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Contrarrazões no CPC/2015: nova função de instrumento de impugnação de decisão judicial

19/02/2022 às 15:10
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O CPC/2015 atribuiu às contrarrazões uma roupagem impugnativa de mérito de decisões recorríves, outrora vedada.

Ao tempo de vigência do Código de Processo Civil de 1973, as contrarrazões recebiam um singelo tratamento no caput do art. 518, que dispunha: "Art. 518. Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder".

Com base nesse enunciado normativo de regência era sedimentado o entendimento de que as contrariedades ao recurso de apelação se cingiam à parte recorrida impugnar as lamentações recursais da parte recorrente, suscitar preambulares de mérito (a incluir os pressupostos de admissibilidade do apelo manejado) e as matérias de ordem pública - essas duas derradeiras por construção doutrinária-jurisprudencial, em homenagem ao postulado constitucional do contraditório (art. 5º, inc. XXXV, da CRFB/88).

Dessa ordem, o recorrido nas suas contrarrazões era impedido de formular pretensão de reforma de mérito de capítulo da decisão recorrida, a se limitar, reafime-se, a invocar eventuais nulidades do ato decisório submetido à revisão jurisdicional por força do recurso interposto por outra parte processual.[1]

Eis a lição doutrinária: "Tradicionalmente, as contrarrazões foram destinadas apenas à manifestação de resistência do recorrido relativamente à pretensão recursal veiculada na apelação. Eventual insurgência do apelado relativamente à sentença deveria ser veiculada em apelação própria deste, ou em apelação adesiva." (Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil, Teresa Arruda Alvim Wambier...[et al.] - São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p. 2236).

Todavia, da simples leitura do §1º do art. 1.009 do CPC/2015, infere-se com clareza que o legislador atribuiu às contrarrazões uma roupagem impugnativa de mérito de decisões recorríves, outrora vedada, como assinalado supra[2].

Por assim, prevalece a compreensão que as contrarrazões com essa nova tessitura trazida no CPC/2015 detém natureza jurídica híbrida: i-) persistem como meio adequado para impugar as pretensões recursais ventiladas no apelo da parte adversa, agitar nulidades e matérias de ordem pública; ii-) a par disso, em inovação no cenário processual, segundo sólida doutrina e jurisprudência, comportam ser veículo impugnativo de matérias apreciadas em decisões interlocutórias na fase de conhecimento insuscetíveis de recorribilidade por via de agravo de instrumento[3].

Nesse sentido a doutrina acima invocada: "No CPC/2015, contudo, com a modificação do sistema de impugnação das decisões interlocutórias (que passaram a não precluir no curso do processo, merecendo impugnação em razões de apelação ou em contrarrazões de apelação), as contrarrazões passaram a ter natureza jurídica híbrida, vale dizer, (i) tanto consistem em peça de resistência às razões de apelação, (ii) quanto podem consistir em peça recursal relativamente a decisões interlocutórias que o apelado resolva impugnar em sua resposta ao recurso. Pode haver nas contrarrazões, por assim dizer, uma defesa (relativamente à apelação da outra parte) e um possível ataque (relativamente às interlocutórias que o recorrido entenda por bem impugnar)". (Op. cit., p. 2236)[4].

Numa análise reflexiva do espírito dessa inovação normativa do Código de Ritos Civil de 2015 em destaque, sustentamos além desse horizonte interpretativo dominante na doutrina e na jurisprudência, acerca da amplitude e viabilidade impugnativa das contrarrazões.

Isso porque do texto do § 1º do art. 1.009 do CPC bem apreendido, depura-se uma maior extensão impugnativa das contrarrazões como mecanismo autêntico de recorribilidade meritória de dado decisum, desde que observados os seus pressupostos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

Segundo dita o enunciado normativo em comento, trata-se de hipótese de cabimento aventar em sede de contrarrazões as questões resolvidas na fase de conhecimento que não desafiem o recurso de agravo de instrumento. Nada diz o texto legal que a decisão impugnada na via das contrariedades tem de ser de índole interlocutória. Assim, tem aptidão de cabimento, ante a ausência de restrição normativa, a atacar qualquer tipo de decisão recorrível.

Nesse contexto são salutares os ensinamentos de Carlos Maximiliano: "Quando o texto menciona o gênero, presumem-se incluídas as espécies respectivas; se faz referência ao masculino, abrange o feminino; quando regula o todo, compreendem-se também as partes. Aplica-se a regra geral aos casos especiais, se a lei não determina evidentemente o contrário. Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus: Onde a lei não distigue, não pode o intérprete distinguir." (Hermenêutica e Aplicação do Direito, 20ª ed., 2ª Tiragem, Rio de Janeiro: Forense, 2013, p. 201).

Por evidente que, nessa perspectiva proposta, não comportaria às novas contrarrazões feição de sucedâneo do recurso de apelação, sistematizado nos arts. 1.009 e subsequentes do CPC.

No entanto, em sendo situação objetiva não impugnável por via de apelo na forma principal ou adesiva, são as contrariedades o instrumento predisposto aos jurisdicionados para impugnar quaisquer atos decisórios passíveis de revisão judicial, agora também no mérito da lide, quando preenchidos seus requisitos próprios de aviamento.

Além disso, justifica-se esse espectro de cabimento alongado, tendo em vista que a oportunidade processual para manejar as contrarrazões é por definição situada no encerramento de cada capítulo de fase da tutela jurisdicional do órgão julgador.

Com efeito, há uma dilatação natural do suporte material das contrarrazões para além das decisões interlocutórias em si, a ser hábil a rebater questões porventura que se manifestem até o desfecho do mérito da relação jurídica processual em dado grau jurisdicional, sendo desse modo mecanismo impugnativo dotado de tenacidade/elasticidade, a prolongar por essência seu campo de admissão, o qual dependerá do fluxo do processo em sua dimensão final.

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1- APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER PRELIMINARES ARGUIDAS EM CONTRARRAZÕES. SUCEDÂNEO DA APELAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE NÃO CONHECIMENTO MÉRITO - SOLICITAÇÃO DE DOCUMENTOS PARA VERIFICAÇÃO DA OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR DO ISSQN SOBRE LEASING (ARRENDAMENTO MERCANTIL) COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO EM QUE SE SITUA A EMPRESA - LUGAR DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO MATÉRIA DECIDIDA SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC RECURSO DESPROVIDO. Não se conhece das preliminares suscitadas em sede de contrarrazões, uma vez que se trata de meio inadequado para pleitear a reforma da decisão. As contrarrazões têm a finalidade de materializar a contrariedade ao apelo interposto, não se prestando a substituir o recurso ou dele ser sucedâneo.(...). (TJ-MS - APL: 08000626020158120005).

 

2 - Art. 1.009. Da sentença cabe apelação.

§ 1º As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação, eventualmente interposta contra a decisão final, ou nas contrarrazões.

 

3- Vide fundamentação do REsp 1704520/MT paradigma da matéria: Ora bem, quando ampliadas as hipóteses de recorribilidade para situação não antecipadas pelo legislador, há um importante efeito colateral: erigem-se a latere do ordenamento jurídico novas hipóteses de preclusão imediata. Como anteposto, o sistema preclusivo erigido pelo Código está estritamente vinculado às hipóteses de cabimento do agravo. A ampliação das situações de cabimento pode acarretar maior extensão da ocorrência da preclusão imediata, como se depreende do art. 1.009, §1º e §2º, do CPC. Pelo Código, somente não precluem até o momento da interposição da apelação ou da apresentação das contrarrazões respectivas as questões não suscitáveis de imediato por agravo de instrumento.

 

4- Confira a doutrina de Daniel Amorim Assumpção Neves (Manual de Direito Processual Civil, 12 ed., Salvador:JusPodivm, 2019,p. 1646 e ss.), e de Luiz Guilherme Marinoni et all (Curso de Processo Civil - Vol 2, 6 ed., São Paulo: RT, 2020, p. 548 e ss.).

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Sobre o autor
André Riolo Tedesco

Advogado - OAB/SP. Ex-Assessor de Desembargador Federal. Ex-Analista Judiciário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEDESCO, André Riolo. Contrarrazões no CPC/2015: nova função de instrumento de impugnação de decisão judicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6807, 19 fev. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96251. Acesso em: 24 abr. 2024.

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