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Sistema eleitoral em uso no Brasil.

Uma análise conspirativa

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III

Os fins e os meios

Se houver fraude, sem fiscalização eficaz é impossível mostrá-las. E se não houver, sem fiscalização eficaz é impossível mostrar que não houve. Sem fiscalização eficaz, porém, uma coisa é certa: qualquer bancada pode se eleger, com ou sem votos reais, corrupta e impunemente. Especialmente em eleições proporcionais sem o voto distrital. Quem julga impugnações são os mesmos que controlam o processo, a contagem invisível de votos, as regras para sua fiscalização externa, e o acesso aos meios de prova. Ainda, com um sistema totalmente informatizado, no qual 99% dos eleitores confiam sem fiscalizar, sem querer fiscalizar, e sem achar necessário que interessados possam efetivamente fiscalizar, outra coisa também é certa. Os responsáveis diretos pela execução do processo e da contagem, nas secretarias de informática de tribunais eleitorais e nos seus fornecedores de softwares e serviços, sabem disso.

E por certo eles sabem não é só disso. Sabem também dos mistérios do santo byte. De como a manipulação interna e oculta do sistema pode lhes render ainda mais poder. Por coincidência ou não, dentre eles estão os mais fervorosos pregadores da seita do santo byte. Para os quais, pelo recente exemplo paulista, depender de papel é dos piores pecados. Dentre eles estão os que, quando surgem vendedores de soluções mágicas, correm a zombar aos quatro ventos, com falácias e impropérios, de quem se acautela com o virtual. Estão os que, quando surgem críticas ou denúncias, correm a cochichar em certos ouvidos, de magistrados pudorados pela escassez de conhecimentos informáticos: "estão atacando a vossa honra, a vossa autoridade, etc.!" É com essa tática, incendiária da vaidade humana e do corporativismo elitista, que vamos todos, cada vez mais, nos tornando reféns dessa aventura desmaterializadora da democracia tupiniquim.

Muitos me perguntam por que, então, eu não vamos a público propor aprimoramentos, ou demonstrar como é fácil fraudar de dentro esse sistema, se assim o afirmo em vários artigos (por exemplo, em http://www.cic.unb.br/docentes/pedro/trabs/analise_setup.html). Como têm feito outros cientistas nos EUA, com as urnas de lá, de modelos semelhantes e do mesmo fabricante. Simples. Demonstrar como se pode fraudar eleições, como fez o prof. Ed Felten de Princeton em 4 minutos, com a máquina da Diebold ao vivo na CNN, aqui seria crime eleitoral, e lá não. Alguém se habilita, com os roteiros já publicados?

Quanto aos aprimoramentos propostos em prol da eficácia fiscalizatória, esses têm sido negligenciados ou adaptados, no caso, com alterações técnicas cujo efeito redunda em ineficácia camuflada (vide http://www.cic.unb.br/docentes/pedro/trabs/catsumi.htm). Para animarem espelhos e fumaças mais realistas, dos quais, na última moda está agora o rigor com as contas de campanha de candidatos.

Legislação eleitoral como instrumento político

Rigor esse que, aplicado seletivamente, redunda em eficaz instrumento político. Serviu já para beneficiar, na dança das cadeiras envolvendo a de governador do Piauí em 2001, o relator no Senado favorável às emendas, propostas pelo então presidente do TSE, que renderam ineficazes as medidas fiscalizatórias da Lei eleitoral Requião-Tuma. E pode servir para indultar também. Por exemplo quem propôs, com lastro em sua vasta experiência na informática, o bode na sala que expulsou do ordenamento eleitoral brasileiro aquelas medidas fiscalizatórias, ileso (até aqui) arquiteto do esquema Marcos Valério e do tal registro digital do voto.

O clima atual ajuda a esse instrumento, pois também está na moda criminalizar e descriminalizar pela mídia. Criminalizar, por exemplo, o comércio de informações sobre corrupção e corruptos, o que em si não é crime, e açodar a absolvição de suspeitos quando convém pintá-los vítimas desse comércio, de dossiês e denúncias. Para as minhas denúncias, conto com a sorte do Google ser (ainda) gratuito, mas para a cidadania, conto com o azar delas contrariarem interesses corporativos. De qualquer forma, como esses interesses parecem ocupar-se agora da origem de dinheiros, que mal pergunte, mais uma vez: De onde veio o dinheiro para dar início a essa aventura desmaterializadora da democracia tupiniquim?

No livro "O Voto Informatizado: Legitimidade Democrática", de autoria de um ex-secretário de informática do TSE, publicado em 1997 pela editora Empresa das Artes (novamente, ironia da língua?), relata-se, sempre no gerúndio, que metade do custo inicial para implantação do sistema, cerca de 250 milhões de dólares, viria de um projeto do Banco Interamericano de Desenvolvimento, o BIRD, a quem o presidente do TSE prometera oferecer depois o uso do sistema a outros países.

Enquanto isso...

Entretanto, na lista de projetos no site do BIRD, em http://www.iadb.org/exr/doc98/apr/lcbraz.htm, não consta (quando consultado) nenhum tal financiamento ou promessa. Doutra feita, acesso a certos contratos que o TSE tem firmado para comprar urnas, terceirizar softwares e serviços, contratos que deveriam ser públicos, têm sido negado a fiscais de partido em tempo hábil para detectarem possíveis irregularidades. O da eleição de 2002, por exemplo, foi negado a dois partidos que o solicitaram, por mais de dois anos.

Doutra feita, enquanto a propaganda oficial fala do interesse de vários países no sistema do TSE, os detalhes falam noutro tom. Sabemos que o TSE vem insistindo com outros países para que experimentem o seu sistema, e que muitos vêm rejeitando a oferta, à exceção única do Paraguai. A Argentina já o dispensou três vezes, porque não poderia fiscalizar nem recontar, mas o TSE insiste. O TSE inclusive já bancou, com dinheiro provavelmente do contribuinte brasileiro, uma eleição de mentirinha nalgumas sessões, em paralelo à oficial, para los hermanos irem se acostumando à "modernidade eleitoral", mas los hermanos resistem.

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Nos EUA e na Europa, caminha-se em direção oposta. Cada vez mais estados e países proíbem eleições sem possibilidade de recontagem por eleitores comuns. E o Equador, cuja autoridade eleitoral assinou contrato com um ex-assessor técnico do TSE para terceirizar a informatização da eleição de 2006, se arrependeu depois do 1º turno, a julgar pelas ações judiciais que lá correm a respeito, inclusive com o confisco de passaporte de um pregador do santo byte.

... O PT

A julgar pela forma como o Partido dos Trabalhadores foi tratado por adversários, pela mídia e por autoridades eleitorais nas eleições de 2006, há que se indagar da prudência de se confiar tanto, e tão cegamente, num processo e sistema eleitorais tão eivados de incertezas e tão dependentes, nos seus resultados, da honestidade de tão poucos. O argumento de que a informatização eleitoral ajudou o PT a crescer, e portanto, que o partido deva apoiar incondicionalmente as ações e desejos das autoridades da Justiça Eleitoral, inclusive em suas interações com os outros ramos de poder republicano, já defendida publicamente por técnicos dos quadros do partido, talvez já tenha esgotado sua lógica e sua eficácia.

Discutir reforma política sem discutir a concentração de poderes que se agravou, nesse ramo do Estado brasileiro, com a aventura desmaterializadora da democracia tupiniquim, fazendo sua lógica política assemelhar-se à da República Velha, seria, a meu ver, improdutivo e perigoso para o futuro de tão frágeis instituições. Seria a História se repetindo, com um certo jeito de farsa.

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Sobre o autor
Pedro Antônio Dourado de Rezende

professor de Ciência da Computação da Universidade de Brasília (UnB), coordenador do programa de Extensão Universitária em Criptografia e Segurança Computacional da UnB, ATC PhD em Matemática Aplicada pela Universidade de Berkeley (EUA), ex-representante da sociedade civil no Comitê Gestor da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REZENDE, Pedro Antônio Dourado. Sistema eleitoral em uso no Brasil.: Uma análise conspirativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1342, 5 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9551. Acesso em: 21 nov. 2024.

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