Os desafios da publicidade na advocacia ante a vedação da sua mercantilização

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01/03/2022 às 00:31
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Uma explanação crítica sobre os desafios encarados pela advocacia antes da publicação do novo Provimento 205/2021 da OAB.

Resumo: A advocacia reflete o exercício de um múnus público em ministério privado, simboliza sua indispensabilidade à manutenção da justiça, da moralidade pública e da cidadania. Os impactos das exigências na conduta condigna, nobre, leal e regada por boa-fé, somados à essencialidade do empenho em aperfeiçoamento pessoal e profissional afrontam diretamente o dever do advogado de zelar por sua reputação, quando se está inserido em uma cultura cibernética e progressivamente globalizada. Nesse contexto, objetiva-se abordar o papel das redes sociais no exercício advocatício, precipuamente na aplicação da publicidade, ante a necessidade de adaptabilidade às relações inconstantes desenvoltas no mundo digital, bem como ao desafio da prospecção de clientes, sem afetar os limites éticos inerentes à profissão. Para atingir esse objetivo, intenta-se analisar a natureza jurídica da classe e dos seus órgãos regentes, além de verificar a constituição dos seus moldes societários. Ademais, pretende-se identificar quais são os limites éticos para a utilização da publicidade na advocacia e comparar sua aplicabilidade dentro dos liames legislativos e fáticos, dada a expressa vedação da mercantilização da profissão. Por fim, a metodologia de abordagem utilizada no desenvolvimento do presente estudo resume-se no método hipotético-dedutivo e a técnica de pesquisa utilizada é bibliográfica a partir de normas, doutrinas, jurisprudências, ementários e noticiários do endereço eletrônico oficial da Ordem dos Advogados do Brasil.

Palavras-chave: Mercantilização. Vedação. Publicidade. Advocacia. Sociedades. Natureza Jurídica. Limites Éticos.

Sumário: INTRODUÇÃO. 1. A ADVOCACIA E A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. 1.1. Evolução histórica da profissão e surgimento da Ordem dos Advogados do Brasil. 1.2. Função social do advogado. 1.3. Vedação à mercantilização no exercício profissional. 2. CONSTITUIÇÃO DAS SOCIEDADES DE ADVOGADOS E SEUS DESDOBRAMENTOS. 2.1. Regime jurídico. 2.2. Espécies. 2.3. Deveres. 3. AS APLICABILIDADES DA PUBLICIDADE NO MUNDO MODERNO. 3.1. Publicidade versus Propaganda. 3.2. Aplicabilidade prática e normativa do conceito jurídico de publicidade. 3.3. A evolução da publicidade no cenário atual de grandes redes sociais. 4 COMUNICAÇÃO E PUBLICIDADE NO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA. 4.1. Limites legais e vedações éticas. 4.1.1. Meios difusores de publicidade. 4.2. Precedentes do Conselho Federal da OAB. 4.3. Marketing Jurídico: a inovação entre fidelização e disseminação indistinta. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.

INTRODUÇÃO

À Ordem dos Advogados do Brasil compete estabelecer as diretrizes quanto aos deveres, princípios e regulamentos ao exercício profissional da advocacia, bem como definir as regras do procedimento disciplinar para apuração e aplicação das respectivas punições, se necessário.

Assim, a atividade advocatícia, enquanto profissão tão antiga quanto a história da humanidade, possui regimento próprio, sendo incompatível com as demais atividades profissionais.

O princípio da liberdade profissional estabelece que um profissional da advocacia, enquanto indispensável à administração da justiça, não deve incorrer em receio de desagradar um magistrado ou qualquer outra autoridade, de forma que não se sujeite à impopularidade. Todavia, esse introito não garante ao advogado a prerrogativa de estar superior à lei, ou de atuar sem qualquer obediência aos princípios morais, profissionais e éticos, estando o mesmo compromissado e responsável para com seu cliente.

Desse modo, tem-se que o prestígio da classe está diretamente subordinado à uma atuação séria, ética e competente de cada profissional.

Nesse diapasão, apesar da inegável necessidade de seu consumo, a prestação de serviços pelo profissional da advocacia deve primar pela prudência. Todavia, considerando que o Direito não é casuístico e não é passível de prevenção de todos os casos concretos sujeitos à evolução estrutural, a existência de lacunas é premente e tangencia a efetividade das normas anunciativas de discrição e moderação do advogado.

Diante da inegável ascensão tecnológica, o presente estudo visa analisar como se dá a aplicabilidade da conduta de um advogado ou sociedade de advogados, possuindo as plataformas digitais como meio de visibilidade profissional, em detrimento da vedação de sua mercantilização.

Buscar-se-á esclarecer se os limites previstos pelo Estatuto da Advocacia, bem como pelo Provimento 94/2000 da OAB são, de fato, inteiramente admissíveis na realidade contemporânea, diante do desiderato de estreitamento de comunicação entre o advogado habilitado e atuante e o cliente usufrutuário da prestação jurisdicional.

Há que se questionar se o atual tratamento da matéria pelo Estatuto assegura a preservação do pensamento crítico da advocacia moderna, no que se refere à flexibilização do profissional contemporâneo, principalmente quando os escritórios de sociedades de advogados, ou até mesmo os profissionais liberais, passam a adotar uma estrutura praticamente empresarial, estando direcionados à obtenção de lucro e avocando comportamento diverso daquele proposto pelo Código de Ética, enquanto regulamentador da profissão.

Os preceitos éticos previstos pela supramencionada legislação servem de orientação ao profissional da advocacia, dispondo em seus primeiros artigos a possibilidade (e necessidade) de o advogado anunciar os seus serviços profissionais, individual ou coletivamente, desde que com moderação, discrição e sobriedade, assumindo finalidade exclusivamente informativa. Isto porque não caberá, aqui, a finalidade mercantilista.

Por certo, verifica-se a necessidade de delinear as diferenças conceituais entre publicidade, propaganda e marketing jurídico, o que claramente será discutido ao longo do presente trabalho, engendrando-se ainda como devem ser pautados os limites fiscalizatórios e a efetivação da norma diante do uso dos meios virtuais de comunicabilidade, bem como a possibilidade ou essencialidade de sua edição para adequação ao mercado de trabalho massacrante e progressivamente afunilado.

A problemática do tema encontra-se no desconhecimento das normas éticas, na dificuldade dos próprios profissionais em reconhecer os limites da exploração de sua atuação, concluindo que as próprias diretrizes fiscalizatórias quedam-se subestimadas. Afinal, quais são os pontos que extrapolam a produção de conteúdo em caráter informativo e educacional nas redes sociais e que alcançam a autopromoção? Como identificar as nuances entre a busca pela qualificação e a intenção em aumento de captação de clientela?

O próximo capítulo do presente estudo trará ao tema proposto embasamento histórico, descrevendo a evolução da profissão advocatícia, a criação da Ordem dos Advogados do Brasil e o início da premissa de vedação à mercantilização, demonstrando-se que desde os primórdios o exercício do advogado requer um comportamento ético e transparente.

Por conseguinte, o terceiro capítulo introduzirá as características de uma sociedade de advogados, abordando seu regime jurídico e seus deveres perante a legislação civilista. O capítulo subsequente objetiva melhor instruir sobre os conceitos da publicidade e os limites a ela impostos para a atuação da atividade advocatícia, bem como, em consonância com o último capítulo, pretenderá dispor os precedentes fiscalizatórios da Ordem e a diferenciação na promoção de marca profissional pela previsão do marketing jurídico.

1. A ADVOCACIA E A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

1.1. Evolução histórica da profissão e surgimento da Ordem dos Advogados do Brasil

Mamede (2013, p. 15) considera que o exercício da advocacia é um múnus público, ao passo que Fontana (2007, online) descreve o advogado como aquele que tem a obrigação de, na medida de seus conhecimentos jurídicos, solucionar os interesses das partes litigantes. Entre as variadas conceituações, é cediço que a profissão é indispensável à administração da justiça e, portanto, intermediária entre os interesses do Estado e da própria sociedade, conforme descreve o artigo 2º da Lei 8.904/94.

Por esse contexto, para melhor delinear o estudo acerca da modernização da advocacia, torna-se imperioso avaliar o desenvolvimento da atuação do profissional advogado perante as incontáveis e sempre prementes alterações sociais, políticas e econômicas.

Pode-se considerar que a advocacia se configura presente desde os primórdios da sociedade, ousando-se afirmar ser uma profissão tão antiga quanto a própria humanidade. Isto porque, desde que o homem passou a identificar a necessidade de organizar-se socialmente e os grupos passaram a estabelecer os próprios conjuntos de regras e avaliações, com os consequentes julgamentos para mantença da ordem e do convívio, o instinto de defesa, a carência pelo pensamento crítico e a capacidade de questionar tornam-se declaradas.

Apesar das divergências doutrinárias acerca do marco da formalização da advocacia no mundo, o Brasil obteve os primeiros indícios de sua normatização pelas raízes de Portugal e pela forte tendência ocidental de constitucionalização.

A tendência portuguesa, advinda das Ordenações Filipinas, fez com que exigências do século XIII refletissem até os dias hodiernos no que diz respeito à responsabilidade civil do advogado. Isso porque o indivíduo, inserido na corte, só poderia advogar se probo e destemido fosse ao exprimir suas opiniões com franqueza (FONTANA, 2007). Por esse modo, exigiam-se oito anos para a formação no curso jurídico, a serem cursados na Universidade de Coimbra em Direito Civil ou Canônico.

Em contrapartida, fora da corte permitia-se advogar qualquer pessoa idônea, ainda que não formada, desde que obtivesse Provisão, em obediência ao Alvará régio de 24 de julho de 1713, surgindo assim a figura do provisionado autorizado a exercer o ofício e a postular em juízo, principalmente nas regiões deficientes de bacharéis que inclusive veio a perdurar até meados da instituição do Estatuto de Ética vigente.

Sob essa análise, é cabível destacar aqui a dificuldade que se encontrava em obter um título de bacharel em Direito, ante o obrigatório deslocamento até a cidade de Coimbra, em Portugal, resultando em uma consequente seletividade social, pelo acesso privilegiado de classes mais nobres.

Outro não é o entendimento de Sérgio Sérvelu da Cunha:

Devendo formar os quadros da burocracia estatal, os primeiros advogados formados no Brasil eram os filhos dos grandes proprietários de terras, fazendeiros, produtores de cana e de café, que se incorporavam à perspectiva do poder. A partir de 1822, o Brasil era um Estado unitário, com sua capital no Rio de Janeiro. Enquanto o domínio hispânico da América do Sul se dividira em várias repúblicas regidas por Constituições liberais, e enquanto em Portugal, após a revolução do Porto, também se adotava uma Constituição liberal, a Independência brasileira se fizera em torno do herdeiro da coroa portuguesa, a quem se atribuiu o título de imperador. (CUNHA, 2005, online)

Torna-se notório salientar a importância de tal aspecto histórico para o que, mais tarde, pode ter sofrido o impacto dos resquícios do tratamento de prestígio e nobreza da profissão.

Assim, com a instauração da Assembleia Constituinte de 1823, Dom Pedro I inaugurou o debate sobre estudos jurídicos no território brasileiro (ARAÚJO, 2006, online).

Nesse ínterim, criticamente esclarece a doutrina:

Alguns passos atrás na história nos dão conta da importância dos fatos políticos que culminaram na proclamação da Independência do Brasil para a classe dos advogados. Destaca-se, acima de tudo, a proibição da Metrópole portuguesa de que se constituísse qualquer universidade em terras brasileiras. Não lhes interessava, por óbvio, que uma colônia sua pudesse criar condições para se auto-administrar. (RAMOS, 2003 apud ARAÚJO, 2006, online).

Em meio às deliberações do Brasil Imperial, o primeiro curso de Direito do país foi fundado em 1º de março de 1828, com a obtenção do Curso de Ciências Jurídicas e Sociais da Academia de São Paulo.

Por seu turno, em 15 de maio do mesmo ano inaugurou-se o Curso de Ciências Jurídicas e Sociais de Olinda, alcançando-se o posto de exercício profissional regular reconhecido no Brasil. Cabia a ambos os cursos a superação de requisitos pelo candidato ao ingresso nos estudos, com previsão expressa pela Lei Imperial de 11 de agosto de 1827, como por exemplo, a obtenção da idade mínima de quinze anos completos e a aprovação em exames pré-estabelecidos, já a título de qualificação da classe.

Sem afastar a dependência cultural das referências coloniais de Portugal, a falta de regulamentação de uma advocacia em ascensão, àquela época, sendo profissão autônoma e independente do Poder Público, detentora portanto de hegemonia política, contribuiu para que fosse fundado o Instituto dos Advogados Brasileiros, no ano de 1843, após Dom Pedro I ter aprovado os competentes estatutos e regimento interno, com o consequente Aviso Imperial da Secretaria de Estado da Justiça (CUNHA, 2005, online), em 7 de agosto do corrente ano.

No âmbito da combativa atuação da classe pela efetivação de sua independência, torna-se cabal avultar a conquista do direito de assento pelos membros do IAB, quando no exercício da profissão, nas dependências dos cancelos dos tribunais, prognosticado pelo Decreto nº 393, de 23 de novembro de 1844.

No entanto, somente em 1930 foi possível alcançar maior efetividade em termos de ordenação da classe, com a criação da Ordem dos Advogados do Brasil, que hoje ganhou vigência no novo Estatuto, mas que, à época, instaurou-se por força da Corte de Apelação, através do artigo 17, do Decreto 19.408, in verbis:

Art. 17. Fica criada a Ordem dos Advogados Brasileiros, órgão de disciplina e seleção da classe dos advogados, que se regerá pelos estatutos que forem votados pelo Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros, com a colaboração dos Institutos dos Estados, e aprovados pelo Governo (BRASIL, 1930, online).

Acentua-se que sua criação foi impulsionada pelo revolucionário movimento político e social, pressionado pela politização da classe média; pelo fortalecimento da imprensa; pela crise sustentada com a queda da bolsa de Nova Iorque em 1929; com o premente fim da política do café com leite; bem como com a massificação da classe operária e o crescimento industrial, resultando no desejo populacional pela conquista de maiores liberdades civis (ARAÚJO, 2006, online).

A regulamentação da Ordem sobreveio pelos decretos 20.784/1931 e 22.478/1933 que, por sua vez, viabilizaram sua consolidação organizacional, na defesa das prerrogativas da classe advocatícia. Isto por que, em ocorrências anteriores, os diplomas somente eram registrados em Secretaria da Corte de Apelação, sob o governo provisório de Vargas, meio sob o qual não se infringia o pleno exercício da profissão.

Os supramencionados decretos instrumentalizaram os primeiros direitos e deveres dos advogados, provisionados e solicitadores e, por sua vez, já adotavam diretrizes quanto ao dever de respeitabilidade aos limites éticos da profissão.

Não obstante, o primeiro Código de Ética estadual, sancionado no ano de 1921 e criado pelo Instituto dos Advogados de São Paulo, inspirou a criação e a consequente aprovação do primeiro Código de Ética Profissional da OAB pelo Conselho Federal, obtendo vigência em 15 de novembro de 1934.

Somente no ano de 1935 é possível observar a participação mais ativa e abrangente da OAB que, diante das fortes tendências de um governo ditatorial, potencializa seu ativismo na busca pelas liberdades individuais e do modelo democrático, conquistando sua primeira menção na Constituição Federal de 1946, que inclusive determinou sua participação obrigatória nos concursos estaduais de ingresso à magistratura. Este então foi um grande marco histórico para a classe, posto que as constituições anteriores restaram-se inertes, tanto no que concerne à sua menção, quanto no âmbito de seu amplo reconhecimento (ARAÚJO, 2006, online).

Inobstante, em 1963, com a promulgação da Lei 4.215, disciplinou-se o exercício, seleção e fiscalização da advocacia através do primeiro Estatuto com força de lei que, por sua vez, provocou os primeiros debates e divergências quanto à obrigatoriedade ou facultatividade de aprovação no Exame de Ordem. Tais diretrizes foram previstas nos artigos 18, inciso VIII, alínea b; 48, inciso III e, primordialmente, no artigo 53 do supramencionado texto legal, in verbis:

Art. 53. É obrigatório o Exame de Ordem para admissão no quadro de advogados, aos candidatos que não tenham feito o estágio profissional ou não tenham comprovada satisfatoriamente o seu exercício e resultado (arts. 18, inciso VIII, letras "a" e "b"; 48, inciso III, e 50).

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§ 1º O Exame de Ordem consistirá, em provas de habilitação profissional, feitas perante comissão composta, de três advogados inscritos há, mais de cinco anos, nomeados pelo Presidente da Seção na forma e mediante programa regulado era provimento especial do Conselho Federal (art. 18. inciso VIII, letra b).

§ 2º Serão dispensados do Exame de Ordem os membros da Magistratura e do Ministério Público que tenham exercido as respectivas funções por mais de dois anos, bem como, nas mesmas condições, os professores de Faculdade de Direito oficialmente reconhecidas. (BRASIL, 1963, online)

O então antigo Estatuto, recepcionado pela Constituição Federal de 1988, apenas perdeu sua vigência com o sancionado Estatuto de 1994 (Lei 8.906/94), sob o governo de Itamar Franco, sendo este o que se encontra em vigor no atual ordenamento jurídico, abarcando todo o regimento ético e disciplinar.

Nas lições de Rubens Approbato Machado, o Estatuto atual é o responsável por traçar novos rumos à profissão advocatícia, contemplando enfim as figuras do advogado empregador e do advogado empregado, de forma a não retirar-lhes a independência profissional prevista, ou sequer os princípios éticos e a obediência às prerrogativas fiscalizatórias da OAB, sendo estes fundamentos essenciais ao exercício profissional (MACHADO, 2003, p. 78).

Neste patamar histórico, tornou-se imprescindível a reestruturação das normas éticas, motivo pelo qual o EOAB delegou algumas matérias para o Código de Ética. Entre elas, têm-se a disciplina dos deveres dos advogados e o regramento dos procedimentos disciplinares, deixando expresso em seu artigo 33, caput, a obrigatoriedade de obediência rigorosa aos deveres consignados no CED, sob pena de sanção disciplinar de censura.

Desse modo, promulgou-se em 13 de fevereiro de 1995 um novo Código de Ética e Disciplina, com vigência a partir do dia 1º de março do mesmo ano, o qual significou um grande marco para o comportamento ético da advocacia, vez que, dadas as circunstâncias sociais, abordou de forma mais ampla que o livro anterior a conduta profissional, especialmente no que diz respeito à publicidade e à atuação dos Tribunais de Ética, órgãos já obrigatórios.

Destarte, após quase vinte anos de vigência, a mesma disciplina da publicidade e os procedimentos éticos disciplinares desafiaram reiteradamente as diretrizes do livro ético, fazendo com que, nesse interregno, a evolução dinâmica dos fatos sociais trouxesse à baila imperativos ainda não regulamentados, com o advento progressivo da internet e demais ferramentas de comunicabilidade proporcionados pela Revolução Industrial que, na década de 1990, distanciavam-se de potenciais mecanismos de trabalho cotidianos para a grande população. Logo, a necessidade de readequação dos protótipos éticos tornou-se premente para um novo sistema normativo.

Outrossim, o então novo e atual Código de Ética e Disciplina, publicado por meio da Resolução nº 02/2015 no Diário Oficial da União, em 4 de novembro de 2015 e vigência assinalada para 2 de maio de 2016, sobreveio com traços estritamente deontológicos e necessários ao cenário jurídico, marcado pela forte ascensão tecnológica, que inclusive superou os processos estritamente físicos, com a inclusão do sistema eletrônico de postulação (PJe), mais uma razão pela qual a classe advocatícia reconheceu a necessidade de readequar-se.

1.2. Função social do advogado

O artigo 2º, §1º do EOAB vigente prescreve que o advogado presta serviço público no seu ministério privado e exerce função social. Isso significa dizer que a advocacia não se conceitua como uma função pública, mas é equiparada, eis que regida pelo direito público. A comparação advém da indiscutível participação da advocacia na administração pública da justiça, sem óbices à sua natureza não estatal.

Leciona Roscoe Pound que o profissional da advocacia pode ser visto como um engenheiro social (SODRÉ, 1991 apud FONTANA, 2005, online). Isto porque, ao interceder na administração da justiça, preza pela aplicação correta das normas e pela manutenção da democracia de direitos e deveres, promovendo a harmonia em detrimento ao caos social.

No que concerne à origem da denominação advocatus, define Paulo Lôbo:

Denominava-se advogado (advocatus) em Roma, inicialmente, o que era chamado em defesa (vocati ad, ad-vocati) ou que reunia prova para o patronus, durante o período aristocrático da profissão. Após a Lei das XII Tábuas, ampliou-se o direito dos que podiam pleitear causas, e limintando-se o privilégio do patriciado, assumindo contornos mais precisos a profissão de advocatus. Segundo a lição de Alexandre Augusto de Castro Corrêa (1986, p. 3), já sob Augusto, advocatus torna-se sinônimo de patronus e vemos o primeiro termo perder o primitivo sentido: postulare advocationem, e , então, pedir licença para defender um acusado. A função do advogado chamou-se officium, munus advocationis (LÔBO, 2017, online).

Nessa linha de pensamento, ao profissional da advocacia é garantido o exercício do ius postulandi, a efetivação da garantia dos interesses do seu cliente em juízo, o que permite a sua participação especial nas relações processuais como representante de uma das partes que figuram no litígio (SILVEIRA NETO; CAVALCANTE, 2006).

Sem prejuízo das exceções[1] previstas pela legislação pátria, ao postular em juízo, o defensor efetiva o múnus público a ele conferido privativamente, representando seus clientes e promovendo a intermediação para com o Poder Judiciário, pautado pelo princípio da inafastabilidade do acesso à justiça, previsto no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal. Sem desmerecer, entretanto, suas atribuições preventivas e extrajudiciais ad necessitatem de direção, consultoria e assessoria jurídicas, bem como sua indispensabilidade na constituição de pessoas jurídicas, todas essas atividades previstas pelo artigo 1º do EOAB e ascendentes em uma era de desjudicialização.

Por sua vez, o artigo 3º da Lei 8.906/94 (Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil) prevê que o exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (BRASIL, 1994, online).

Tal restrição não viola a previsão no artigo 5º, inciso XIII da CRFB/88, quando prescreve ser livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, uma vez ser necessária a qualificação profissional acima descrita e prevista em lei. Este posicionamento é firmado pelo Supremo Tribunal Federal e reiterado no julgamento do Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 198.725/SP (MAMEDE, 2013, p. 13). Na verdade, para Paulo Lôbo (2017, online), a função do Estatuto é justamente efetivar a locução qualificação profissional prevista constitucionalmente, pontuando as condições, requisitos e qualidades para o exercício da profissão.

Para além disso, o artigo 133 da CF preconiza, ipsis litteris: O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei (BRASIL, 1988, online).

A prenunciação da Carta Magna, elencada no topo da pirâmide kelsiana, revela sua essência social e sua fundamentalidade para o sistema jurídico brasileiro, sendo certa sua função própria do pacto político (MAMEDE, 2013, p. 24) transcendente na defesa dos princípios e fundamentos constitucionais.

É possível perceber a substancialidade da função social do advogado em outros textos legislativos, com suas respectivas forças jurídicas, a exemplo da Súmula Vinculante nº 14, do STF, a qual discorre sobre o acesso amplo do defensor aos elementos de prova já documentados em procedimento investigatório promovido por órgão competente, para o exercício do direito de defesa.

Não obstante, as prerrogativas conferidas ao advogado estão dispostas no artigo 7º do EOAB, o qual atribui a plena liberdade de exercício em todo o território nacional, confere a inviolabilidade do escritório ou local de trabalho e o ingresso livre em Tribunais ou órgãos judiciais, por exemplo. Tais direitos se coadunam ao expresso pelo artigo 6º do mesmo códex, ao estabelecer que inexiste hierarquia entre advogados, magistrados ou membros do Ministério Público.

Na divisão tripartida de poderes, o legislador atentou-se à expansão da autonomia do Ministério Público e à atribuição extraestatal indispensável à administração do Estado Democrático de Direito, conferida ao advogado regularmente inscrito. Assim, em sendo espécie do profissional de direito, o advogado detém mister responsabilidade social no papel concretizador de defesa das instituições e dos interesses que a ele couberem, dentro dos limites éticos de um exercício probo.

Parte dessa premissa a importância teleológica na concepção e integração da atividade, promovendo sua atuação garantidora. No mesmo contexto, conforme já mencionado, o desempenho do patrono ultrapassa a postulação em juízo, de forma que o interesse do seu cliente e a defesa de seus direitos tornam-se prioridades no controle externo difuso, reconhecidas inclusive pela Súmula 343 do Superior Tribunal de Justiça, cujo talante dita ser obrigatória a presença de advogado em todas as fases do processo administrativo disciplinar[2].

A previsão do artigo 1º, inciso II, do EOAB intenta delinear que o exercício da profissão não se limita a promover demandas judiciais, ou seja, o objetivo não é estimular a contenciosidade. Esta deficiente percepção descredibiliza não só o advogado, como também o próprio ambiente jurídico e os institutos do Direito, conforme demonstrar-se-á.

Sumariamente, dentre a extrajudicialidade, a consultoria jurídica consiste na resposta jurídica adequada às dúvidas formuladas pelos interessados, sem que isto necessariamente resulte em uma postulação em juízo (MAMEDE, 2013, p. 18). A direção jurídica, por sua vez, encontra-se nos atos de administrar, gerir, coordenar, definir diretrizes de serviços jurídicos (LÔBO, 2017, online).

Em contrapartida, a assessoria jurídica cinge-se no acompanhamento, monitoramento e na realização de atos jurídicos, passível de visualização nos inventários e divórcios por escritura pública, por exemplo, sendo essas atuações privativas de um advogado, nos termos do Provimento nº 118/07 do Conselho Federal da OAB:

Art. 1º Nos termos do disposto na Lei n. 11.441, de 04.01.2007, é indispensável à intervenção de advogado nos casos de inventários, partilhas, separações e divórcios por meio de escritura pública, devendo constar do ato notarial o nome, o nome social, o número de identidade e a assinatura dos profissionais. (BRASIL, 2007, online)

Em análise contínua, o papel do profissional ainda é imprescindível na fundação de pessoas jurídicas, por meio do seu visto nos competentes atos constitutivos, para que então seja possível registrá-los, sob pena de nulidade, excetuando-se, entretanto, as empresas de pequeno porte e as microempresas, por expressa previsão legal (artigo 9º, § 2º, Lei Complementar no 123/06).

Essa imposição se dá pela competência do advogado em constatar se os documentos preenchem as exigências legais pertinentes, textualmente conjecturadas no artigo 2º do Regulamento Geral. Em adição a isso, por não ser mera formalidade, ante a necessidade de garantir a adequação dos atos constitutivos às exigências jurídicas (MAMEDE, 2013, p. 19), o advogado pode ser civilmente responsabilizado por eventuais defeitos nesses atos, se constatada ocorrência de danos a outrem, com fulcro no artigo 32 do EOAB c/c o artigo 186 do Código Civil, tratando-se de um exemplo de responsabilidade subjetiva.

Em linhas gerais, na consumação do Direito, o advogado atua de forma severa na representação populacional, assincronicamente ao controle interno estatal, movido pela busca da materialização da máxima que descreve que o poder emana do povo.

1.3. Vedação à mercantilização no exercício profissional

Apesar de asseverada sua indispensabilidade e imunidade profissional nos artigos 2º e 7º, §2º, do EOAB, respectivamente nos quais o último assenta não constituir injúria ou difamação puníveis qualquer manifestação por parte do advogado, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele o profissional não estará isento das sanções disciplinares perante a OAB, pelos excessos que cometer.

Aplicação analógica passível de referenciar, se dá quanto à proibição de mercantilização da atividade advocatícia. O Código de Ética representa um compilado de boas condutas que objetivam uniformizar a disciplina da classe, de modo a conservar sua respeitabilidade e confiança entre os profissionais que atuam e as pessoas com as quais estes se relacionam, em respeito ao interesse social envolto.

Por seu turno, a mercantilização, enquanto atividade integrada à obtenção de lucro e acúmulo de riquezas, com o objetivo supra de angariar consumidores e ampliar o leque de consumo, é totalmente inconciliável com uma profissão vetora de respeitabilidade aos fundamentos da República democrática de direitos, com premissa expressa no artigo 5º do CED, qual seja: O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização (BRASIL, 2015, online).

Sobre essa temática, assevera José Renato Nalini que:

A sociedade de massa, também considerada a sociedade da informação e da comunicação, fortaleceu os meios de divulgação das profissões. O serviço profissional é bem de consumo e, para ser consumido, há de ser divulgado mediante publicidade (NALINI, 2009, p. 370).

Cediço que o serviço prestado pelo advogado conceitua-se como um bem de consumo e, consequentemente, necessitará de divulgação. Para tanto, as primazias legislativas da ética da advocacia surgem para padronização e ratificação da prudência que, por sua vez, tornam-se necessárias para a não desestimulação do senso crítico da área. Por isso o desígnio do artigo 7º do supracitado diploma legal, em que encontra-se a vedação do oferecimento de serviços profissionais que impliquem, direta ou indiretamente em angariar ou captar clientela (BRASIL, 2015, online).

Tal afirmativa não significa dizer que o advogado está proibido de anunciar ou divulgar seus serviços, mas sim que precisa fazê-lo com discrição e moderação (NALINI, 2009, p. 370), em razão da sua natureza jurídica, garantindo um caráter informativo em sua publicidade profissional, com a devida cautela à preservação da confiabilidade patrono cliente. Pois, segundo Paulo Lôbo (2017, online) os deveres de decoro, urbanidade e polidez são obrigatórios para o advogado.

A analogia anteriormente referenciada se concretiza através do artigo 39 do CED, ipsis verbis: A publicidade profissional do advogado tem caráter meramente informativo e deve primar pela discrição e sobriedade, não podendo configurar captação de clientela ou mercantilização da profissão. Logo, o diploma reporta os regramentos alusivos à publicidade moderada, com a finalidade de distanciar a prática do mercantilismo ou da vulgarização da profissão. Adiante, o presente trabalho irá pontuar os limites atualmente descritos pela legislação e criticados pela doutrina, ante a forte imposição da informatização contemporânea.

Sem embargos, o mercantilismo provém de longos contextos históricos que permeiam o surgimento dos sistemas capitalistas mundiais, sendo importante fator proporcionador da Revolução Industrial, consignando-se na Revolução Mercantil. Em suma, engloba práticas desregradas e competitivas para gerar consumo e agregar clientela. Para tanto, o investimento reiterado em diversas formas de publicidade torna-se consequência lógica e desmedida, pois a divulgação do produto é fator prioritário.

Em polo contraposto, a contratação de um causídico se dá pela lesão ou a ameaça dela a um bem da vida do cidadão. Essa tarefa representa grande relevância e, logicamente, exigirá do profissional uma atuação técnica e regida de confiabilidade frente a premente necessidade de revelação de informações íntimas, familiares, honrosas ou que tangem aos seus bens e haveres, com a escusa do melhor interesse a ser amparado.

Consequentemente, conclui-se a sua natureza como sendo sui generis e compreende-se a censura aplicada àqueles que praticam a publicidade imoderada, pois, não trata-se aqui de mera relação mercantil ou comercial. Trata-se de uma prestação de serviços de confiabilidade, regidos pela técnica e formação prudente, sem que isso implique necessariamente em uma medida de judicialização, conforme impõe o artigo 41 do CED ao esclarecer que as colunas que o advogado mantiver nos meios de comunicação social ou os textos que por meio deles divulgar não deverão induzir o leitor a litigar nem promover, dessa forma, captação de clientela (BRASIL, 2015, online).

De forma desafiadora, é inegável o status de modernização da sociedade, com o advento da tecnologia e das redes sociais que interagem vida pessoal e profissional, sobretudo com o prelúdio do Marco Civil da Internet, responsável por impor à toda conjuntura o cumprimento das obrigações dele decorrentes, após normatizado. Cabem aos defensores, à vista disso, a submissão aos conceitos de moderação e caráter informativo de suas anunciações profissionais, primando inclusive pela integridade da classe, tal qual descreve o aludido artigo 39 do CED.

Desta feita, é clarividente a incompatibilidade existente entre o exercício mercantil e a advocacia, ante a não consideração dos advogados como prestadores de serviços pelo sistema protecionista de consumo. Logo, as relações advocatícias e suas implicações não resultam em uma relação consumerista, por se tratar de atividade fora do mercado de consumo e, para tanto, inaplicável o Código de Defesa do Consumidor para eventuais desdobramentos.

A relação entre cliente e advogado é efetivada pela confiabilidade depositada pelo primeiro em favor do segundo, sendo consequentemente aversa à regra atual de contratações massificadas, não havendo o que se falar em hipossuficiência na contratação advocatícia para dirimir quaisquer lides em matéria civil contratual.

Nesse seguimento, é pacífico o entendimento do STJ:

AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS - INAPLICABILIDADE DO CDC - ESCÓLIO JURISPRUDENCIAL - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE DEU PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL. INSURGÊNCIA DO AUTOR. 1. Nos termos do Enunciado n. 568 da Súmula desta Corte Superior e do artigo 255, § 4º, inciso III, do RISTJ, o relator está autorizado a decidir monocraticamente quando houver jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça. 1.1. Na hipótese, a decisão agravada está amparada na jurisprudência dominante desta Corte, razão pela qual não há falar na inadmissibilidade do julgamento monocrático. Incidência da Súmula 568/STJ e do art. 932, VIII do NCPC c/c art. 255, § 4°, III do RISTJ. 2. A jurisprudência desta eg. Corte Superior possui entendimento firmado no sentido de que não há cerceamento de defesa quando o julgador considera desnecessária a produção de prova, mediante a existência nos autos de elementos suficientes para a formação de seu convencimento. Precedentes: AgRg no AREsp 281.953/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 05/03/2013; AgRg no AREsp 110.910/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/02/2013, DJe 20/03/2013. 3. É orientação assente do STJ que o Código de Defesa do Consumidor - CDC - não é aplicável às relações contratuais entre clientes e advogados, as quais são regidas pelo Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil - OAB, aprovado pela Lei n. 8.906/94. Precedentes: REsp 1.228.104/PR, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/03/2012, DJe 10/04/2012; REsp 1123422/PR, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 04/08/2011, DJe 15/08/2011; REsp 1.155.200/DF, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 22/02/2011, DJe 02/03/2011; AgRg no AREsp 429026 / PR, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, DJe de 20/10/2015 (BRASIL, 2018, online, grifo nosso)

Além disso, o Conselho Federal da OAB editou a súmula 02/2011, cujo enunciado é sólido ao afirmar que os pressupostos filosóficos do CDC e do EOAB são antípodas e a Lei 8.906/94 esgota toda a matéria, tornando certo que a Lei da advocacia afastará até mesmo a aplicação subsidiária do Código Consumerista, por conta da sua especialidade e matéria exauriente. Inobstante, trata-se o EOAB de norma posterior e de caráter especial, afastando a relação de consumo nas prerrogativas, obrigações e funções que concede ao advogado, estando entre as proibições a ele impostas a de utilização de agenciador e da captação massificada de clientela (SILVEIRA NETO; CAVALCANTE, 2006, online).

Por tais razões, conquanto a atividade mercantilista pura tenha por premissa a obtenção de lucro, para o profissional da advocacia essa realidade não prevalece como finalidade. Tal afirmação se dá pela inconteste aceitação da publicidade no meio jurídico, desde que afastados os alardes ou a chance de provocação dos potenciais clientes, enquanto público de massa, a procurar-lhes unicamente pelos benefícios que anunciem pelos seus serviços particulares.

A crítica que se estabelece é pela facilitação da mecanização do trabalho com os adventos tecnológicos que, quando não são bem aplicados, facilitam não só a postulação em juízo e consequente afogamento do Poder Judiciário, como também o controle de produção, permitindo ao advogado o desvirtuamento do pensamento crítico que promoveu a classe, indo de encontro a um tratamento de clientes como forma pura de arrecadação econômica.

Entendimento consubstanciado:

Todo esse processo tecnológico obrigou os advogados a reorganizarem seus escritórios, pois cada vez menos se necessita de espaço físico, ou de pessoal que se dedique exclusivamente ao atendimento dos clientes, pois verifica-se que todos esses instrumentos não têm sido mais tão necessários como eram a tempos atrás, justamente por isso que a tecnologia deverá ser um aliado para que se possa criar outros tipos de profissionais que serão úteis em outros setores de mercado, como por exemplo, profissionais especializados em tecnologia e que possam atuar no meio jurídico também. Quando falamos nas novas tecnologias no sentido de como mudará a profissão forense e o trabalho do advogado com seu surgimento, não nos referimos apenas a internet, sites profissionais, Linkedin, redes sociais, pois esta é uma realidade com a qual todos estamos acostumados (MASSARO, 2018, online).

Ou seja, a preocupação hodierna tangencia o modo com que o profissional advogado ou o escritório de advocacia estará aplicando a tecnologia a seu favor, sem que o usufruto dos bons recursos que a Revolução Industrial é capaz de estimular se torne um aliado na prática de infrações éticas ou até mesmo em mascarar o cometimento de atos que, indubitavelmente, resultarão em captação desenfreada de clientela e giro de riquezas.

Aqueles que ocupam os mais altos cargos da Ordem demonstram sua preocupação pela regulamentação e fiscalização, que consequentemente encontra-se desajustada, sob a análise de aplicação da norma em um contexto social que está à frente, não disposto de forma taxativa. Ora, a história do contexto jurídico nacional carrega consigo três Códigos de Ética, sendo que o mais recente deles, publicado no ano de 2016, ainda não conseguiu alcançar todos os aspectos que as mídias digitais englobam.

Indiscutível o fato de que as normas imperativas éticas, assim como o próprio Direito, não são casuísticos, sendo impossível a previsão de todos os casos possíveis, ante as particularidades que cada um carrega consigo. Todavia, é sob a ótica da necessidade de adaptação da norma geral e abstrata que passa-se a perceber a importância do não adiamento dos debates aqui propostos e presentes dentro dos Conselhos Federal e Seccionais, valorando-se a indispensabilidade de devoção ao tema para uniformização de posturas e alcance de aplicabilidade paritária entre os profissionais.

2. CONSTITUIÇÃO DAS SOCIEDADES DE ADVOGADOS E SEUS DESDOBRAMENTOS

O aumento da volatilidade das relações, somado à globalização insaciável, resultam na necessidade de ampliação das formas de trabalho, com maior produção e, para tanto, na colaboração de parceiros, repercutindo assim na necessidade de associação. Antes que essa associação constituísse formatos de empresa propriamente dita, as referências do ordenamento jurídico fizeram com que a mera prestação de serviço evoluísse a uma relação profissional especializada.

Assim sendo, Gonçalves Neto (2016 apud SASAKI, 2018, online) afirma que [...] ela [a sociedade advocatícia] não tem por fim prestar serviços de advocacia, mas possibilitar que os advogados nela reunidos (como sócios, associados ou empregados), possam exercê-la de maneira mais racional e organizada do que o fariam isoladamente.

Desse modo, caberá demonstrar neste capítulo a definição do regime jurídico das sociedades advocatícias, a caracterização de suas espécies e as principais diferenciações. Além disso, buscar-se-á ponderar sobre a descrição das obrigações elementares e desdobramentos da formação de uma organização sui generis, em conluio com as funções competidas à entidade que as rege.

2.1. Regime jurídico

O Código Civil vigente define como empresário aquele que exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a promoção ou a circulação de bens ou de serviços, conforme caput do artigo 966. Dispensa-se da categoria aqueles que exercem profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, exceto se o exercício desta profissão constituir elemento de empresa.

A partir dessa premissa, identifica-se de antemão a desvinculação do profissional da advocacia ao desenvolvimento de atividade econômica com objetivo fim de lucro e, consequentemente, à sua não compatibilidade de denominação como empresário. Da simples leitura do texto civilista, percebe-se a simetria daqueles que exercem a advocacia como profissionais liberais incluídos nas exceções do parágrafo único do supramencionado artigo, graças à preponderância da relação humana e pessoal existente.

Conforme demonstrado, o Estatuto da OAB respalda essa incompatibilidade da advocacia com uma atividade empresarial, ante a expressa vedação de sua mercantilização. Desse modo, o diploma promove a existência de regimento próprio à essas sociedades, confirmando sua natureza jurídica.

Nesse sentido, no que tange à cristalina divergência entre a atividade comercial e a atividade jurídica da advocacia, esclarece Ramos (2011, p. 46) que a conclusão, que parece óbvia, ostenta um pequeno, mas relevante equívoco: [...] nem toda atividade econômica configura atividade empresarial, já que nesta é imprescindível o elemento da organização dos fatores de produção.

Posto isso, o EOAB detém um capítulo regulamentar exclusivo à licitude da constituição de sociedades por advogados (Capítulo IV). O seu artigo 15 inspeciona a possibilidade de reunião de advogados em sociedade simples de prestação de serviços ou, alternativamente, constituição de uma sociedade unipessoal de advocacia, estendendo a disciplina ao Regulamento Geral.

Em sendo sociedade exclusivamente de pessoas e com finalidades profissionais, a sociedade de advogados, incontestavelmente, possui natureza sui generis, não se confundindo com qualquer outra prevista no ordenamento civil. Isto porque não se configura em sociedade empresarial, mas também não caracteriza-se puramente em sociedade civil, importando destacar a substituição deste último termo no caput do sobredito dispositivo para sociedade simples, graças à redação dada pela Lei 13.247/16.

A aquisição da personalidade jurídica das sociedades advocatícias se deu com a edição da mesma lei, de 12 de janeiro de 2016, atribuindo nova redação especificamente ao parágrafo 1º, artigo 15, EOAB, o qual exige o registro aprovado dos atos constitutivos no Conselho Seccional da OAB em cuja base territorial empresária tiver sede, no chamado Registro das Sociedades de Advogados.

Ademais, outorga-se à Seccional a competência subsidiária para examinar o ato constitutivo, possibilitada sua rejeição sumária, bem como a determinação de diligências ou retificações, objetivando garantir o respeito às normas enunciativas do órgão regente e a eficácia no impedimento de cláusulas que ofendam as premissas da classe, como por exemplo, o referenciado óbice da mercantilização, ou até mesmo a iminência de fraude legislativa (MAMEDE, 2013, p. 110).

Desse modo, a própria OAB funciona como registro público competente para inscrição, averbação de alterações contratuais e demais atribuições correlatas que, no âmbito das sociedades empresárias, incumbiriam à Junta Comercial. Portanto, são nulos quaisquer registros ou arquivamentos de sociedades de advogados em qualquer ofício, junta ou departamento governamental de pessoa jurídica advocatícia (MAMEDE, 2013, p. 110), assim como também são irregulares os escritórios que não possuem o competente arquivamento junto à Ordem.

Ocorre que a sociedade de advogados é constituída, por essência, intuitu personae e, a incompatibilidade existente entre a mercancia e a advocacia empece que os títulos societários sejam amplamente negociados, de forma que a aquisição do status societário não seja difundida unicamente pelo seu aspecto patrimonial, em desprestígio de sua dimensão social (MAMEDE, 2013, p. 116).

Assim sendo, o livre exercício empresarial da advocacia certamente resultaria em uma competição exacerbada e desigual entre uma sociedade unipessoal, um advogado, um pequeno escritório e uma grande sociedade já emancipada dos obstáculos postos pelo mercado de trabalho afunilado. Isto é, causaria certo abalo à dignidade da profissão e alcançaria a principal característica amplamente vedada: a mercantilização.

Notoriamente, encontra-se assim outra grande diferença do regime jurídico que abarca uma sociedade simples advocatícia daqueles que regem uma sociedade civil ou empresária prevista pelo Código Civil de 2002, dado o exposto que estes últimos se submetem ao registro em Junta Comercial.

Neste interlúdio, explicita Paulo Lôbo:

A Lei n. 13.247/2016, que introduziu no sistema da Lei n. 8.906/94 a sociedade individual de advocacia, modificou a expressão sociedade civil para sociedade simples, relativamente à sociedade coletiva de advogados, mas não remeteu esta ao regime do direito de empresa do Código Civil, incluindo sua espécie sociedade simples (arts. 997 a 1.038). Assim é porque tanto a sociedade (coletiva) de advogados quanto a sociedade individual de advogados são exclusivamente regidas pela Lei n. 8.906 [...] Assim, os preceitos do Código Civil não são aplicáveis, ainda que supletivamente. (LÔBO, 2017, online, grifo nosso)

Em caráter complementar, Mamede (2013, p. 110) pontua que a pessoa jurídica advocatícia, portanto, recebeu um regime jurídico próprio, voltado a garantir que, também por meio de uma pessoa jurídica de Direito Privado, a advocacia cumpra suas finalidades institucionais. Tal percepção reforça a caracterização da sociedade advocatícia como universitas personarum.

Não obstante, o Conselho Federal da OAB, munido da atribuição que lhe confere o artigo 54, inciso V do EOAB, publicou o Provimento nº 112/2006, que dispõe esparsamente sobre as sociedades de advogados, garantindo-lhes segurança jurídica em termos de requisitos para construção da razão social, do contrato social e demais deliberações pertinentes, reafirmando em seu artigo 7º, caput, que:

Art. 7º O registro de constituição das Sociedades de Advogados e o arquivamento de suas alterações contratuais devem ser feitos perante o Conselho Seccional da OAB em que for inscrita, mediante prévia deliberação do próprio Conselho ou de órgão a que delegar tais atribuições, na forma do respectivo Regimento Interno, devendo o Conselho Seccional, segundo o disposto no artigo 24-A do Regulamento Geral, evitar o registro de sociedades com razões sociais semelhantes ou idênticas, ou provocar a correção dos que tiverem sido efetuados em duplicidade, observado o critério da precedência. (BRASIL, 2006, online)

Com esse registro, o Conselho Seccional lhe atribui uma dupla natureza: declaratória e constitutiva, uma vez que atribui personalidade jurídica a um negócio jurídico anteriormente atestado, bem como garante publicidade a ele.

Por conseguinte, respaldando a premissa de não mercantilização, torna-se necessária a adoção de medidas consequentes, tais como aquelas previstas pelo artigo 16 do EOAB, o qual define que:

Art. 16.  Não são admitidas a registro nem podem funcionar todas as espécies de sociedades de advogados que apresentem forma ou características de sociedade empresária, que adotem denominação de fantasia, que realizem atividades estranhas à advocacia, que incluam como sócio ou titular de sociedade unipessoal de advocacia pessoa não inscrita como advogado ou totalmente proibida de advogar.  (BRASIL, 1994, online)

Rejeitado o modelo empresarial, o serviço público da advocacia, exercido em ministério privado, obtém seu capital da própria produção intelectual de seus advogados inscritos, permitindo-lhes, enquanto sociedade, nos termos do artigo 42 do Regulamento Geral, o uso da razão social para a prática dos atos indispensáveis às suas finalidades, desde que não privativos de advogado. Essa proposição se dá pelo desenvolvimento de atividade-meio, e não atividade-fim.

Abaixo, denota-se um quadro comparativo entre as referidas formas societárias, com o propósito de delinear suas divergências basilares até então demonstradas.

Quadro 1 Comparativo sociedades empresárias e sociedades advocatícias.

Sociedade Empresária

Sociedade de Advogados

Natureza jurídica

Pessoa jurídica de Direito Privado (art. 44, II, CC)

Sui generis, classificada como sociedade simples

Regulamentação jurídica

Artigo 982, caput, CC

Artigo 15, caput, EOAB

Local de registro

Junta Comercial

Conselho Seccional da OAB

Finalidade

Exercício de atividade econômica organizada para circulação ou produção de bens (atividade mercantil, art. 981, caput, CC)

Finalidade lucrativa através da prestação de serviços técnicos (atividade intelectual, art. 966, § único, CC)

Peculiaridades

- Permitida a adoção de nome fantasia;

- Vedado o uso de denominação fantasia (art. 16, EOAB);

- é livre a associação;

- só compõem o quadro societário os advogados regularmente inscritos;

- responsabilidade dependerá da forma de exercício da atividade empresarial;

- responsabilidade subsidiária e ilimitada dos sócios por eventuais danos causados pela sociedade de advogados (art. 17, EOAB).

Fonte: Autora, 2020.

Com essas pontuações modulares, percebeu-se que o Estatuto, ao assumir a competência exclusiva de regulamentação das sociedades de advogados, sejam elas simples ou unipessoais, serviu como um incentivo às constituições societárias da classe. Isso porque antes, essas não se viam tão asseguradas, considerando a rasa abrangência do Direito Civil e seus códigos pregressos, ressaltada a incompatibilidade com o Direito Empresarial e o plus trazido pela proteção ao prestígio da advocacia.

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