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A questão da descriminalização do crime de porte de entorpecentes e o novo conceito de crime

26/02/2007 às 00:00
Leia nesta página:

I – Introdução

          Vem sendo ventilada por alguns setores da doutrina a suposta descriminalização do crime de porte de entorpecentes. Batem-se alguns, essencialmente porque as medidas educativas previstas nos incisos do art. 28 da Lei 11.343/06, imponíveis ao autor do fato não caracterizariam pena. Todo o debate parte da premissa de que a Lei de Introdução ao Código Penal estabelece em seu art. 1º o conceito de crime com a seguinte redação: "Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa" (g.n.).

          Como a Lei 11.343/06 não comina pena de reclusão ou de detenção ao crime de porte de entorpecentes, teria havido a descriminalização pelo entrechoque das normas penais?

          Opinamos no sentido contrário. Permanece a criminalização do crime, a despeito da singeleza das penas imponíveis.


II – Breve histórico. As infrações de menor potencial ofensivo e as penas alternativas

          Na Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal (Lei 7.209, de 11/07/1984), encaminhada à Presidência da República, o Ministro Ibrahim Abi-Ackel, em 09 de maio de 1.983, já sinalizava a necessidade de aperfeiçoamento das penas de prisão, substituindo-as, quando aconselhável, por outras modalidades sancionatórias, com poder corretivo eficiente (item 29).

          A reforma de 84 adaptou-se à tendência de aperfeiçoamento das penas privativas de liberdade e criou as penas restritivas de direitos, nas modalidades de prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana.

          A evolução paulatina, mas inexorável, haveria de se suceder, ante a falência do sistema prisional, caracterizado pela superpopulação, ociosidade e promiscuidade dos estabelecimentos carcerários.

          Com a Carta da República, em 1.988, o constituinte ampliou a previsão do Código Penal oferecendo um rol não taxativo de penas. Prevê a Carta Magna em seu inciso XLVI que "a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos (...)". Observe-se que a expressão entre outras abre ao legislador infraconstitucional um espectro imenso de modalidades sancionatórias de pequeno grau lesivo à liberdade individual para sustentação do convívio do agente com seu emprego e família e a manutenção dos valores que angariou na vida em sociedade.

          A Carta da República previu, ainda, no art. 98, I, a criação dos Juizados Especiais com competência para a conciliação, julgamento e execução de infrações de menor potencial ofensivo. Tardou, mas em 1.995, veio a lume a Lei 9099/95, cuja finalidade maior era a imposição de pena não privativa de liberdade. Em seu lugar, penas restritivas de direitos e multa. Anote-se que as penas decorrentes de transação penal entre o autor do fato e com o órgão ministerial permitem (art. 76) ao agente beneficiar-se com a pena restritiva ou multa sem prévia sanção com pena privativa de liberdade.

          A Constituição Federal serviu de paradigma para diversas outras leis surgirem com a apenação mitigada, tais como o Código de Defesa do Consumidor, o Código de Trânsito Brasileiro, Lei do Meio Ambiente e o Estatuto do Idoso, a guisa de exemplos. Estes diplomas, contudo, somente permitem a pena substitutiva, em linhas gerais, nos moldes estatuídos pelo diploma penal.

          Não se olvide que foram agregadas ao rol das penas restritivas de direitos, as penas de prestação pecuniária e perda de bens e valores (Lei 9.714/98).


III – A criminalização do porte de entorpecentes

          O art. 28, da Lei 11.343/06 impõe sanção ao usuário ou dependente de entorpecentes. São três modalidades que possuem caráter autônomo, eminentemente educativo e (res)socializador, não repressivo e de inserção social. Anote-se que é vedada a imposição ou substituição por pena privativa de liberdade.

          Denominadas de medidas educativas consistem em:

          I – advertência;

          II - prestação de serviços à comunidade; e

          III - comparecimento a programa ou curso educativo.

          Seu fulcro maior é a conscientização do usuário do mal que a droga lhe causa, buscando sua inserção social e procurando afastá-lo das drogas.

          Assemelhadas às penas restritivas de direitos que sempre tiveram natureza substitutiva no Direito Penal Brasileiro, aqui, contudo, repita-se adquiriram natureza autônoma.

          Tanto considera crime o legislador que o tipo penal vem contido no capítulo III – Dos crimes e das penas que integra o Título III - Das atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas.


IV – A interpretação evolutiva e o novo conceito de crime

          Os processos de despenalização no mundo globalizado e em nosso país representam um caminho inexorável no que tange aos crimes menos graves. Nesta linha de raciocínio, certamente um conceito emanado na década de 40 exige que seja refundido e adequado à realidade de um novo Século. Assim, numa visão estritamente legalista, conjugando a Lei de Introdução ao Código Penal e a Constituição Federal, pode-se dizer que crime é a infração penal a que a lei comina, dentre outras, pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa (g.n.).

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V – Conclusão

          Na medida em que o crime de porte de entorpecentes se insere no capítulo "Dos crimes e das penas" e o conceito de crime, adequado ao novo texto constitucional, concebe qualquer pena, além de reclusão, detenção e multa, o agente que portar entorpecente receberá a punição estatal.

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Sobre o autor
Jayme Walmer de Freitas

Professor da Escola Paulista da Magistratura e de Pós-Graduação no COGEAE da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Coordenador do 7º Curso de Pós Graduação "Lato Sensu" - Especialização em Direito Processual Penal, da Escola Paulista da Magistratura. Autor das obras Prisão Cautelar no Direito Brasileiro (3ª edição), OAB – 2ª Fase – Área Penal e Penal Especial, na Coleção SOS – Sínteses Organizadas Saraiva vol. 14, pela Editora Saraiva, além de coordenador da Coleção OAB – 2ª Fase, pela mesma Editora. Coautor do Código de Processo Penal Comentado, pela mesma Editora. Colaborador em Legislação Criminal Especial, vol. 6, coordenada por Luiz Flávio Gomes e Rogério Sanches Cunha, pela Editora Revista dos Tribunais. Colaborador em o Tratado Luso-Brasileiro da Dignidade Humana, coordenada por Jorge Miranda e Marco Antonio Marques da Silva, pela Editora Quartier Latin. Colaborador em o Direito Imobiliário Brasileiro, coordenada por Alexandre Guerra e Marcelo Benacchio, pela Editora Quartier Latin. Autor de artigos jurídicos publicados em revistas especializadas e nos diversos sites jurídicos nacionais. Foi Coordenador Pedagógico e professor de Processo Penal, Penal Geral e Especial, por 14 anos, no Curso Triumphus – Preparatório para Carreiras Jurídicas e Exame de OAB, em Sorocaba. Juiz criminal em Sorocaba/SP, mestre e doutor em Processo Penal pela PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Jayme Walmer. A questão da descriminalização do crime de porte de entorpecentes e o novo conceito de crime. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1335, 26 fev. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9537. Acesso em: 22 nov. 2024.

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