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A dogmática jurídica e a indispensável mediação

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18/03/2007 às 00:00
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Sumário: 1 - A Crise do Direito Positivo e do Modelo Judicial de Julgamento: 2 - Dogmática Jurídica: Simplificação e Complexidade; 3 – Os Conflitos Jurídicos: Entre o Fato e o Artefato; 4 - A Mediação e a Transdisciplinaridade; 5 – Relações Possíveis e Necessárias Entre Dogmática Jurídica e Mediação; 6 - Conclusão.


1 - A Crise do Direito Positivo e do Modelo Judicial de Julgamento

É lugar comum, entre os juristas e a opinião pública, afirmar que o Direito está em crise; que o Direito não acompanha as transformações sociais com a velocidade necessária; que o Direito atrapalha, frequentemente, o funcionamento da atividade econômica; que o Poder Judiciário precisa ser reformado para ser mais rápido; que a legislação penal é branda para reprimir os crimes e outras reclamações similares. A resposta genérica a tudo isso tem sido, principalmente, de um lado normatizar mais e mais, como se novas leis pudessem resolver, por si mesmas, os problemas sociais e individuais e, de outro lado fazer reformas e mais reformas nas instituições judiciárias para modernizá-las, informatizá-las e torná-las mais técnicas, mais rápidas, menos burocráticas.

Vivemos, assim, uma dupla ilusão: a ilusão do normativismo e a do reformismo. Geralmente, costumamos combater os efeitos e esquecemos as causas dos problemas jurídicos e sociais. O senso comum teórico dos operadores do direito parece estar, fundamentalmente, restrito aos aspectos práticos do funcionamento do sistema jurídico, visando a segurança e estabilidade da sociedade. Os problemas da consciência humana, da educação mental, do inconsciente coletivo social, das causas da violência, da pobreza, da desigualdade social, da falta de desenvolvimento econômico, da ecologia social e outros, têm sido, de certa forma, olvidados ou colocados em segundo plano, como se o mundo do Direito fosse um mundo diferente do nosso único mundo real, complexo e global.

Isso vem acontecendo, sobretudo a partir do século XIX, quando o "... Direito passou a ser marcado pelo fenômeno da positivação, o qual se caracteriza pela importância crescente da legislação escrita em relação à costumeira, pelo aparecimento das grandes codificações, pela idéia de que as normas jurídicas têm validade quando postas por decisão de autoridade competente, por elas podendo ser mudadas no âmbito da mesma competência. Essa idéia representou uma transformação importante no Direito Ocidental. Antes do século XIX, o Direito era, sobretudo, ditado por princípios que a tradição consagrava. O que sempre fora direito era visto como pedra angular do que devia continuar sendo o Direito.

Se alguém queria propor uma mudança, tinha de se justificar, pois a própria mudança era vista como inferior à permanência. Vivia-se assim, numa sociedade relativamente estável, com valores estáveis, capazes de controlar, no seu grau de abstração, a pequena complexidade social" (Ferraz, 80).

Agora a complexidade social aumentou e as mudanças no Direito são vistas como superiores á permanência. Um dos efeitos relevantes da positivação do Direito é a contínua modificação das normas jurídicas e seu distanciamento dos costumes e valores éticos do povo, criando assim um sistema jurídico diferenciado dentro do sistema sócio-político-econômico. Contudo, nenhum sistema tem sentido fechado dentro de si mesmo, mas tão somente na interação com os demais sistemas. Porém, parece prevalecer no campo do conhecimento jurídico, uma visão isolada e parcial do Direito Positivo, com se fosse autopoiético, ou seja, o direito tivesse autonomia de produzir suas regras próprias, de se reproduzir sem contato com o mundo circundante.

A especialização do Direito tem levado a um maior isolamento do sistema jurídico, descolando o Direito Positivo de sua função eminentemente social, de seu caráter mediático e teleológico, ou seja, de servir para alguma finalidade. A produção da alteridade e a transdisciplinaridade ficam prejudicadas, sacrificadas no altar da pretensa auto-suficiência do Direito Positivo, cuja fonte primeira vem do Estado. O Estado, por sua vez, é uma criação histórica, fruto da delegação do poder popular. Vivemos, no entanto, a idéia de um Estado todo poderoso, providencial e protetor como se fosse uma instituição eterna. Desconhecemos, contemporaneamente, outro modo de ser que não dependa, pelo menos, de uma mínima intervenção do Estado. Tanto o Direito quanto o Estado são instituições transitórias e culturais,frutos da evolução da racionalidade da civilização humana.

Dessa forma, o Direito Positivo moderno acaba sendo um direito formal e racional, tendo como fonte primária a lei escrita e não mais o costume ou a tradição, ou outro fundamento existencial. O direito é reduzido, assim, ao direito estatal. Se isso possibilita certa dose de segurança jurídica, ao mesmo tempo ocasiona uma crise causada pelo reducionismo artificial da complexidade social e pela sujeição obrigatória do povo ás normas jurídicas, independentemente da justiça ou não dessas normas.

Consequentemente, "o direito moderno, enquanto conceito muito mais amplo do que o direito estatal moderno, está indiscutivelmente em crise não devido à sobreutilização (comparada com que?) que o Estado fez do direito moderno, mas devido à redução de sua autonomia e de sua eficácia à autonomia e eficácia do Estado" (Boaventura. 2000, 161).

O Estado passou a ter o monopólio da produção das leis e da jurisdição, mas não pode ter o monopólio do ideal da Justiça. Para o Estado as decisões judiciais podem ser recebidas pelas partes como injustas, mas a sentença judicial é soberana, deve ser obedecida obrigatoriamente.

O ato de resolver conflitos, através da jurisdição estatal, representa um modo de neutralizar o dissenso, mais do que de produzir o consenso. Essa diferença é básica, pois ao neutralizar o dissenso procura-se apenas uma certa pacificação do conflito, de modo que as partes obedeçam ao resultado porque emanado de uma autoridade legítima. Se a solução eliminou as causas do conflito, se produziu um verdadeiro e satisfatório consenso entre as partes, isso não é essencial para quem decide. Procura-se, assim, eliminar da decisão os fatores subjetivos, a satisfação psicológica e emocional, para ficar com os elementos objetivos da decisão. Interessa a eficácia do decidido, e não a efetividade do consenso, produzido ou não pela decisão. O sistema jurídico positivo moderno privilegia a segurança, a estabilidade social e política, mais do que a busca de soluções satisfatórias para os conflitos.

Nesse contexto, de crise do Direito e do Estado, surgem os chamados Meios Extrajudiciais de Solução de Conflitos (MESCs), a negociação, a conciliação, a mediação e outros, como forma de superar as insatisfações provocadas pela jurisdição estatal. Os MESCs visam resolver os conflitos através de abordagens mais amplas, para obter um consenso autêntico e não meramente a neutralização do dissenso. Isso implica numa retomada dos princípios e valores universais da ética, que a idade moderna passou a desprezar no campo do Direito. É na sociedade moderna que "se perde a noção, reiteradamente afirmada pelos pensadores antigos e medievais, de que existe uma legislação mundial, comum a todos os povos." (Comparato, 2006, 489)

Ao lado da existência de princípios éticos Universais, o Direito não pode desconhecer a evolução do sistema sócio-econômico, como se as leis fossem válidas, abstratamente, para qualquer tempo e lugar. Há uma dimensão histórica na experiência jurídica que varia, dinamicamente, e está muito interligada com a economia e a sociologia. A globalização econômica obriga o Direito Positivo a enfrentar novos problemas, pois a economia acaba influenciando a vida das nações. O moderno Direito Econômico, por exemplo,reconhecido pela primeira vez na nossa Constituição Federal de 1988, artigo 24, I, não tem sido objeto da necessária valorização pelo do nosso sistema jurídico. Não raro, as questões econômicas são tratadas pelo Judiciário com muita superficialidade e, muitas vezes, também sem a necessária preocupação com a ética, como observou, recentemente, o grande jusfilósofo, Prof. Miguel Reale: ".. na atual conjuntura, é imprescindível cuidar também dos valores éticos, como limites essenciais ao superamento da crise. Estou convencido de que sem finalidades morais a economia contemporânea não readquire seu necessário equilíbrio. Sem uma limitação ética nos planos dos lucros desmedidos -que a globalização financeira não reduz, entregue a si mesmas, à sua ambição infinita, não haverá meio de superar a sempre crescente exclusão social". (Reale, 2006, 71)

Tudo leva a acreditar que será fora dos parâmetros estritos do Direito Positivo, sobretudo através da Mediação, como será explicado mais adiante, que poderá ser viabilizado esse encontro possível e necessário do Direito com outros saberes, com a Ética e com a Justiça para poder superar a crise atual. Assim, o Direito cada vez mais dialogará com a filosofia, a psicanálise, a economia, a sociologia, a antropologia e afins, na análise e solução dos conflitos, sob a direção dos princípios virtuosos da Justiça.

Os próprios magistrados estão, aos poucos, reconhecendo a insuficiência da atuação do Estado para resolver conflitos, podendo ser citado, em nome de todos, a ilustre Ministra do Superior Tribunal de Justiça, Dra. Fátima Nancy Andrighi, que declarou explicitamente: "Por vivência, já temos a prova de que o sistema oficial do Estado de resolução de conflitos perdeu significativamente a sua efetividade, e, portanto, a busca do sistema paralelo para colaborar com o modelo oficial é não só oportuna como fundamental. Ao se examinar as formas alternativas de resolução de conflitos, observa-se que a mediação é a que mais de destaca pelos benefícios que pode proporcionar e, por isso, deve receber nosso maciço investimento" (Revista AASP, 87, setembro/2006, pág.136).

Já não basta mais mudar o Código de Processo Civil, criar controle externo ao Judiciário, diminuir prazos, agilizar a execução de sentenças, mudar as leis penais, nomear mais juizes etc... Não é disso que se trata! É preciso mudar o paradigma de solução de conflitos, entrar na raiz do problema, como faz a Mediação. É necessário discutir e enfrentar o problema do sistema binário de julgamento estatal, que é o modelo hegemônico na nossa sociedade e, assim, tentar superar a deficiência da Dogmática Jurídica, como iremos expor a seguir.


2 - Dogmática Jurídica: Simplificação e Complexidade

Dogma significa algo que não se coloca em dúvida.

Se o conteúdo do dogma é verdadeiro, ou não, isso é uma questão secundária. A função do dogma é pacificar uma questão, dar estabilidade a um sistema de pensamento, de crença, a fim de viabilizar certos comportamentos e conceitos. Existem, assim, vários tipos de dogmas: dogmas religiosos, científicos, políticos, familiares, sociais, jurídicos, econômicos e outros.

Dogma, etimologicamente, tem sua raiz no grego dokéo, "julgar, aparentar", e do latim docere, ensinar, significando "ponto fundamental e indiscutível de uma doutrina religiosa, e por extensão de qualquer doutrina ou sistema" (cf. Antonio Geraldo da Cunha, no Dicionário, Etimológico, Nova Fronteira). Ou seja, dogma é algo que não mais se questiona, que está aceito como verdadeiro.

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A Dogmática Jurídica é justamente a parte do Direito que lida com as certezas, com os pressupostos e premissas inquestionáveis colocados pelas normas jurídicas positivadas. Exemplos bem simples e corriqueiros são os prazos processuais (10,15 dias... de prazo para recorrer, para contestar) e o prazo de prescrição das ações. Se a lei estabelece não se questiona. O que poderia ser questionado é se o prazo é razoável ou não e aí mudar-se-ia à lei. Mas, enquanto o prazo for aquele da lei, sua obediência é dogma. Outro dogma é a validade da sentença transitada em julgado, que é sempre tida como verdadeira.

A Dogmática Jurídica é um modo de viabilizar decisões, simplificando a complexidade, diminuindo o questionamento social e estabilizando a sociedade. O princípio da maioria, por exemplo, quando estabelecido por lei acaba com a discussão: o que a maioria decide é válido, isto é um dogma. A decisão neutraliza o dissenso, ou seja, os que têm opinião contrária devem se conformar com a decisão da maioria. Só que esse dogma da maioria é expressão de uma racionalidade formal que não convence a minoria, que vai contra os desejos da minoria, e a maioria, por si só, não tem força de eliminar o ressentimento dos dissidentes. A racionalidade do dogma cria insatisfações nos contrários, pois não respeita as diferenças de cada um, impõe soluções coletivas a contragosto, contrafaticamente. Produz é certo, o efeito de estabilização do sistema, mas à custa do artifício da solução racional.

Quando há muito descontentamento são feitas novas leis, são estabelecidos novos dogmas, sem os quais não há possibilidade do sistema operar. Assim: "O Direito positivo institucionaliza a mudança, que passa a ser entendida como superior à permanência, e as penadas do legislador começam a produzir códigos e regulamentos que, posteriormente, serão revogados e de novo restabelecidos, num processo sem fim". (Ferraz, 1980, 200).

Num mundo moderno leigo, sem valores religiosos, morais e éticos estáveis, dominado pela organização constitucional do Estado, sem fundamentos filosóficos permanentes, sem ideologia definida, a verdade passa a ser secundária e a verossimilhança passa a ser essencial. Não mais interessa ao Direito a legitimidade histórica, tradicional, carismática, mas sim, basicamente, a legitimidade racional das decisões. Dessa forma "a Dogmática põe a verdade entre parênteses e se preocupa mais com o verossimilhante, isto é, não exclui a verdade, mas ressalta como fundamental a versão da verdade (e da falsidade)." (Ferraz, 1980, 183). O que interessa mais é o conjunto das provas que são trazidas para o mundo jurídico, para o devido processo legal, pois o "que não está nos autos não está no mundo". A verdade corresponderá, juridicamente, à prova dos autos, reduzindo-se, assim, a questão controversa ao que for decidido. O conflito pode não desaparecer entre as partes, mas, juridicamente, termina. "A verdade é que a decisão jurídica, a lei, a norma consuetudinária, a decisão do Juiz etc. impede a continuação de um conflito. Ela não o termina através de uma solução, mas o soluciona pondo-lhe um fim. Pôr um fim não quer dizer eliminar a incompatibilidade primitiva, mas trazê-la para uma situação onde ela não pode mais ser retornada ou levada adiante". (Ferraz, 1980, 167).

Ora, impedir que um conflito continue é um modo artificial de lidar com o conflito, pois ele é reprimido, obrigando os litigantes a se conformarem com a decisão. A frustração das partes não é levada em conta, a Justiça da decisão é secundária. Esse é o efeito da Dogmática Jurídica: limitar os conflitos a regras e princípios formais, sem a preocupação essencial com o conteúdo verdadeiro ou não do decidido. É uma simplificação da complexidade, em nome da decidibilidade.

Porém, vivemos num mundo complexo. "Complexus significa o que foi tecido junto; de fato há complexidade quando elementos diferentes são inseparáveis constitutivos do todo (como o econômico, o político, o sociológico, o psicológico, o afetivo, o mitológico) e há um tecido interdependente, interativo e inter-retroativo entre o objeto do conhecimento e seu contexto, as partes e o todo, o todo e as partes, as partes entre si (Morin, 2000,38). Encarar a complexidade melhora a análise das particularidades, mas a recíproca não parece ser verdadeira. Quem analisa um pedaço do todo nem sempre acaba tendo uma visão do todo." Quanto mais poderosa é a inteligência geral, maior é a sua faculdade de tratar problemas especiais "(Morin, 2000,39). Só que a Ciência e o Direito estão optando pela especialização, fechando as questões dentro da redoma da Dogmática e se esquecendo que o problema real continua, apesar de tudo. A simplificação dogmática corresponde ao empobrecimento da função jurídica, a redução da virtude da Justiça ao legalismo positivista. É esse modelo que está em crise e precisa ser superado por um modelo holístico, que no dizer de Pierre Weil;" È uma visão em que todo indivíduo, a sociedade e a natureza formam um todo indissociável, interdependente em constante movimento. É uma visão na qual, paradoxalmente, não só as partes de cada sistema se encontram no todo, mas em que os princípios e leis que rege o todo se encontram em toda parte "(Weil, 1991, 52). Dessa forma se restabelece o contexto do conhecimento complexo, em contraposição á simplificação, cujo reducionismo mutila o todo.

É necessário encarar a complexidade dos conflitos como totalidades sociais, emocionais, sociológicas, econômicas e afins, sem reduzi-los ao mundo do processo. É preciso reconhecer a insuficiência da Dogmática Jurídica para resolver os conflitos através de uma simplificação procedimental artificial que não mais satisfaz nem o Estado, nem a sociedade, nem os cidadãos.


3 - Os Conflitos Jurídicos: Entre o Fato e o Artefato.

Na história social da humanidade parece prevalecer mais o conflito do que o consenso. A vida sempre gerou conflitos entre as pessoas, e hoje se sabe, comprovadamente, até da pessoa consigo mesma, conflitos interiores. Sobretudo a psicanálise, a partir do século XIX, em especial com a obra de Freud sobre "A interpretação dos Sonhos" (1900) passou a se ocupar da análise e solução dos conflitos, o que antes era objeto da preocupação de filósofos, políticos e de outros profissionais.

No Direito o conflito tem sido tratado como algo a ser eliminado pois representa, quase sempre, uma ameaça à ordem. Mas, o que é o conflito?

Conflito significa, no seu sentido etimológico, luta, combate, colisão, discussão. Afinal o que é a guerra senão um conflito armado de grandes proporções entre grupos, entre nações?O que espanta num conflito é seu potencial destrutivo da convivência social. O conflito se desenvolve por diversos motivos: pelas incompatibilidades sentimentais, ideológicas, racionais, cognitivas, étnicas, religiosas, familiares e afins. Normalmente, por representar incompatibilidades pouco saudáveis, precisa ser resolvido, mas pode também funcionar como fator de transformação das relações humanas. O conflito tem também uma carga positiva, não é só um mal. No entanto: "O conceito jurídico do conflito, como litígio, representa uma visão negativa do mesmo. Os juristas pensam que o conflito é algo que tem de ser evitado. Eles o redefinem, pensando-o como litígio, como controvérsia. Uma controvérsia que por outro lado, se reduz as questões de direito ou patrimônio. Jamais os juristas pensam o conflito em termos de satisfação. Falta no direito uma teoria do conflito que nos mostre como o conflito pode ser entendido como uma forma de produzir com o outro, a diferença, ou seja, inscrever a diferença no tempo como produção do novo. O conflito como uma forma de inclusão do outro na produção do novo: o conflito como outridade que permita administrar, com o outro, o diferente para produzir a diferença" (Warat, 2001, 81,82).

Assim, parece existir um potencial positivo no conflito, desde que o conflito não seja encarado de forma apenas lógica e racional, para culpar ou inocentar os litigantes. O conflito exibe um lado externo, aparente, mas tem também seu lado oculto, que precisa ser descoberto, caso a caso. Nenhum conflito é simples. Todo conflito tem componentes oriundos das mais diferentes causas e circunstâncias e merece ser avaliado como um todo.

O conflito, para ser bem examinado, precisaria ser encarado como um fato, nem bom nem ruim, sem interferência de pré-julgamentos ou valores. Acontece que, no sistema jurídico, os conflitos são vistos através das normas e nunca em estado puro. Ao invés de fatos o direito positivo acaba trabalhando com artefatos, fatos trazidos para dentro do sistema de forma pré-determinada, selecionados de acordo com sua relevância diante da norma jurídica.

"Para o Direito um fato não tem que ser algo existente, mas algo a que se atribui existência (real ou hipotética, tanto faz), como resultado e às vezes como ponto de partida para certas operações jurídicas e com vistas a lograr certos efeitos jurídicos. O fato em direito não é um fato, mas sim um artefato". (Garcia, 1992, 48). Tanto que o sistema jurídico distingue questões de fato e questões de direito, a indicar que existe uma dicotomia, uma distinção entre fato e norma. Não são quaisquer fatos que entram para o sistema jurídico, mas apenas aqueles que são relevantes para a decisão de um conflito. Portanto, há uma seletividade e a própria norma jurídica indica como escolher certos fatos. O fato jurídico não é o fato histórico, o acontecimento em si, mas o fato que o direito aceita como tal. A relevância é dada por abstração. Os fatos são valorados pelo sistema, o que resulta num conflito entre os fatos e as normas. A Dogmática Jurídica exige que assim seja, para que o sistema possa funcionar com segurança a partir de fatos escolhidos objetivamente. Cria-se, assim, o mal estar do julgamento jurídico. As decisões agradam uns e desagradam outros, num interminável jogo de ganhar/perder, de caráter binário.

Ante a insuficiência desse modelo binário de solucionar conflitos, desenvolveram-se, várias concepções na Teoria Geral e na Filosofia do Direito, procurando trazer a experiência concreta para dentro do sistema, procurando respeitar mais a realidade e não a versão processual da realidade. Um exemplo importante é a Teoria Tridimensional do Direito, de Miguel Reale (Reale, 1980), que justamente ressalta o caráter ternário do Direito (Fato, Valor e Norma) em contraposição ao binário (Fato-Norma) cristalizado no axioma latino "da mihi factum dabo tibi jus" (dá-me o fato, dou-te o direito). Para o tridimensionalismo o Direito há de pesar, axiologicamente, os fatos. Não se transita dos fatos ao Direito, automaticamente. A avaliação é ato de interpretação que impõe não uma lógica linear, mas uma prudência, variável, flexível, caso a caso. De qualquer modo, esse tipo de análise está limitado pela norma positiva e, portanto, sofre uma limitação, uma simplificação de antemão posta. Por mais que se dê importância aos fatos, os fatos jurídicos são avaliados dentro de um sistema pré-existente. É preciso ir além do sistema jurídico, como faz a Mediação.

No Direito Positivo os conflitos são, resolvidos limitadamente, sem que se possa usar todo o instrumental transdisciplinar que os fatos possam exigir.Essas limitações não existem na Mediação que ultrapassa e, portanto, supera a Dogmática Jurídica, como comentaremos a seguir.

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Sobre o autor
Ademir Buitoni

advogado e mediador em São Paulo, doutor em Direito Econômico pela USP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BUITONI, Ademir. A dogmática jurídica e a indispensável mediação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1355, 18 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9619. Acesso em: 22 dez. 2024.

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