Não começou nas câmaras de gás; não começou nos campos de extermínio; não começou na solução final; não começou nas guerras. Começou em um discurso.
Sim, o nazismo, como várias outras brutalidades praticadas na história da humanidade, como a Inquisição Medieval, as matanças napoleônicas, a escravidão tiveram seu início em um discurso, um discurso capaz de gerar simpatia em parte da população, regra geral, baseado em crenças primárias, de que haveria um mal a ser combatido, sendo parte da sociedade dotada de superioridade ética, portanto, com capacidade de combater o mal, desde que habilitados em seu favor meios excepcionais, como as torturas, o monopólio da violência, a plena liberdade de realizar juízos morais com força de lei, separando dignos de indignos.
As novas manifestações de simpatia ao nazismo no Brasil são graves e extremamente preocupantes, por já atingirem o grau de sua realização aberta, em meios de comunicação de massa, mas, não devem estas contundentes e abjetas ações servir a esconder a realidade, não são elas o início de nada, como não são o fim, são apenas a parte de um processo que vem sendo gestado na sociedade brasileira já faz alguns anos, a partir da habilitação de um discurso corrosivo da democracia.
No livro Contra Lava Jato, em 2018, no auge da paixão nacional com a operação, eu já apontava como mencionada ação criminal vinha destroçado os valores democráticos na sociedade, produzindo discurso de concentração de poder e habilitação da violência estatal, até mesmo ratificando a realização de tortura aceitável.
Com efeito, a separação entre morais e imorais, não é nova, faz parte da estratégia presente nos projetos de tirania mais antigos existentes na história mundial, sendo amplamente fortalecida na operação lava-jato que trabalhou em lógica funcionalizante do direito, com admissão do abandono do devido processo legal; criação de prisão, conforme a fase do processo (prisão em segundo grau); condenações com base em simples suspeita, somada à aceitação da imposição do extremo sofrimento ao condenado, até mesmo com atos de total negativa civilizatória, como não permitir ao condenado acompanhar o sepultamento do próprio irmão .
A habilitação desses discursos lavajatistas também é parte de uma estratégia de de corrosão dos valores civilizatórios e democráticos, com tendência à produção de Estados nazi-fascistas, afinal, a história ensina que sempre que se habilitou alguns a fazerem tudo em nome do combate à corrupção, o resultado final invariavelmente foi o mesmo, o controle da corrupção pelos detentores do discurso, como meio para seu exclusivo enriquecimento e a promoção, por eles, do massacre de seus desafetos.
Igualmente, quando o mal passou a ser banalizado no Estado brasileiro, dentro de uma lógica burocrática, em que, em nome de um aparente cumprimento de obrigações por alguns, servidores passaram a ser perseguidos por seus posicionamentos, posturas críticas; pessoas dissidentes passam a ser funcionalizadas para garantir pura proclamação retórica de combate aos maus funcionários, em uso abusivo e viciado do conceito de improbidade administrativa, também esta é uma etapa do fortalecimento do discurso nazi-fascista.
Assim também, a aceitação de espancamento de uma pessoa, em um dos principais pontos turísticos do país, enquanto a maioria ignora e bebe água de coco, também é parte da aceitação do discurso nazifascista, aliás, a normalização das milícias, dos grupos de extermínio, do desrespeito ao diferente, do preconceito com o estrangeiro, da estigmatização do imigrante e do refugiado, são simples releituras da fórmula desenhada por Adolf Hitler, em seu Minha Luta.
A atuação de pessoas dos meios de comunicação defendendo a criação de um partido nazista, realizando saudação nazista sem nenhum podor, antecipam nova etapa do destroçamento da sociedade brasileira, pois, o velado, agora faz experimentos se já é possível a manifestação aberta, contundente.
Muito além do inaceitável massacre de ciganos e judeus, por exemplo, o que existe é um projeto de sociedade, em que o inimigo deve ser destruído, em que somente uma forma de pensar é aceitável, na qual os valores morais do grupo dominante devem se impor como verdade absoluta e qualquer coisa, até mesmo a escravização de alguns grupos é aceitável se isso representa equilíbrio nas finanças públicas e enriquecimento dos que controlam as estruturas de poder.
É verdade que apologia ao nazimo é crime, mas, de nada adianta punir as pessoas que recentemente manifestaram referido apoio, não que a sociedade não tenha legitimidade para fazê-lo, se apenas isso for realizado, quando claramente o que se tem é um processo de corrosão das estruturas democráticas.
O essencial é que esta derrubada da maquiagem do que efetivamente está sendo construído no Brasil sirva para uma retomada fundamental das bases democráticas, com restabelecimento do devido processo legal; afastamento das prisionalizações em massa; retomada da discussão em torno dos limites e mecanismos de controle ao poder punitivo, em todos os seus aspectos; limites ao poder público na adoção de medidas puramente financeiras, mas geradoras de miséria e abandono social, entre outras questões construídas pelo discurso contemporâneo de que mais um falso combate à corrupção, habilitaria todos os poderes excepcionais em favor de uma camada moralmente superior da sociedade.
Evidente que o repúdio às recentes falas e gestos de apoio ao pensamento nazista é essencial, mas é pouco, insignificante, se não ocorrer uma retomada civilizatória, com enfrentamento efetivo dos processos de normalização da violência contra negros, mulheres e crianças, bem como retorno ao pensamento não funcionalizante dos direitos e garantias constitucionais e penais, reconstruindo as estruturas, atualmente fragilizadas do devido processo legal, do in dubio pro reo, da exigência probatória robusta para condenação e da racionalização dos conflitos.
A emergência dessa postura é evidente, pois, nova etapa da corrosão da democracia brasileira iniciou. Não há que se enganar, não é o fim, pois o resultado final deste projeto, tantas vezes redesenhando na humanidade, sempre foi idêntico: os campos de extermínio, independente de como sejam estruturados ou desenhados, mas produzindo sempre o mesmo, pilhas de corpos.