entre a discricionariedade e a ilegalidade para fins de aplicação da tese firmada pelo STF em aplicação da exceção e consequente conhecimento do mérito pelo Judiciário, diante de todo um cenário restritivo do direito fundamental de locomoção, resta clara e inequívoca a inconstitucionalidade do entendimento. Uma questão de concurso deve estar correta ou não de acordo com o ordenamento jurídico e não de acordo com a discricionariedade de uma banca organizadora. Em outras palavras, o concurso não é para que a resposta certa da questão escolhida de forma discricionária pela banca seja adivinhada pelo candidato, mas para se aferir se ele sabe ou não a resposta que está de acordo com o ordenamento jurídico.

7 REFLEXOS SOCIAIS NEGATIVOS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Essa margem de discricionariedade meritória legitima pessoas a ingressarem nos quadros da Administração Pública por meio de concursos duvidosos, para não dizermos fraudulentos, ferindo conjuntamente diversos princípios do ordenamento jurídico e não se trata apenas de mera disputa por cargo público ou alterar o gabarito de uma questão de concurso com a reclassificação dos candidatos, mas de cumprir dever ético de denunciar alguns trabalhos realizados pelas examinadoras, o que gera revolta nos candidatos preparados e uma sede inexorável de justiça para fins de proteger Municípios que ainda serão contemplados por servidores escolhidos, parentes de autoridades e apadrinhados. A luta assim repercute noutras questões, tornando-se pessoal para que um médico não ministre uma medicação errada, para que procuradores não compactuem com atos de improbidade administrativa ou desvios de verbas públicas, para que as classes gramaticais e equações de 1º e 2º graus sejam ensinadas nas escolas por pessoas capacitadas.

Voltando à questão do entendimento adotado e ora debatida neste trabalho, percebe-se que o Tribunal de Justiça de Pernambuco limitou-se a reproduzir entendimento do STF sem fundamentação sobre sua aplicabilidade ou inaplicabilidade no caso concreto, violando o dever de fundamentar a decisão. No plano processual, o art. 11 do CPC preceitua que: Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade. É tão importante a fundamentação das decisões judiciais que, diante de casos em que o jurisdicionado fica sem entender ou mesmo sem uma resposta do Poder Judiciário, o legislador foi adiante em reforçar a ideia de efetividade da prestação jurisdicional, sendo o que depreende- se do art. 489 do CPC, valendo a transcrição do § 1º em sua integralidade:

§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que:

  1. - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida;

  2. - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso;

  3. - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão;

  4. - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador;

  5. - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

  6. - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.

No caso concreto o inconformismo não é meritório e sim pela ausência de resposta do Poder Judiciário que permita aceitar a subsunção do entendimento do STF ao caso concreto, quando a própria jurisprudência utilizada para negar o direito admite casos de ilegalidade e inconstitucionalidade como supedâneos ao enfrentamento de mérito de provas objetivas de concursos públicos.

Os mecanismos utilizados pelo legislador, no intuito de fazer com que fosse minimizada a distância entre a solução da lide e a satisfação do direito, fez com que a atividade satisfativa do direito fosse elencada à norma fundamental que deve ser observada em todo e qualquer processo civil, consistindo na prestação jurisdicional eficiente e de modo a esgotar a pretensão, o que se exprime do art. 4º do CPC, segundo o qual As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. Note-se que a atividade satisfativa somente seria atingida, acaso o Magistrado tivesse fundamentado sua decisão com base na Constituição, na lei, na jurisprudência ou em alguma tese que se conformasse à declaração de que a Banca não agiu com ilegalidade ou inconstitucionalidade.

A publicação e homologação de resultados, duvidosos, senão fraudulentos, principalmente nos Municípios, além de ter repercussão interestadual, atinge frontalmente a prestação de serviços públicos por ingresso de pessoas incapacitadas, que em tese são apadrinhados e indicados por políticos, ou, quando não, contratados diretamente por meio de vinculação à Administração Pública sem concurso público. Especificamente ao cargo de procurador, é evidente que ao legitimar candidato por meio de arrumadinhos ou contratação direta, esses profissionais ficam à mercê da gestão política que facilitou seu ingresso na Administração Pública, e, assim, ao invés de defender os interesses públicos fazem a vontade da gestão sem qualquer substrato de moralidade, autonomia profissional e isenção técnica inerentes à profissão de procurador. Registre-se ainda que alguns Entes se utilizam de dispensa de licitação com base na Lei 14.133/21, o que já demonstra uma escolha direta da Banca, sem que seja promovida uma concorrência ou tomada de preços dados os valores alocados do erário.

Com base segura na aplicação da regra e não da exceção contida no Tema 485 do STF, organizadoras de certames públicos praticam diversos tipos de irregularidades, como é o caso de não fundamentar recurso de candidato ao denegá-lo e não publicar atos necessários à lisura do concurso. Não apenas isso, verifica-se concurso para uma vaga e dois escritos e somente um foi fazer a prova; concursos em que 28 candidatos fecham a prova para uma única vaga que foi decidida no critério de idade; provas de procurador sem fiscalização da OAB; provas em que o candidato chega na sala e o caderno já está em cima da banca e virado de cabeça pra baixo e outras arbitrariedades. Verifica-se com clareza, certames em que as primeiras colocações são ocupadas por pessoas jovens e que sequer terminaram o curso superior, por políticos e ex-políticos, por parentes em linha reta e colateral do Gestor etc., não que isso não seja possível, mas certamente quem já vem estudando há três ou quatro anos teria, em tese, muito mais chance.

A repercussão que uma única questão manipulada pode gerar decorre da ausência de zelo pela Administração Pública, pelos administrados, pelo princípio de concretização do interesse público, na qualidade da prestação de serviços, posto que os concursos preveem vagas para médicos, auditores, analistas, enfermeiros, procuradores, assistentes sociais, psicólogos, professores das mais diversas áreas, o que exige um quadro de pessoal apto e preparado para a consecução dos serviços públicos de natureza social, por atingir a coletividade dos administrados.

Enquanto o Judiciário adotar a regra do entendimento de que não pode adentrar o mérito das questões de concurso público, em detrimento da existência de flagrante ilegalidade e inconstitucionalidade, seguem os Prefeitos negociando cargos e funções públicas.

Os princípios do concurso público, legalidade, moralidade, interesse público, impessoalidade e eficiência são vetores à aplicação da regra do Tema 485, principalmente quando flagrantemente ignorados, gerando prejuízo aos administrados, aos candidatos e ao funcionalismo das instituições públicas e democráticas. Na mesma linha de raciocínio, o art. 37, caput, da Constituição Federal de 1988, determina que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência [...].

Destarte, constata-se que a adoção do entendimento reflete na gestão política do Município e não se enquadra em nenhuma hipótese excepcionada pela jurisprudência, reconhecendo-se a ilegalidade que vem sendo praticada, tendo em vista a vasta gama de entendimentos esdrúxulos e sem qualquer critério técnico ou excepcional que reflita a realidade do preparo à assunção do cargo público e não estamos diante da reanálise do mérito, mas principalmente da interpretação conforme a constituição prelecionada pelo STF em relação à possibilidade de adentrar ao mérito de questão elaborada por Banca de concurso público e o limite de sua discricionariedade em análise criteriosa e fundamentada da aplicação da exceção deflagrada no Tema de repercussão geral 485, em que alguns Magistrados, na suposta base do trabalho mínimo, decidem por não abordar o mérito independente de inconstitucionalidade ou não na questão posta, quando se trata de aplicar o direito à espécie, afastando entendimento contrário à Constituição, conspurcando a Constituição e o CPC que impõe o dever de fundamentação de aplicabilidade ou inaplicabilidade no caso concreto.

Desta forma, não se trata de revolver o mérito do direito posto, mas de adentrar a entendimento absurdo adotado pelas bancas, aplicando corretamente o Tema 485 para reconhecer que a questão, como posta, viola sistematicamente preceitos constitucionais, macula a doutrina e a legislação, não podendo a Justiça, com base inclusive nos princípios da segurança jurídica e confiança do jurisdicionado no Poder Judiciário deixar que organizadoras de certames públicos, embasada na impossibilidade de questionamento de mérito, pratique imoralidade, inconstitucionalidade e promova inovação no direito sem qualquer substrato legal que possa justificar seu entendimento, para que possamos ao menos admitir a hipótese de discricionariedade.

Estamos diante de um entendimento adotado numa questão que pode levar a imoralidades, fraudes, preterições, arrumadinhos, apadrinhamentos, negociação de cargos etc., colocando em mãos do Judiciário a possibilidade de adentrar o mérito para socorrer o Administração Pública, a sociedade, os concurseiros e o erário público, além, obviamente de salvaguardar a integridade da Constituição Federal de 1988.

No caso concreto, temos um entendimento utilizado pela Banca de que medidas restritivas impostas à locomoção no território nacional em tempo de paz é incompatível com a Constituição, algo que contraria clausula pétrea constitucional e toda a doutrina e jurisprudência, ocorrendo inconstitucionalidade chapada, enlouquecida e desvairada, que, nas palavras do Ministro Sepúlveda Pertence: a expressão chapada começou a ser utilizada quando desejada para caracterizar uma inconstitucionalidade mais do que evidente, clara, flagrante, escancarada, não restando qualquer dúvida sobre o vício, seja formal, seja material. Dessa forma, percebe-se nitidamente que ao Judiciário é permitido, no caso de inconstitucionalidade, adentrar o mérito da banca examinadora para analisar o verbete constitucional quanto ao teor da questão, é o que se exprime da própria tese apregoada pelo STF e utilizada imprecisamente para negar o direito na base do menor esforço.

8 DA INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO TÉCNICA DE AFASTAMENTO DE ENTENDIMENTO QUE VIOLE A UNIDADE INTEGRALIZADORA DO TEXTO DA LEI MAIOR

O jurista Hans Kelsen, ao defender a teoria pura do direito como fonte taxativa e positivada, dispensando tudo aquilo que se apresente contrário à norma fundamental hipotética, baseou-se no dever ser e desprezou os juízos axiológicos, rejeitando a ideia jusnaturalista, combateu a metafísica, compreendendo o Direito como estrutura normativa. Isso importa neste trabalho, posto que ao defender sua tese, supostamente alterada pelas diversas situações em que a norma em si mesma não é suficiente para abarcar todo o processo evolutivo da sociedade, Kelsen elaborou a famosa pirâmide que coloca a Constituição no topo do vértice, devendo ser respeitada pelas demais normas infraconstitucionais.

Embora seja adotado o modelo da pirâmide kelseniana ao direito brasileiro, sabe-se que todo e qualquer conteúdo deve ser interpretado à luz do espirito da Constituição para fins de conformá-lo a um caso concreto e, assim, o STF utiliza a técnica de interpretação conforme para fins de dizer qual a interpretação que mais se aproxima do caso concreto, afastando situações que não se coadunam com a realidade política, jurídica, social, cultural e protetiva dos direitos fundamentais.

Percebemos assim, que os direitos administrativo e constitucional reservam-se teoricamente à estruturação do Estado, ocorrendo que os Poderes possuem autonomia e independência temperadas no sentido de que a regra é a não invasão de um sobre outro. Todavia, inúmeras hipóteses são permissivas, dada a função típica de cada um deles e as brechas que se abre com determinados entendimentos, permissa vênia. Neste sentido, o Executivo fixa orçamentos, o Legislativo os aprova e fiscaliza por meio do Tribunal de Contas; O Judiciário busca a conformação dessas leis ao ordenamento jurídico formando entendimentos jurisprudenciais.

Pois bem.

Ao fixar a Tese de Repercussão Geral no tema 485, percebe-se nitidamente que há uma regra e uma exceção, ambas balizadas na interpretação que se pode dar ao caso concreto de acordo com a interpretação que mais se aproxime da unicidade da Constituição e, assim sendo, a regra á a não intromissão do Judiciário sobre as questões de concurso público (entendimentos) adotados pelo Poder Executivo, dado que a legislação reservou o mérito ao Administrador, que neste caso age enquanto Banca examinadora de concurso público.

Todavia, em que pese a regra da não intervenção, esse critério deve ser analisado percucientemente em cada caso concreto e, salvo melhor juízo, em não se conformando com o texto da Constituição, deve o mesmo tema 485 comportar a exceção, ou seja, a preponderância interventiva do poder Judiciário,, sobretudo quando se está diante de um caso tão abusivo, absurdo e gritante, que não resta qualquer dúvida que a interpretação conforme a Constituição deve ser aplicada para afastar a impossibilidade de intromissão do Judiciário.

CONCLUSÕES

Concluímos assim que a aplicação da exceção do Tema 485, no caso da questão debatida, que alterou significativamente a classificação no certame, é medida que se impõe por ferir todo o ordenamento jurídico e quase o alfabeto inteiro, senão vejamos:

  1. Não existe qualquer tese juridica, texto, norma, trabalho científico, jurisprudência, doutrina etc. que limite o legislador ordinário a fixar restrições à liberdade de locomoção no Brasil;

  2. A liberdade de locomoção, na Carta de 1988, é norma de eficácia contida e passível de restrição sem que isso caracterize ofensa ao texto, dado que os direitos fundamentais não são absolutos;

  3. Ao adotar o entendimento de que a elaboração de restrição à liberdade de locomoção é incompatível com a Constituição, a Banca ofende a soberania nacional, o Poder Legislativo, a moralidade, a legalidade e tantos outros principios norteadores do direito;

  4. O entendimento da Banca tambem viola o texto literal dos arts. 5º, XV, 37, I e II, 150, V, todos da Constituição Federal de 1988;

  5. Viola diversos dispositivos da legislação tributaria, consumerista, de trânsito, marítima, aeronáutica etc., no que diz respeito às limitações impostas por estas legislações acerca da liberdade irrestrita de pessoas, bens e serviços;

  6. O entendimento permite à Banca, junto ao Poder Executivo, escolher os candidatos e manipular a lista de classificados, posto que dá entendimento a uma questão em que contrária a tudo que o candidato mais preparado sabe e estudou para respondê-la, retira a meritocracia por meio de nitido procedimento duvidoso;

  7. As Bancas faturam milhões de reais por ano para legitimar candidatos na Administração Pública sem preparação e meramente por arrumadinhos com os gestores por meio de dispensa de licitação, nos moldes da Lei 14.133/21;

  8. Uma questão cujo entendimento é inconstitucional e ilegal tende a cobrar do candidato conecimento além dos cognitivos, na base do advinhar o que a Banca pretende, sem qualquer respaldo jurídico, seja considerado como certo ou errado, adentrando a sorte, azar e preparo do concurseiro;

  9. Há legitimação de médicos, procuradores, auditores, professores, psicologos, administradores etc., com base em provas atabalhoadas e duvidosas, com suposta manipulação de resultados;

  10. A adoção de critérios dessarazoados para manipulação de lista de certames públicos prejudica o interesse público, na medida em que seleciona candidatos menos preparados para o exercício do cargo e consequentemente para a concretização dos serviços públicos;

  11. A propria dispensa de licitação, consubstanciada nos certames ora debatidos, fundamentadas na Lei de Licitação ja demonstra por si só a existência de contratação direta, considerados os limites entabulados para as modalidades de concorrência ou tomada de preços e nenhuma Banca é exclusiva para aplicação de provas de concurso;

  12. Entendimentos como este adotado na questão 8 da prova de procurador de Santa Cruz do Capibaribe, pode ter legitimado candidatos que disseram na prova, como a Banca quis, que o estabelecimento de restrições à locomoção no território nacional é medida incompatível com a Constituição Federal, o que não pode ser aceito em detrimento dos que teoricamente acerataram a questão, cujo Judiciário deixa de adentrar o mérito;

  13. No ambito das contrações diretas com dispensa de licitação, exsurge outras irregularidades, como é o caso de contrações em que se verificam vaga reservada para deficiente em que somente um candidato foi realizar a prova e, posteriormente, foi classificado e nomeado, o que não se pode chamar de concurso público e sim de contratação direta;

  14. Temos registro de concurso em que 28 candidatos fecharam a prova de procurador numa nitida vazação de gabarito ou grau de facilidade da prova, tendo sido o cargo destinado ao candidato que possuia maior idade, o que não se pode chamar de concurso ou mesmo de meritocracia;

  15. Com base no entendimento do Tema 485 do STF, as Bancas praticam fraudes grotescas, ululantes e ridiculas como é o caso de nunca anular ou alterou qualquer gabarito de qualquer de prova para nenhum dos cargos, ou seja, nunca acolher recurso, demonstrando prepotência, já que é certo que nenhuma Banca detém conhecimento suficiente em todas as matérias e profissões; Noutros casos, negam ou acolhem recursos sem qualquer fundamentação ou mesmo publicidade dos motivos determinantes;

  16. O parâmetro de utilização da regra vazada no entendimento 485 do STF permite as Bancas uma margem estendida para a pratica de corrupção, já que essa liberdade que teoricamente surge de uma escolha (discricionariedade) que pode ou não existir, no mais das vezes ferindo a moralidade, a legalidade e a eficiência (art. 37, caput, da Carta Constituinte de 1988;

  17. A soberania deflagrada á Banca, agindo em nome do Executivo, pela estrutura do sistema de freios e contrapesos não pode ser utilizado para sufragar o ordenamento jurídico, uma vez que esta liberdade não é dada á transgressão do mérito consubstanciado na pratica de atos administrativos;

  18. O juizo discricionário é inaugurado a partir da vinculação à Lei, ou seja, somente o poder vinculado pode permitir uma margem discricionária ao administrador, dado o principio de legalidade que é quem vai prever uma margem de escolha e, neste sentido, não há qualquer base vinculante a permitir que a Banca tenha como correta a afirmação, logo, não pode esse juízo ser considerado discricionário se lhe falta o elemento vinculado que permite uma escolha de entendimento pela Banca, porque não há outra interpretação possível no ordenamento jurídico que afaste a possibilidade de restrição à liberdade de locomação e sua compatibilidade com o texto Maior.

Por fim, nenhuma Banca, salvo melhor juízo, pode ter soberania ao ponto de ferir todo o ordenamento jurídico com supedâneo na regra do tema 485 ao ponto de impedir que o Judiciário utilize a interpretação conforme a Constituição para adentrar ao mérito da questão, visto que em diversos casos concretos deve ser aplicada a exceção, qual seja, salvo flagrante inconstitucionalidade e/ou ilegalidade, sobretudo quando se trata de entendimento inconstitucional, ilegal, desarrazoado, desproporcional, imoral e violador de todo o ordenamento jurídico, doutrinário e jurisprudencial, como é o caso da questão debatida a título de exemplo, em que se impõe a aplicação da exceção à restrição.

Paulo Silva Lima Wu OAB/PE 33.544

Sobre o autor
Paulo Silva Lima Wu

Advogado, Procurador Municipal. Especialização em Direito Constitucional; Especialização em Direito Processual Penal. Aprovado em 9 concursos públicos dentro das vagas. Consultor Jurídico para prova da segunda fase da OAB em Direito Constitucional. E-mail paul@[email protected] e Telefone 081-996382475.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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