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Fontes do Direito à luz dos ensinamentos de Miguel Reale

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28/01/2022 às 20:39

Resumo:


  • O trabalho aborda as Fontes do Direito, tema de importância elevada e frequentemente ignorado nas faculdades de direito brasileiras.

  • O objetivo é ser preciso e claro, instigando novatos na Ciência Jurídica, conceituando fontes de direito e mostrando as quatro fontes à luz de Miguel Reale.

  • A pesquisa é bibliográfica, com análise qualitativa, apresentando as quatro fontes de direito: Processo Legislativo, Atividade Jurisdicional, Usos e Costumes Jurídicos e Fonte Negocial.

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Resumo: O presente trabalho abordará tema de importância elevada, não obstante tão ignorado nas faculdades de direito brasileiras. É uma apresentação das Fontes do Direito. O objetivo de tal trabalho é ser preciso e claro o suficiente para instigar os novatos na Ciência Jurídica, conceituando o que é fonte de direito e mostrando as quatro fontes de direito à luz das lições do nosso grande jurista Miguel Reale, para sob sua influência prosseguirmos seguros na caminhada jurídica. De acordo com a metodologia empregada, a pesquisa é bibliográfica, sendo feita uma análise qualitativa, pois dessa maneira poderá nos dá uma visão rápida, mas ampla do tema proposto.

Palavras-chave: Miguel Reale. Fonte de direito: fonte material e fonte formal. Usos e costumes jurídicos e Processo Legislativo. Jurisprudência e Fonte Negocial.


INTRODUÇÃO

Num livro que acredito ser indispensável para sermos introduzidos e dá o ponta pé inicial, firme, no Direito (caso queiramos ter uma base sólida), aprendemos que o estudo das fontes do direito é de grande importância, além de ser muito instigante. No livro Lições Preliminares de Direito, Miguel Reale escreve sobre as fontes em três capítulos.

De início precisamos conceituar provisoriamente o que é fonte de direito, sempre tendo por guia os ensinamentos do mestre. Fontes de direito são os processos pelos quais as normas jurídicas são produzidas, feitas. Esses processos de produção das normas jurídicas sempre pressupõem uma estrutura de poder, a qual garante que seja exigida o cumprimento das normas. Então, dum modo claro: para cada fonte de direito (são quatro), uma forma de poder.

Para exemplificar, vou citar uma fonte de direito e a respectiva forma de poder: o processo legislativo é uma fonte de direito (Ou seja, o processo legislativo produz norma jurídica, produz a Lei), e a forma de poder que o pressupõem é o Poder Legislativo. Observe que a fonte de direito não surge do nada, está amparada, por assim dizer, por um Poder que a legitima para a devida produção da norma e faz com que a norma tenha um mínimo de garantia que será adimplida.

Neste livro já mencionado, nos capítulos iniciais, ao diferençar o Direito da Moral aprendemos que o Direito e a força estão intimamente ligados. No Direito há coação[2], já a Moral é incoercível, pois só se pratica um ato moral na sua autenticidade máxima, se o próprio espírito aderiu àquele ato. Nunca será por que terceiros obrigaram a fazê-lo.

O que distingue o Direito da Moral conforme ensina Miguel Reale é a coercibilidade. Essa coercibilidade é a expressão técnica para nos mostrar que existe uma compatibilização do Direito com a força. A força não está presente em toda a experiência jurídica, mas ela é sempre em potencial, conforme a Teoria da Coercibilidade[3].

Fizemos questão de mencionar essa intimidade do Direito com a força para fazer uma seguinte observação: Reale diz que a fonte de direito sempre pressupõe um poder. Nada mais intimo ao poder que a força, não é mesmo? O dicionário não me deixa mentir, se abrirmos o Priberam Online e pesquisar pela palavra poder veremos que um dos seus inúmeros significado é ter força. Então, a fonte de direito (que produz a norma) não poderia produzir sem que um poder, sem que uma força o amparasse, por isso creio que o nosso escritor está corretíssimo ao mencionar que para cada fonte de direito uma forma de poder, e inclusive ter deixado de fora a doutrina, uma vez que esta, apesar de ser considerada por muitos como fonte de direito, não o é, pois não se desenvolve em uma estrutura de poder.

Por isso vamos neste artigo apresentar as quatro fontes segundo as lições de Miguel Reale, pois até agora, na nossa breve experiência na Ciência Jurídica ninguém explicou melhor o que é a fonte de direito. Quero compartilhar com vocês.


1. FONTE MATERIAL E FONTE FORMAL DE DIREITO: DISTINÇÃO QUE GERA EQUIVÓCOS

Miguel Reale menciona que a distinção entre fonte material e fonte formal tem dado causa a grandes equívocos na Ciência Jurídica, motivo pelo qual esclarece-nos desde já que por fontes de direito devemos entender que são os processos de produção de normas jurídicas (REALE, 2002, P. 139).

Quando nós, homens, indagamos acerca de quais seriam as motivações que levaram o legislador a elaborar uma determinada lei, quais suas razões últimas, qual o motivo lógico ou moral que ampararam o legislador nessa tarefa, qual a intenção de sua criação etc. estaremos diante de uma pesquisa filosófica ou ética; e, quando fazemos perguntas sobre quais são as causas imediatas daquela lei, estamos diante de uma pesquisa sociológica, a título de exemplo, no que diz respeito a esta última forma de pesquisa, se indagarmos quais seriam as causas imediatas das leis promulgadas no estado pandêmico 2020-2021 que vivenciamos, poderíamos responder que as causas imediatas são sanitárias, econômicas, higiênicas e assim por diante. Pois estas leis são devidas a fatores econômicos transitórios e devido a exigências sanitárias e higiênicas a fim de que se evite a contaminação pelo vírus. Não vamos entrar no mérito se algumas leis são válidas ou não.

Mas o que isso tem a ver com fonte material e fonte formal de direito? Ora, fonte material não é senão o estudo filosófico ou sociológico do aparecimento ou transformações das regras jurídicas. É a indagação acerca dos motivos éticos ou sociais do surgimento das normas jurídicas, por isso fonte material de direito não diz respeito, propriamente dito, a Ciência Jurídica, mas a Filosofia e a Sociologia (em especial, a filosofia jurídica e a sociologia jurídica).

Por isso, o nosso escritor esclarece que para fonte de direito é melhor usarmos uma única acepção (e não mais dividirmos fonte de direito em fonte material e formal), circunscrita no próprio Direito. Leia com atenção a seguinte definição de fonte do direito:

Por fonte do direito designamos os processos ou meios em virtude dos quais as regras jurídicas se positivam com legítima força obrigatória, isto é, com vigência e eficácia no contexto de uma estrutura normativa. O direito resulta de um complexo de fatores que a Filosofia e Sociologia estudam, mas se manifesta, como ordenação vigente e eficaz, através de certas formas, diríamos mesmo de certas fôrmas, ou estruturas normativas, que são o processo legislativo, os usos e costumes jurídicos, a atividade jurisdicional e o ato negocial. (REALE, 2002, P. 140).

Mostrado a inconveniência da distinção de fonte de direito, em fonte material e fonte formal, podemos prosseguir e, seguir o conselho do autor de usarmos para fonte de direito uma única acepção.

Na citação supratranscrita, na parte final em itálico é apresentado as quatro fontes de direito, e, além disso, é-nos mostrado que o direito se apresenta como ordenação vigente e eficaz através dessas fontes de direito, ou seja, é por causa destas que as normas se tornam obrigatórias a todos.

Como creio ter demonstrado na introdução, para cada fonte de direito uma forma de poder, poder este que segundo Reale é capaz de especificar o conteúdo devido, para exigir o seu cumprimento (REALE, 2002, P. 141). Nos valemos de uma analogia, aparentemente boba, para tentar facilitar a sua compreensão: imagine que somente um forno à lenha é capaz de produzir uma verdadeira pizza. As fontes de direito são um forno à lenha e a pizza que vai ser produzida dentro daquele e sair devidamente pronta para consumo é a regra jurídica. Portanto, quem produz a regra jurídica verdadeira dotada de vigência e eficácia, para consumo, para ser utilizada, respeitada e cumprida é a fonte de direito. Somente as fontes de direito são capazes de produzir verdadeiras normas jurídicas dotadas de vigência e eficácia.

As fontes de direito produzem as regras obrigatórias, ou seja, dotadas de vigência e eficácia.

FONTES DE DIREITO

FORMAS DE PODER

Processo Legislativo

Poder Legislativo

Atividade Jurisdicional

Poder Judiciário

Usos e costumes jurídicos

Poder Social

Fonte Negocial

Poder Negocial (autonomia da vontade)

Dado as primeiras considerações sobre o tema, a distinção feita de fonte material e fonte formal e a inconveniência de tal distinção, a conceituação do que seria fonte de direito e um comentário sobre a relação das fontes e o poder, vamos a partir de agora fazer alguns comentários sobre as quatro fontes de direito apresentando-as, introdutoriamente.

É importante lembrar que não há o primado de uma em detrimento de outra, pois todas, no seu devido tempo e modo são importantes. No próximo capítulo (1) falaremos sobre Usos e costumes jurídicos e Processo Legislativo e, no capítulo seguinte (2), Jurisprudência e Fonte Negocial, seguindo a própria ordem de apresentação do temo no livro.


2. USOS E COSTUMES JURÍDICOS E PROCESSO LEGISLATIVO

Anteriormente mencionamos que nenhuma fonte de direito é superior a outra, todas são importantes. Porém, devemos relembrar que o nosso ordenamento jurídico faz parte da tradição romanística (civil law), a qual tem como característica marcante o primado do processo legislativo. Portanto, a nossa tradição, por assim dizer, sobrevaloriza a lei através do processo legislativo como a única, ou a mais autêntica forma, capaz de expressar a vontade de um povo.

Essa ideia de que a lei[3] é a única capaz de manifestar a vontade geral se desenvolve no século XVIII, com a obra de Jean Jacques Rousseau. Abro um parêntese para uma observação, pois nos parece que fica deficiente a expressão do povo quando só a norma legal tem o primado de mostrar sua vontade. Se todas as outras formas de um povo, de uma nação, expressar sua vontade não for considerada autêntica como a lei ou pelo menos ser levada em consideração como ela, estamos, na verdade, diante de uma arbitrariedade, pois os usos e costumes, bem como outras fontes de direito são capazes de revelar a vontade geral ou pelo menos nos aproximar dela, e além disso, são capazes de aproximar de fato o povo do direito, e consequentemente, fazer com que aquele [o povo] incorpore em si este [o direito], justamente porque haverá uma correspondência recíproca entre eles. Quando o Direito nasce puramente de uma abstração como estamos observando a cada dia no Estado Contemporâneo, se torna na maioria das vezes antinatural para a sociedade, fazendo com que ela não corresponda devidamente. Desculpe nossa divagação, retornemos às fontes de direito.

Ao discorrer sobre o problema das fontes do direito através da história, o nosso autor ensina que num primeiro momento (no estado primitivo do homem) o Direito já estava presente, mas misturado, não diferençado de outros elementos de natureza religiosa, moral ou utilitária. E escreve brilhantemente que são dos costumes que as regras jurídicas vão se desprender e se tornar distintas das outras regras, morais, higiênicas e assim por diante. Podemos afirmar que os costumes fora a primeira fonte de direito, e por isso o homem viveu, preliminarmente, o Direito de forma anônima (REALE, 2002, P. 144).

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Sabermos que o nosso Direito faz parte da tradição do civil law e não do common law, nos mostra que, por essência, valorizamos mais a lei do que todas as outras formas de produção do direito, como por exemplo, os costumes.

É-nos necessário fazer algumas diferenças entre a lei e o costume. A lei têm sempre uma origem predeterminada e um órgão anteriormente fixado, enquanto que os usos e costumes jurídicos tem sua origem incerta, não tendo como precisar a sua origem nem a sua formação, daí Reale afirmar que o O Direito Costumeiro nasce por toda parte, de maneira anônima[4]; outra distinção básica é que a lei é sempre escrita, enquanto que na maioria das vezes o costume é não escrito.

Amigo leitor, quando uma lei preencheu todos os requisitos para a sua devida elaboração ela tem vigência (validade formal); a lei além da vigência, necessita da eficácia, que nada mais é que ser socialmente eficaz nos próprios dizeres de Reale; é justamente quando eu e você, a sociedade mesmo, reconhece aquela norma e incorpora na sua conduta. Isso demonstra a eficácia de uma norma. Dito isso, posso agora explicar a ti que a lei primeiro tem vigência e depois eficácia, enquanto que a norma costumeira antes de ter vigência tem eficácia, pois ela já é socialmente eficaz dentro da sociedade, ou seja, a vigência da norma costumeira é proveniente da eficácia.

Enfim. Quando o costume se torna Costume Jurídico? Dois requisitos são essenciais, isto é, a repetição habitual e o reconhecimento da obrigatoriedade daquela conduta por parte dos cidadãos. Não é só a mera repetição do costume que faz com que aquele se torne um costume jurídico, é necessária essa juridicidade, esse sentir de todos que aquela conduta é obrigatória. Ou seja, as pessoas acham na verdade que aquele determinado costume é lei.

Retornemos à seguinte questão: os costumes desempenham um papel fundamental no Direito e é uma fonte de direito. Já é sabido pela leitura até aqui que o Direito brasileiro prima pelas normas legais, mas não o é assim em muitas outras Nações.

Sobre a Inglaterra o nosso autor comenta que o Direito Público, no que têm de mais fundamental ou essencial, é de natureza consuetudinária provém dos costumes. Em palavras claras, não existem normas escritas que governem a vida política no país da Rainha Elizabeth II (a imortal!). Além disso (...) não possui Carta Constitucional, na qual estejam discriminados os poderes dos órgãos essenciais do Estado, nem tampouco existem declarações de princípios que desçam a minúcias, como constam, em geral, dos textos constitucionais dos países americanos [ligados à tradição do civil law] (REALE, 2002, P. 160).

Sim, isso mesmo, o parlamentarismo inglês surgiu por força dos usos e costumes.

Nos Estados Unidos da América os usos e costumes também desempenham um papel fundamental, não obstante, as regras não são totalmente costumeiras, pois têm um caráter jurisprudencial, ou seja, tornam-se obrigatórias depois de reiteradas decisões.

Sobre a nação inglesa e a nação norte-americana conclui, acertadamente:

Essas referências à experiência jurídica inglesa e norte-americana bastam para demonstrar que, em matéria de fontes, não podem prevalecer esquemas abstratos, ou puramente lógicos. Não se pode falar em primado da lei ou do costume, a não ser em função de distintos ciclos históricos, havendo variações notáveis dentro de um mesmo País, com relação a esta ou aquela outra parte do Direito. (REALE, 2002, P. 162).

No Brasil, o legislador pátrio reconheceu em 1942, através da LINDB (art. 4°), a importância do costume, afirmando que quando a lei for omissa o juiz poderá decidir com base nos costumes.

Contextualizamos, mencionamos as principais diferenças entre lei e costume, mostramos a importância dos costumes na Inglaterra e nos Estados Unidos, além fazer referência do reconhecimento por parte do legislador brasileiro da importância do costume, e, agora, vamos falar sobre o Processo Legislativo como fonte de direito, para levar a cabo este capítulo.

A lei é fonte de direito, mas afinal o que é lei? A lei tem uma acepção genérica, as espécies são leis éticas, leis sociais e as leis físico-matemáticas. As leis éticas são chamadas também de normas, e há três tipos de normas, a saber, normas morais, normas jurídicas e normas de trato social. As normas jurídicas também são chamadas de leis. Por isso muitos equívocos à volta da palavra lei.

Dito isso, podemos conceituar o que seria o sentido técnico desta palavra (lei), à luz do que escreveu nosso autor é a norma escrita que introduz algo de novo e obrigatório no ordenamento jurídico em vigor, orientando os comportamentos individuais ou as atividades públicas.

Somente a lei, nesse sentido próprio, pode inovar no ordenamento jurídico, através da sua publicação e vigência, deveres e direitos dos quais nós devemos obediência. A Constituição Federal dá a extensão do poder de legislar (ou seja, dá a extensão do poder de criar lei), ao conferir a cada ato normativo a obrigatoriedade que lhe é própria.

Esse poder de legislar vai se manifestar através de uma série de atos que compõe o processo legislativo. O artigo 59 da Constituição Federal trata Do Processo Legislativo. Os atos normativos abrangidos pelo processo normativo referido nesse artigo, são: emendas à Constituição; leis complementares; leis ordinárias; leis delegadas; medidas provisórias; decretos legislativos; e resoluções.

Todos os atos normativos que acabei de mencionar do artigo 59 da Carta Maior são considerados fonte legal; se é fonte legal, todos esses atos normativos são lei no sentido que acabei de apresentar.

Por fim, sem se aprofundar mais que isso, pois vocês aprenderão através dos seus estudos em Teoria do Estado e Teoria do Direito Constitucional, devemos saber que a rigor, fonte legal é o processo legislativo, abrangendo todos os atos normativos que o compõe.

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