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Concubinato adulterino:

uma entidade familiar a ser reconhecida pelo Estado brasileiro

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23/03/2007 às 00:00
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4 DO CONCUBINATO

O concubinato, em seu sentido etimológico, vem, conforme lição de Álvaro Villaça AZEVEDO (2002:186),

... do vocábulo latino concubinatus, us, que, então, já significava mancebia, amasiamento, abarregamento, do verbo concumbo, is, ubui, ubitum, ere ou concubo, as, bui, itum, are (derivado do grego), cujo sentido é o de dormir com outra pessoa, copular, deitar-se com, repousar, descansar, ter relação carnal, estar na cama.

Pode ser entendido sob duas formas: 1) ampla: conhecida por alguns pelo nome de concubinagem, compreende toda e qualquer união afetiva e sexual entre homem e mulher fora do casamento, indo da posse de estado de casado à união adulterina; e 2) estrita: relação duradoura que pressupõe o ânimo societário e a lealdade.

Na Roma Antiga, o concubinatus era uma relação estável permitida entre homem e mulher livres e solteiros que, conquanto vivessem como se casados fossem, não detinham, para o direito da época, o affectio maritalis e a honor matrimonii. Inicialmente, não tinha qualquer efeito jurídico, embora não fosse proibido ou moralmente reprovável. As relações passageiras e instáveis recebiam o nome de stuprum ou adulterium.

Após sua inclusão no direito romano como prática lícita e usual pelas leis Iulia e Papia Poppaea, ele alcançou pior momento durante as administrações dos imperadores cristãos, que o consideraram imoral, chegando, inclusive, a ser abolido pelo Imperador Leão (886 a 912 d. C.).

A religião cristã, representada pela Igreja Católica teve papel primordial na visão reservada que detinha o concubinato dentro da sociedade e do próprio Estado. Contudo, como nos conta Álvaro Villaça AZEVEDO (2002:155), citando Gustavo A. Bossert,

... desde o início de sua elaboração, o Direito Canônico captou o sentido da realidade social do concubinato, tratando de regula-lo e de conceder-lhe efeitos, com critério realista, procurando, com isso, assegurar a monogamia e a estabilidade do relacionamento do casal, mas sem ratificá-lo.

Em verdade, a Igreja Católica se voltou mesmo contra o concubinato no momento em que ele começou a ser praticado pelos clérigos, pondo em xeque sua própria estrutura. Foi nesse tempo que os padres foram proibidos de conviverem com mulheres que não as suas parentes e, mesmo assim, contanto que não se despertasse qualquer suspeita.

Santo Agostinho foi um dos grandes combatentes do concubinato, tendo essa reprovação aumentado com a expedição de vários concílios pela Igreja. Por exemplo,

Com o Concílio de Trento, em 1563, restou proibido o casamento presumido, determinando-se a obrigatoriedade de celebração formal do matrimônio, na presença do pároco, de duas testemunhas, em cerimônia pública. Essas celebrações passaram, então, a ser assentadas em registros paroquiais. Desse modo, condenou-se o concubinato. Foram estabelecidas penalidades severas contra os concubinos que, sendo três vezes advertidos, não terminassem seu relacionamento, podendo ser excomungados e, até, qualificados de hereges (Álvaro Villaça AZEVEDO, 2002:157).

A despeito disso, o concubinato sempre resistiu, encontrando seu lugar no mundo jurídico a partir do século XVI, quando então se sentiu a necessidade de legislar-se sobre o tema. Já para a metade do século XIX, os tribunais franceses começaram a verificar na relação concubinária uma sociedade econômica, resultando daí alguns efeitos jurídicos, inclusive, com a aplicação do princípio do enriquecimento sem causa (Rodrigo da Cunha PEREIRA, 2004a:15).

No Brasil, o concubinato nunca teve uma posição de prestígio, vez que representava a negação do casamento indissolúvel que era prezado pelo Estado. Os concubinos eram vítimas de preconceito, como se fossem desertores da moral e dos bons costumes.

O Código Civil de 1916 não permitia expressamente o concubinato, porém, não o proibia. O Diploma Civil dedicava-se, no máximo, a negar alguns possíveis direitos ao concubino, sob o propósito de proteger a família legítima. Nem mesmo a prole advinda do relacionamento extramatrimonial detinha um reconhecimento da ordem jurídica.

Com efeito, os casos de concubinato foram aparecendo nos tribunais com o objetivo de resolução quanto à partilha do patrimônio adquirido. Então, antevendo em certos casos que o parceiro casado saia enriquecido de forma injusta, os tribunais brasileiros, tais quais os franceses, passaram a aplicar a teoria da sociedade de fato e do enriquecimento ilícito. Foi quando se editaram as súmulas 380 e 382, cujos conteúdos dizem, respectivamente, que "Comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos é cabível a sua dissolução judicial com a partilha do patrimônio adquirido pelo esforço comum" e que "A vida em comum sob o mesmo teto more uxorio não é indispensável à caracterização do concubinato".

O esforço comum dito na súmula 380 não significava presunção de que os concubinos arcaram cada qual com metade dos gastos. Cada um ganhava exatamente aquilo que dispensou para construção do patrimônio. No caso daquelas concubinas que não contribuíram com dinheiro em espécie, os tribunais impuseram a seguinte solução: devem os serviços domésticos prestados por elas serem indenizados. Mais a frente, passou-se a entender que esses serviços domésticos poderiam funcionar como maneira indireta de contribuição para a formação do patrimônio comum, dando ensejo à partilha dos bens.

Anteriormente à expedição das súmulas 380 e 382, o Supremo Tribunal Federal já havia produzido a súmula 35, segundo a qual "Em caso de acidente de trabalho ou de transporte, a concubina tem direito de ser indenizada pela morte do amásio, se entre eles não havia impedimento para o matrimônio". Nesse ínterim, cabe-nos atentar para a divisão que era feita pela doutrina e pela jurisprudência, que dividiam o concubinato em puro e impuro. Aquele dizia respeito à relação concubinária em que as partes não tinham impedimento para casar; esta, por via de conseqüência, quando tinha algum impedimento.

A evolução da jurisprudência brasileira sempre se situou no concubinato puro. E, ao passo que a sociedade se modernizava, a modalidade pura ganhava mais espaço na ordem jurídica, eminentemente no campo do direito obrigacional. Com o passar dos anos, inclusive os concubinatos em que ao menos um dos participantes era casado, mas separado de fato, começaram a ganhar respaldo dentro dos pretórios.

O certo é que a Constituição Federal de 1988, reconhecendo a viabilidade do concubinato puro e o peso negativo que carregava o termo concubino(a), incluiu dentro do quadro jurídico pátrio a união estável, sendo tal uma entidade familiar entre homem e mulher não impedidos de casar. Daí em diante, as relações entre homens e mulheres livres tinham o selo de legitimidade reconhecido pelo Estado brasileiro.

Entretanto, demorou-se bastante até que o legislador produzisse uma regulamentação do dispositivo constitucional que tratava da união estável. E os tribunais ainda teimavam em aplicar inadequadamente a velha súmula 380, desta feita não só para as uniões estáveis, mas também para os concubinatos impuros, que até então, em regra, eram negados pelos julgadores.

Mesmo com a assimilação da união estável feita pelo Código Civil de 2002, o que notamos atualmente é que o legislador ainda guarda um tradicionalismo quando o assunto foge às raias do casamento civil. É que a regulamentação legal da união estável ainda é falha e inexpressiva, isso se considerarmos que o Texto Civil entrou em vigor em janeiro de 2003, quase quinze anos após a Constituição vigente.

Por derradeiro, importa destacarmos que não há mais razão atualmente para dividir o concubinato em puro ou impuro, embora não seja difícil encontrarmos essa classificação na doutrina e na jurisprudência. Daqui pra frente, o puro será reconhecido como união estável e o impuro, como concubinato, só isso. Como veremos abaixo, concubinato é gênero — e a espécie que nos interessa é a adulterina.

4.1 CLASSIFICAÇÃO

Depois da Constituição Federal de 1988, não há mais falarmos em concubinato puro e impuro, como já dissemos. Mesmo assim, não é difícil encontrarmos na doutrina e até na jurisprudência referência a essa divisão que guarda uma carga pesada de preconceito.

A classificação das relações afetivas à margem do casamento, da forma como é tratada atualmente pelo Código Civil, resume-se à união estável e ao concubinato. Com base, então, nos estudos de Vitor KÜMPEL (2001), propomos a seguinte articulação:

1. UNIÃO ESTÁVEL

1.1. Solteiros

1.2. Separados judicialmente

1.3. Separados de fato

1.4. Divorciados

1.5. Viúvos

2. CONCUBINATO

2.1. Adulterino

2.2. Incestuoso

2.3. "Sancionador"

QUADRO 1: Classificação das relações afetivas à margem do casamento

Podemos dizer que todos aqueles não impedidos de casar, salvo os separados de fato e judicialmente — incluídos aqui os separados de corpos —, por determinação legal expressa no § 1.º, do art. 1.723, do Código Civil, podem contrair uma união estável.

Por conseguinte, todos os impedidos de casar, ao se relacionarem, formarão um concubinato. Dependendo da trama escolhida, o concubinato será: adulterino, incestuoso ou "sancionador".

Ele será adulterino sempre que pelo menos uma das partes for casada efetivamente (art. 1.521, VI, CC), em face do dever de fidelidade que existe no casamento. Encaixamos nesse conceito também o concubinato que existe concomitantemente com uma união estável, pois, como decidiu recentemente o Superior Tribunal de Justiça, "Não há como configurar união estável concomitante a outra" (REsp 789.293-RJ, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, julgado em 16/2/2006). É o chamado concubinato desleal, uma vez que, na união estável, conforme lição de Álvaro Villaça AZEVEDO (2002), verificamos o dever de lealdade, cuja quebra implica adultério (art. 1.724, CC). Diz o mestre civilista:

... em vez de falarmos em "fidelidade da mulher", devemos mencionar o dever de lealdade recíproca, pois a lealdade é figura de caráter moral e jurídico independentemente de cogitar-se da fidelidade, cuja inobservância leva ao adultério, que é figura estranha ao concubinato [entendamos "à união estável"] (idem, p. 189).

Silvio RODRIGUES (2004:259), no entanto, acredita mesmo é na presunção de fidelidade entre os conviventes. Enfim, de uma forma ou de outra, temos que o concubinato adulterino conforma também a relação em que no mínimo uma das duas partes já vive em união estável.

O concubinato incestuoso diz respeito às relações amorosas entre entes da mesma família, seja o parentesco civil, afim ou adotivo (art. 1.521, I-V, CC). No caso específico dos afins, o impedimento se faz somente em linha reta e não se extingue com a dissolução do casamento ou da união estável (art. 1.595, § 2.º, CC). Quando se tratar de colaterais, ficam impedidos de casar os parentes até o 3.º grau.

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Por último, o concubinato "sancionador" é aquele previsto no inciso VII, do art. 1.521, do Código Civil, segundo o qual é impedido de casar o cônjuge sobrevivente com o condenado pelo homicídio ou tentativa de homicídio doloso contra seu consorte. Clóvis Beviláqua, lembrado por Silvio RODRIGUES (2004:46),

... entende que o impedimento se funda na idéia de que o cônjuge sobrevivente deveria normalmente sentir, pelo assassino de seu consorte, invencível aversão. Se não a sente é porque estava conivente com o crime, razão porque é merecedor da punição...

Por essa razão, assim o denominamos.

4.2 CONCUBINATO ADULTERINO

Não é de hoje que o concubinato adulterino sofre com a reprovação social. Pelo que conhecemos, a maioria das sociedades antigas o refutou. Mormente, quando o patrimônio e sua transmissão começaram a pautar as relações entre o homem e a mulher. O adultério era punido severamente, mesmo nas sociedades poligâmicas.

Vitor KÜMPEL (2001) expõe que

À medida que a idéia de propriedade se aperfeiçoa, os homens passam a diferenciar as mulheres em esposas e concubinas para privilegiar alguns filhos em detrimento de outros. Nesse contexto, sua esposa era a mulher principal, garantida em direitos, sua prole era prestigiada, herdando o patrimônio deixado, e as outras mulheres e concubinas eram secundárias, vivendo à margem de direitos. Essa diferenciação acabou se acentuando, pois num primeiro momento as esposas conviviam sob o mesmo teto, sendo que com o desenvolvimento histórico as concubinas continuam existindo concomitantemente às esposas, porém não mais sob o mesmo teto.

Sem dúvida nenhuma o Cristianismo e a Igreja Católica contribuíram para essa situação de marginalização. O formato patriarcal da família sagrada, cujo embrião é o casamento religioso, foi cobrado e vivenciado por demais nas sociedades medievais e modernas.

Com a regulamentação do casamento pelo Estado no século XIX, o direito tomou para si a "obrigação" de afastar toda sorte de relações paralelas. A despeito disso, elas sempre existiram, não sendo equívoco afirmar que o concubinato adulterino representou uma das colunas de sustentação da indissolubilidade do próprio casamento civil.

Em nosso país não foi diferente. Carlos Cavalcanti de ALBUQUERQUE FILHO (2002) afirma que

... é fato que desde a colonização, no contexto de casa grande e senzala, tão bem retratado por Gilberto Freire, passando pelos movimentos de conquista do interior, cujo mais conhecido é o movimento bandeirante, até os dias atuais, a realidade social ao longo da história insistiu em contrariar a determinação legal, de sorte que relações paralelas, duráveis, sempre ocorreram e continuam existindo.

A força do princípio da monogamia insiste em relegar a um plano inferior relações com selo de adultério, apesar da recente descriminação pela Lei n.º 11.106/2005. Antes até da abolitio criminis citada, o Código Civil vigente já não impedia mais o casamento do cônjuge adúltero com o seu co-réu, texto que constava no revogado Diploma Civil de 1916.

Como veremos abaixo, tanto a lei como a doutrina e a jurisprudência, em geral, cominam poucos efeitos ao concubinato adulterino, e quando assim o fazem, têm em vista a relação puramente obrigacional que aqui supostamente existe.

4.2.1 Conceito

Em nosso ordenamento jurídico, o concubinato adulterino sempre foi compreendido a partir da criatividade dos operadores do direito — juízes e doutrinadores —, em face do sinal de exclusão que sempre recebeu da legislação e, porque não dizermos, da sociedade. Partia-se do princípio de que concubinato adulterino era uma relação que não podia ser convertida em casamento, moralmente reprovável e contrária aos bons costumes.

Porém, o Código Civil vigente, demonstrando uma evolução legal tímida, empunhou, em seu art. 1.727, o conceito de concubinato como sendo "As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar...". Tendo em vista que várias são as formas de concubinato, o que o diferencia como adulterino é a existência simultânea de casamento ou união estável ativos.

Preferimos o conceito dado por Carlos Cavalcanti de ALBUQUERQUE FILHO (2002), conforme o qual é "... uma relação estável entre duas pessoas de sexos diferentes, constituída faticamente, com a possibilidade de manifestação do afeto, presumidamente pública e de modo contínuo" (só fazemos reservas quanto à pretendida presunção de publicidade).

São requisitos, pois, do concubinato adulterino: 1) heterossexualidade: pois as partes devem ser de gêneros diferentes; 2) afetividade: vez que, dentro dele, os parceiros podem destinar amor recíproco; 3) não eventualidade: porque a eventualidade lhe conferiria um aspecto singular de encontros furtivos, sem qualquer possibilidade de manifestação estável e durável do afeto; 4) publicidade: já que a relação deve cercar-se de um mínimo de conhecimento público, pelo menos no meio social em que vive o casal de concubinos; 5) adultério: tendo em vista que pelo menos uma das partes vive dentro de um casamento efetivo ou uma união estável preexistente. Assim sendo, sempre que nos depararmos com um relacionamento amoroso onde estejam presentes as características referidas, estaremos diante de um legítimo concubinato adulterino.

Ressaltamos que o concubinato adulterino perdurará enquanto verificar-se sua existência simultânea com um casamento ou união estável em que haja convivência efetiva entre o concubino e seu cônjuge ou companheiro. Assim sendo, com a separação de fato ou de direito do concubino casado ou companheiro, o concubinato adulterino transforma-se automaticamente em legítima união estável.

4.2.2 Tratamento doutrinário, jurisprudencial e legal da matéria

A doutrina, a jurisprudência e as leis infraconstitucionais atuais, geralmente, pautam o concubinato adulterino como instituição fora do campo do direito de família. Seus efeitos, segunda elas, pertencem ao direito obrigacional.

Maria Berenice DIAS (2004), com sua visão esclarecedora, expõe de forma excepcional como são tratados pela lei fatos sociais como o concubinato adulterino. Diz a eminente desembargadora gaúcha:

O legislador se arvora o papel de guardião dos bons costumes e busca a preservação de uma moral conservadora e, muitas vezes, preconceituosa. A técnica legislativa sempre aspirou a estabelecer paradigmas comportamentais estritos por meio de normas cogentes e imperativas. Elege um modelo de família e a consagra como única forma aceitável de convívio. A postura é intimidadora e punitiva, na esperança de gerar comportamentos alinhados com os comandos legais. Na tentativa de desestimular atitudes que se afastem do parâmetro comportamental reconhecido como aceitável, nega juridicidade ao que se afasta do normatizado. Os exemplos são vários. Basta lembrar a vedação de reconhecimento dos filhos "espúrios", a indissolubilidade do casamento, a rejeição às uniões extramatrimoniais (idem, p. 31).

Assim é que, no Código Civil, o art. 1.727 diz o que é concubinato; o art. 550 veda doações do adúltero ao seu cúmplice, cujo prazo para anulação é de dois anos; art. 1.642, V autoriza o cônjuge a reivindicar os bens doados ou transferidos pelo consorte ao concubino, independentemente de sua autorização; e o art. 1.801, III proíbe a nomeação de concubino de testador casado como herdeiro ou legatário. Pelo menos, no campo penal, o adultério já foi descriminado pela Lei n.º 11.106/2005, não sendo mais um delito contra a família.

Do ponto de vista doutrinário e jurisprudencial, podemos precisar duas situações distintas: 1) quando o concubino detém boa-fé, ou seja, não tem ciência de que o parceiro é casado e mantém o vínculo conjugal ou é companheiro de outra pessoa; e 2) quando o concubino está de má-fé, isto é, tem conhecimento da situação paralela ao casamento ou à união estável, o que afasta o objetivo de constituição de família de sua relação.

A primeira situação trata-se da união estável putativa. Diz Rodrigo da Cunha PEREIRA (2004:76), respaldado na lição de Francisco José Cahali:

... se no casamento putativo são concedidos os efeitos para o contraente de boa-fé, aqui também pode ser invocado este princípio, ou seja, a(o) companheira, sendo pessoa de boa-fé na relação concubinária, e, pelo menos por parte dela(e), sendo uma relação monogâmica, não há razões para negar a concessão de todos os efeitos da União Estável.

Comungando de mesmo pensamento, Álvaro Villaça AZEVEDO (2002:190), segundo o qual o concubinato adulterino não deverá ter efeitos jurídicos senão em hipóteses de putatividade ou para evitar enriquecimento ilícito.

Por sua vez, em casos desse jaez, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul proferiu o seguinte aresto:

UNIÃO ESTÁVEL – SITUAÇÃO PUTATIVA – COMPROVAÇÃO. O fato de o de cujus não ter rompido definitivamente o relacionamento com a companheira com quem viveu longo tempo, mas com quem já não convivia diariamente, mantendo as ocultas essa sua vida afetiva dupla, não afasta a possibilidade de se reconhecer em favor da segunda companheira uma união estável putativa desde que esta ignore o fato e fique comprovada a affectio maritalis e o fato ânimo do varão de constituir família com ela, sendo o relacionamento público e notório e havendo prova consistente nesse sentido. Embargos infringentes desacolhidos (TJRS, EI 599469202, 4.º Grupo Câmara Cível. Rel. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. 12-11-1999).

A segunda situação, a que o concubino tem plena ciência de que o parceiro mantém um vínculo conjugal ou vive em união estável com outrem, implica resposta completamente diferente da doutrina e da jurisprudência. É o que podemos decantar do seguinte julgado paulista:

CONCUBINATO – CONCOMITÂNCIA COM O CASAMENTO. A lei não contempla o concubinato adulterino, isto é, aquele mantido concomitantemente com o casamento. A tal relação não se aplica o art. 5.º da LICC que determina que, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ele se dirige e às exigências do bem comum. O dispositivo só deve ser aplicado quando a situação de fato assim o reclamar, isto é, desde que existente uma separação de fato entre os cônjuges, a tornar o concubinato honesto, como o reconhece a nova Constituição (3.ª CCTJ-SP, Ap. n. 116.225-1, m. v. em 17.10.1989, Rel. Dês. Mattos Faria, RT 649/52).

No campo específico dos doutrinadores, quando não é ignorado pelos manuais, o concubinato adulterino é visto com bastantes reservas. Quase que invariavelmente os estudiosos vêem nele uma relação puramente obrigacional com vistas a evitar uma situação de enriquecimento ilícito. Além de Álvaro Villaça AZEVEDO (2002) supracitado, Silvio RODRIGUES (2004:261) acredita que o concubinato adulterino é "... desprovido [...] de efeitos positivos na esfera jurídica de seus partícipes".

De seu modo, Rodrigo da Cunha PEREIRA (2004:66) acredita que conferir efeitos jurídicos ao concubinato adulterino significa quebrar o sistema jurídico pátrio fundado no princípio da monogamia. Escreve ele:

A amante, amásia — ou qualquer nomeação que se dê à pessoa que, paralelamente ao vínculo do casamento, mantém uma outra relação, um segunda ou terceira... —, será sempre a outra, ou o outro, que não tem lugar oficial em uma sociedade monogâmica. [...] É um paradoxo para o Direito proteger as duas situações concomitantemente. Isto poderia destruir toda a lógica do nosso ordenamento jurídico, que gira em torno da monogamia.

Paralelamente, os tribunais tendem a reconhecer o concubinato adulterino como sociedade de fato, aplicando-se-lhe a inteligência da súmula 380 do Supremo Tribunal Federal — conquanto possamos encontrar decisões que demonstrem o lado familiar do concubinato adulterino. Como exemplo, transcrevemos as palavras do Des. Orlando Carvalho, nos autos da Apelação Cível n.º 133.065/3, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, publicado em 30-3-99: "O que a lei e a Constituição não contemplam é o concubinato adulterino concomitante ao casamento mantido, resultando bigamia defesa".

Com efeito, a maior parte das decisões espelha-se no seguinte entendimento, esposado pelo Min. Antônio Néder:

Deve distinguir-se no concubinato a situação da mulher que contribui, com o seu esforço ou trabalho pessoal, para formar o patrimônio comum, de que o companheiro se diz único senhor, e a situação da mulher que, a despeito de não haver contribuído para formar o patrimônio do companheiro, prestou a ele serviço doméstico, ou de outra natureza, para o fim de ajudá-lo a manter-se no lar comum. Na primeira hipótese, a mulher tem o direito de partilhar com o companheiro o patrimônio que ambos formaram [...]. Na segunda hipótese, a mulher tem o direito de receber do companheiro a retribuição devida pelo serviço doméstico a ele prestado, como se fosse um contrato civil de prestação de serviços, [...] como se não estivesse ligada, pelo concubinato, ao companheiro (STF – RE. n.º 79.079/77).

Seguindo essa esteira, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que os trabalhos domésticos também servem como forma de contribuição indireta para o patrimônio comum hábil a conduzir a uma partilha:

CIVIL – SOCIEDADE DE FATO – CONTRIBUIÇÃO INDIRETA DA COMPANHEIRA PARA A FORMAÇÃO DO PATRIMÔNIO. I – A jurisprudência do STJ acolhe entendimento no sentido de que, se a concubina, direta ou indiretamente, contribuiu para a formação do patrimônio, a este faz jus. II – Recurso conhecido e provido (REsp. n.º 120.335-RJ – 24-8-98 – Min. Waldemar Zveiter).

CIVIL. FAMÍLIA. CONCUBINATO. SOCIEDADE DE FATO. PARTILHA DE BENS. SERVIÇOS DOMÉSTICOS. CONTRIBUIÇÃO INDIRETA. A contribuição da concubina, para se ter por configurada a sociedade de fato, quando reconhecida a convivência more uxorio e a existência de bens adquiridos nesse período, pode decorrer das próprias atividades exercidas no recesso do lar e não apenas pela entrega de dinheiro ou bens ao companheiro. Recurso parcialmente conhecido e, nessa parte, parcialmente provido (REsp. n.º 60.073-DF – 15-5-00 – Min. César Rocha).

A competência para ações afetas ao concubinato adulterino é, no sentir jurisprudencial, das varas cíveis, sem qualquer intervenção do parquet. Como deixou bem claro a 4.ª Câmara Civil do Tribunal de São Paulo:

As partes são sui juris e disputam direitos patrimoniais em razão da sociedade de fato ou, alternativamente, indenização por serviços prestados. Não se cuida, à evidência, de direito de família. Basta verificar que ações dessa natureza não se processam no foro especial, mas nas Varas Cíveis (RJTJSP 119/188).

Sob a alcunha de relação obrigacional, os tribunais negam inúmeros direitos próprios de membros de entidade familiar aos concubinos, desde a aposição do nome do parceiro, passando pelos alimentos até os direitos sucessórios. Como vimos, garantiram-se principalmente os efeitos patrimoniais, que pressupunham uma sociedade de fato.

Está mais avançado em questões previdenciárias, havendo muitos casos em que se reconhece o direito da concubina à pensão por morte. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça assim se pronunciou:

RECURSO ESPECIAL. PENSÃO PREVIDENCIÁRIA. PARTILHA DE PENSÃO ENTRE A VIÚVA E A CONCUBINA. COEXISTÊNCIA DE VÍNCULO CONJUGAL E A NÃO SEPARAÇÃO DE FATO DA ESPOSA. CONCUBINATO IMPURO DE LONGA DURAÇÃO. Circunstâncias especiais reconhecidas em juízo. Possibilidade de geração de direitos e obrigações, máxime no plano da assistência social. Acórdão recorrido não deliberou à luz dos preceitos legais invocados. Recurso especial não conhecido (STJ – REsp. n.º 742.685-RJ – 5-9-05).

Raramente encontram-se decisões como a seguinte:

HOMEM CASADO. SITUAÇÃO PECULIAR, DE COEXISTÊNCIA DURADOURA DO DE CUJUS COM DUAS FAMÍLIAS E PROLE CONCOMITANTE ADVINDA DE AMBAS AS RELAÇÕES. INDICAÇÃO DA CONCUBINA COMO BENEFICIÁRIA DO BENEFÍCIO. [...] II – Inobstante a regra protetora da família, consubstanciada nos arts. 1.474, 1.177 e 248, IV, da lei substantiva civil, impedindo a concubina de ser instituída como beneficiária de seguro de vida, porque casado o de cujus, a particular situação dos autos, que demonstra espécie de "bigamia", em que o extinto mantinha-se ligado à família legítima e concubinária, tendo prole concomitante com ambas, demanda solução isonômica, atendendo-se à melhor aplicação do direito. III – Recurso conhecido e provido em parte, para determinar o fracionamento, por igual, da indenização securitária (STJ – Resp. n.º 100.888-BA – 12-3-01).

Podemos constatar que o Superior Tribunal de Justiça, nos casos de concubinato adulterino, privilegia as situações em que as relações são duradouras. Nesses casos, sim, sob o prisma da interpretação teleológica, reconhece o tribunal superior uma convivência familiar entre os concubinos.

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Sobre o autor
Anderson Lopes Gomes

advogado em Forquilha (CE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Anderson Lopes. Concubinato adulterino:: uma entidade familiar a ser reconhecida pelo Estado brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1360, 23 mar. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9624. Acesso em: 23 abr. 2024.

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