O dia 16 de julho de 2008, estabeleceu-se como um marco na política de valorização do profissional do magistério público da educação básica, com a instituição do piso salarial profissional nacional por meio da Lei federal nº 11.738, em regulamentação ao art. 60, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.
Aquele instrumento legal fixou o valor do piso em R$ 950,00, com efeitos a partir de 1º de janeiro de 2008, o qual seria anualmente reajustado, sempre nos meses de janeiro dos anos seguintes, utilizando-se como critério o percentual de crescimento do valor anual mínimo por aluno referente aos anos iniciais do ensino fundamental urbano, definido nacionalmente.
Após sucessivos reajustes, o valor do piso para o ano de 2022 foi definido pelo Ministério da Educação (MEC) em R$ 3.845,63, por meio da Portaria nº 67, de 04/02/2022, em homologação ao Parecer nº 2/2022/CHEFIA/GAB/SEB/SEB, de 31/01/2022, da Secretaria de Educação Básica do MEC, gerando polêmicas quanto à aplicabilidade do mesmo e seu pagamento aos servidores do magistério, notadamente em razão das consequências hermenêuticas derivadas da implementação do novo FUNDEB, em razão da promulgação da Emenda Constitucional nº 108 em 26/08/2020 e de sua regulamentação, dada pela Lei nº 14.113, de 25/12/2020.
Em que pesem entendimentos diversos, temos como possível (e necessário) tal pagamento.
Consagrado constitucionalmente e representativo da política de valorização profissional, inclusive contida nas metas do Plano Nacional de Educação (PNE), dispostas na Lei federal nº 13.005/2014, o piso salarial nacional dos profissionais do magistério da educação básica pública previsto na Lei federal nº 11.738/2008 não restou revogado pelo novo ordenamento jurídico que trata do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), recentemente tornado perene pelo artigo 212-A da Constituição Federal.
Ocorre que, ao falar na exigência de lei específica, o inciso XII do artigo 212-A do texto constitucional trouxe ao mundo jurídico os seguintes questionamentos: a) seria necessária nova legislação dispondo especificamente acerca do piso nacional do magistério [a qual dependeria de movimentações do Governo Federal e do Congresso Nacional]?, ou; b) a Lei federal nº 11.738/2008, e seus critérios, continuariam vigentes e poderiam ser aplicados enquanto não editada a tal lei específica prevista na Carta Maior?
O tema espinhoso e de grande relevância nacional foi submetido à Consultoria Jurídica do MEC, a qual, por meio do Parecer nº 00990/2021/CONJUR-MEC/CGU/AGU, entendeu não ser correto aplicar a Lei federal nº 11.738/2008, notadamente em vista das mudanças trazidas pela alteração constitucional, as quais impactariam diretamente sobre o critério de reajuste do piso salarial e a complementação da União.
Todavia, em vista da complexidade do assunto e sua importância para mais de 1,7 milhão de professores, dos estados e municípios, que lecionam para mais de 38 milhões de alunos nas escolas públicas, a Secretaria de Educação Básica apresentou nova consulta a respeito da interpretação normativa correlata ao piso salarial nacional dos profissionais do magistério da educação básica pública, especificamente para que a Consultoria Jurídica do MEC se manifestasse acerca da possibilidade de uma interpretação no sentido de utilizar para 2022, de forma extensiva, a mesma parametrização e tratamento dado até então, baseado na Lei federal nº 11.738/2008, diante da inexistência, até o momento, de ato normativo que a substitua.
Nesse sentido, exarou-se nova manifestação (Parecer nº 00067/2022/CONJUR-MEC/CGU/AGU), entendendo-se possível a utilização dos critérios até então estabelecidos em lei (Lei federal nº 11.738/2008), diante do vácuo normativo verificado após a EC nº 108/2020, resultando homologação do parecer pelo MEC, de forma a aprovar a elevação do piso nacional para R$ 3.842,63 em 2022.
Ficou sedimentado, portanto, o entendimento de que a lacuna legislativa derivada da inexistência de uma nova lei que regulamentasse o piso não poderia representar impeditivo à adoção de medidas administrativas tendentes a sanar a morosidade inata ao processo legislativo federal, mormente quando já se está descumprimento de uma lei federal vigente, como é o caso do artigo 5º da Lei nº 11.738/2008.
O repasse do novo piso aos profissionais do magistério, além de encontrar amparo legal, garantirá o cumprimento da diretriz constitucional lastreada no art. 206, VIII, da Carta Magna, efetivando a política de valorização profissional estabelecida no ordenamento constitucional e legal, tida como direito fundamental social derivado do artigo 39, § 3º da Constituição Federal, imperativo que traz enormes desafios aos gestores estaduais e municipais, que deverão implementar o novo valor, ao mesmo tempo em que necessitarão adotar medidas que possam contornar os impactos financeiros e orçamentários daí decorrentes e equilibrar as finanças dos entes que chefiam (afinal, foram eleitos para administrar seus Estados e Municípios em quaisquer circunstâncias).