A Lei n° 14.245/2021 conhecida como Lei Mariana Ferrer entrou em vigor no dia 23 de novembro do ano em curso, cuja finalidade principal é coibir a prática de atos atentatórios à dignidade da vítima e de testemunhas, mas também criou causa de aumento de pena para o crime de coação no curso do processo, em especial, nos que apuram crimes contra a dignidade sexual, exigindo que todas as partes e demais sujeitos processuais presentes na audiência tenham o dever de zelar pela integridade física e psicológica da vítima, justamente, para que ela não sofra a chamada revitimização ou vitimização secundária.
Mariana Ferrer é uma blogueira e influenciadora digital brasileira, possuía 20 anos de idade quando se tornou embaixadora de um beach club em Florianópolis, onde foi estuprada conforme consta nos autos da respectiva ação penal, porém, durante audiência de instrução e julgamento, a vítima teria sido humilhada pelo advogado do acusado, ocasião em que as pessoas que participavam da audiência nada fizeram para impedir o constrangimento e a humilhação sofridos pela ofendida.
Na sentença prolatada pelo Juízo de Direito da 3ª Vara Criminal de Florianópolis, o acusado foi absolvido. O advogado da vítima questionou a atuação do juiz, recorreu ao tribunal, afirmando que houve ausência de imparcialidade do Juiz, pedindo que fosse anulado o processo ou a audiência, mas, o tribunal não acatou o pedido da vítima e manteve a absolvição do acusado.
O caso se arrasta há quase três anos, pois começou em 15 de dezembro de 2018, data em que Mariana Ferrer alega ter sido estuprada depois de ter sido dopada, portanto, apura-se crime de estupro de vulnerável. Tornou-se público em maio de 2019, cinco meses depois, quando a própria vítima relatou o ocorrido em suas redes sociais, enquanto o julgamento e a absolvição do acusado aconteceram em setembro de 2020. O tribunal local negou o pedido da vítima para anular o processo ou a audiência, mantendo a absolvição do acusado.
No Código Penal, houve uma causa de aumento de pena para o crime de coação no curso do processo (art. 344), de um terço até a metade se o processo apura crime contra a dignidade sexual. Enquanto no Código de Processo Penal acrescentou-se os artigos 400-A e 474-A, criando o dever de respeitar a dignidade da vítima e a responsabilização civil, penal e administrativa para quem não zelar pela integridade física e psicológica da vítima durante a audiência, ficando proibidas a manifestação sobre circunstâncias ou elementos alheios aos fatos objeto de apuração nos autos, bem como a utilização de linguagem, de informações ou de material que ofendam a dignidade da vítima ou de testemunhas.
Na Lei dos Juizados Especiais, acrescentou-se o § 1°-A ao art. 81 para impor a mesma regra, ou seja, durante audiência todas as partes e demais sujeitos processuais presentes no ato deverão respeitar a dignidade da vítima, sob pena de responsabilização civil, penal e administrativa.
No âmbito penal, quem infringir a nova lei, responderá pelo crime do art. 344 (coação no curso do processo), cuja pena é de reclusão, de um a quatro anos, e multa, além da pena correspondente à violência, ademais, com aumento de um terço até a metade se o processo envolver crime contra a dignidade sexual.
Frise-se que a palavra processo está no sentido amplo, englobando processo judicial, policial ou administrativo ou em juízo arbitral. Na mesma linha, em sede de delegacia, na fase de inquérito policial, os envolvidos na colheita das declarações e depoimentos, como delegado, escrivão, agente de polícia ou demais sujeitos processuais presentes na delegacia, como advogado, defensor público e promotor de justiça têm o dever de zelar pela dignidade da vítima e das testemunhas, nos exatos termos da Lei Mariana Ferrer.