Palavras chaves: Reforma tributária. Mistificação. Realidade brasileira. Justiça fiscal.
Temos duas principais propostas de reformas tributárias, a PEC nº 110/2019 e a PEC nº 45/2019, ambas felizmente empacadas.
Seus autores, data vênia, ignoram a realidade brasileira cheia de desníveis regionais em termos socioeconômicos, bem como a tipicidade de nossa Federação de origem centrífuga, ímpar no mundo.
Seus autores partiram para a mistificação, empunhando a bandeira populista banalizada ao extremo, acenando com a simplificação do sistema, neutralidade e justiça social, noções avidamente absorvidas pela população leiga que vem sofrendo com o peso da tributação cada vez mais acentuado.
Na visão simplista e acrítica desses autores bastaria reunir um punhado de tributos incidentes sobre o consumo em torno do imposto do tipo IVA europeu, com o sofisticado nome de IBS, um conceito em aberto que tem por limite o céu, metendo uma alíquota uniforme de 25%, e tudo estaria resolvido.
São incapazes de verificar que a realidade brasileira não é tão simples assim, e nem a nossa Federação é tão simples, ao contrário, é a mais complexa no mundo contemporâneo, formada que foi por meio de um movimento centrífugo (de dentro para fora), o que explica a maior parcela de poder em mãos da União.
Porém, esse centralismo é flexibilizado pela outorga constitucional de uma rígida discriminação de impostos privativos cabentes a cada ente político, para assegurar a autonomia político-administrativa aos três entes federativos juridicamente pacificadas, apesar das distinções do ponto de vista econômico. De ouro lado, coloca os contribuintes a salvo de governantes cuja maior virtude é a de apenas arrecadar cada vez mais.
Ora, é fácil de compreender que avançar sobre tributos privativos dos entes regionais e locais, para simplificar o sistema tributário, é impossível sem quebrar a espinha dorsal de nossa Federação, protegida em nível de cláusula pétrea.
Outrossim, a projetada reforma não tem o condão de igualar a todos pela média, para suportar uma alíquota uniforme de 25% em nome da justiça fiscal ao inverso. Nem tem o condão de eliminar as desigualdades sociais, o que não impede a inserção de textos de natureza programática como aquele previsto no caput do art. 170 da Constituição vigente. A reforma proposta não é capaz, também, de transformar em oásis os imensos desertos do Nordeste. Estados e Municípios existem que não conseguem sobreviver com impostos privativos.
Daí a complexidade da Federação brasileira a exigir um sistema tributário peculiar centrado na rigidez da discriminação de rendas privativas, de um lado, e partilhadas no produto de arrecadação e participação nos fundos, de outro lado.
Conceder grande poder de tributar a um Estado ou Município pobre que não tem o que tributar não é o caminho.
Essas questões elementares passaram ao largo na visão simplista e acrítica dos proponentes da reforma que sequer conseguiram digerir os modelos importados.
Aqui se faz oportuna a invocação do saudoso jurista Geraldo Ataliba:
[...] “a raiz de toda essa confusão está – como insistentemente temos denunciado – na colonial admiração pela cultura européia e na compreensão simplista e acrítica de doutrina jurídica, importada às toneladas e mal digeridas” (Sistema constitucional tributário. Editora Revista dos Tribunais, 1968, p. XIV e XV).
Realmente, nos países da Europa, todos eles unitários, adotam como alíquotas básicas do IVA 20% ou 25%, porém, com flexibilização de alíquotas para 18%, 16%, 14%, 12% e até isenções, dependendo de cada situação.
Se isso acontece em países unitários, com muito maior razão as alíquotas devem ser flexibilizadas em um País de Federação díspar em termos socioeconômicos e com autonomia dos Estados e Municípios.
A nossa Federação não comporta a proclamada simplificação porque ela é complexa.
À época do Brasil Império, um país unitário como os países da Europa, o sistema tributário era dos mais simples. Continha um único artigo voltado para a iniciativa privativa da Câmara dos Deputados em matéria de impostos (art. 36, 1º).
Limitava-se à proclamação do princípio da legalidade tributária. Mais não era necessário, pois, tínhamos um único governo dirigido pelo Imperador que promovia a arrecadação tributária distribuindo o seu produto para as províncias à medida das necessidades de cada uma delas.
A reforma tributária há de ser realista com o abandono de linguagens mistificadas que não resolvem os reais problemas que o País atravessa no campo de tributação.