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Embriaguez:

justa causa para extinção do contrato de trabalho?

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07/03/2007 às 00:00
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A extinção do contrato de trabalho, sem a concessão de qualquer indenização, agrava o quadro clínico do alcoolismo, razão pela qual a melhor solução é encaminhar o empregado alcóolatra para tratamento.

RESUMO

O consumo excessivo de álcool pode levar à dependência química, aumentando a tolerância em relação à bebida e produzindo graves distúrbios físicos e psicológicos no caso de interrupção abrupta do uso do álcool. Caracterizado este quadro, a Organização Mundial de Saúde considera configurado o alcoolismo, doença degenerativa, progressiva e fatal. Por que, então, a legislação trabalhista brasileira autoriza a demissão por justa causa do trabalhador que comparece embriagado ao posto de serviço ou apresenta os sintomas de ingestão habitual de bebidas alcoólicas? Por meio deste trabalho, procedeu-se a um levantamento bibliográfico, jurisprudencial e estatístico, utilizando-se o método hipotético-dedutivo, a fim de verificar se há necessidade de mudança na visão da comunidade jurídica a respeito do tema. Constatou-se que a extinção do contrato de trabalho, sem a concessão de qualquer indenização, agrava o quadro clínico do alcoolismo, razão pela qual a melhor solução em tais casos é a empresa que se deparar com um alcoólatra em seus quadros funcionais encaminhá-lo para tratamento.

Palavras-chave:Rescisão do contrato de trabalho. Justa causa. Embriaguez. Alcoolismo.


ABSTRACT

The excessive consume of alcohol may lead to chemical dependence, increasing the tolerance towards drinking and generating serious physical and psychological problems if the use of alcohol is abruptly interrupted. According to this case, World Health Organization considers the alcoholism a degenerative disease, which is progressive and fatal. Why, then, Brazilian labor legislation authorizes wrongful dismissal when the workers presents symptoms and shows up drunk for work? Through this work, bibliography, jurisprudential and statistic dada has been collected by using the deductive-hypothetic method, in order to check if there is need of a change in the visions of juridical community regarding the theme. It is proved that the extinction of work contract, without any indenization concession, makes the clinical aspects of alcoholism even worse, and in which case, the best solution would be to send the worker to adequated treatment.

Keywords:Labour agreement dissolution. Wrongful dismissal. Drunkenness. Alcoholism.


SUMÁRIO: INTRODUÇÃO,2 EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO, 2.1 Breve histórico, 2.2 Principais modalidades de extinção do contrato de trabalho, 2.2.1 Término do contrato de trabalho a termo, 2.2.1.1 Contrato de experiência., 2.2.1.2 Contratos por prazo determinado previstos em leis especiais em relação a profissões delimitadas, 2.2.1.3 Lei n. 9.601/98, 2.2.2 Força maior e factum principis, 2.2.3 Mútuo consentimento, 2.2.4 Por desaparecimento de uma das partes, 2.2.5 Por decisão do empregado, 2.2.5.1 Aposentadoria espontânea, 2.2.5.2 Rescisão a pedido, 2.2.5.3 Rescisão indireta, 2.2.6 Por decisão do empregador, 2.2.6.1 Dispensa sem justa causa, 2.2.6.2 Dispensa por justa causa, 3 EMBRIAGUEZ, 3.1 A bebida através dos tempos, 3.2 Dependência química: efeitos físicos e psicológicos, 4 EMBRIAGUEZ COMO FUNDAMENTO PARA A DISPENSA POR JUSTA CAUSA, 4.1 Repercussão da embriaguez na vida funcional do empregado, 4.1.2 A embriaguez do trabalhador no Direito Comparado, 4.2 Necessidade de reconhecimento da mudança de paradigma: embriaguez como doença, CONCLUSÃO, REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, APÊNDICE, ANEXO.


INTRODUÇÃO

A Consolidação das Leis do Trabalho foi publicada na primeira metade do século passado; desde então, houve diversas modificações na sociedade, aí incluídas as relações havidas entre empregado e empregador. O perfil do trabalhador alterou-se sobremaneira, o mesmo ocorrendo no que concerne às expectativas do patrão quanto às características e desempenho dos seus contratados.

De um modo geral, muitas condutas, antes vistas como inaceitáveis, hodiernamente são toleradas pela comunidade. Certas particularidades, em tempos idos consideradas aberrações de comportamento, atualmente são tidas como mais uma faceta do ser humano, como é o caso da homossexualidade, que já foi classificada como doença.

Torna-se necessário, portanto, revisitar os fatos declinados na Consolidação das Leis do Trabalho como motivo relevante para justificar a dispensa do empregado, a fim de verificar se a sociedade atual ainda tem como intoleráveis os comportamentos descritos no art. 482 do texto consolidado.

Tome-se, por exemplo, a embriaguez. Esta, durante muito tempo – e não se pode sequer dizer que atualmente não haja quem pense desta forma –, foi considerada como falta de "vergonha na cara", falha de caráter, "descaramento". Estudos científicos demonstram, contudo, que algumas pessoas são mais propensas que outras a se tornarem seriamente dependentes do álcool, tanto química quanto psicologicamente. A comunidade médica passou a considerar o alcoolismo como doença. Várias organizações não-governamentais, principalmente instituições religiosas, têm em sua estrutura núcleos de apoio ao alcoólatra e sua família. No "Alcoólicos Anônimos", que é a maior referência na área, o primeiro passo a ser dado para a recuperação é reconhecer a impotência perante o álcool e a perda sobre o domínio da própria vida [01].

Pode-se, portanto, considerar ainda o alcoolismo como motivo para dispensar por justa causa o empregado, se este é vítima de um mal? Será correto, dentro de uma visão social – que é o esperado pelos aplicadores do Direito na área trabalhista –, deixar sem emprego alguém que está doente, possivelmente já com complicações em sua saúde, sofrendo a reprovação de seus amigos e familiares em virtude de seu vício e, portanto, extremamente fragilizado e vulnerável, com o agravante de não lhe conceder qualquer verba extra em razão da demissão – como ocorre, por exemplo, na dispensa sem justa causa?

Por outro lado, que medidas deve tomar um empregador que tenha em seu quadro funcional um trabalhador que tem sua capacidade laboral comprometida em virtude de seu vício? Seria justo obrigar o empregador a tolerar dentro de seu estabelecimento um funcionário que já apresenta na sua conduta no local de trabalho as conseqüências da ingestão habitual de bebida alcoólica, ou mesmo de outras substâncias entorpecentes, capazes de causar prejuízo à imagem ou ao patrimônio do empregador?

A solução a tais questões é fundamental para a sociedade em que vivemos, dado o alto índice de reflexos negativos de tal comportamento na sociedade, de modo geral. Infelizmente, o álcool tem feito inúmeras vítimas, como se vê pelas estatísticas de recentes estudos sobre o tema:

90% de todos os atos de vandalismo e agressão (verbal, física ou sexual) e 50% dos acidentes de trânsito acontecem porque pelo menos uma das pessoas envolvidas está bêbada. O álcool é a causa de 20% a 30% dos casos de câncer de esôfago e de fígado, cirrose hepática e epilepsia, causando anualmente 1,8 milhão de mortes (3,2% do total). Estudantes universitários do mundo inteiro gastam mais com bebidas alcoólicas do que com refrigerantes, chás, leite, sucos, café e livros juntos [02].

Segundo estudo da Organização Mundial de Saúde (OMS, 1999), o Brasil estava situado no 63º lugar do uso per capita de álcool na faixa etária de 15 anos, entre 153 países, um consumo razoavelmente discreto. Porém, quando a OMS compara a evolução do consumo per capita entre as décadas de 1970 e 1990, em 137 países o Brasil apresenta um crescimento de 74,5% no consumo de bebidas alcoólicas [03].

O primeiro Levantamento Domiciliar Sobre o Uso de Drogas no Brasil realizado pela Secretaria Nacional Antidrogas do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República em convênio com o CEBRID, revelou que 11,2% dos brasileiros que vivem nas 107 maiores cidades do país são dependentes do álcool (o que equivale a 5,2 milhões de pessoas) [04].

Importante, pois, o debate na comunidade jurídica sobre as conseqüências do consumo excessivo de bebidas alcoólicas nas relações de emprego. Por tal razão, esta é a discussão central trazida pelo presente trabalho acadêmico.

Para a elaboração desta monografia foi adotada a pesquisa exploratória, a fim de promover um aprofundamento do tema, "proporcionar maior familiaridade com o problema [e] o aprimoramento de idéias" [05], principalmente por meio de levantamento bibliográfico – livros, revistas, artigos científicos – e jurisprudencial, além de dados estatísticos, sendo todo o material analisado basicamente a partir do método hipotético-dedutivo.

Com fundamento nos textos lidos, será apresentado no item 2 deste estudo um breve histórico sobre as formas de rescisão do contrato de trabalho, passando-se à verificação das principais modalidades de extinção do pacto laboral.

Em seguida, no capítulo 3, far-se-á uma retrospectiva da relação entre o homem e a bebida, incluindo uma abordagem a respeito dos efeitos físicos e psicológicos do álcool.

O capítulo 4 abordará a repercussão do excesso do consumo de bebidas alcoólicas na vida funcional do empregado e descreverá como a comunidade jurídica, no Brasil e em alguns outros países, lidam com o fato de o trabalhador comparecer embriagado ao local de trabalho ou ingerir habitualmente bebidas alcoólicas para, por fim, investigar como a pergunta inicialmente feita – se é razoável a dispensa do trabalhador por justa causa na hipótese de embriaguez – deve ser respondida.

Que as idéias aqui lançadas possam contribuir para a melhoria da situação de empregados e empregadores envolvidos no emaranhado da teia da embriaguez.


2 EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO

2.1 Breve histórico

Trabalho sempre foi sinônimo de meio de sobrevivência [06]. Nos primórdios, o homem trabalhava para manutenção própria e de sua família. O desenvolvimento da sociedade acabou por trazer a noção de acumulação de riquezas, com o trabalho passando a ser visto como inerente às classes inferiores, como atividade vil e desonrosa [07].

Na sociedade romana, o trabalho era precipuamente exercido por homens que não eram reconhecidos como tais, mas como mera propriedade de outros homens. Dessa forma, a prestação de trabalho só cessava com a morte do escravo. Mesmo o trabalhador livre, contratado por meio do locatio operarum – contratação de serviço –, era submetido ao pater familias, sendo causa para a extinção do contrato a morte do trabalhador ou do conductor, ressaltando-se que na hipótese de contrato a termo não era permitida a rescisão antecipada por qualquer das partes [08].

Na Idade Média, o movimento antropocêntrico levou à idéia inversa. O Código francês de 1804, por exemplo, fixava que os contratos de trabalho deveriam ser celebrados por tempo determinado. Tal estipulação visava coibir a possibilidade de ressurgimento da escravidão [09].

Contudo, com o decorrer do tempo, verificou-se que tal disposição, em vez de significar proteção contra o contrato vitalício, acabava por gerar instabilidade, insegurança, ou seja, o trabalhador se via desprovido de sua renda familiar ao fim do contrato por tempo limitado [10].

Ora, "o desejo de segurança é um dos traços mais típicos do homem contemporâneo, tanto que, na história da humanidade, um dos legados do século XX será, sem dúvida, a idéia da segurança social" [11]. Não se pode olvidar que "a grande maioria da população economicamente ativa, na sociedade contemporânea ocidental (em particular em países como o Brasil), constitui-se de pessoas que vivem apenas de seu trabalho" [12].

Surge, assim, o princípio da continuidade da relação de emprego, fundamental para que o Direito do Trabalho atinja seu objetivo principal de garantir ao trabalhador melhores condições no curso do pacto laboral. Isso porque são decorrências naturais da preservação do emprego: a) o avanço na legislação e negociação coletiva; b) o investimento no aperfeiçoamento do trabalhador nos planos educacional e profissional; c) afirmação social do contratado [13].

Importante ressaltar que, muito embora este princípio seja fixado em favor do trabalhador, o empregador também obtém vantagens com a antigüidade de seus funcionários, pois estes adquirem maior experiência e conhecimento técnico para desempenhar melhor suas funções, bem como há economia com despesas de treinamento de novos trabalhadores, sem contar o próprio tempo que ensinar novos empregados demanda e os prejuízos que podem ocorrer pela inabilidade inicial [14]. Especificamente para o trabalhador, além da própria conservação do emprego, da antigüidade decorre um acúmulo de vantagens salariais e outros benefícios, que visam justamente recompensar a dedicação ao trabalho ao longo do tempo [15].

A observância do princípio da continuidade da relação de emprego implica a preferência pela celebração de contratos com duração indefinida, ou seja, sem que se delimite uma causa predeterminada para a sua extinção. Este contrato não se confunde com o contrato vitalício, pois este, em verdade, possui uma causa previamente fixada para sua dissolução: o falecimento do empregado. Assim, o contrato "por toda vida" acaba por ser um contrato a termo, razão pela qual não há como confundi-lo com o contrato por prazo indeterminado [16].

Uma outra conseqüência do princípio em análise é que, na hipótese de a prestação de serviço perdurar além da data fixada no contrato a termo, presume-se que este tenha se transmudado em contrato de duração indefinida. O mesmo raciocínio é aplicável no caso do contrato de experiência. De igual modo, uma seqüência ininterrupta de contratos a termo leva à conclusão de que há um único contrato por prazo indeterminado. Nesse sentido, também se infere que um contrato celebrado sem prévia fixação de termo não pode ser convertido em contrato por prazo determinado [17].

Tem-se, portanto, que o contrato de trabalho só se extingue naturalmente na hipótese de ter chegado a seu termo ou alcançado a finalidade a que se propôs [18]. Contudo, todas as demais possibilidades de extinção do contrato, em face do princípio da continuidade da relação de emprego, seriam anormais, já que decorrentes de fato não imputado aos contratantes (força maior e factum principis), mútuo consentimento (Plano de Desligamento Voluntário e culpa recíproca), desaparecimento de uma das partes (falecimento do empregado e extinção da empresa), decisão do empregado (aposentadoria [19], rescisão a pedido e rescisão indireta) ou decisão do empregador (dispensa sem justa causa e dispensa por justa causa) [20].

As modalidades de extinção do contrato ora noticiadas se devem ao fato de o princípio da continuidade da relação de emprego ter sido mitigado desde 1966.

É que o ordenamento jurídico até tal época possuía todo um arcabouço de normas que privilegiavam a permanência do trabalhador no emprego, havendo mesmo disciplina sobre aquisição de estabilidade com o decurso do tempo. Eram impostas pesadas penalidades no caso de o empregador rescindir o contrato por iniciativa própria, como se vê pelo caput do artigo 477 e caput e parágrafo primeiro do artigo 478, ambos da CLT [21]:

Art. 477. É assegurado a todo empregado, não existindo prazo estipulado para a terminação do respectivo contrato, e quando não haja ele dado motivo para cessação das relações de trabalho, o direito de haver do empregador uma indenização, paga na base da maior remuneração que tenha percebido na mesma empresa.

Art. 478. A indenização devida pela rescisão de contrato por prazo indeterminado será de um mês de remuneração por ano de serviço efetivo, ou por ano e fração igual ou superior a seis meses.

§ 1º O primeiro ano de duração do contrato por prazo indeterminado é considerado como período de experiência, e, antes que ele se complete, nenhuma indenização será devida.

Entretanto, as regras mudaram com o advento da Lei n. 5.107, de 13 de setembro de 1966, que permitiu a opção entre o sistema estabilitário e a realização de depósitos de valores correspondentes a 8% (oito por cento) do salário registrado em uma conta vinculada – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, hoje regulado pela Lei n. 8.036, de 11 de maio de 1990 –, a serem sacados nas hipóteses previstas em lei. Isso porque, na prática, o trabalhador se via forçado a "optar" pelo regime do FGTS, sob pena de não ser admitido, já que para o empregador tal sistema era mais interessante [22], [23].

Vê-se, portanto, que a instituição do FGTS derrubou grande parte da força do princípio da continuidade da relação de emprego, pois ao empregador foi concedida a possibilidade de dispensar seus trabalhadores sem a necessidade de transpor o obstáculo da estabilidade. E muito embora as Constituições de 1967 e 1969 ainda incluíssem em seu bojo o princípio da continuidade da relação de emprego, ao afirmar que os trabalhadores tinham direito a se integrar na vida e desenvolvimento das organizações empresariais, ao mesmo tempo reforçava a possibilidade de dispensa sem justa causa como direito potestativo do empregador [24].

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Nem mesmo a Constituição Federal de 1988 foi capaz de reabilitar este princípio ao seu status original, ao dispor em seu artigo 7º, inciso I, o seguinte:

Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

I – relação de emprego protegida contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos.

É que o texto constitucional transcrito não restaura a estabilidade, apenas impõe o pagamento de indenização para o trabalhador; assim, não se pode dizer que o trabalhador tenha direito à continuidade da relação empregatícia, mas apenas à presunção de continuidade, nos termos da Súmula n.º 212, editada pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho, in verbis:

DESPEDIMENTO. ÔNUS DA PROVA. O ônus de provar o término do contrato de trabalho, quando negados a prestação de serviço e o despedimento, é do empregador, pois o princípio da continuidade da relação de emprego constitui presunção favorável ao empregado.

Tal princípio serve, ainda, como fundamento para que se tenha como regra geral a celebração de contratos de trabalho por prazo indeterminado, fazendo com que o contrato a termo se constitua em exceção.

2.2 Principais modalidades de extinção do contrato de trabalho

O vínculo entre empregado e empregador pode ter fim em razão de diversos fatores, havendo, portanto, conseqüências variadas para as partes envolvidas dependendo do modo como se dê a extinção do pacto laboral, conforme delinear-se-á de forma sintética em seguida.

2.2.1 Término do contrato de trabalho a termo

A CLT traz em seu bojo a definição de contrato por prazo determinado no § 1º do art. 443, in verbis:

§ 1º. Considera-se como de prazo determinado o contrato de trabalho cuja vigência dependa de termo prefixado ou da execução de serviços especificados ou ainda da realização de certo acontecimento suscetível de previsão aproximada.

Nesta modalidade, o contrato se extingue de modo natural, sem necessidade de denúncia, pois as partes contratantes têm plena consciência da transitoriedade da relação jurídica que as une, vez que já existe a predeterminação do momento em que se encerrará a prestação de serviços [25].

Por momento, não se entenda apenas uma data – dies certus an et quando –, mas também um evento, como ocorre quando o contrato é celebrado para a realização de uma obra ou colheita – dies certus an incertus quando [26].

Por se tratar de exceção ao princípio da continuidade da relação de emprego, o ordenamento jurídico pátrio somente admite o contrato a termo nos seguintes casos: a) serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a pré-fixação do prazo (exemplo: contratação temporário de vendedores para atender ao aumento transitório nas vendas à época do Natal); b) atividades empresariais transitórias (exemplos: fabricação de panetone para as festas de fim de ano e produção de ovos de Páscoa); c) contrato de experiência [27]; d) situações previstas na legislação extravagante em face de profissões específicas (contrato de safra, de atleta profissional, de artistas, de técnico estrangeiro, de aprendizagem e de obra certa); e) contrato provisório de trabalho, nos moldes da Lei n. 9.601, de 21 de janeiro de 1998 [28].

Em face de sua maior complexidade, merecem detalhamento as três últimas hipóteses ventiladas no parágrafo anterior.

2.2.1.1 Contrato de experiência

Para que se possa aferir a aptidão do trabalhador para a prestação dos serviços para os quais foi contratado e verificar se seu comportamento se mostra adequado com as atividades a serem desenvolvidas, muitas vezes o empregador prefere a celebração do contrato de experiência. Tal ajuste também se presta para que o empregado constate se as condições de trabalho lhe parecem adequadas. Assim, tem-se que o contrato de experiência "propicia às partes uma avaliação subjetiva recíproca" [29].

Há na doutrina alguma divergência quanto à necessidade de que a celebração do contrato de experiência deva ser feita por escrito, ante a presunção de que o pacto laboral seja por tempo indeterminado, bem como em razão da determinação de anotação na carteira profissional das condições especiais do contrato disposta no art. 29 da CLT. Contudo, considerando o princípio da primazia da realidade, é defensável a possibilidade de se demonstrar que houve estipulação de período de prova por outros meios que não a Carteira de Trabalho e Previdência Social ou contrato específico.

É de se notar que o período de experiência não pode se estender por período demasiadamente longo, já que a avaliação da conveniência da transmudação do pacto para contrato por prazo indeterminado não demanda muito tempo. Por essa razão, a CLT, em seu art. 445, parágrafo único, fixou em noventa dias o prazo máximo para a análise recíproca das vantagens e desvantagens da contratação por tempo indeterminado. Saliente-se que o contrato de experiência pode ser prorrogado – uma única vez –, desde que o somatório dos períodos não ultrapasse o limite de noventa dias [30].

Quando do término do contrato de experiência, se as partes tiverem interesse na continuidade da relação de emprego, considerar-se-á que o contrato de trabalho se transformou em contrato por prazo indeterminado.

Na hipótese de qualquer dos contratantes não pretender a persistência do contrato além do período preestabelecido, o trabalhador faz jus à percepção do saldo salarial, 13º salário proporcional e férias proporcionais acrescidas do terço constitucional. Não há que se falar em pagamento de aviso prévio – o empregado já sabia que o contrato se extinguiria na data aprazada – nem da indenização de 40% sobre o saldo dos depósitos do FGTS.

Havendo rescisão antecipada do contrato de experiência por iniciativa do empregador, além das verbas mencionadas, o trabalhador também deverá receber a multa de 40% sobre o FGTS e a indenização prevista no art. 479 da CLT:

Art. 479. Nos contratos que tenham termo estipulado, o empregador que, sem justa causa, despedir o empregado será obrigado a pagar-lhe, a titulo de indenização, e por metade, a remuneração a que teria direito até o termo do contrato.

Se a extinção do pacto ocorrer antes do dia estabelecido por culpa do empregado, somente lhe serão devidos o saldo de salário e a gratificação natalina.

2.2.1.2 Contratos por prazo determinado previstos em leis especiais em relação a profissões delimitadas

O contrato de safra está previsto no art. 14, parágrafo único, da Lei n. 5.889, de 8 de junho de 1973, podendo ser conceituado como "pacto empregatício rural a prazo certo, cujo termo final seja fixado em função das variações estacionais da atividade agrária" [31].

O contrato de atleta profissional do futebol deve ser celebrado por prazo determinado, por no mínimo três meses e no máximo cinco anos (art. 30 da Lei n. 9.615, de 24 de março de 1998).

Um técnico estrangeiro domiciliado no exterior pode ser contratado para trabalhar no Brasil por meio de um regime especial, para prestar serviços especializados em setores nos quais não há mão-de-obra especializada no país [32]. Este tipo de contrato está regulamentado no Decreto-Lei n. 691, de 18 de julho de 1969.

O contrato de aprendizagem é regulado pelo Decreto n. 31.546, de 6 de outubro de 1952, que conceitua o instituto em seu art. 1º:

Art. 1º. Considera-se de aprendizagem o contrato individual de trabalho realizado entre um empregador e um trabalhador maior de 14 e menor de 18 anos, pelo qual, além das características mencionadas no artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, aquele se obriga a submeter o empregado à formação profissional metódica do ofício ou ocupação para cujo exercício foi admitido e o menor assume o compromisso de seguir o respectivo regime de aprendizagem.

Finalmente, contrato por obra certa, previsto pela Lei n. 2.959, de 17 de novembro de 1956, "é o pacto empregatício urbano a prazo, qualificado pela presença de um construtor em caráter permanente no pólo empresarial da relação e pela execução de obra ou serviço certo como fator ensejador da prefixação do prazo contratual" [33].

2.2.1.3 Lei n. 9.601/98

Dispõe o art. 1º da Lei n. 9.601/98:

Art. 1º. As convenções e os acordos coletivos de trabalho poderão instituir contrato de trabalho por prazo determinado, de que trata o art. 443 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, independentemente das condições estabelecidas em seu § 2º, em qualquer atividade desenvolvida pela empresa ou estabelecimento, para admissões que representem acréscimo no número de empregados (sem destaque no original).

Do texto transcrito, infere-se que há dois pressupostos para a contratação a termo sem necessidade de observância dos termos do art. 443, § 2º, da CLT: a) que o contrato seja instituído por negociação coletiva; b) que a celebração desse tipo de contrato signifique um aumento no número de empregados. Tais requisitos têm por objetivo impedir que os empregadores, visando livrar-se de encargos trabalhistas, demitam seus trabalhadores para recontratá-los na modalidade ora em análise [34].

2.2.2 Força maior e factum principis

Se o estabelecimento em que o empregado presta serviços for extinto por força maior, dá-se a extinção do pacto laboral, fazendo o trabalhador jus às indenizações previstas no art. 502 da CLT [35].

Por força maior entenda-se todo acontecimento que o empregador não pode prever [36] nem evitar, ocorrido sem o concurso direto ou indireto deste [37], como por exemplo um incêndio ou inundação que afete a situação econômica e financeira do empregador [38].

No âmbito do Direito Administrativo, o factum principis [39] é tido como uma espécie de força maior. Contudo, tais institutos se diferenciam nos seguintes termos:

Na eventualidade de força maior pura e simples (incêndio, desmoronamento, enchente, etc) geralmente proveniente de uma causa natural e imprevisível, é impossível imputar a alguém a responsabilidade pelo ocorrido, sendo pelo já exposto, responsabilizado o empregador, porém no caso de ‘factum principis’, delineia-se a pessoa jurídica de direito público interno com a responsável, embora indireta, da rescisão dos contratos individuais do trabalho. [40]

Para a caracterização do factum principis torna-se essencial a verificação de ato administrativo ou legislativo do Estado capaz de gerar a cessação temporária ou definitiva das atividades empresariais [41].

2.2.3 Mútuo consentimento

Os contratos de trabalho se encerram por mútuo consentimento nas hipóteses de adesão a plano de desligamento incentivado e culpa recíproca.

Normalmente as empresas [42] implementam um plano de desligamento incentivado [43] quando pretendem simplificar sua estrutura, reduzindo gastos fixos. Para tanto, oferecem vultosas indenizações [44] aos empregados que peçam demissão, nos moldes fixados pelo regulamento do programa.

Tal modalidade expressa o mútuo consentimento das partes em rescindir o contrato de trabalho, embora parte da doutrina defenda que a manifestação de vontade do trabalhador não é absoluta, já que a ele só cabe aderir ou não ao programa, não podendo discutir valores ou forma de pagamento, sendo tal problema agravado pela possibilidade de, na hipótese de não aceitar a proposta do empregador, ser posteriormente dispensado sem justa causa, sem receber qualquer quantia além do mínimo fixado em lei [45].

Ocorre culpa recíproca quando tanto o empregado quanto o empregador apresentam condutas que autorizariam à outra parte pleitear a rescisão contratual por justa causa [46]. Nesta situação, determina a lei que a indenização devida ao trabalhador será reduzida à metade [47], aplicando-se ainda os termos da Súmula n. 14 do C. TST:

Culpa recíproca - Nova redação - Res. 121/2003, DJ 21.11.2003. Reconhecida a culpa recíproca na rescisão do contrato de trabalho (art. 484 da CLT), o empregado tem direito a 50% (cinqüenta por cento) do valor do aviso prévio, do décimo terceiro salário e das férias proporcionais.

2.2.4 Por desaparecimento de uma das partes

A morte do empregado leva à extinção do contrato de trabalho, sendo que seus herdeiros têm direito ao recebimento das parcelas trabalhistas pendentes e podem se habilitar para o levantamento dos depósitos de FGTS [48].

A morte do empregador não acarreta, necessariamente, a cessação do pacto laboral [49], [50]. Já a extinção da empresa provoca o término do contrato de trabalho, sendo devida ao trabalhador apenas a contraprestação pelos serviços realizados [51].

2.2.5 Por decisão do empregado

Pode o contrato de trabalho se encerrar por iniciativa do trabalhador ao se aposentar, pedir demissão ou denunciar a ocorrência de justa causa do empregador.

2.2.5.1 Aposentadoria espontânea

A maior parte da doutrina considera a aposentadoria espontânea como forma de rescisão do contrato de trabalho [52], em consonância com a jurisprudência pacificada pelo TST por meio da Orientação Jurisprudencial n. 177 da SDI-1:

APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. EFEITOS. Inserida em 08.11.00

A aposentadoria espontânea extingue o contrato de trabalho, mesmo quando o empregado continua a trabalhar na empresa após a concessão do benefício previdenciário. Assim sendo, indevida a multa de 40% do FGTS em relação ao período anterior à aposentadoria.

ERR 628600/00, Tribunal Pleno

Em 28.10.03, o Tribunal Pleno decidiu, por maioria, manter o entendimento contido na Orientação Jurisprudencial nº 177, de que a aposentadoria espontânea extingue o contrato de trabalho, mesmo quando o empregado continua a trabalhar na empresa.

Contudo, parte dos juristas tem sinalizado a impossibilidade do reconhecimento de extinção do pacto laboral por ocasião da aposentadoria do empregado por vislumbrar a ocorrência de incompatibilidade com o disposto no art. 7º, inciso I, da Carta Magna [53]:

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, suprimindo a estabilidade decenal, e a introdução das novas leis previdenciárias, especialmente a Lei 8.213/91, a matéria passou a ser regulada de modo diverso, pois inexiste, agora, a exigência de rescisão do contrato outrora vigente, o que retira da "readmissão" de que trata o artigo 453 [54] o caráter imperioso. Logo, as disposições ali insculpidas não mais se aplicam sempre que houver a aposentadoria e continuidade na prestação dos serviços, mas, apenas, quando verificada objetivamente a rescisão do contrato de trabalho e a posterior readmissão do empregado, ocorrendo, neste interregno, a aposentadoria [55].

Nessa esteira de raciocínio, com a aposentadoria espontânea, o trabalhador faria jus à percepção da multa de 40% sobre os depósitos de FGTS e, no caso de servidor público, não seria o caso de se aplicar os termos da Súmula n. 363 do C. TST, pois não haveria obrigatoriedade de submissão a novo concurso público após a aposentadoria para validar a continuidade da prestação de serviços [56].

No dia 16 de agosto de 2005, decidiu o Supremo Tribunal Federal, por maioria, ao julgar o Recurso Extraordinário n. 449420, relatado pelo Exmo. Min. Sepúlveda Pertence, que a aposentadoria espontânea do empregado não implica necessariamente o término do contrato de trabalho, bem como que a Orientação Jurisprudencial n. 177 da SDI-1 do C. TST é equivocada [57].

Entretanto, mesmo após a publicação deste julgado do STF, o TST continua aplicando a OJ n. 177, como se vê pela ementa a seguir transcrita:

APOSENTADORIA ESPONTÂNEA. EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO (ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 177/SDI/TST). Esta Corte Superior tem posicionamento firme no sentido de que a aposentadoria espontânea extingue o contrato de trabalho, sendo indevido o adicional de 40% (quarenta por cento) do FGTS em relação ao período anterior à ruptura ocasionada pela aposentadoria. Nesse sentido encontra-se a Orientação Jurisprudencial nº 177 da Colenda Seção Especializada em Dissídios Individuais. Recurso de revista conhecido e provido [58].

Controvertida, portanto, a aceitação da aposentadoria espontânea como modalidade de extinção do contrato de trabalho.

2.2.5.2 Rescisão a pedido

Quando o empregado, por razões de foro íntimo, não mais pretende continuar a prestação de serviços, deve comunicar ao empregador que não mais vai comparecer ao trabalho com antecedência, sob pena de indenizá-lo, nos termos previstos pela CLT, em seu art. 487, caput, I, II e § 2º:

Art. 487. Não havendo prazo estipulado, a parte que, sem justo motivo, quiser rescindir o contrato deverá avisar a outra da sua resolução com a antecedência mínima de:

I - oito dias, se o pagamento for efetuado por semana ou tempo inferior;

II - trinta dias aos que perceberem por quinzena ou mês, ou que tenham mais de 12 (doze) meses de serviço na empresa.

(...)

§ 2º - A falta de aviso prévio por parte do empregado dá ao empregador o direito de descontar os salários correspondentes ao prazo respectivo.

O empregado somente fica dispensado do cumprimento do aviso prévio se o empregador dispensá-lo ou na hipótese de já ter sido admitido em outro emprego [59].

Em tal modalidade de rescisão contratual, faz jus o empregado ao recebimento de 13º salário proporcional [60] e férias proporcionais [61], não tendo direito ao levantamento do FGTS nem à percepção do seguro-desemprego.

Importante salientar que, na hipótese de o contrato de trabalho ter vigorado por período superior a um ano, o pedido de desligamento deverá ser efetuado com assistência do sindicato da categoria do trabalhador ou perante autoridade do Ministério do Trabalho, conforme preconiza o art. 477, § 1º, da CLT.

2.2.5.3 Rescisão indireta

O contrato de trabalho é bilateral e sinalagmático, razão pela qual conclui-se que ambas as partes têm direitos e obrigações ao longo da vigência do pacto laboral. Na hipótese de o empregador não observar seus deveres, é autorizado ao trabalhador rescindir o pacto laboral.

Dentre as principais obrigações do empregador, destacam-se: a) dever de pagar o salário ajustado; b) dever de proporcionar trabalho ao empregado; c) dever de velar pela segurança e incolumidade física do trabalhador; d) dever de respeitar a dignidade do empregado; e) dever de atuar com boa-fé; f) dever de não discriminar [62].

O art. 483 da CLT, por sua vez, fixa em quais situações o empregado pode pleitear o reconhecimento judicial da rescisão indireta do contrato de trabalho:

Art. 483. O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;

c) correr perigo manifesto de mal considerável;

d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.

§ 1º - O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço.

(...)

§ 3º - Nas hipóteses das letras "d" e "g", poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo.

Para invocar a rescisão indireta, faz-se necessário que a falta cometida pelo empregador seja atual – sob pena de se considerar a existência de perdão tácito – e grave – infrações leves não autorizam esta modalidade de rescisão contratual [63].

Constatada a justa causa do empregador para a extinção do contrato de trabalho, são devidas ao trabalhador as seguintes parcelas: aviso prévio, 13º salário proporcional, férias proporcionais e liberação do FGTS acrescido da respectiva multa de 40% [64].

2.2.6 Por decisão do empregador

É facultado ao empregador romper um vínculo empregatício não só ao verificar a existência de justa causa cometida pelo empregado, como também sem que o trabalhador tenha praticado qualquer ato capaz de caracterizar o descumprimento de seus deveres.

2.2.6.1 Dispensa sem justa causa

Não sendo o princípio da continuidade da relação de emprego um impedimento à dispensa do trabalhador, pode o empregador, fazendo um juízo de conveniência e oportunidade, encerrar um pacto laboral ao seu alvedrio.

Conforme noticiado alhures, o simples fato de o art. 7º, inciso I, da Constituição Federal assegurar o direito à "relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa", ainda não foi editada a lei complementar que regulamentaria tal garantia.

Ademais, a mera fixação de indenização, "dentre outros direitos" não significa a proibição do despedimento sem justa causa, máxime ante a denúncia da Convenção n. 158 da Organização Internacional do Trabalho, que versa sobre este tema.

Tal modalidade de extinção do contrato de trabalho é a mais comum, muito embora seja a mais onerosa:

Em síntese, ela propicia o pagamento do maior número de parcelas rescisórias entre os diversos tipos de término de contrato regulados pelo Direito do Trabalho [, sendo] parcelas inerentes à dispensa injusta: aviso prévio de 30 dias, projetando-se no contrato; férias proporcionais com 1/3; 13º salário proporcional; liberação de depósitos de FGTS, com acréscimo de 40% sobre o total do Fundo de Garantia; a indenização adicional por dispensa no trintídio anterior à data-base, se for o caso; outras indenizações por frustração de estabilidade ou garantias provisórias de emprego, se for o caso, e desde que não caiba a efetiva reintegração do trabalhador ao emprego [65].

Do texto ora transcrito infere-se que a existência de estabilidade no emprego é fator limitativo à dispensa sem justa causa. Não mais persistindo a estabilidade decenal prevista na CLT, subsistem apenas as seguintes hipóteses de garantia ao emprego: a) dirigente sindical, desde o registro da candidatura até um ano após o término do mandato [66]; b) empregado eleito para integrar cargo de direção, ainda que na condição de suplente, da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes da empresa, desde o registro da candidatura até um ano após o fim do mandato [67]; c) empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto [68]; d) empregado acidentado, pelo prazo de doze meses contados da cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de recebimento de auxílio-acidente [69]; e) empregados integrantes do Conselho Nacional de Previdência Social, desde a nomeação até um ano após o final do mandato [70]; f) empregados integrantes da Comissão de Conciliação Prévia, até um ano após o término do mandato [71].

Havendo inobservância por parte do empregador quanto à condição de estável do empregado, deve o trabalhador ser reintegrado ao emprego, ou, na hipótese de isto ser desaconselhável, haver a conversão em indenização compensatória [72].

2.2.6.2 Dispensa por justa causa

O empregador pode rescindir o contrato de trabalho, estando dispensado de pagar as parcelas de aviso prévio, férias proporcionais e indenização de 40% sobre o saldo do FGTS, se o empregado praticar ato grave, capaz de fazer desaparecer a fidúcia que deve existir entre as partes, inviabilizando a continuidade do vínculo empregatício [73].

A confiança do empregador pode ser abalada quando o trabalhador deixa de cumprir seus deveres. O principal dever do empregado é, obviamente, prestar os serviços para os quais foi contratado. A doutrina, contudo, estabelece alguns deveres decorrentes: "cumprir sua obrigação com pessoalidade, com fidelidade, com colaboração, com diligência e com obediência" [74].

O art. 482 da CLT [75] dispõe que:

Art. 482 - Constituem justa causa para rescisão do contrato de trabalho pelo empregador:

a) ato de improbidade;

b) incontinência de conduta ou mau procedimento;

c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço;

d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena;

e) desídia no desempenho das respectivas funções;

f) embriaguez habitual ou em serviço;

g) violação de segredo da empresa;

h) ato de indisciplina ou de insubordinação;

i) abandono de emprego;

j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

l) prática constante de jogos de azar.

Parágrafo único - Constitui igualmente justa causa para dispensa de empregado a prática, devidamente comprovada em inquérito administrativo, de atos atentatórios à segurança nacional.

Antes, contudo, de se proceder à análise das hipóteses de dispensa por justa causa, é necessário observar quais princípios devem nortear a caracterização desta modalidade de rescisão contratual.

Por força do princípio da proporcionalidade, a punição aplicável ao trabalhador deve ser proporcional à falta cometida. Se outras medidas, como a suspensão e a advertência, forem suficientes para reprimir a repetição da conduta faltosa do trabalhador, a extinção do pacto laboral, por ser ato extremo, não deve ser efetuada. A proporcionalidade deve ser aferida observando-se a gravidade do ato praticado, a repercussão patrimonial para o empregador e o comprometimento da fidúcia entre as partes [76].

O princípio da exaustão professa que não pode haver dupla punição pelo mesmo fato, ou seja, não pode o empregador, aplicar uma advertência ou suspensão para, em seguida, em decorrência do mesmo fato, dispensar o trabalhador com base em uma das alíneas do art. 482 da CLT [77].

O princípio da relatividade recomenda que devem ser levados em consideração, ao verificar a existência ou não da ocorrência de justa causa para a dispensa, "o elemento da intenção, do resultado, do agente e do ambiente ou local em que ocorreu a situação propiciadora da justa causa" [78].

O aspecto da intenção abarca o motivo e o fim. Já a execução abrange o meio, o modo, o tempo e o lugar. O resultado considera o grau do prejuízo causado. O trabalhador será avaliado levando-se em conta a sua conduta na empresa, seu nível social e cultural, o tempo de labor, dentre outros fatos [79].

O princípio da gravidade, que guarda relação com os princípios da proporcionalidade e da relatividade, expressa que a falta praticada pelo empregado deve ser tão grave que inviabilize a continuidade do vínculo empregatício. Assim, se o empregador deixa de punir ato em tese tido como faltoso presume-se a ocorrência do perdão tácito, o que retira a gravidade do ato praticado [80].

Por fim, tem-se o princípio da atualidade, que consigna que o empregador deve aplicar a punição ao empregado em um espaço mínimo de tempo. Não se pode estabelecer um prazo específico para caracterizar a atualidade da punição, pois somente caso a caso é que se pode concluir qual o período razoável para a apuração dos fatos [81].

Estabelecidos os parâmetros para a configuração da justa causa, passa-se à conceituação de cada uma das modalidades de dispensa calcada no art. 482 da CLT:

Ato de improbidade. A improbidade, obviamente, é o contrário de probidade, que é um conceito relacionado à moral, razão pela qual não se pode concordar com a visão de que "não é lícito confundir-se sempre valores morais com valores jurídicos" [82], embora na maior parte dos casos a improbidade venha à tona por meio de furto, roubo, estelionato ou apropriação indébita [83]. A prática de um único ato que leve à conclusão de que o empregado seja desonesto é suficiente para a demissão por justa causa [84].

Incontinência de conduta ou mau procedimento. A figura de justa causa mais difícil de ser conceituada é o mau procedimento, pois as definições trazidas pela doutrina são por demais vagas. Entende-se, portanto, como mau procedimento o comportamento inadequado do empregado, de modo que não se coadune com o senso comum de conduta própria para o local de trabalho [85].

A incontinência de conduta é considerada espécie de que é gênero o mau procedimento, pois diz respeito à ausência de limites no comportamento sexual do empregado, como por exemplo a libertinagem e a falta de respeito com o sexo oposto [86].

Negociação habitual. Ocorre quando o empregado, sem prévia autorização do empregador, exercer o mesmo ramo de negócio, seja como subordinado a outro empregador, seja na condição de autônomo, ou ainda quando exerça outra atividade, mesmo que não concorrente, que implique prejuízo ao exercício de suas funções na empresa [87].

Condenação criminal transitada em julgado. Como a condenação criminal impede a prestação dos serviços, o empregador está autorizado a dispensar, por justa causa, o empregado que tenha sua liberdade restrita [88].

Desídia. Figura mais comum dentre modalidades de justa causa, significa "desleixo, preguiça, indolência, omissão, descuido, incúria, desatenção, indiferença, desinteresse, relaxamento, falta de cumprimento do dever, má vontade ou falta de vontade" [89].

Embriaguez habitual ou em serviço. A alínea "f" do art. 482 da CLT engloba dois tipos de justa causa: embriaguez habitual e embriaguez em serviço. A primeira configura-se por meio da repetição, todos os dias, várias vezes na semana, ou mesmo uma vez por semana. A segunda ocorre quando o trabalhador apresenta-se ébrio ao local de trabalho [90]. A justificativa para incluir a embriaguez como justa causa seria o fato de que "o álcool embota os sentidos, deixa falha a percepção da realidade, transforma o tímido em temerário e todos em imprudentes" [91].

Violação de segredo da empresa. Configura-se pela divulgação ou exploração de informações referentes à produção ou ao negócio que sejam do conhecimento de poucos, trazendo prejuízos ao empregador [92].

Ato de indisciplina ou insubordinação. A indisciplina retrata a violação intencional dos princípios gerais da empresa; já a insubordinação é o descumprimento deliberado de uma ordem proferida pelo superior hierárquico [93].

Abandono de emprego. Se o trabalhador deixa de comparecer ao local de trabalho, sem prévio aviso, ou, em se tratando de trabalho em domicílio ou teletrabalho, não mais presta os serviços para os quais foi contratado, considera-se que houve abandono de emprego [94]. Sobre o período de tempo necessário para se caracterizar o abandono, a Súmula n. 32 do C. TST estabelece uma presunção de que o não-comparecimento ao local de trabalho por trinta dias configura a intenção de não mais retornar ao posto de serviços.

Ofensas físicas e lesões à honra e boa fama do empregador ou qualquer outra pessoa. O texto consolidado autoriza a dispensa por justa causa do trabalhador que agredir física – por meio de briga, tapas, empurrões, pontapés, enfim, todo tipo de ofensa física – ou verbalmente [95] – ultrajar a dignidade ou a reputação – qualquer pessoa, não apenas o empregador, os superiores hierárquicos e os colegas de trabalho, mas também os fregueses e clientes, além de quaisquer terceiros, ressalvando-se, por óbvio, a hipótese de legítima defesa. Ressalte-se que a agressão ao empregador e superiores hierárquicos passível de punição com a demissão por justa causa é aquela ocorrida em qualquer lugar, já a feita contra outras pessoas somente gera a extinção do contrato de trabalho nesta modalidade se ocorrida em serviço, ainda que fora do local de trabalho, mas nas suas proximidades [96].

Prática de jogos de azar. Todos os jogos que dependam unicamente da sorte [97] do jogador são considerados de azar, razão pela qual automaticamente estão excluídos os jogos esportivos [98]. O hábito da jogatina, para a legislação pátria, significa a existência de "distúrbios gravíssimos de natureza econômica, gera paixões ruinosas e acarreta, via de regra, a perda do sentimento moral" [99], o que leva à perda da fidúcia existente entre as partes.

Atos atentatórios à segurança nacional. Esta figura de término do pacto laboral foi acrescida ao texto da CLT no curso do Governo Militar para determinar a demissão de quem cometesse os delitos previstos na Lei n. 6.620, de 17 de dezembro de 1978, revogada pela Lei n. 7.170, de 14 de dezembro de 1983, e tem sua sobrevivência questionada após a promulgação da Constituição Federal de 1988, em face do que dispõe o art. 5º, incisos XXXV, LIII e LIV, da Lei Maior, já que o parágrafo único do art. 482 do texto consolidado estabelece que a falta grave em comento pode ser apurada por simples inquérito administrativo [100].

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Sobre a autora
Flavia Ferreira Pinto

bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINTO, Flavia Ferreira. Embriaguez:: justa causa para extinção do contrato de trabalho?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1344, 7 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9575. Acesso em: 26 abr. 2024.

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