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O superendividamento nas relações de consumo

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06/12/2021 às 18:48
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2. O SUPERENDIVIDAMENTO DO CONSUMIDOR

O superendividamento diz respeito ao endividamento considerado acima daquele normal que é capaz de ser sustentado pelo orçamento mensal dos consumidores, ou seja, a incapacidade econômica do consumidor quitar suas dívidas contraídas, frente ao saldo negativo mensal que contraiu.

Nas palavras de Cláudia Lima Marques o superendividamento é a impossibilidade global de o devedor pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, pagar todas as suas dívidas atuais e futuras (2006, p. 211). No momento em que a renda mensal cobre somente as despesas mensais e não sobra dinheiro para quitar as dívidas já realizadas, ocorre dessa maneira o inadimplemento desse consumidor. Com isso, na maioria das vezes, o inadimplente corre o risco de contrair novas dívidas, por meio de empréstimos e afins, contudo, gerando mais dívidas.

Na maioria dos casos, o superendividamento não se deve a uma única causa, já que o devedor deve fazer frente a um conjunto de obrigações derivadas de aquisição de bens e serviços de primeira necessidade, créditos hipotecários, carros, móveis e etc. e, inclusive, decorrentes do abusivo e incorreto uso do cartão de crédito. (TASCHETTO; FERREIRA, 2019).

Percebe-se que as instituições financeiras são irresponsáveis ao liberar créditos, sem antes investigar os antecedentes desse consumidor em honrar com o pagamento, na maior parte das vezes, a oferta desse crédito, tem abrangido cada vez mais pessoas através de ações de marketing, onde esses consumidores que se encontram em estado de vulnerabilidade por conta do superendividamento são atraídos por intermédio do crédito facilitado, o que tem causado a insolvência desse consumidor (BOLADE, 2012).

O superendividamento do consumidor é, na atualidade, um dos temas mais instigantes e socialmente relevantes, no que respeita à proteção do consumidor. Trata-se de um fenômeno social que assola, por fatores diversos, muitas das sociedades ocidentais, que se caracterizam como sociedades de consumo massificado. Todavia, tratar do superendividamento é tratar de um tema tão antigo quanto o próprio direito (MARQUES, 2006, p. 211).

Ressalta-se ainda, nessa perspectiva, que há duas modalidades de superendividamento, o superendividamento ativo e o superendividamento passivo (TASCHETTO; FERREIRA, 2019).

São também admitidos os consumidores identificados como superendividado ativo inconsciente e o superendividado passivo, sendo excluído apenas o superendividado ativo consciente. A doutrina conceitua o superendividado ativo consciente como sendo o indivíduo que agiu com a intenção deliberada de não pagar, tencionando fraudar credores (é o consumidor de má-fé); o superendividado ativo inconsciente, como o devedor que agiu impulsivamente ou que deixou de formular o cálculo correto no momento em que contraíra as dívidas, também identificado como um devedor imprevidente e sem malícia; e, por fim, o superendividado passivo, indivíduo que por motivos exteriores e imprevistos sofreu uma redução brutal dos recursos devido a áleas da vida, a exemplo do desemprego, do divórcio, do acometimento de doenças, vistos como acidentes da vida. (MARQUES; LIMA; BERTONCELLO, 2010, p. 64-65, grifo nosso).

Ou seja, em outras palavras, o ativo se refere aqueles consumidores que agem compulsivamente, comprando tudo sem medir as consequências, agindo além de suas condições econômicas e financeiras. Por outro lado, o superendividado passivo, é aquele no qual acontece algo inesperado, como por exemplo, uma doença, um acidente, um divórcio, ou seja, situações inesperadas, no qual necessita um gasto extra, não esperado, que comprometem sua renda além do planejado.

2.1 Análise do superendividamento no Brasil

O superendividamento vem crescendo extremamente e afetando o consumidor brasileiro, principalmente no momento atual que o Brasil está enfrentando, essa pandemia que assola os brasileiros, há mais de um ano, onde muitos chefes de família ficaram desempregados, gerando um fator grave de exclusão social. Nessa dispersão, referindo-se a esses efeitos:

Sob uma ou outra forma, o superendividamento é gerador de situações nefastas que não se pode deixar prosperar. Constitui, com efeito, fonte de tensões no seio da célula familiar que muitas vezes acarretam um divórcio, agravando a situação de endividamento. Ele pode conduzir as pessoas superendividadas a evitar despesas de tratamentos, mesmo essenciais, ou ainda a negligenciar a educação dos filhos. E, na medida em que a situação é tal, que a moradia não pode ser assegurada, é dado um passo na direção da exclusão social. O superendividamento é fonte de isolamento, de marginalização; ele contribui para o aniquilamento social do indivíduo (MARQUES, 2010, p. 10).

Ou seja, nota-se que são assustadores os efeitos causados pelo endividamento, além da exclusão o endividado não consegue mais nem suprir suas necessidades básicas, ferindo um princípio básico que deveria ser assegurado para o mínimo existencial, o da dignidade da pessoa humana.

O superendividamento é um problema social que vem atingindo todas as classes sociais, especialmente as menos favorecidas, gerando, por um lado, a exclusão social do consumidor, e, por outro lado, comprometendo a saúde econômica dos países envolvidos. A facilidade do crédito, o desconhecimento das informações básicas em relação aos contratos de crédito, além de situações inesperadas pelo consumidor como o desemprego, doenças, diminuição da renda familiar, são diferentes fatores que contribuem para que o consumidor entre em situação de superendividamento. (SANTOS, 2011, p. 11).

Como se pode verificar, o superendividamento é um problema social que atinge todas as classes e em especial os menos favorecidos. O superendividamento vem crescendo em um ritmo acelerado devido à facilidade ao acesso de créditos, fazendo com que os consumidores comprem produtos de forma descontrolada e muitas vezes acima da capacidade de pagamento, tendo como consequência o superendividamento. Sendo que um dos principais facilitadores de crédito que temos hoje é o Banco, por conceder créditos de forma insensata e irresponsável aos consumidores sem realizar qualquer analise se estes poderão posteriormente pagar pelos créditos fornecidos, pois a única preocupação dos Bancos é pressionar seus funcionários a vender empréstimos e cumprir metas, não se preocupando de forma alguma com seus clientes e sim apenas com os lucros (BOLADE, 2012).

2.1.1 Endividamento de Risco no Brasil

A incapacidade total de gerir as despesas pessoais e familiares, fenômeno conhecido como superendividamento, é um quadro tão conhecido quanto atual na vida econômica do brasileiro. De acordo com o relatório Endividamento de Risco no Brasil, publicado pelo Banco Central em junho do ano passado, pelo menos 4,6 milhões de pessoas eram classificadas como devedores de risco.

Para entrar nesse grupo, segundo o BC, o tomador de crédito deve se encaixar em pelo menos um de quatro critérios: inadimplemento superior a 90 dias no pagamento de empréstimos; comprometimento da renda mensal com o pagamento das dívidas acima de 50%; uso simultâneo de cheque especial, crédito pessoal e crédito rotativo; e renda mensal disponível abaixo da linha da pobreza (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2021).

Os motivos para que uma pessoa chegue ao estágio avançado de endividamento são múltiplos, e vão desde causas imprevisíveis, como a perda do emprego, a razões de índole psicológica, como a falta de reflexão na hora de decidir pela compra de um bem. Do lado das soluções, normalmente, são citados programas de educação financeira e consumo consciente, mas também medidas para a ampliação das políticas de renegociação de dívidas.

Sendo assim, segue alguns dados do relatório feito pelo Banco Central do Brasil acerca do Endividamento de Risco no Brasil, considerando a idade, sexo, região, município e faixa de renda, do perfil desses consumidores endividados. Para fins da análise deste Relatório, considera-se endividado de risco o tomador de crédito que atende a dois ou mais dos critérios relacionados a seguir:

I. inadimplemento de parcelas de crédito, isto é, atrasos superiores a 90 dias no cumprimento das obrigações creditícias;

II. comprometimento da renda mensal com o pagamento do serviço das dívidas acima de 50%;

III. exposição simultânea às seguintes modalidades de crédito: cheque especial, crédito pessoal sem consignação e crédito rotativo (multimodalidades);

IV. renda disponível (após o pagamento do serviço das dívidas) mensal abaixo da linha de pobreza (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2020).

Todos esses são critérios de natureza objetiva, ou seja, quantitativos e constantes do banco de dados do SCR, o qual é abastecido de forma automática pelas instituições financeiras, sem qualquer tipo de intervenção pessoal junto ao tomador. A seleção desses critérios seguiu a encontrada na literatura internacional sobre o tema, na qual essas quatro espécies de exposição a crédito são apontadas como tendo a maior capacidade de causar desconforto financeiro e psicológico ao tomador. Feito isso, efetuaram-se as necessárias modificações para a adaptação à realidade brasileira.

A seguir, são apresentas as estatísticas descritivas do endividamento de risco utilizando dados do período de junho de 2016 a dezembro de 2019, de forma a mensurar: (1) a participação do endividado de risco na população devedora no SFN; (2) a quantidade de tomadores que atendem aos critérios de risco e sua recorrência; e (3) o perfil socioeconômico do endividado de risco quanto a idade, sexo, renda e região (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2020).

2.1.2 Panorama do endividamento de risco

O crédito rotativo ou o cheque especial são ferramentas para situações de emergência. No entanto, se mal utilizadas, podem se transformar em vilões da vida financeira. A razão disso é bem simples: eles têm os maiores juros do mercado. Assim, uma dívida pequena nele pode se transformar rapidamente em um débito enorme. É por isso que é preciso ter muito cuidado ao usar o cheque especial ou o crédito rotativo.

Ao final de 2019, o indicador de inadimplência concentrava o maior número de tomadores, com 10,3 milhões, ou 12,1% da população com crédito ativo no SFN, seguido do indicador de comprometimento de renda acima de 50%, com 9,8 milhões, equivalente a 11,4% da mesma população.

Considerando o indicador de multimodalidade, tem-se 3,4 milhões de clientes com crédito ativo simultaneamente nas modalidades de cheque especial, crédito pessoal e crédito rotativo. Por fim, 2 milhões de clientes ficaram com a renda abaixo da linha de pobreza após o pagamento do serviço de suas dívidas, tendo-se em conta a renda declarada pelo cliente e informada pelas instituições financeiras no SCR, sendo este o grupo menos populoso entre os indicadores (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2020).

A análise dos dados demonstra que o endividamento de risco é um fenômeno complexo, que não pode prescindir de uma abordagem multifocal para sua correta mensuração. A investigação segmentada permite observar que diferentes grupos da população estão expostos a diferentes fatores de risco, facilitando a atuação direcionada para segmentos mais vulneráveis ou em situação mais complexa, levando em conta a necessidade de priorização de recursos (REDAÇÃO, 2020).

No banco de dados do SCR, a população com carteira de crédito ativa atingiu 85 milhões de tomadores em dezembro de 2019.

Gráfico 1 - Número de clientes endividados de risco (em milhões)

Fonte: (Banco Central do Brasil, 2020, p. 14)

De acordo com os cálculos apresentados, 5,4% dessa população, ou 4,6 milhões de tomadores, encontram-se em situação de endividamento de risco. Vale destacar que a população de renda média, entre R$2 mil e R$10 mil, e com idade acima de 54 anos mostra- se financeiramente mais vulnerável (REDAÇÃO, 2020). Tal recorte se justifica pelo maior nível de relacionamento bancário dessa população, com acesso a uma maior gama de produtos financeiros e a maiores limites de crédito.

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Gráfico 2 - Tomadores inadimplentes por faixa de idade e renda

Fonte: (Banco Central do Brasil, 2020, p. 16)

A inclusão tanto de aspectos subjetivos, como o fardo das dívidas, quanto de aspectos objetivos, como dívidas fora do SFN, bem como a visualização do grupo familiar poderia propiciar a análise do superendividamento, cujo conceito é proposto neste trabalho, em complemento à mensuração do endividamento de risco (REDAÇÃO, 2020).

Gráfico 3 - Tomadores por indicador de endividamento de risco (em milhões)

Fonte: (Banco Central do Brasil, 2020, p. 11)

Tal iniciativa é particularmente relevante em vista dos efeitos econômicos da pandemia causada pela Covid-19, uma vez que a percepção pessoal e subjetiva do superendividamento não é apenas influenciada pelos níveis correntes de renda, serviço da dívida ou nível de subsistência. Também podem contribuir para essa percepção as expectativas sobre o ambiente socioeconômico futuro (tanto em nível pessoal quanto geral), sobre a estabilidade do emprego ou sobre projetos de vida (REDAÇÃO, 2020).

Gráfico 4 - Tomadores inadimplentes por tipo de município (% da população ativa no SFN)


3. PROJETO DE LEI 3515/2015 E SEUS RESPECTIVOS AVANÇOS NA SEARA LEGISLATIVA

O projeto de lei nº 3515/2015 propõe a introdução do capítulo VI-A no CDC para o tratamento e prevenção do superendividamento. Este projeto traz uma definição de superendividado. Este capítulo traz obrigações aos fornecedores de informação e clareza no oferecimento do crédito, bem como especifica de forma didática e clara proibições de publicidade de crédito que possam induzir o consumidor a erro, como, por exemplo, a divulgação de informação de taxa zero para determinado parcelamento (GOMES, 2014).

3.1 Considerações ao Projeto de Lei nº 3515 de 2015

Sob a perspectiva de abordagem utilizada no capítulo anterior, percebe-se que, em muitas situações concretas, os fornecedores do mercado creditício, cientes das novas necessidades e desejos da sociedade consumista, fazem uso de inúmeras práticas publicitárias irregulares que induzem o consumidor à irracional aquisição crédito, posto que, diante das condições socioeconômicas experimentadas pela maioria da população brasileira hodierna, dificilmente terá êxito no momento de adimplir as obrigações assumidas. Há, pois, a necessidade de se estabelecer uma norma de proteção específica para esses consumidores superendividados e que, simultaneamente, busque responsabilizar, de modo severo, os fornecedores de crédito que praticam abusos nesse setor do mercado de consumo.

Identifica-se, nesse ponto, o princípio do crédito responsável, o qual revela mais um mecanismo à tutela da vulnerabilidade existencial do consumidor, pois objetiva responsabilizar, os fornecedores que concedem crédito incompatível à capacidade financeira dos clientes, contribuindo, portanto, para a ocorrência superendividamento (LIMA; CAVALLAZZI, 2006). Logo, faz-se necessária a criação de uma estrutura jurídico-normativa que se mostre realmente apta à concretização dos preceitos de defesa do consumidor, e que, ao observar o conteúdo principiológico, já inserido no microssistema consumerista, avance, de modo particular, nas questões voltadas ao superendividamento, buscando, conforme afirma Grinover et al (2011, p. 4) a intervenção do Estado nas suas três esferas: o Legislativo, formulando as normas jurídicas de consumo; o Executivo, implementando-as; e o Judiciário, dirimindo os conflitos decorrentes dos esforços de formulação e de implantação.

E, mesmo que o sistema jurídico pátrio não conte, ainda, com disciplina específica em relação ao superendividamento, a existência do problema é irrefutável e afeta, direta ou indiretamente, parcela significativa da sociedade. Nesse caminhar, as razões expostas nortearam a fixação do conteúdo do PL 3.515/2015, ainda em tramitação no Congresso Nacional, originalmente PLS 283/2012 (DUARTE, 2021), o qual propõe a criação de novas seções no Código de Defesa do Consumidor, nos seguintes moldes:

Art. 54-A. Este Capítulo tem a finalidade de prevenir o superendividamento da pessoa natural e de dispor sobre o crédito responsável e sobre a educação financeira do consumidor.

§ 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.

§ 2º As dívidas de que trata o § 1º englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada.

§ 3º Não se aplica o disposto neste Capítulo ao consumidor cujas dívidas tenham sido contraídas mediante fraude ou má-fé, ou sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento (BRASIL, 2015).

Consoante observações de Oliveira (2015, p. 75), o PLS 283/2012 atribui, na sua generalidade, destaque à boa-fé objetiva nas relações consumeristas, reforçando os deveres dos fornecedores de crédito, na transparência das informações e na cooperação, para que o contrato de empréstimo não seja motivo da escravidão financeira do consumidor, pondo em risco, inclusive, a preservação do seu mínimo existencial.

Ressalta-se, ainda, que a configuração proposta à normatização do instituto do superendividamento requer a observância de determinados pressupostos, de modo que, para os efeitos jurídicos pretendidos, não basta uma interpretação genérica ou puramente semântica do termo. Dessa maneira, o consumidor superendividado, para fazer jus à tutela do Estado, nos parâmetros do mencionado Projeto de Lei, não poderá ser somente um indivíduo que possui elevado número de dívidas, mas, sim, aquele que preenche requisitos específicos: sujeito pessoa física, conduta de boa-fé, as dívidas de consumo exigíveis e vincendas e a impossibilidade manifesta de adimplemento sem comprometimento do mínimo existencial (MARQUES, 2006).

Assim, a ausência de boa-fé na atuação do indivíduo exclui a possibilidade de qualquer amparo do Estado, no sentido de favorecê-lo em caso de inadimplência ou no pleito por uma renegociação dos débitos. Todavia, há grande dificuldade para aferir tal condição do consumidor, devido ao alto grau de subjetivismo do tema, o que gera divergência na doutrina quanto à sua presunção ou necessidade de comprovação (DUARTE, 2021). A boa-fé dos devedores, no direito francês, é presumida, tendo os credores a necessidade de comprovação da má-fé, no entanto nos países nórdicos que apresentam a tendência de enfatizar a moralidade do pagamento das dívidas, testam a boa-fé do devedor investigando a sua situação antes de permitir o acesso à falência [...] (LIMA, 2014, p. 143).

Assim, razoável seria a adoção da presunção juris tantum, no sentido de que, somente poderia ser afastada a presença da boa-fé quando houvesse forte evidência de que o consumidor agiu maliciosamente, alterando documentos, fornecendo dados incorretos ou omitindo informações, com o fim de obter vantagem econômica indevida, mesmo ciente da própria incapacidade de pagamento, ou, ainda, com deliberada intenção de inadimplir. A par dessas considerações, recomenda-se a análise de outros fatores, tais como sua capacidade cognitiva, perfil socioeconômico, valores contratados, e razões do correspondente inadimplemento, objetivando uma averiguação mais detalhada a respeito da existência ou não de boa-fé.

Outro elemento delineador do superendividamento, conforme previsão no PL 3.515/2015, diz respeito à natureza do débito99, ou seja, é imprescindível que este decorra apenas das contratações realizadas no mercado de consumo, com destinação final dos bens, serviços ou crédito. Logo, as dívidas resultantes de atividade profissional, assim como as de caráter fiscal e alimentar, não poderão integrar o possível/futuro plano de renegociação. Todavia, é muito importante que sejam consideradas para efeito de consolidação do passivo total do consumidor superendividado, quando da elaboração de um plano de pagamento, a fim de verificar o potencial comprometimento financeiro que esse consumidor poderá assumir, sob o risco de não se preservar o mínimo existencial ao indivíduo (COSTA, 2002, p. 119).

No tocante ao termo vincendas, deduz-se que não há exigência do efetivo inadimplemento da obrigação para configurar o superendividamento, bastando, portanto, o risco iminente de prejuízo ao mínimo de recursos indispensáveis à sobrevivência digna do devedor e/ou de sua família, pois os débitos ainda não vencidos também poderão ser incluídos em cronograma de pagamento, caso se mostrem claramente incompatíveis com a capacidade financeira do tomador.

Conforme a definição atribuída ao superendividamento, na estrutura do PL 3.515/2015, a doutrina lusitana (MARQUES et al, 2000, p. 2) foi a que primeiro propôs uma subdivisão para tal instituto classificando-o, inicialmente, em ativo e passivo, sendo que, na primeira hipótese, o próprio consumidor contribui, de alguma forma, à sua ocorrência, e, no outro caso, acontecimentos inesperados, fora da esfera de domínio do sujeito, geram a situação descrita.

Essa situação de superendividamento passivo, ocasionada por circunstâncias alheias à vontade do consumidor, faz com que este seja compelido a contrair empréstimos, por exemplo, a fim de solucionar problemas e minimizar as dificuldades financeiras, sem sequer ponderar sobre as condições da negociação creditícia. São exatamente nesses casos que, diante do agravamento da vulnerabilidade do consumidor, há necessidade de uma peculiar tutela do Estado, a fim de reprimir os abusos cometidos pelos fornecedores e garantir àquele uma justa oportunidade para reorganizar a própria vida (LIMA; CAVALLAZZI, 2006).

Segundo Leonardo Garcia, (2015, p. 423) a classificação que contempla o superendividamento ativo, consciente e inconsciente e o superendividamento passivo é importante, em razão de que a doutrina assegura que somente o superendividado ativo inconsciente e o passivo estarão habilitados a receber proteção e tratamento normativo adequados à reestruturação de seus orçamentos, algo que não caberá, portanto, ao superendividado ativo consciente, em razão de sua maliciosa atuação no mercado de consumo.

Deve-se destacar que, na ocorrência do superendividamento ativo inconsciente, também há uma considerável participação dos fornecedores, visto que as instituições financeiras, administradoras de cartão de crédito e demais fornecedores de crédito em geral, exploram essa fragilidade do consumidor, mediante a utilização de técnicas publicitárias bastante agressivas (WODTKE, 2014). Na maioria dos casos, não há o mínimo zelo na prestação das informações corretas ao tomador do crédito, pois o objetivo dos fornecedores é tão somente a obtenção do retorno financeiro, tornando-se irrelevantes a função social do contrato e a boa-fé objetiva, princípios que devem(riam) nortear as relações de consumo. É o caso, por exemplo, dos analfabetos, os quais não tiveram condições de avaliar o impacto das dívidas na sua renda ou que não compreenderam as obrigações complexas oriundas do contrato de crédito entre outros milhares de consumidores que subestimaram o risco do superendividamento cedendo às pressões da sociedade desfrute agora e pague depois (LIMA, 2014, p. 146).

O maior instrumento de prevenção do superendividamento dos consumidores é a informação. Informação detalhada ao consumidor é um dever de boa-fé, dever de informar os elementos principais e mesmo dever de esclarecer o leigo sobre os riscos do crédito e o comprometimento futuro de sua renda. Segundo o art. 52 do CDC, o fornecedor deverá informar prévia e adequadamente o consumidor sobre todos os elementos do contrato de crédito antes de concluí-lo, em especial o preço, as condições (montante dos juros, acréscimos legais, número e periodicidade das prestações) bem como a soma total a pagar com ou sem financiamento. Esta nova lei apenas desenvolveria este dever (MARQUES; LIMA; BERTONCELLO, 2010, p. 26).

Para uma eficiente prevenção e tratamento do superendividamento, dúvida não há de que a informação e a prevenção são fatores essenciais, posto que, uma vez disponibilizada de forma ampla e correta, possibilitará ao consumidor a oportunidade de avaliar com mais cautela a contratação que pretende firmar.

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Sobre a autora
Tatiani Prieto de Souza

Graduanda do 10º período do Curso de Direito, pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Itumbiara/GO.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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