Feliz Ano-Novo aos cruzeiros cariocas.

O argumento do isolamento social na pandemia para a infração aos direitos fundamentais do povo pobre

02/01/2022 às 15:58
Leia nesta página:

O réveillon na cidade maravilhosa ocorreu para um seleto grupo de pessoas:os turistas dos cruzeiros e moradores e turistas da zona sul carioca.

O que é muito difícil é você vencer a injustiça secular

que dilacera o Brasil em dois países distintos:

o país dos privilegiados e o país dos despossuídos.

Ariano Suassuana


A histórica divisão de classes de nossa sociedade continua a se fazer presente também nos tempos pandêmicos. Neste momento da covid-19 ainda no ar, deveria estar vivenciando um momento de solidariedade, união, cooperação, humanização e fraternidade entre as pessoas e, sobretudo, entre o Estado e o povo. Mas não é isso o que se vem observando. O último exemplo mais representativo dessa situação ocorreu na virada do ano-novo, de 2021 para 2022: o Prefeito do Rio de Janeiro, sob o argumento de manutenção do isolamento social na cidade, devido aos inúmeros casos de gripe e ainda com pessoas com covid, bloqueou o sistema de transporte à praia de Copacabana para o famoso réveillon da cidade.

Gostaríamos de iniciar dizendo que nos solidarizamos plenamente com os inúmeros casos de influenza no Rio, doença que vem provocando mais um caos no sistema de saúde da cidade. De fato, medidas são necessárias para a conteção da situação, bem como para o próprio bloqueio da covid-19, que, por mais que muitos pensem o contrário, ainda não acabou e ainda há muito o que ser enfrentado pela frente. Apenas a título de exemplo, hoje, dia 02 de janeiro de 2022, Israel alertou o mundo sobre o primeiro caso de um novo vírus, que é a mistura da covid-19 com a influenza.

Devemos continuar com as medidas de segurança e isolamento social sim. Parabenizo o Prefeito do Rio por essa preocupação. Todavia, o que nos preocupa é que o réveillon na cidade maravilhosa ocorreu para um seleto grupo de pessoas: para os turistas dos cruzeiros do Rio de Janeiro e moradores da zona sul carioca; os turistas dos hotéis da zona sul também foram contemplados com o evento. As pessoas que moravam distante de Copacabana não tiveram como participar do show pirotécnico porque simplesmente não havia transporte para tal.

É importante se dizer que não questionamos aqui a realização do show em Copacabana. Distante disso: somos a favor da manutenção de eventos como este, desde que pensados e adaptados à nova forma de se viver no contexto atual. Não podemos parar as nossas vidas. Temos que inventar novas maneiras de se viver junto ao corona vírus enquanto ele circular entre nós. Entretanto, não podemos aceitar que o argumento do isolamento social seja utilizado como infração aos direitos fundamentais dos cidadãos, como o que ocorreu no Rio de Janeiro.

O show pirotécnico aconteceu para uma pequena parcela da população. Essa parcela é a dos ricos brasileiros e estrangeiros, que têm dinheiro para pagar cruzeiros, hotéis e manter seus lares na zona sul do Rio. Indagamo-nos: que isolamento social é este? Ao nosso ver, trata-se de um isolamento dos ricos contra os pobres; uma verdadeira segregação econômico-social.

A objetivo do isolamento social foi válida, mas a estratégia selecionada foi, no mínimo, infeliz. Foi nítida a separação de classes na virada de ano no Rio, pois havia uma aglomeração de pessoas sim na praia de Copacabana. Mas essa aglomeração era de pessoas de poder aquisitivo alto em relação à maioria do povo carioca. Perguntamo-nos se pode haver aglomeração, então, entre os ricos. Ao que nos parece, a aglomeração que se pretende evitar é entre ricos e pobres. Assim, não seria mais uma busca pela não aglomeração, mas sim um desejo antigo de se governar para os ricos às custas dos pobres, maior quantidade de pessoas pagadoras de impostos. Se somarmos os valores dos impostos pagos pela população mais pobre no Brasil e compararmos com os valores dos impostos pagos pelos ricos, veremos que o valor bruto é, sem sombra de dúvidas, uma quantia bem maior na classe pobre. Isso porque existem mais pobres do que ricos em nosso país e no mundo. Temos, então, mais uma vez, o pobre bancando, à custa de sua exploração, os prazeres de que gozam os ricos brasileiros.

Mais uma nova forma de exploração dos pobres. Tem-se, agora, que pagar as festas dos ricos, como se já não bastasse a exploração para a garantia dos direitos básicos e superficiais do cotidiano da classe mais abastarda economicamente.

Neste sentido, o que queremos propor aqui? Estamos distantes de dizer que os ricos não devem usufruir do seu dinheiro e viver os prazeres da vida. Apenas queremos que todos tenham esse direito. Assim, seria prudente que um show pirotécnico também fosse realizado nas áreas distantes da zona sul por exemplo. Se as pessoas não podem se locomover até a praia de Copacabana para prestigiarem ao sho pirotécnico carioca, que o show vá até as pessoas. Como adaptação ao isolamento social, não vemos problemas algum em se fazer mais de um show, dividindo-se os recursos destinados ao evento para que não haja maiores gastos públicos.

Privar o povo pobre do show não é justo; é sim, indigno. Se vai haver show, que seja para todos; e se estamos em pandemia, que o show seja realizado de uma maneira diferente. Os fundamentos da sociedade do Estado Democrático de Direito presentes em nossa Constituição devem ser preservados. A fraternidade, pluralismo, anti-preconceito para a garantia da harmonia social, valores supremos para a garantia do constitucionalismo brasileiro devem se efetivar no nosso dia a dia. Não podemos permitir que a Constituição Brasileira seja desconsiderada e ignorada pelos representantes eleitos pelo povo para a tomada de decisões políticas que digam respeito aos próprios cidadãos.

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Atos como esse do Prefeito do Rio de Janeiro devem ser fiscalizados para que injustiças sociais não venham a ocorrer, principalmente se se conflitarem com os princípios básicos da Constituição Brasileira. Isso porque uma das maiores conquistas do povo foi a existência das constituições escritas, surgidas, inicialmente, na época do Estado Moderno mesmo sem atenção aos direitos e garantias fundamentais. Os direitos fundamentais foram sendo adquiridos com a evolução do pensamento e, sobretudo, às custas de muita luta social.

Não podemos deixar os direitos dos cidadãos, principalmente os dos pobres, apagarem-se como um fogo de artifício. Feliz 2022 a todas(os).

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Sobre a autora
Ana Clara de Melo

Doutora em Letras. Graduação em Direito e Letras. Especialista em Educação em Direitos Humanos, Métodos Adequados de Solução de Conflitos, Gestão Tributária e Empresarial. Professora de Direito Constitucional. Escritora e Pesquisadora. Assessora e Consultora Acadêmica. Advogada. @ana.claradv

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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