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Breves considerações em torno da pré-campanha eleitoral

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Difundir uma pré-candidatura, seja a cargo legislativo ou majoritário, não é conduta que possa caracterizar propaganda eleitoral antecipada. Ao contrário. Afirmar-se como pré-candidato corresponde a um direito expressamente assegurado pelo ordenamento eleitoral. Atualmente vigora uma tutela normativa assegurando status jurídico a este vasto espaço de interlocução. Com isso, os pretendentes a cargos eletivos podem deflagrar as suas manifestações e articulações com segurança.

Autenticada como etapa integrante do cenário jurídico-político, a pré-campanha consubstancia um instrumento adicional de expressão e informação disponibilizado à sociedade, aos meios de comunicação e políticos em geral. O art. 36-A da Lei nº 9.504/97, incluído pela Lei nº 12.034, de 2009, modificado nos termos da Lei nº 12.891, de 2013, posteriormente reformado pela Lei nº 13.165, de 2015, e, finalmente, com os acréscimos da Lei nº 13.488, de 2017, passou a contar com diferentes hipóteses de exposição lícita para aqueles que pretendem concorrer a cargo eletivo. Uma simples leitura desse dispositivo revelará que as inovações nele contidas autorizam que se dê conhecimento ao público de uma candidatura futura.

Com efeito, a perenidade democrática e a constância dos assuntos relacionados à política fizeram com que o ordenamento eleitoral abandonasse conceitos e dogmas superados, verdadeiramente bolorentos, e se ajustasse à edição de permissivos inovadores. Não se pode mais ignorar que a execução da democracia requisita normas atualizadas e objetivas. Neste sentido, a transformação encetada no texto legal foi eloquente ao banir a repressão que vigorava em torno de situações que, em última análise, sufocavam a própria democracia. Em termos práticos, o tema foi objeto de três parágrafos e sete incisos pelo legislador [i].

Aludidas possibilidades, reconheça-se, introduziram profundas alterações no regime jurídico da propaganda política, formando uma categoria específica de direitos em vista do cronograma contido no calendário eleitoral. O dispositivo encontra valia também na necessidade de o eleitor, cada vez mais, reunir elementos de análise para poder elaborar que tipo de representante o candidato pode vir a ser a partir do seu voto. Dizendo com outras palavras: por conta do descrédito da classe política, há necessidade de se ampliar o debate político e alguma participação adicional da sociedade na escolha daqueles que buscam as eleições.

De fato, "ao buscar a regulação específica da propaganda pré-eleitoral, o legislador procurou dar mais concretude ao princípio da liberdade da propaganda política em si, excluindo diversas situações materiais daquilo que historicamente a jurisprudência sempre considerou propaganda eleitoral antecipada, quando da análise do caso concreto, como bem avaliou Luiz Eduardo PECCININ (2013, p. 325) [ii]. Na verdade, prossegue o autor em seu abalizado artigo analisando o artigo 36-A da Lei nº 9.504/97, o próprio conceito de propaganda eleitoral antecipada é jurisprudencial, o que deixava qualquer caso de exposição pública de supostos pré-candidatos à mercê de decisões nem sempre uniformes e coerentes dos tribunais eleitorais pátrios".

Outro olhar a ser levado em conta é que não havia sentido, de um lado, a Lei Fundamental da República garantir a livre manifestação do pensamento (art. 5º, IV), a vedação do anonimato (art. 5º IV), o direito de resposta (art. 5º, V), as liberdades de consciência, crença (art. 5º, VI) e de informação jornalística (art. 220, §1º) e, de outro, uma lei ordinária asfixiar ou instabilizar o fluxo desses direitos constitucionalmente escudados. Nesta seara, são de elogiável consistência as excludentes de antijuridicidade nominalmente definidas no caput do art. 36-A (Não configuram), a maioria delas carreada a partir da jurisprudência consagrada pela Justiça Eleitoral ao amparo de fundamentos constitucionais.

Se examinada no contexto das suas cláusulas essenciais, a Constituição Federal de 05/10/1988, como nenhuma outra que lhe precedeu, contemplou a informação e a liberdade de expressão como valores imprescindíveis à vida social e política. Basta dizer que tais garantias, tratadas com visível esmero pelo constituinte, estão situadas junto aos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. Visto assim, e na medida em que Todos são iguais perante a lei, a democracia depende essencialmente de informações e manifestações para o seu desenvolvimento e aperfeiçoamento. Sem liberdade de informação e direito de expressão, a democracia sempre será um exercício de construção sobre areias movediças, situação que não condiz ao terceiro milênio.

A partir das disposições que passaram a reger a pré-campanha, é possível concluir que o legislador cuidou de franquear condutas outrora situadas numa zona fronteiriça entre o lícito e o ilícito que ensejavam dificuldades em termos de enquadramento legal. A rigor, com o advento da pré-campanha, legitimou-se um período peculiar e simultaneamente estratégico do cronograma eleitoral onde, embora não haja certeza em torno da candidatura almejada, existe uma expectativa acerca da sua concretização. Desta feita, a vagueza semântica da norma de regência que outrora dificultava o comportamento dos pré-candidatos em atos singelos como conceder entrevistas ou efetuar postagens em redes sociais, foi banida.       

A partir dessas franquias, os pré-candidatos precisam ter presente que uma campanha eleitoral, para ser organizada, é precedida de etapas e procedimentos preparatórios, não brota nas redes sociais e nas ruas pronta e acabada. Roteiros de encontros, eventos e a divulgação moderada dessas atividades são movimentos que guardam estreita correlação com a futura campanha eleitoral. Nesta perspectiva, não custa recordar que a justificação constante do Projeto de Lei nº 5.735/13 da Câmara dos Deputados [iii] que deu origem a este considerável período de exposição mencionava a necessidade de fortalecer a participação popular no processo eleitoral.

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Em consonância à mens legis da regra em análise, o Tribunal Superior Eleitoral já proclamou que "com o advento da Lei 13.165/2015 e a consequente alteração sucedida no âmbito do art. 36A da Lei das Eleições, bem como até mesmo já considerando a evolução jurisprudencial do tema, a configuração da infração ao art. 36 da Lei 9.504/97, em face de fatos relacionados à propaganda tida por implícita, ficou substancialmente mitigada, ante a vedação apenas ao pedido explícito de votos e com permissão da menção à précandidatura, exposição de qualidades pessoais e até mesmo alusão a plataforma e projetos políticos (art. 36A, I) (AgRREspe nº 8518/SP, rel. Min. Admar Gonzaga, julgado em 3.8.2017) (AgRgREspe nº 060035242/RJ).

          Nessa trilha, frente às diretrizes realçadas pelo TSE através de reiterados arestos, a expressão "tamo junto", que é uma dentre tantas outras definitivamente incorporadas ao jargão popular, não autoriza concluir pela caracterização de propaganda antecipada porque ela não tem qualquer similaridade semântica com pedido explícito de votos [iv]. Opostamente a isso, o pedido explícito de votos pode ser identificado pelo uso de determinadas palavras como, por exemplo, "votem" e "reelejam". Também é possível vislumbrá-lo em fala de pré-candidato que pede "voto de confiança" nele numa reunião juntamente com moradores [v].

            Em suma: diante da normatividade vigente, não há se negar que os pré-candidatos, embora sendo quase uma nota de rodapé na nossa legislação, ocupam todo esse período prévio, que, para muitos, é mais importante que o próprio período eleitoral, conforme assinalado pelo Recurso Ordinário nº 0601616-19/MT (DJE de 19/12/2019). De rigor, é possível afirmar que a Lei nº 13.165/15 logrou um elogiável avanço em termos de adequação à realidade ao consagrar a pré-campanha no texto da Lei das Eleições.


REFERÊNCIAS

[i] Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet:

I - a participação de filiados a partidos políticos ou de pré-candidatos em entrevistas, programas, encontros ou debates no rádio, na televisão e na internet, inclusive com a exposição de plataformas e projetos políticos, observado pelas emissoras de rádio e de televisão o dever de conferir tratamento isonômico;

II - a realização de encontros, seminários ou congressos, em ambiente fechado e a expensas dos partidos políticos, para tratar da organização dos processos eleitorais, discussão de políticas públicas, planos de governo ou alianças partidárias visando às eleições, podendo tais atividades ser divulgadas pelos instrumentos de comunicação intrapartidária; 

II - a realização de prévias partidárias e a respectiva distribuição de material informativo, a divulgação dos nomes dos filiados que participarão da disputa e a realização de debates entre os pré-candidatos;

IV - a divulgação de atos de parlamentares e debates legislativos, desde que não se faça pedido de votos;

 V - a divulgação de posicionamento pessoal sobre questões políticas, inclusive nas redes sociais;

VI - a realização, a expensas de partido político, de reuniões de iniciativa da sociedade civil, de veículo ou meio de comunicação ou do próprio partido, em qualquer localidade, para divulgar ideias, objetivos e propostas partidárias;

VII - campanha de arrecadação prévia de recursos na modalidade prevista no inciso IV do § 4o do art. 23 desta Lei.    

[ii] Peccinin, Luiz Eduardo. Princípio da liberdade da propaganda política, propaganda eleitoral antecipada e o artigo 36-A da Lei Eleitoral. Paraná Eleitoral, v. 2, n. 3, p. 321-344.

[iii] Apresentado na Câmara dos Deputados em 06/06/2013.

[iv] TSE, AgREspe nº 060023063/RJ, DJE de 08/11/2019.

[v] TSE, AgRgREspe nº 29-31/RJ, DJE de 03/12/2018.

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Sobre o autor
Antônio Augusto Mayer dos Santos

Antônio Augusto Mayer dos Santos. Advogado. Professor de Direito Eleitoral e Improbidade Administrativa do Grupo Educacional Verbo Jurídico e do IGAM. Ex-professor de Teoria Geral do Estado. Autor dos livros "Reforma Política sem fantasias - as mudanças que o país necessita" (2022), "500 Curiosidades sobre o Supremo Tribunal Federal" (2021), "1.000 Curiosidades sobre Política e Eleições no Brasil" (2019), "Ousadia, Utopia e Reforma Política" (2018), "Campanha Eleitoral Teoria e Prática" (3ª ed. - 2022), "Aloísio Filho Cidadão e Vereador" (2012), "Prefeitos de Porto Alegre cotidiano e administração da capital gaúcha entre 1889 e 2012" (2012), "Vereança e Câmaras Municipais Questões legais e constitucionais" (2011) e "Reforma Política: inércia e controvérsias" (2009). Palestrante. Membro-Consultor da Comissão Especial de Direito Eleitoral do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (2018). Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB/RS (2013-2015). Vice-Presidente da Comissão de Combate à Corrupção Eleitoral da OAB/RS (2010).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS, Antônio Augusto Mayer. Breves considerações em torno da pré-campanha eleitoral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6774, 17 jan. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/95991. Acesso em: 22 dez. 2024.

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