Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, entendida como tal a faculdade de exigir judicialmente a prestação correspondente ao direito arrostado.
O exercício dessa facultade, todavia, certamente há que ser praticado dentro de determinado lapso temporal fixado em lei, findo o qual ocorrerá a prescrição da pretensão [1].
Nesse particular, lapidares as palavras de SEBASTIÃO GERALDO DE OLIVEIRA, in verbis:
"A prescrição sintetiza a convivência possível entre dois valores fundamentais do direito: o ideal de justiça e a segurança jurídica. Enquanto flui o prazo prescricional, a supremacia é do valor justiça, pois se assegura ao prejudicado o exercício da pretensão para a busca da reparação coativa do dano. Mas se a vítima, por inércia, conformação ou descaso deixar vencer o prazo para corrigir a injustiça, a prioridade desloca-se inexoravelmente para o valor segurança jurídica, ficando sepultadas, sem avaliação de conteúdo, todas as incertezas que poderiam gerar conflitos, de modo a preservar a paz social e a estabilidade nas relações" [2].
Pela pertinência, com a voz, também, FRANCISCO ANTONIO DE OLIVEIRA:
"Segundo a opinio doctoris, o instituto da prescrição tem por escopo evitar o desequilíbrio social que se instalaria, caso o devedor pudesse cobrar a sua dívida quando bem entendesse, com o prazo aberto ad aeternum. Isso poderia ser utilizado como fator de pressão ou de chantagem e haveria um constante desassossego do devedor inadimplente, dizem" [3].
Nota-se, desse modo, que o fator tempo é utilizado pelo sistema como elemento assegurador de razoável estabilidade nas relações jurídicas travadas na sociedade.
É que teria efeitos deletérios para o bom convívio social a existência de uma tensão constante, de um risco perpétuo, tangente à probabilidade, sempre contundente, de alguém vir a ser acionado para reparar lesão perpetrada a direito de outrem [4].
A verdade mesmo é que se pode visualizar dois fatores, intrinsecamente associados, que dão marca à prescrição, em atenção, como registrado, a valiosos preceitos de segurança e estabilidade das relações sócio-jurídicas: (1) a inércia do titular do direito em exercê-lo (fator subjetivo) e (2) o decurso do tempo (fator objetivo).
Pois bem.
Ultrapassados esses comentários propedêuticos e à vista do objetivo específico deste texto, cabe, finalmente, indagar: importaria o silêncio do reclamado, na contestação, verdadeira renúncia tácita da prescrição, de modo a não se exigir mais do julgador, em casos que tais, o pronunciamento ex officio da lâmina prescricional (CPC, artigo 219, parágrafo 5º - Lei n. 11.280/06)? [5]
Insta frisar, de pronto, no tocante a tal indagação, que, até o advento da Lei n. 11.280/2006, o silêncio do réu na contestação nunca fora seriamente interpretado como renúncia tácita de prescrição.
Não sem razão. É que há longa data existe em nosso ordenamento jurídico preceito que autoriza expressamente a suscitação da questão prejudicial de prescrição em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita.
Repito: sempre existiu em nossa legislação inequívoca disposição autorizando a argüição da prescrição em qualquer grau de jurisdição [6].
A própria lei, pois, já tratou de disciplinar essa hipótese de esquecimento da matéria atinente à prescrição, por parte do interessado, na ocasião de sua defesa, facultando-lhe, então, a oportunidade de, mais à frente, em seu arrazoado recursal, v. g., levantar tal questão.
Ora, diante dessa regência legal do tema, de clareza solar, fica sem sentido qualquer possibilidade jurídica de se enxergar no silêncio da peça de contestação do reclamado, em si, uma possível hipótese de renúncia tácita à prescrição.
Logo, insta concluir que, mesmo restando silente o demandado, em sua defesa, quanto ao tema da prescrição, ainda assim se impõe ao juiz aplicar de ofício o cutelo prescricional, a teor do artigo 219, parágrafo 5º, do CPC, com a novel dicção conferida pela Lei n. 11.280/06.
Essa, a meu ver, é a melhor exegese a ser conferida ao tema.
Notas
-
Porque o direito não socorre aos que dormem (dormientibus non
succurrit ius).
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Prescrição nas Ações
Indenizatórias Decorrentes de Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional.
Revista LTr, Vol. 70, n. 05, maio de 2006, p. 523-534.
OLIVEIRA, Francisco Antonio de. A prescrição com nova cara.
Revista LTr, Vol. 70, n. 05, maio de 2006, p. 520.
"A pretensão surgida com a violação do direito subjetivo
não fica ad aeternum à espera de que o titular a exerça e faça valer
o seu conteúdo. Se de um lado é importante que seja assegurado tal exercício
a fim de evitar prejuízos ao indivíduo investido nos atributos da pretensão,
de outro não se afigura produtivo admitir que essa prerrogativa persista
intacta indefinidamente no tempo, sob pena de levar insegurança ao obrigado e
desnecessária tutela a quem revela desinteresse através da inércia em que se
mantém". MATIELLO, Fabrício Zamprogna. Código Civil Comentado.
São Paulo : LTr, 2003, p. 152.
CC, artigo 191: "A renúncia da prescrição pode ser expressa ou
tácita, e só valerá, sendo feita, sem prejuízo de terceiro, depois que a
prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do
interessado, incompatíveis com a prescrição."
CC/1916, artigo 162: "A prescrição pode ser alegada, em
qualquer instância, pela parte a quem aproveita"; CC/2002, artigo 193:
"A prescrição pode ser alegada, em qualquer grau de jurisdição, pela
parte a quem aproveita".