Quando fixada no grau mais baixo na primeira fase, as circunstâncias atenuantes não podem trazer a pena aquém do mínimo abstrato. Nesse sentido, a jurisprudência é tranqüila: RT, 541:367, 566:344; 662:288, 707:354, 737:551, 740:647 e 746:522; RTJ, 104:736, 114:1.027 e 118:928; JTACrimSP, 84:266; STJ, REsp 15.695, 5ª Turma, DJU 17 fev. 1992, p. 1381; STJ, REsp 32.344, 6ª Turma, DJU 17 maio 1993, p. 9373; STJ, REsp 146.056, 5ª Turma, rel. Ministro Félix Fisher, DJU 10.11.97, p. 57830; STF, HC 70.518, 2ª Turma, DJU 6 maio 1994, p. 1048; STF, HC 68.641, 1ª Turma, rel. Ministro Celso de Mello, RT, 690:390; TJSP, JTJ, 165:343. Na doutrina: HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, Lições de Direito Penal, A nova Parte Geral, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1985, p. 343, n. 316; ALBERTO SILVA FRANCO et al., Código Penal e sua interpretação judicial, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 2ª ed., p. 202, n. 1.02; PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR, Comentários ao Código Penal, Parte Geral, São Paulo, Editora Saraiva, 1986, p. 351; CELSO DELMANTO, Código Penal Comentado, Rio de Janeiro, Renovar, 1991, p. 106; WEBER MARTINS BATISTA, Direito Penal e Direito Processual Penal, Rio de Janeiro, Forense, 1996, p. 176, n. 3; LUIZ RÉGIS PRADO e CÉSAR ROBERTO BITENCOURT, Código Penal Anotado, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 332.
Há posição contrária, no sentido de que a atenuante pode baixar a pena aquém do mínimo legal. Nesse sentido: RT, 702:329; RSTJ, 90:384; MIGUEL LOEBMANN, As atenuantes podem sim fazer descer a pena abaixo do mínimo legal, RT, 676:390; AGAPITO MACHADO, As atenuantes podem fazer descer a pena abaixo do mínimo legal - Inteligência do art. 68 do Código Penal após a redação da Lei n. 7.209/84, RT, 647:388. Essa orientação conta com a adesão do Ministro Vicente Cernicchiaro (REsp 68.120, 6ª Turma do STJ, DJU 9.12.96, p. 49.296). A orientação é ainda minoritária e pode ser considerada nova, tanto que WEBER MARTINS BATISTA, em 1996, apreciando a primeira decisão que a adotou, dizia: "parece que não é defendida por ninguém" (op. e loc. cits.).
Para essa orientação, na sistemática da reforma penal de 1984, se afastada a incidência da atenuante, não estaria sendo atendido o princípio de sua aplicação obrigatória (CP, art. 65, caput). Entende-se que, como o art. 68, caput, do CP, diz que a "pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59", que contém o rol das circunstâncias judiciais e determina sua fixação "dentro dos limites previstos" (inciso II), as atenuantes, levadas em conta na segunda fase, não se submetem a essa restrição (RT, 647:388 e 676:391). Isso - afirmam - não ocorria no regime do CP de 1940, antes da reforma, uma vez que as circunstâncias atenuantes eram levadas em consideração na fixação da pena-base (RT, 676/391; Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, jul.-set. 1998, 23:79, n. 4). Hoje, - explicam - a pena-base decorre exclusivamente da apreciação das circunstâncias judiciais (art. 68, caput, 1ª parte). Como deve ser estabelecida dentro dos parâmetros de quantidade legal, e o art. 59, II, do CP, só se refere a ela, a diminuição da pena em face das atenuantes não está limitada pela fronteira mínima abstrata.
Essa tese não nos convenceu.
Não é correta a afirmação de que antes da reforma penal de 1984 as circunstâncias atenuantes genéricas eram consideradas na fixação da pena-base. Na verdade, como historia PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR, a lei era omissa, permitindo duas orientações (op. e loc. cits.). Para NÉLSON HUNGRIA, apoiado pelo STF, as circunstâncias atenuantes deviam ser levadas em conta na segunda fase, após a fixação da pena-base (critério trifásico). De acordo com ROBERTO LYRA, contando com a maioria da doutrina (MAGALHÃES NORONHA, SALGADO MARTINS, ANÍBAL BRUNO, BASILEU GARCIA e JOSÉ FREDERICO MARQUES), a pena-base resultava da incorporação das circunstâncias judiciais, agravantes e atenuantes numa só fase (critério bifásico). Na prática, os juízes nunca seguiram nenhuma das orientações, não obstante a insistência do STF em anular sentenças condenatórias sem fundamentação na dosagem da pena. Não há, pois, suporte histórico para se afirmar que, ao contrário do que antes ocorria, com o advento da reforma penal de 1984 as atenuantes podem baixar a pena aquém do mínimo abstrato em face do disposto no art. 59, II, do estatuto criminal.
As atenuantes não se confundem com as causas de diminuição da pena. As chamadas circunstâncias atenuantes genéricas, salvo a concernente à idade, que produz efeitos além do terreno da cominação penal, atuam exclusivamente no campo da individualização judiciária "concreta" da pena. Não refletem na cominação abstrata. Assim, v.g., não influem no prazo prescricional da pretensão punitiva (salvo a menoridade e a idade senil), na pena a ser considerada para efeito de enquadramento do fato na competência dos Juizados Especiais Criminais, na suspensão condicional do processo, na concessão da fiança etc. Em face delas, no terreno da aplicação concreta da sanção, já dizia PEDRO VERGARA que "o Juiz é livre de reduzir a pena", tendo "liberdade de fazer variá-la" (Das circunstâncias atenuantes, Rio de Janeiro, Editora Livraria Bofoni, 1948, p. 41, n. 35). Realmente, diante de uma atenuante, o CP não determina o quantum da redução. "A lei não fixa", afirmava HELENO CLÁUDIO FRAGOSO, "o quantum dessa diminuição, que é entregue, por completo, ao poder discricionário do Juiz" (op. e loc. cits.). Já as causas de diminuição não funcionam só na fase de fixação "concreta" da pena, atuando também na cominação "abstrata", tendo influência na consideração da suspensão condicional do processo, da prescrição da pretensão punitiva, da transação penal etc. Na palavra de JOSÉ FREDERICO MARQUES, regulam "a individualização legal" da pena (Curso de Direito Penal, São Paulo, Editora Saraiva, 1956, III:253, n. 3). Quando se trata de aplicar uma causa de diminuição da pena, observava PEDRO VERGARA, o "arbítrio do Juiz é coartado pelo critério da fixidez", uma vez que "terá de cingir-se, obrigatoriamente, à quantidade fixa ou aos limites extremos da quantidade de diminuição que a norma autoriza". Daí porque - concluia - "as atenuantes comuns só permitem que o Juiz reduza a pena até o mínimo; ao contrário, - na aplicação das causas de diminuição, - a pena pode exceder esse limite extremo" (op. cit., ps. 41 e 42). Realmente, as causas de diminuição, como afirmou o Ministro PEDRO ACIOLI, afetam o quantum abstrato da cominação (REsp 15.691, 6ª Turma do STJ, DJU 3.5.93, p. 7812). Por isso, podem elevar ou diminuir a pena além ou aquém do limite legal. Já as atenuantes, não atuando na cominação abstrata, não podem extrapolar os limites legais, sob risco de inconstitucionalidade, uma vez que os princípios da individualização e da pena determinada, nos termos da Constituição Federal (art. 5º, XXXIX e XLVI), encontram limitação na legislação ordinária (LUIZ RÉGIS PRADO e CÉSAR ROBERTO BITENCOURT, Código Penal Anotado, São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 332). Efetivamente, nos termos do art. 53 do CP, "as penas privativas de liberdade têm seus limites estabelecidos na sanção correspondente a cada tipo legal de crime". Como disse o Ministro Félix Fisher, a cominação abstrata inferior do preceito secundário da norma penal incriminadora reflete "a reprovação mínima estabelecida no tipo legal" (REsp 146.056, 5ª Turma do STJ, DJU 10.11.97, p. 57830), de modo que, na ausência de causa de redução, não pode ser ultrapassado o patamar estabelecido. Estar-se-ia ferindo também o princípio da legalidade das penas (CF, art. 5º, XXXIX).
Poder-se-ia, diante do art. 59, II, do CP, extrair o princípio de que o Juiz, tratando-se de circunstâncias atenuantes, não está adstrito aos limites legais, podendo reduzir a pena aquém do mínimo legal, tendo em vista que o estatuto criminal não prevê a quantidade da redução?
Cremos que não.
A permitir-se que as atenuantes reduzam a pena a limites inferiores ao mínimo legal, de admitir-se também, por coerência, que as agravantes a elevem acima do limite máximo abstrato, o que consistiria "golpe mortal" ao princípio da legalidade das penas (ALBERTO SILVA FRANCO et al., op. e loc. cits.). Com efeito, a entender-se que o Juiz, diante de atenuantes, não estaria adstrito aos limites legais, o mesmo sucederia em face de circunstâncias agravantes. E, como em relação a estas o código não fixa a quantidade da exacerbação da pena, estaríamos a elas conferindo valor maior do que o emprestado às causas de aumento, que têm limites. Em face disso, diante de agravantes, o Juiz, ad absurdum, poderia elevar abusivamente a pena além do "quantum" máximo abstrato. Suponha-se um crime de estupro, em que a pena varia de seis a dez anos de reclusão (CP, art. 213), com inúmeras circunstâncias agravantes genéricas. Imagine que o autor seja casado, incidindo uma causa de aumento de um quarto da pena (CP, art. 226, III). A admitir-se a tese em debate, quanto à causa de aumento da pena o Juiz estaria cingido a um quarto; no tocante às agravantes, não teria limite. Poderia impor, ainda ad absurdum, qualquer pena acima do máximo abstrato, superior à resultante do aumento de um quarto (doze anos e seis meses). O argumento também se aplica às causas de diminuição. Em face delas, como para a tese contestada não há limites legais, o julgador poderia aproximar-se da "pena zero". A adoção desse posicionamento, adverte PAULO JOSÉ DA COSTA JÚNIOR, "equivaleria a trocar a certeza do direito pelo arbítrio judicial" (op. cit., p. 352).