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Intenção de recurso precisa ser respeitada no pregão eletrônico

01/03/2007 às 00:00
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O direito à "manifestação da intenção" de recorrer é inviolável para o licitante e, uma vez atendidos os requisitos formais, deve haver a sua admissibilidade, sem opiniões antecipadas a respeito das matérias de mérito.

            Recentemente, em determinado um pregão eletrônico do qual um cliente participava, verificamos uma absurda violação ao direito de recurso administrativo garantido a todos os licitantes.

            Foi registrado no portal www.comprasnet.gov.br, ainda durante a sessão do pregão, que a ilustre pregoeira havia "rejeitado" a "intenção" de interposição do recurso. Até esse ponto não haveria o que estranhar, mas o inusitado foi que o "motivo" para a rejeição da intenção de recurso se confundiu com o próprio mérito recursal, que deveria ser analisado mais adiante, em oportunidade própria, conforme o procedimento legalmente previsto.

            O artigo 26 do Decreto nº 5.450/2005, que regulamenta o pregão na sua forma eletrônica, estabelece que "declarado o vencedor, qualquer licitante poderá, durante a sessão pública, de forma imediata e motivada, em campo próprio do sistema, manifestar sua intenção de recorrer, quando lhe será concedido o prazo de três dias para apresentar as razões de recurso, ficando os demais licitantes, desde logo, intimados para, querendo, apresentarem contra-razões em igual prazo, que começará a contar do término do prazo do recorrente, sendo-lhes assegurada vista imediata dos elementos indispensáveis à defesa dos seus interesses".

            Surge, assim, a figura da manifestação da "intenção de recorrer", que deve ser feita de forma "imediata e motivada" pelo licitante interessado, não estando previsto que o pregoeiro possa interferir no exercício desse direito garantido ao particular.

            O § 1º do citado dispositivo normativo, por outro lado, prevê que "a falta de manifestação imediata e motivada do licitante quanto à intenção de recorrer, nos termos do caput, importará na decadência desse direito, ficando o pregoeiro autorizado a adjudicar o objeto ao licitante declarado vencedor".

            Portanto, apenas a partir desse momento, aparece determinada providência que possa ser adotada pelo pregoeiro, qual seja, prosseguir com o certame caso tenha sido verificada omissão do licitante em manifestar sua intenção recursal. Isso significa que a decadência do direito de recorrer, repita-se, será consequência da própria omissão do licitante (uma aplicação do princípio de que "o direito não socorre aos que dormem" - "dormientibus non sucurrit jus").

            A leitura dessas duas regras procedimentais indica que o pregoeiro não possui competência para praticar ato que vá além do exame de admissibilidade formal da intenção de recorrer, inexistindo a menor possibilidade de que ele, pregoeiro, individualmente, manifestando de forma antecipada as suas próprias convicções sobre o mérito do assunto que ainda será tratado na peça recursal, acabe tolhendo sumariamente o direito de recurso do interessado.

            O mérito recursal, vale frisar, é matéria a ser tratada pela "autoridade competente" de cada órgão, quando o pregoeiro "mantiver a sua decisão", tudo conforme o disposto no artigo 8º, caput e inciso IV, do Decreto nº 5.450/2005. Essa disciplina se completa com o disposto no artigo 11, caput e inciso VI, do mesmo Decreto, que prevê que ao pregoeiro caberá apenas "receber, examinar e decidir os recursos, encaminhando à autoridade competente quando mantiver sua decisão".

            Não existe, pois, na legislação específica, a hipótese da "rejeição sumária" da intenção de recurso do licitante, especialmente, fundada no entendimento prévio do pregoeiro sobre o mérito das razões recursais, que ainda serão apresentadas dentro dos três dias de prazo.

            Basta que haja a manifestação da intenção no momento oportuno e que o licitante indique um ou mais motivos pelos quais estará recorrendo; feito isto, a análise do mérito do recurso administrativo será objeto de apreciação apenas depois de ultrapassado o prazo de apresentação de contra-razões dos outros licitantes.

            Tolher antecipadamente essas fases procedimentais seguintes implica em violar a legalidade do procedimento licitatório, contrariando os princípios do artigo 5º do Decreto nº 5.450/2005, do artigo 4º do Anexo I do Decreto nº 3.555/2000, do artigo 3º da Lei nº 8.666/1993, bem como do artigo 37, caput e inciso XXI, da Constituição Federal.

            Por outro lado, verifica-se também contrariedade à garantia do direito de petição, prevista no inciso XXXIV do artigo 5º da Constituição Federal, além da ampla defesa, garantida no inciso LV do mesmo dispositivo constitucional, que, aliás, é exercida pelos "meios e recursos a ela inerentes".

            Surge então a pergunta: como se pode respeitar essas garantias se for criado um bloqueio antecipado e indevido ao mecanismo legal de recurso dentro do ambiente eletrônico do portal Comprasnet?

            Não é demais lembrar que, no meio disso tudo, também é direito subjetivo próprio de cada licitante a fiel observância do procedimento legalmente estabelecido para o procedimento licitatório (conforme o artigo 7º do Decreto nº 5.450/2005, o artigo 6º do Anexo I do Decreto nº 3.555/2000 e o artigo 4º da Lei nº 8.666/1993). E nesse direito subjetivo se inclui o direito de ter respeitado o mecanismo próprio para a interposição dos recursos administrativos, não se admitindo que obstáculos indevidos sejam criados pelo pregoeiro. Afinal de contas, da mesma forma que ocorre no processo judicial, também no processo administrativo a admissibilidade não se confunde com o mérito recursal.

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            Sob outra ótica, a Lei nº 9.784/1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, estabelece em seu artigo 2º, incisos VIII e X, que nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de "observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados" e "garantia dos direitos à (...) interposição de recursos...".

            Por fim, o artigo 3º, caput e inciso I, da mesma Lei, determina que o administrado tem o direito de "ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores, que deverão facilitar o exercício de seus direitos", lembrando-se que esses são preceitos aplicados subsidiariamente aos processos administrativos específicos (artigo 69 da Lei). A esse propósito, entre os "específicos" (que possuem regras próprias), se incluem os processos licitatórios.

            Por essas razões, o direito à "manifestação da intenção" de recorrer é inviolável para o licitante e, uma vez atendidos os requisitos formais, deve haver a sua admissibilidade, sem opiniões antecipadas a respeito das matérias de mérito.

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Sobre o autor
Jonas Lima

Advogado, especialista em Compliance Regulatório pela Universidade da Pennsylvania, pós-graduado em Direito Público pelo IDP, ex-professor de Direito Administrativo da UDF, ex-assessor da Presidência da República (CGU) e da Procuradoria-Geral da República, contando com 25 anos de experiência em licitações nacionais e internacionais. É autor de 5 (cinco) livros, incluindo “Licitação Pública Internacional no Brasil” (Editora Negócios Públicos, 2010), e do guia AMCHAM “How to do Government Contracts in Brazil” (2010/2014), palestrante em mais de 150 eventos em 18 Estados, para mais de 6.000 participantes, além dos internacionais em Washington, Nova Iorque, Houston, Miami, Boston, Buenos Aires e Hong Kong.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Jonas. Intenção de recurso precisa ser respeitada no pregão eletrônico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1338, 1 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9543. Acesso em: 23 dez. 2024.

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