I – Introdução
Vem sendo ventilada por alguns setores da doutrina a suposta descriminalização do crime de porte de entorpecentes. Batem-se alguns, essencialmente porque as medidas educativas previstas nos incisos do art. 28 da Lei 11.343/06, imponíveis ao autor do fato não caracterizariam pena. Todo o debate parte da premissa de que a Lei de Introdução ao Código Penal estabelece em seu art. 1º o conceito de crime com a seguinte redação: "Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa" (g.n.).
Como a Lei 11.343/06 não comina pena de reclusão ou de detenção ao crime de porte de entorpecentes, teria havido a descriminalização pelo entrechoque das normas penais?
Opinamos no sentido contrário. Permanece a criminalização do crime, a despeito da singeleza das penas imponíveis.
II – Breve histórico. As infrações de menor potencial ofensivo e as penas alternativas
Na Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal (Lei 7.209, de 11/07/1984), encaminhada à Presidência da República, o Ministro Ibrahim Abi-Ackel, em 09 de maio de 1.983, já sinalizava a necessidade de aperfeiçoamento das penas de prisão, substituindo-as, quando aconselhável, por outras modalidades sancionatórias, com poder corretivo eficiente (item 29).
A reforma de 84 adaptou-se à tendência de aperfeiçoamento das penas privativas de liberdade e criou as penas restritivas de direitos, nas modalidades de prestação de serviços à comunidade, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana.
A evolução paulatina, mas inexorável, haveria de se suceder, ante a falência do sistema prisional, caracterizado pela superpopulação, ociosidade e promiscuidade dos estabelecimentos carcerários.
Com a Carta da República, em 1.988, o constituinte ampliou a previsão do Código Penal oferecendo um rol não taxativo de penas. Prevê a Carta Magna em seu inciso XLVI que "a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade; b) perda de bens; c) multa; d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos (...)". Observe-se que a expressão entre outras abre ao legislador infraconstitucional um espectro imenso de modalidades sancionatórias de pequeno grau lesivo à liberdade individual para sustentação do convívio do agente com seu emprego e família e a manutenção dos valores que angariou na vida em sociedade.
A Carta da República previu, ainda, no art. 98, I, a criação dos Juizados Especiais com competência para a conciliação, julgamento e execução de infrações de menor potencial ofensivo. Tardou, mas em 1.995, veio a lume a Lei 9099/95, cuja finalidade maior era a imposição de pena não privativa de liberdade. Em seu lugar, penas restritivas de direitos e multa. Anote-se que as penas decorrentes de transação penal entre o autor do fato e com o órgão ministerial permitem (art. 76) ao agente beneficiar-se com a pena restritiva ou multa sem prévia sanção com pena privativa de liberdade.
A Constituição Federal serviu de paradigma para diversas outras leis surgirem com a apenação mitigada, tais como o Código de Defesa do Consumidor, o Código de Trânsito Brasileiro, Lei do Meio Ambiente e o Estatuto do Idoso, a guisa de exemplos. Estes diplomas, contudo, somente permitem a pena substitutiva, em linhas gerais, nos moldes estatuídos pelo diploma penal.
Não se olvide que foram agregadas ao rol das penas restritivas de direitos, as penas de prestação pecuniária e perda de bens e valores (Lei 9.714/98).
III – A criminalização do porte de entorpecentes
O art. 28, da Lei 11.343/06 impõe sanção ao usuário ou dependente de entorpecentes. São três modalidades que possuem caráter autônomo, eminentemente educativo e (res)socializador, não repressivo e de inserção social. Anote-se que é vedada a imposição ou substituição por pena privativa de liberdade.
Denominadas de medidas educativas consistem em:
I – advertência;
II - prestação de serviços à comunidade; e
III - comparecimento a programa ou curso educativo.
Seu fulcro maior é a conscientização do usuário do mal que a droga lhe causa, buscando sua inserção social e procurando afastá-lo das drogas.
Assemelhadas às penas restritivas de direitos que sempre tiveram natureza substitutiva no Direito Penal Brasileiro, aqui, contudo, repita-se adquiriram natureza autônoma.
Tanto considera crime o legislador que o tipo penal vem contido no capítulo III – Dos crimes e das penas que integra o Título III - Das atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas.
IV – A interpretação evolutiva e o novo conceito de crime
Os processos de despenalização no mundo globalizado e em nosso país representam um caminho inexorável no que tange aos crimes menos graves. Nesta linha de raciocínio, certamente um conceito emanado na década de 40 exige que seja refundido e adequado à realidade de um novo Século. Assim, numa visão estritamente legalista, conjugando a Lei de Introdução ao Código Penal e a Constituição Federal, pode-se dizer que crime é a infração penal a que a lei comina, dentre outras, pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa (g.n.).
V – Conclusão
Na medida em que o crime de porte de entorpecentes se insere no capítulo "Dos crimes e das penas" e o conceito de crime, adequado ao novo texto constitucional, concebe qualquer pena, além de reclusão, detenção e multa, o agente que portar entorpecente receberá a punição estatal.