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Cartórios:

uma realidade desconhecida

17/03/2007 às 00:00
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Tabelião [01] do latim tabellio, tabellionis (tabelião, notário público) é aquele a quem se comete a missão de redigir e instrumentar os atos e contratos ajustados entre as pessoas, atribuindo-lhes autenticidade e fé pública.

Sabe-se que desde os tempos mais remotos o notário sempre colaborou com a sociedade, orientando-a de modo a evitar conflitos e a preservar a pacificação social.

Com o tempo, as funções e a responsabilidade do notário foram aumentando, exigindo-se do mesmo não apenas conhecimentos técnicos, mas também jurídicos. Prova disso é a recente Lei 11.441, de 4 de janeiro de 2007, que permite a esses profissionais a realização de inventários, partilha, separação consensual e divórcio consensual, por via administrativa quando os interessados forem maiores, capazes e concordes.

Contudo, embora estejamos diante de profissionais de carreira milenar, de renomado conhecimento jurídico - agora ainda mais em função da exigência de concurso público para o ingresso na carreira, uma questão me preocupa.

Desculpem-me colegas pelo artigo, na verdade pelo desabafo, mas não posso deixar de repassar a minha angústia.

Desde que cresci e ainda mais nos tempos atuais, face ao grande número de concursos realizados pelas Corregedorias dos Estados nos últimos anos, e com o estímulo da carreira pelo surgimento de inúmeros cursos preparatórios e especializações na área, vejo sendo alimentada a idéia de que "dono de cartório" é milionário.

Sabemos, nós profissionais da área, que uma parcela muito pequena de tabeliães e registradores abocanham grandes rendimentos, mas não é verdade que se estende à totalidade deles. Aqui o meu descontentamento.

Não tenho dúvidas de que esses profissionais devem ganhar bem para terem eficientes equipamentos, funcionários competentes, oferecendo assim, um serviço adequado a todos os usuários.

Mas o que me preocupa é exatamente o contrário daquilo que há anos vinha ouvindo. No início desse ano, mais precisamente no final do mês de janeiro, o Tribunal de Justiça do Estado do Sergipe divulgou aos aprovados no concurso público para notários e registradores daquele Estado, a lista de rendimento dos cartórios que estavam vagos.

Para os colegas que não sabem, aquele Estado tem pleno conhecimento dos rendimentos dos cartórios, uma vez que todos os atos realizados nas serventias são pagos através de guia no Banco do Estado, em favor do Tribunal de Justiça que repassa parte desses valores aos tabeliães pelos serviços por eles prestados, tendo assim pleno conhecimento dos valores arrecadados por cada serviço notarial, o que torna essa fonte informadora digna de credibilidade.

Não seria ético de minha parte repassá-la na integra aos senhores, já que não divulgaram esses valores à totalidade de candidatos, mas não posso deixar de dizer-lhes que dos 79 (setenta e nove) cartórios no concurso, 13 (treze) têm uma remuneração inferior a R$1.000,00 (hum mil reais); 24 (vinte e quatro) entre R$1.000,00 e R$2.000,00 (hum mil e dois mil reais); 25 (vinte e cinco) entre R$2.000,00 e R$5.000,00 (dois mil e cinco mil reais); 12 (doze) entre R$5.000,00 e R$10.000,00 (cinco e dez mil reais); 03 (três) entre R$10.000,00 e R$15.000,00 (dez mil e quinze mil reais) e o maior rendimento R$32.880,63 (trinta e dois mil, oitocentos e oitenta reais e sessenta e três centavos) é apenas uma estimativa, pois a serventia não foi instalada, portanto não pode ser considerada.

Vejam amigos, que esse é o retrato da nossa fortuna. Um rendimento bruto de R$15.000,00 (quinze mil reais) para pagar funcionários, aluguel, água, luz, telefone, tinta de impressão, papel etc. Há quem pense que além de sermos afortunados, ganhamos tudo de alguém, que o que entra vai exclusivamente para os nossos bolsos. Grande ilusão! Esse é apenas um exemplo de tantos outros vistos na Federação Brasileira, pois não pensem que esses valores são privilégios do Nordeste, eles podem ser vistos em toda e qualquer região do país.

Mas, o que me assusta é o reflexo que esses péssimos emolumentos podem causar na qualidade dos profissionais que se têm por vir.

Façamos uma reflexão. Será que uma pessoa com formação em curso superior, - pois os concursos estão cada vez mais difíceis, o que dificulta a entrada daqueles que possuem apenas dez (10) anos de prática - se sujeitaria a dar dedicação exclusiva a atividade notarial pra ganhar R$5.000,00 (cinco mil reais), limpos, já que qualquer concurso de nível de terceiro grau nos pagariam salários melhores?

Que tipo de profissional a comunidade vai ter? Será que se imagina o "poder" que um Tabelião tem? Será que se imaginam os prejuízos que um tabelião mal intencionado pode causar às partes? Dos mortos que se pode ressuscitar e das vendas inverídicas que se pode realizar?

Não há duvidas de que esses valores desprestigiam a classe e sem dúvida alguma nos remetem a uma grande insegurança jurídica e a uma concorrência desleal.

É imperioso destacarmos, somos tão qualificados quanto os magistrados, procuradores de justiça e outras carreiras afins. Por isso devemos impedir que se façam desmembramentos desmedidos das serventias, evitando-se que Comarcas de 20 mil habitantes, tenham mais de um cartório de notas ou de registros, ou que se faça também a tão desejada "desanexação" dos tabelionatos de notas e protestos.

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Notas

01 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 6º ed. Rio de Janeiro: Forense, 1980, 5v.

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Sobre a autora
Mariana Viegas Cunha

tabeliã substituta de Notas e Protestos em São José do Cedro (SC), pós-graduanda em Direito Notarial e Registral

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUNHA, Mariana Viegas. Cartórios:: uma realidade desconhecida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1354, 17 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9614. Acesso em: 24 nov. 2024.

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