A evasão rural no assentamento Pontal dos Buritis em Rio Verde-GO

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Reflexões, à luz de caso concreto, sobre o processo de expansão da fronteira agrícola e sua modernização como ideologia capitalista, quando o trabalhador rural é expropriado do campo para dar lugar aos grandes proprietários e empreendedores.

Resumo:O presente estudo analisa a perspectiva dos movimentos sociais do campo e por quais motivos os assentados do assentamento Pontal do Buriti, na zona rural de Rio Verde, no sudoeste goiano, permanecem ou abandonam seus lotes, a partir dos fundamentos da sociologia rural. Essa abordagem menciona as correntes teóricas que sustentam a expansão da fronteira agrícola, bem como a modernização e transformação capitalista da agricultura. Para tanto, o projeto de pesquisa apresenta uma resposta sociológica consistente na tese de como a expansão capitalista da produção trouxe diversos problemas sociais advindos da migração da mão-de-obra, principalmente do Nordeste, especificamente para o labor no setor sucroalcooleiro. Tal evasão no meio rural para o meio urbano é fenômeno que tem mudado a dinâmica do campo e da cidade. A abordagem menciona os prejuízos provocados pelo desequilíbrio na relação campo-cidade, tendo em vista que os municípios não estão prontos para o grande número de trabalhadores no setor do agronegócio. O resultado disso é a forçosa expulsão do pequeno agricultor pelo capital, o êxodo rural e a miséria no campo, o que compromete até mesmo a luta de classe encampada pelos movimentos sociais, a exemplo da realidade social vivida pelos assentados na zona rural de Rio Verde, no Projeto de Assentamento Pontal do Buriti, localizado às margens da Rodovia GO-050, km 29, no sudoeste de Goiás.


Introdução

O estudo menciona as noções conceituais que caracterizam o processo de expansão da fronteira agrícola, em suas duas modalidades teóricas que justificam a ocupação da terra, ou seja, a frente de expansão e a frente pioneira. Para tanto, a tese abordará o modelo mencionado pelo escritor e sociólogo brasileiro José de Souza Martins, que muito contribuiu para os estudos sobre esse processo gradativo de ocupação do solo.

Assim, na caracterização do processo de expansão da fronteira agrícola surge a sociologia rural, que estuda os problemas sociais, como o êxodo rural e as mudanças nas relações de trabalho fruto do processo capitalista de produção. Nesse contexto, será evidenciado o processo de desenvolvimento da fronteira agrícola caracterizada pela modernização tecnológica, grande responsável pela mudança das propriedades de cada solo para torná-los altamente produtivos, bem como as mudanças no campo, como o êxodo rural, disparidade de renda, e aumento da taxa de exploração da força de trabalho dentre outros, resultando em uma problemática social, defendida pelo escritor Moacir Palmeira.

Ainda, demonstrar-se-á como a expansão territorial trouxe escravidão no campo e diversos problemas sociais advindos da migração da mão-de-obra, principalmente do Nordeste, especificamente para o labor no setor sucroalcooleiro. Far-se-á uma análise a partir das concepções de Miguel Carter, sobre a influência da modernização agrícola nas lutas sociais no campo, tanto na busca pela terra e seus frutos, quanto pela forma de subsistência dos camponeses, bem como os motivos que os assentados do assentamento Pontal do Buriti abandonam seus lotes, sendo vencidos pela expansão exarcebada do capitalismo.


Justificativa

Para melhorar a compreensão da dinâmica interna do assentamento Pontal do Buriti, esse estudo de caso evidenciará os desdobramentos diretos de políticas públicas na vida dos assentados, nas relações de sociabilidade dos grupos familiares, indivíduos e atores presentes dentro do assentamento no plano simbólico.

No contexto atual, constata-se que muitos assentados beneficiados por projetos da reforma agrária estão constantemente abandonando seus lotes, levando por conceber o sentimento de que a reforma agrária é inevitavelmente um projeto fadado ao fracasso e incompatível com a realidade.

Em primeiro plano, verifica-se que esse processo de expansão das fronteiras foi definido por MARTINS (1997), como uma ocupação do espaço vazio baseado em relações não capitalistas. Tudo começava pela apropriação de terras devolutas, onde o ser humano se ruralizava buscando sua própria subsistência. Nesse contexto, aparecia o posseiro, ocupante de terras devolutas que procurava se manter por meio do trabalho em família ou agricultura familiar. Impende salientar que o posseiro da época era em diversas ocasiões o integrante de movimentos sociais que hoje existe, qual seja o Movimento dos Sem Terras (MST), que sofre o atual impacto da expansão da fronteira agrícola.

Sobre o posseiro, discorreu de forma coerente FERNANDES (2010, p. 174):

Os posseiros ocupam terras predominantemente nas frentes de expansão da fronteira agrícola. Com a territorialização do capital, esses camponeses sofrem a expropriação de suas terras por parte dos latifundiários e empresários ligados muitas vezes à apropriação ilegal da terra, ou seja, à grilagem. Por sua vez, os sem-terra ocupam áreas predominantemente em regiões onde o capital já se territorializou. Eles fazem ocupações de latifúndios: propriedades capitalistas do agronegócio, ou seja, terras de negócio e exploração; além de terras devolutas e griladas.

Esse deslocamento reproduzia uma agropecuária de subsistência, e de acordo com Martins (1997) não se configurava uma relação capitalista, tendo em vista que as condições de vida eram reguladas pelo grau de fartura e não pelo grau de riqueza que cada um possuía.

Com o passar do tempo, o espaço agrário foi se modificando e proporcionando abertura de outras portas para a denominada frente pioneira, definida por Martins (1997, p. 45) como aquela que (...) exprime um movimento social cujo resultado imediato é a incorporação de novas regiões pela economia de mercado. Seguindo-se ao fato da ocupação do espaço vazio, foi surgindo a chamada frente pioneira, que resultou na expansão do capitalismo nessas áreas até então ocupadas, isto é, as relações de sociabilidade no campo passaram ao controle de uma economia mercantilista que gerava valor monetário à terra.

Ainda segundo Martins (1997), no período dos anos 60 a 70, houve uma reorganização do espaço produtivo, e as novas conquistas na área da ciência e tecnologia facilitaram o melhor aproveitamento das terras antes consideradas improdutivas. Veja-se que houve uma nova expansão da fronteira por áreas anteriormente ocupadas, todavia essas áreas serviam unicamente a interesses do mundo capitalista.

O que caracteriza a frente pioneira é a apropriação capitalista da terra, já que ela passava a ser adquirida monetariamente e não mais ocupada. Verifica-se, então, que os proprietários de terras destinavam a produção para o mercado e, não mais para a subsistência familiar, como acontecia na frente de expansão. Daí se pode afirmar que a propriedade privada do solo e o empreendedorismo econômico foram as características centrais da frente pioneira. De igual modo, o que fica claro é que o capitalismo foi incorporado ao sistema agrário gerando consequências principalmente - com base na sociologia rural - para aquelas pessoas que preferiam trabalhar a terra em regime de economia familiar e para a sua própria subsistência, à exemplo dos movimentos sociais em busca da terra.

Nesse contexto, Angela Alonso (2009, p. 61) afirma que:

Os movimentos sociais nasceriam na sociedade civil e, portadores de uma nova imagem da sociedade, tentariam mudar suas orientações valorativas. Os movimentos sociais aparecem, então, como o novo ator coletivo, portador de um projeto cultural. Em vez de demandar democratização política ao Estado, demandariam uma democratização social, a ser construída não no plano das leis, mas dos costumes; uma mudança cultural de longa duração gerida e sediada no âmbito da sociedade civil.

De acordo com FRANK e FUENTES (1989, p. 20), os movimentos sociais são caracterizados por agentes e reintérpretes de um desligamento do capitalismo contemporâneo e da transição para o socialismo. Tais movimentos sociais, de modo geral, são reacionários e impulsionam a transformação social e o desenvolvimento equilibrado da economia em detrimento das ameaças do capitalismo.

Nesse contexto, para demonstrar a tese pretendida, tem-se que a fronteira agrícola compreendeu a mudança substancial do padrão tecnológico, bem como da modernização da agricultura que levou a transformação do solo e o seu melhor cultivo.

Assim, as terras antes vistas como ruins e inaptas para o cultivo, foram sendo transformadas por uma série de tecnologias e novos insumos. Nessa esteira, só transformar a terra em mercadoria não acabava com os problemas da fronteira, tendo em vista que essa mudança carecia de mão-de-obra rural. E nesse passo, onde se alterava a base da agricultura, menciona PALMEIRA (2011, p 01):

A alteração da base técnica da agricultura, associada à sua articulação "com a indústria produtora de insumos e bens de capital para a agricultura, e por outro, com a indústria processadora de produtos naturais" levou à formação do chamado "complexo agroindustrial" (DELGADO, 1985, p.19; SORJ, 1980, p.29-30) ou à "industrialização da agricultura" (GRAZIANO da SILVA, 1987, p.19). Essa modernização, que se fez sem que a estrutura da propriedade rural fosse alterada, teve, no dizer dos economistas, "efeitos perversos": a propriedade tornou-se mais concentrada, as disparidades de renda aumentaram, o êxodo rural acentuou-se, aumentou a taxa de exploração da força de trabalho nas atividades agrícolas, cresceu a taxa de auto-exploração nas propriedades menores, piorou a qualidade de vida da população trabalhadora do campo. Por isso, os autores gostam de usar a expressão "modernização conservadora".

Ainda segundo Palmeira (2011, p. 01):

Em muitos casos, as motivações econômicas dos capitalistas que investem na agricultura, qualquer que seja a origem de seus capitais, residem menos na perspectiva de aí realizar lucros maiores do que em outros setores da economia ou, a exemplo dos rentiers clássicos, de daí retirar uma renda em nada incompatível com os seus lucros, do que na perspectiva de uma aplicação de dinheiro comparativamente vantajosa, dentro dos marcos de uma determinada política econômica e considerada a conjuntura do mercado, a outras aplicações financeiras (DELGADO, 1985, parte II). Já para os trabalhadores rurais, não se trata simplesmente de representar a agricultura (ou a "lavoura", como se dizia numa outra época) mas de acabar com a articulação hierarquizada de interesses que se pensa debaixo desse termo. O projeto em que investem é um projeto de classe, não é um projeto de setor, e a sociedade vislumbrada em suas manifestações não cabe nos limites da agricultura.

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Como se observa, a fronteira agrícola entre a década de 60 e 70, com o início da modernização da agricultura, provocou uma mudança no campo, com o êxodo rural, disparidade de renda, e aumento da taxa de exploração da força de trabalho dentre outros, resultando em uma problemática social. Todavia, o mesmo efeito ocorre nos dias atuais, já que em diversos assentamentos constata-se que precárias condições de infraestrutura, insuficiência e atraso do crédito e morosidade de órgãos da terra em geral, que resultam na evasão rural. Esses fatores caracterizam o que o professor e antropólogo Moacir Palmeira (2011, p. 03) chama de expropriação do campesinato. Vejamos:

É verdade que a expulsão de trabalhadores dependentes (moradores, agregados, colonos ou semelhantes) também já ocorria no passado, mas o processo a que nos referimos tem características muito peculiares. Se, no passado, o trabalhador expulso encontrava casa e trabalho em condições semelhantes numa outra propriedade, ou mesmo, num momento seguinte, reconstituía a primeira relação, na expulsão recente a saída da propriedade é definitiva e sem substituição ou, dito de uma outra maneira, é o mesmo tipo de contrato tradicional que é liquidado. Não nos parece pois desprovido de sentido falarmos de expropriação do campesinato. Trata-se menos de despojamento dos trabalhadores rurais de seus meios de produção, pois destes, de alguma maneira, já haviam sido ou sempre estiveram expropriados, mas de sua expropriação de relações sociais, por eles vividas comonaturais, que tornam viável sua participação na produção e sobre as quais, por isso mesmo, exercem algum controle que se traduz num certo saber fazer.

Veja-se que a retirada do camponês nas áreas de expansão da fronteira agrícola revelava uma urbanização precoce, ou seja, um fechamento da fronteira para os trabalhadores, sob o argumento de benefícios econômicos ao Estado.

Um exemplo disso é o que demonstra Graziano da Silva (1982), quando faz alusão à Marcha para o oeste e os benefícios políticos trazidos pela fronteira, em detrimento das tensões sociais, posto que essa expansão impulsionava o crescimento industrial e atendia os interesses capitalistas da burguesia paulista. Ao longo do tempo a fronteira agrícola foi se expandindo em busca do capital, e com ela problemas de ordem social também apareceram. Segundo Martins (1997) a intenção dessa expansão territorial não era a produção pecuária, mas a produção de fazendas.

Nesse contexto, surgiu a peonagem ou escravidão por dívida. E sobre esse assunto menciona MARTINS (1997, p. 11):

A época de florescimento recente da peonagem, no início dos anos setenta, foi também época do chamado milagre brasileiro, época de grande crescimento econômico. A expansão da fronteira coincidiu com a ampliação das alternativas de investimentos em outros setores da economia, onde, aparentemente, a rentabilidade do capital era maior e mais rápida do que na agropecuária. Chegou-se a supor, na época, que havia transferência clandestina dos incentivos fiscais, obtidos pelas empresas, da frente pioneira para a área mais desenvolvida e industrializada do país, o Sudeste, principalmente para aplicações financeiras. A fundação de fazendas (ou de indústrias) na Amazônia era o meio de obter os recursos dos incentivos fiscais. Mas isso dependia de mecanismos atrasados e arcaicos de exploração do trabalho e acumulação de capital, como a peonagem e a expropriação violenta dos ocupantes originais da terra, os índios e posseiros.

Esse fato foi um fenômeno similar ao da frente pioneira, posto que, na medida em que ocorria a implantação de novas atividades econômicas em áreas já ocupadas, muitos trabalhadores eram cooptados para o trabalho.

Vejamos o que Martins (1997, p. 11) diz:

Em atividades permanentes, as da rotina normal das fazendas, têm sido empregados 73,8% dos peões, inclusive na indústria (que tem 4,9% dos peões empregados fora da região amazônica), embora indústria primitiva, como é o caso das olarias. Nas tarefas rotineiras da agricultura, esses trabalhadores tem sido usados sobretudo no corte da cana-de-açúcar, na colheita de café e na colheita de semente de capim para formação de pastos. São atividades sazonais em que normalmente emprega-se o trabalho do chamado bóia-fria, cujas condições de vida têm sido reiteradamente denunciadas pelos sindicatos e outras agências como inferiores às que possam assegurar a mínima sobrevivência ao trabalhador e sua família14. O aparecimento de casos de escravidão nesse tipo de trabalho é indicativo não só de intensificação da exploração dos trabalhadores rurais, mas é indicativo, também, de que a escravidão atual é, no limite, uma variação extrema do trabalho assalariado.

Convém ressaltar, ainda, segundo Martins (1997) que a expansão do capital e a necessidade de mão-de-obra só aparece em consequência da pobreza e da falta de alternativas de emprego. Também, da crônica deterioração das relações de troca caracterizada pelas mercadorias vendidas pelo camponês e as mercadorias que ele precisa ou quer comprar.

Observa-se que, ao final, o capital tira vantagens das diferenças de preços, custos e necessidades, deixando à mercê aquele que utilizou de sua força para impulsionar os objetivos do próprio capital. Portanto, esse estudo busca aprofundar o debate, para quebrar amarras especulativas, analisando quais são, por um lado, as causas de evasão rural, e por outro, as estratégias de permanência através de um estudo de caso do assentamento Pontal do Buriti em Rio Verde-GO.

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Sobre o autor
Hebert Mendes de Araújo Schütz

Doutor em Geografia pela UFJ (2023); linha de pesquisa "análise ambiental e organização do espaço nos domínios do cerrado brasileiro", Graduado em Direito pela UNIRV (2005) e Mestre em Direito Agrário pela UFG (2014). Ex-bolsista e membro da Rede Goiana de pesquisa em Direito Agroalimentar, financiada pela FAPEG. Membro do conselho editorial da Revista Científica do Centro de Ensino Superior Almeida Rodrigues, Rio Verde, FAR/ISEAR, ISSN: 2317-7284. Foi advogado no escritório Brasil Salomão e Mattes Advocacia de Ribeirão Preto (SP), junto a filial de Três Lagoas (MS), com a OAB n 16.730. Foi professor do SENAC - Unidade Rio Verde e nos cursos de direito das Faculdades Objetivo, FAR - Faculdade Almeida Rodrigues (Rio Verde) e UFMS - Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Campus Três Lagoas). Autor do livro: "O município e o interesse local" publicado pela Editora Ebenezer. Co-autor do livro: "Versões e ponderações" publicado pela Editora Boreal, ISBN 978-85-8438-028-2. É analista judiciário do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás e no campo acadêmico dedica-se ao estudo da gestão ambiental em áreas de preservação permanente e bacias hidrográficas nas perspectivas de planejamento e práticas conservacionistas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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