Conclusão
No presente estudo científico, destacou-se que, tradicionalmente, os direitos fundamentais eram vistos com oponíveis apenas contra o Estado. Entretanto, hodiernamente, fruto do pensamento germânico (Drittwirkung), tem-se entendido que os direitos fundamentais também vinculam os particulares entre si e diretamente, sem necessidade de intermediação de lei (desde que previstos na Constituição): é a eficácia direta dos direitos fundamentais nas relações privadas.
Destarte, enfatizou-se que essa avançada concepção entende que os particulares também devem respeitar os direitos fundamentais uns dos outros, não apenas o Estado. Nesta perspectiva, vislumbra-se a aplicação da garantia constitucional do contraditório e da ampla defesa ao empregado sujeito à aplicação de penalidades disciplinares.
Com efeito, a dignidade da pessoa humana, um dos substratos da República Federativa do Brasil, constitui um legítimo repúdio à aplicação de penalidade sem a garantia de defesa para o acusado. É flagrante a humilhação e o desapreço pela pessoa humana na aplicação sumária de penas. Restringir o direito de defesa apenas ao processo penal ou somente a este, aos processos judiciais em geral e ao processo administrativo é negar ao empregado, já subordinado juridicamente (e economicamente mais fraco, em regra), o direito de se escusar perante uma acusação injusta.
Evidenciou-se que, a par disso, é a negação à eficácia do direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa nas relações privadas. É marchar contra a evolução do direito, que visa, hoje mais do que nunca, a equilibrar as gritantes desigualdades sociais.
Inferiu-se que não há fundamento para o empregador, ao seu alvedrio, impor uma sanção ao empregado, sem qualquer oportunidade de defesa. Não se nega o direito do empregador de dirigir a prestação pessoal dos serviços e exercer os poderes daí inerentes, mas se defende a limitação a esses poderes, buscando-se evitar o abuso de direito.
Em suma, a aplicação de penalidade deve obedecer a certos requisitos de ordem objetiva, subjetiva e circunstancial, segundo a doutrina. A oportunidade de defesa ao empregado configura-se apenas mais um requisito de ordem objetiva, compatível com a Constituição Federal.
Entende-se, em sede de conclusão, que se o Supremo Tribunal Federal já decidiu que o membro de uma cooperativa tem o direito de defesa em caso dos demais pretenderem a sua exclusão, há que se avançar mais, conferindo-se máxima eficácia à Constituição e permitindo que o empregado possa exercer o direito de defesa.
Portanto, somente uma visão deveras conservadora, alheia à realidade social — em que cada vez mais o poder do Estado se esmaece e aumenta o poder dos atores privados — e comprometida em perpetuar a injustiça e miséria reinantes pode pretender justificar o injustificável, limitando os direitos fundamentais às relações entre indivíduos e Estado.
Numa apreciação final, após reflexão sobre esta pesquisa científica, como manifestação de respeito à dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho, sem ferir a livre iniciativa (que não pode ser encarada de forma absoluta), depreendeu-se que ao empregado deve ser conferido o direito de defesa quando se tratar da aplicação de sanção disciplinar, ainda que seja para impor uma pena branda, e, com mais razão, quando se tratar de dispensa do obreiro.
Notas
(1)Essa assertiva é corroborada por estudo, 1996 Policy Studies Report, que aponta que das 100 maiores economias do mundo, só 49 eram Estados, enquanto 51 eram empresas multinacionais. Isso há cerca de 10 anos. A tendência é que a vantagem das empresas multinacionais tenha aumentado nos últimos anos! Cf. SARMENTO, Daniel, op. cit., p. 53.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: Polis, 1991.
Congresso Nacional. Decreto-lei n. 5.452. Brasília-DF, 1943.
COSTA, Judith Hofmeister Martins. O Direito Privado como um "sistema em construção": as cláusulas gerais no Projeto do Código Civil brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/513>. Acesso em: 19 fev. 2007.
CUNHA, J. S. Fagundes. Os direitos humanos e o Direito da Integração. Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 26, set. 1998. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/1605>. Acesso em: 05 fev. 2007.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 4ª ed. São Paulo: LTr., 2005.
_____. Direitos fundamentais na relação de trabalho. Revista LTr.: Legislação do Trabalho, Ano 70, n° 06, junho de 2006, pp. 657-667.
IHERING, Rudolf Von. A Luta Pelo Direito. Tradução de João Vasconcelos. Rio de Janeiro: FORENSE, 1999.
MARQUES DE LIMA, Francisco Meton. O resgate dos valores na interpretação constitucional: por uma hermenêutica reabilitadora do homem como "ser-moralmente-melhor". Fortaleza: ABC Editora, 2001.
_____. Os princípios de direito do trabalho: na lei e na jurisprudência. 2ª ed., São Paulo: LTr. 1997.
MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. Rio de Janeiro: Revista Forense, 18ª ed., 1999.
MEYER, Emílio Peluso Neder. O caráter normativo dos princípios jurídicos. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 994, 22 mar. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/8126>. Acesso em: 07 fev. 2007.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17ª ed. atual. São Paulo: Atlas, 2005.
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de direito do trabalho. Tradução de Wagner D. Giglio. São Paulo: LTr, 1993.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. São Paulo: Saraiva, 19ª ed., 1999.
RIBAS, Geórgia. Os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da igualdade e o princípio da não-discriminação na relação de emprego. Revista LTr.: Legislação do Trabalho, Ano 70, n° 09, setembro de 2006, pp. 1094-1100.
SAMANIEGO, Daniela Paes Moreira. Direitos humanos como utopia. Jus Navigandi, Teresina, ano 4, n. 46, out. 2000. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/76>. Acesso em: 5 fev. 2007.
SANTOS, Luiz Wanderley dos. Normas constitucionais e seus efeitos. Jus Navigandi, Teresina, ano 2, n. 26, set. 1998. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/90>. Acesso em: 07 fev. 2007.
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2006.
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 3ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1991.