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A Lei nº 11.441/07:

separações consensuais e partilhas feitas por via cartorária

04/04/2007 às 00:00
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1. A era Pré- Lei 11.441/07

Jamais se poderia imaginar, no início do século passado, que um casal pudesse ir ao Cartório de Notas e desfazer os laços matrimoniais, considerados naquela época eternos e indissolúveis. Muito menos que passasse por uma mente sensata que tal atitude pudesse ser de interesse social, a ponto de ser sacramentada numa lei aprovada numa casa tão ilustre como o Congresso Nacional. Em outras palavras: nunca se esperaria que deputados e senadores ousassem atentar contra os vínculos do casamento de forma tão incisa quanto o fizeram ao aprovarem a lei 11.441, de 4 de janeiro de 2007. Será um sinal de como o novo milênio concebe essa instituição duplamente milenar?

Na verdade, trata-se de mais uma etapa nesse processo que se iniciou há mais tempo do que a aprovação da lei 8.515, do senador Nélson Carneiro, em 1977. Em 1900, casava-se para sempre. Não se concebia a possibilidade de algum dos cônjuges querer, um dia, separar-se. Só a morte tinha essa competência. E, sozinho, o outro teria, em geral, que ficar viúvo, fiel à memória do cônjuge falecido.

Senão, vejamos como funciona a lei 11.441/07 e que benefícios ela traz para a sociedade, em particular para o casal que quer se separar.


2. Da lei 11.441/07

Há muito se discute, no meio jurídico, sobre o acúmulo de processos ocorrido junto ao Poder Judiciário. Indiscutível que a morosidade da justiça está ligada a essa situação que resulta numa justiça tardia e por isso mesmo injusta.

As últimas reformas do CPC foram no sentido de se dar agilidade ao processo. A começar pela reforma da execução, a qual possibilitou que a satisfação dos créditos reconhecidos em títulos judiciais fique na dependência somente de uma fase do processo de conhecimento, denominada de "cumprimento de sentença", e não mais da propositura de uma nova ação, in casu, a executiva.

E agora, surge a lei 11.441, de iniciativa do Ministro Márcio Tomás Bastos, que, tomado por esse ideário reformista, submeteu à apreciação do Presidente da República proposta de reforma do CPC, no sentido de possibilitar que inventários, partilhas, separações e divórcios consensuais pudessem ser feitos pela via administrativa.Tal iniciativa culminou na aprovação da referida lei, cuja sanção e vigência tiveram início em 04 de janeiro do corrente.

Não obstante as opiniões em contrário ( especialmente a de que a partilha de bens implica sempre em jurisdicionalidade, por isso andava bem o legislador de outrora, que a colocou no Título dos Procedimentos Especiais de Jurisdição Voluntária), a corrente doutrinária majoritária sustenta a opinião de que se trata de administração de interesse privado. Isso significa dizer que, para estes doutrinadores - representados pela ilustre jurista Ada Pellegrini Grinover, dentre outros - na jurisdição voluntária não há litígio, há negócio jurídico privado; não há partes, mas interessados; não há processo, mas procedimento de administração pública de interesses privados.

Portanto, em que pesem as posições em contrário, a nova lei é muito bem-vinda, pois significa um avanço em termos de desburocratização, que remonta aos idos do ministro Hélio Beltrão e de seu ministério de igual nome. Quem vai ganhar com a desburocratização do procedimento do inventário, da partilha, da separação e do divórcio consensuais é toda a sociedade, que terá o benefício de um judiciário desafogado e mais ágil.


3. Do que a lei mudou

Antes da lei 11.441/07, conforme dispunha o antigo artigo 982 do CPC, o inventário e a partilha eram sempre processados judicialmente, mesmo que todas as partes fossem capazes; ou seja, a tutela jurisdicional sempre tinha de ser acionada, apesar de toda a consciência que a pessoa maior e capaz tem para bem dispor de sua vontade.

Agora, a partilha de bens poderá ser feita no próprio cartório de notas, por meio de escritura pública, desde que presentes os seguintes requisitos: não haja testamento; os interessados sejam capazes e cordatos quanto à divisão de bens; todos estejam assistidos por advogado. Ou seja, a contrario sensu, se houver testamento, menores, incapazes e litígio, a partilha será judicial.

A separação e o divórcio eram sempre judiciais; a partir da nova lei, poderão ser consensuais, e feitos também no cartório de notas, desde presentes alguns requisitos. Vejamos a redação do artigo 1124-A, inserido no CPC pelo novo instituto legal:

Art 1124-A- A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo dos cônjuges quanto à retomada pela mulher de seu nome de solteira ou à manutenção do nome adotado quando do casamento

§1º - A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e para o registro de imóveis.

§2º - O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum, ou advogados de cada um deles, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial.

§3º - A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da Lei.

A lei prevê alguns requisitos para o procedimento de separação e divórcio consensuais pela via administrativa. Os interessados deverão estar assistidos por advogado, que pode ser comum às partes ou de cada uma delas, não poderá haver filhos menores ou incapazes e a escritura pública deverá dispor sobre a partilha dos bens comuns, a pensão alimentícia e a retomada, pela mulher, do nome usado anteriormente ao casamento.

Não se pode duvidar de que a presente lei atende aos princípios usados pelo ministro Márcio Tomás Bastos para justificar a sua proposição: a racionalidade e a celeridade nos serviços públicos. Um processo, mesmo consensual, que poderia levar meses para chegar ao fim; com a nova lei, pode ser resolvido em poucos dias, senão em um dia, se a documentação estiver em termos.

Pretendeu o legislador atender ao princípio da segurança jurídica ao não permitir a separação e o divórcio litigiosos, e mesmo o consensual quando houver filhos menores e incapazes, bem como ao colocar como obrigatória assistência do advogado.


4. Das interrogações

Nesse momento em que é colocada no mundo jurídico a lei que desburocratiza os processos de separação, divórcio e partilha, passo a pontuar algumas questões às quais acredito que os aplicadores do direito deverão lançar luzes.

O primeiro deles, a proibição da separação consensual pela via do tabelionato, quando os interessados tenham filhos menores ou incapazes, parece-me correta. Entretanto, num momento em que o direito de família tem caminhado a passos largos para a valorização da filiação sócio-afetiva, da convivência do núcleo familiar que se forma não somente dos laços sanguíneos, a nova lei parece ter sido por demais genérica. Poderia ter sido expressa e designado todas as formas de filiação possíveis. Por isso, disse menos que deveria ao usar a expressão genérica filhos e perdeu a oportunidade de avançar o legislador.

A meu ver, com a amplidão do termo, a lei não fecha a possibilidade da separação pela via administrativa no caso de haver filhos comuns, biológicos e sócio-afetivos, bem como de filhos não-comuns, ou seja os de cada cônjuge. Ao contrário, fica aberta a possibilidade da separação quando a filiação for sócio-afetiva, ou de cada cônjuge, mesmo que a separação não preserve os interesses desses filhos. Cria-se, pois, no meu entendimento, uma antinomia no sistema jurídico, pois o sentido da norma constitucional é de que sejam preservados os interesses dos filhos, todos os filhos, vedando qualquer forma de discriminação.

O segundo ponto de dúvida presente na nova lei refere-se a um descuido do legislador na redação do dispositivo na parte final do artigo 1.124-A do Código de Processo Civil, que coloca como imprescindível a disposição sobre o acordo quanto à mulher retomar o seu nome de solteira ou a manutenção de nome de casada. Ora, esqueceu-se do princípio da isonomia, consagrado constitucionalmente, de que homens e mulheres são iguais. Não há necessidade de uma referência explícita à mulher, pois qualquer dos cônjuges poderá alterar o nome em razão do casamento ou manter o nome de solteiro.

O último ponto é sobre o surgimento de uma condição de procedibilidade para a lavratura da escritura, a assistência do advogado, que no projeto de lei inicial não havia e que, a partir do substitutivo, tornou-se obrigatória. Ora, quer-me parecer que a lei ressentiu-se de inovações nesse sentido.

A função do advogado, nesse caso específico, é dar segurança jurídica ao procedimento. No entanto, será que não estaremos dando com uma mão, mas tomando com a outra? Oferecemos um procedimento administrativo, rápido e eficaz, porém que cumula emolumentos e honorários advocatícios e, por isso, corre o risco de tornar-se caro e não acessível, apesar da previsão da gratuidade para separações e divórcios quando os interessado forem pobres. Além disso, nas partilhas, é possível que uma parcela de nosso território fique à margem dessa evolução. Nesse aspecto houve um excesso do legislador. Aguardemos o desfecho na fixação destes dois itens: honorários e emolumentos.

Nesse último ponto, penso que poderia o legislador ter criado um procedimento assemelhado à suscitação de dúvida - artigo 182 da Lei de Registros Públicos. As partes em acordo poderiam requer em cartório a separação. Caso surgisse algum dissenso, seria o procedimento convertido em processo judicial. Porém, a essencialidade da advocacia é princípio constitucional no Brasil. Diferentemente do que já ocorre nos EUA, onde o advogado não é essencial à administração da justiça. Lá os interessados podem preencher um formulário padrão e se divorciarem consensualmente no tribunal - ou mesmo litigiosamente, embora isso não seja recomendável, dada maior complexidade do procedimento litigioso.

Ademais, avulta-se, com a lei, a função do tabelião. Já é tempo de bem aproveitar esse profissional que é preparado, tem conhecimento jurídico - vez que é bacharel em direito e ingressa na atividade por meio de concurso público de prova e títulos – e que goza de fé pública.


5.Do serviço notarial e a lei 11.441/07

A lei de notários e registradores muito bem define as funções do tabelionato de notas. Importante ressaltar que previu ius postulandi como conditio sine qua non para a lavratura de escritura pública. A necessidade da assistência do advogado como condição de procedibilidade. Defendo a posição de que essa assistência deveria ser facultativa, pois não se pode partir do pressuposto de que todos os casais não sejam conscientes para dirimirem seus próprios conflitos e que necessitem de advogado para fazê-lo.

Os serviços notariais deverão se organizar para essa nova função. Esse aparelhamento começa pela organização do espaço físico até a organização da questão ético-profissional.

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Quanto ao espaço físico é importante que no tabelionato haja um lugar, uma sala específica, reservado para o atendimento aos casos de separação e divórcio, que pela via judicial gozam do segredo de justiça. O fato de ser feito pela via administrativa, não significa abrir mão das garantias legais que lhe são asseguradas, tais como segredo de justiça e o foro privilegiado da mulher.

A lei 8.935, ao definir as atribuições, demonstra haver distinções entre as funções do notário e do tabelião. A função tabelionária é unipessoal. Ou seja, não podem ser contratados tabeliães substitutos. Somente o tabelião, com exclusividade, pode lavrar escrituras, procurações, testamentos, atas notarias. O termo lavrar, usado no artigo 7º da referida lei, em linguagem jurídica, segundo Walter Ceneviva, corresponde a "escrever", "redigir" e não apenas assinar ou contra-assinar. A pessoalidade do ato deve compreender não a atividade material em si, mas o ato de dar fé aos atos realizados sob a responsabilidade do tabelião de notas.

Importante ressaltar quão acurada deve ser a atenção do tabelião, quanto ao aspecto tributário, especialmente no caso de haver renúncia translativa da herança.

Caso o ato notarial lavrado seja fulminado por algum vício – de nulidade ou anulabilidade - que o torne inválido, deverá o mesmo ser impugnado, segundo as normas da Teoria da Invalidade, pois não se trata de atos judiciais acobertados pelo instituto da coisa julgada: são meras declarações negociais.

O nosso entendimento é no sentido de que a lavratura da separação e divórcio e partilha de bens deve ser de responsabilidade pessoal do tabelião, considerando-se o tamanho avanço histórico que representa a transferência desse ato para o cartório. Sendo assim, entendo que não seja conveniente o substituto praticar esses atos.

As vantagens da criação da presente lei no ordenamento jurídico, em primeiro lugar, é que poderão ser feitas as separações e partilhas em qualquer lugar do território brasileiro, já que se trata de competência relativa, averbando-se a escritura, a posteriori, nos cartórios de Registro Civil de Imóveis e na Junta Comercial. Esse último registro, embora a lei não o tenha dito, é perfeitamente presumível que deva ser feito quando um dos cônjuges for empresário individual.

Finalmente, como fica a aplicação desta lei em face de processos novos e de processos que já estejam em curso?

Não obstante opiniões contrárias, no sentido de ser facultativa a via judiciária, sem qualquer sombra de dúvida, as novas ações de separação ou divórcio consensual, em que estejam atendidos os requisitos para a lavratura dos respectivos atos na via administrativa, carecem de interesse processual (condição da ação), devendo a inicial ser indeferida.

Porém, no que se refere aos processos já em andamento devem ser julgados judicialmente, mas, facultando-se às partes a escolha do procedimento pel via cartorária.


6. Conclusão

Diante de todo o exposto, a vigência dessa lei significa a subida de mais um degrau na evolução da sociedade no sentido de aprimorar o atendimento à população.

Diante de tanta evolução tecnológica, tanta rapidez nos meios de comunicação - chegamos a conhecer fatos do mundo todo quase em tempo real – não é de se aceitar que a justiça brasileira seja um monstro letárgico e obsoleto. De tempos em tempos há que promover o desengessamento das instituições

A justiça não pode ser retrógrada e, no mesmo sentido, seus institutos jurídicos devem ser dinâmicos, promovendo a celeridade, eficiência e eficácia.

A própria história nos mostra a evolução do Direito, o seu acompanhar do pulsar social. Com advento dessa nova lei é essencial que os tabelionatos se adaptem a fim de receber e realizar funções da maior importância que migrarão das varas de sucessão e de família para os cartórios. Isso, transfere para o Oficial de Cartório a necessidade de conhecer profundamente as normas sucessórias brasileiras.

Pelos dados do IBGE 68% dos divórcios são consensuais, enquanto 77% das separações são consensuais. Em São Paulo, dos 50 mil processos ajuizados por mês nas varas de família, pelo menos 20 mil serão aptos a migrar para o cartório de notas. Isso sem falar que, segundo estatísticas do IBGE, somente em 2005 foram realizados no país mais de 100.000 separações e 150.000 divórcios, sendo que 80% consensuais!

Quem ganha com a agilidade e a simplicidade do processo é a sociedade, pois sobrará tempo ao juiz para desincumbir-se de outros processos.


7. BIBLIOGRAFIA

GRINOVER, Ada Pellegrini, outros. Teoria Geral do Processo.13ª edição. São Paulo: Malheiros editores.

1997.

CENEVIVA, Walter, Lei de Registros Públicos Comentada. 15ª edição. São Paulo. Saraiva.2002.

DIP, Ricardo e outros, Introdução ao Direito Notarial e Registral, Safe editores, 2004

CENEVIVA, Walter, Lei dos Notários e Registradores comentada ( Lei 8935/94, editora Saraiva. 2004

CARBONERA, Silvana Maria. O papel jurídico do afeto nas relações de família. In: Repensando fundamentos do Direito Civil brasileiro contemporâneo, Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 1998.

FACHIN, Luiz Edson. Da função pública ao espaço privado: aspectos da "privatização" da família no projeto do "Estado mínimo". In: Direito e Neoliberalismo: elementos para uma leitura interdisciplinar. Curitiba: EDIBEJ, 1996.

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Sobre a autora
Lúcia Maria de Moraes

advogada em Belo Horizonte (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MORAES, Lúcia Maria. A Lei nº 11.441/07:: separações consensuais e partilhas feitas por via cartorária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1372, 4 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9690. Acesso em: 20 abr. 2024.

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