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Pedido de falência e reconvenção

10/03/2022 às 15:06
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É permitido ao réu em ação de falência ir além da resistência à pretensão do autor, propondo reconvenção como modalidade de defesa?

Após a citação válida do devedor (Lei 11.101/05, art. 98), algumas medidas por ele podem ser tomadas. De início, simplesmente poderá concordar com o pedido de abertura judicial de sua falência, retirando-se do mercado.

Entrementes, tal silêncio há de ser examinado com cautela pelo juiz, considerando, principalmente, a regra do art. 142 do CPC, ou seja, cabe-lhe, à vista da situação concreta, reprimir atos contrários à dignidade da justiça. É um dever legal imposto pelo código[1].

Por outro lado, em caso de silêncio do réu, ao juiz caberá verificar se presentes todos os pressupostos processuais e condições da ação - não obstante anteriormente tenha proferido despacho inicial positivo - verificando, inclusive, se de fato há motivos autorizadores para a abertura judicial da falência.

Destarte, poderá até extinguir o feito sem resolução de mérito (CPC, art. 485), até mesmo quando se detecte que o objetivo do autor não é a abertura da falência, mas sim cobrança de dívida, consoante assentado pelos tribunais.

Nesse passo processual, quer-se crer, não é de se indeferir a petição inicial (CPC, art. 321), porquanto este momento processual já foi ultrapassado (lembre-se que houve determinação de citação e o ato judicial foi cumprido).

Além das hipóteses legais previstas tanto na lei de regência quanto no Código de Processo, no tocante à defesa, sob a forma de contestação[2], cabe indagar se aplicável a regra do art. 343 do CPC, ou seja, se é permitido ao réu ir além da resistência à pretensão do autor, propor reconvenção [modalidade de defesa][3].

Necessárias algumas ponderações reputadas convenientes.

Em primeiro lugar, não obstante a lei processual continuar utilizando o termo reconvenção, a bem de ver, se trata de pedido contraposto formulado pelo réu em face do autor, não descuidando que o pleito haverá de ser formulado dentro da contestação e não em peça apartada, tal como ocorria no CPC de 1973 (art. 315); em ambos os códigos é possível reconvir sem contestar. Nessa esteira, caso inexiste contestação, poderá ser decretada a revelia (CPC, arts. 344 e 345), caso presentes os requisitos legais.

Demais, a reconvenção - diante da sua autonomia - poderá ser julgada, mesmo que eventualmente extinta sem resolução do mérito a ação principal ou haja formulação de desistência por parte do autor (CPC, art. 343, §2º). Da mesma forma, caso haja desistência da reconvenção ou extinção sem resolução do mérito, prosseguirá a principal regularmente.

No que diz com a natureza jurídica do instituto da reconvenção, trata-se indisfarçavelmente de ação, na qual figurará como autor o réu (reconvinte) e réu o autor (reconvindo). Assim, numa mesma demanda judicial haverá dois pedidos, um formulado pelo autor propriamente dito e outro, pelo réu, que assume nova posição processual.

O exercício do direito constitucional de ação, pelo réu, após a regular citação, é condicionado a alguns pressupostos específicos, além do cumprimento efetivo dos requisitos estabelecidos na lei processual civil (condições da ação, preenchimento dos pressupostos processuais etc.).

Estabelece a lei que cabível a reconvenção quando conexa com a ação principal e/ou servir como fundamento de defesa[4].

O pedido de abertura judicial de falência há de se basear numa das hipóteses elencadas no art. 94 da Lei 11.101/05, isto é: (i) não pagamento de dívida, observados os requisitos constantes do inciso I; (ii) executado por quantia líquida, não procede ao pagamento, não deposita a quantia reclamada ou deixe de nomear bens à penhora, conforme inc. II; (iii) pratica atos prejudiciais aos credores (inc. III).

Em hipóteses tais, qual seria a conexão do pedido [e/ou matéria de defesa] com a matéria apresentada na inicial de falência? Onde o pressuposto processual específico? Onde o interesse de agir, por parte do réu? Onde as condições da ação, enfim? Onde a presença do art. 55 do CPC?

Ora, ação e reconvenção, observados os requisitos legais mencionados, estarão sintonizadas, com nexo jurídico efetivo entre os objetos; haverá cumulação objetiva de ações.

O pedido reconvencional, com efeito, há de ser efetivamente conexo com o pleito formulado pelo autor. E qual é o pleito deste? Que seja proferida sentença decretando a falência do devedor e sua imediata retirada do mercado.

Qual seria o pedido conexo formulado pelo réu? Como poderia ele requerer a falência do autor dentro do próprio processo? Onde a compatibilidade entre as ações? A resposta ao questionamento já se está materializando.

Disserta Humberto Theodoro Júnior:

Há identidade de objeto quando os pedidos das duas partes visam o mesmo fim (ex.: o marido propõe ação de separação por adultério da esposa e esta reconvém pedido a mesma separação, mas por injúria grave cometida pelo esposo; um contraente pede a rescisão do contrato por inadimplemento do réu e este reconvém pedindo a mesma rescisão, mas por inadimplemento do autor)[5]

Em sede de pedido de falência, não se consegue deslumbrar qual será a causa petendi que poderia pelo réu reconvinte ser alegada. Demais, não se nos parece crível possa ele requerer a abertura judicial do autor, porquanto, injurídico via reconvenção. Inexiste conexão [compatibilidade] entre as demandas (pedidos imediato [sentença de mérito] e mediato [benefício/utilidade buscado pela parte demandante]), requisito indispensável para que se possa reconvir.

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Não se argumente que a reconvenção teria arrimo no art. 101 da Lei 11.101/05, porquanto, os desvios no pleito do autor do pedido de falência e o dolo com que agiu, detectados na sentença, decorrem dela, apenas.

Com efeito, não se consegue detectar qualquer liame de conexão objetiva entre as questões, porquanto o pedido de falência é fundamentado em uma das hipóteses legais, já descritas e, salvo engano, não haveria como o réu (reconvinte) alegar os mesmos fundamentos jurídicos e fatos em relação ao autor (reconvindo).

O não pagamento de dívida líquida, sem relevante razão, não poderia ser utilizado pelo réu como fundamento para requerer a abertura judicial da falência. As demais hipóteses elencadas no art. 94 da lei seguem o mesmo destino. Lembre-se que não pagamento de dívida é fundamento do pleito, mas não cabe pedir que simplesmente seja depositado o valor.

O pedido de falência há de ter motivação bem mais nobre, consoante escopo da própria lei: retirada do devedor do mercado e não espírito emulativo de cobrança.

Incabível pedido de reconvenção, por parte do réu, para fins de abertura judicial da falência do autor [art. 75 da Lei 11.101/05], salvo melhor entendimento.


NOTAS:

  1. O credor e o devedor podem estar com objetivos ilícitos, como por exemplo, criar prejuízos aos demais credores. A simulação pode ser detectada e aí se impõe medidas enérgicas por parte do juiz condutor do processo.
  2. CPC, arts. 64, 146, 335, 336 e 337.
  3. Escreve Humberto Theodoro Júnior: Segundo tradição que remonta ao Direito Romano, com ela se formam duas ações mútuas num só processo: a originária, que os jurisconsultos romanos chamavam de conventio, e a segunda, oposta àquela pelo réu reconventio. Curso de Direito Processual Civil. Volume I. Teoria geral do direito processual civil e processo de conhecimento. 52ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 401. Destaques no original. A reconvenção, ação onde se invertem os polos, tem também como escopo a não multiplicação de ações e economia processual.
  4. Observe-se a regra do art. 96 da Lei 11.101/05.
  5. Op. cit., p. 402.
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Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CLARO, Carlos Roberto. Pedido de falência e reconvenção. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6826, 10 mar. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/96717. Acesso em: 23 abr. 2024.

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