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Lei nº 11.464/2007:

Outras questões relacionadas com a progressão de regime nos crimes hediondos

12/04/2007 às 00:00
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Em artigo anterior sobre a progressão de regime nos crimes hediondos e equiparados, afirmamos que, agora, por força da Lei 11.464/2007, essa progressão tornou-se indiscutível, devendo o condenado cumprir 2/5 da pena, se primário, ou 3/5, se reincidente. Mas o assunto ainda requer o debate e o aclaramento de muitos outros pontos controvertidos. Dentre eles destacam-se os seguintes:


a) exame criminológico: no HC 86.631 a Primeira Turma do STF (rel. Min. Ricardo Lewandowski) deixou registrado que esse exame não foi abolido do sistema jurídico brasileiro (por força do art. 33, § 2º, do CP e art. 8º da LEP). De qualquer modo, ele é facultativo (não obrigatório). Referido exame, como se sabe, achava-se contemplado no art. 112 da LEP. Deixou de sê-lo em virtude da Lei 10.792/2003. Muito se discutiu sobre o seu desaparecimento (ou não). No HC acima referido a Primeira Turma do STF orientou-se no sentido da sua subsistência, em razão do Código Penal (art. 33, § 2º), que exige, no momento da progressão, a aferição do "mérito do preso". Esse mérito pode implicar a elaboração do exame criminológico, caso o juiz entenda necessário. Não se trata de uma exigência geral e irrestrita, isto é, depende de cada caso (do crime, do tempo da condenação, do comportamento do preso, sua personalidade etc.).


b) condenação acima de 30 anos: caso o preso tenha condenação superior a trinta anos, o tempo de cumprimento da pena (2/5 ou 3/5) deve ser calculado sobre o total da condenação ou sobre o limite de trinta anos definido no art. 75 do Código Penal? A Súmula 715 do STF diz o seguinte: "A pena unificada para atender ao limite de trinta anos de cumprimento, determinado pelo art. 75 do Código Penal, não é considerada para a concessão de outros benefícios, como o livramento condicional ou regime mais favorável de execução."

Para os punitivistas e positivistas legalistas a questão fica resolvida com a citada súmula: calcula-se o tempo de cumprimento da pena pelo total da condenação, desconsiderando-se a pena unificada em trinta anos. Para os minimalistas, garantistas e adeptos do Estado constitucional e humanitário de Direito (nessa corrente é que nos inscrevemos) a Súmula 715 não possui nenhum valor jurídico, por contrariar a própria razão de ser do art. 75, que foi elaborado para atender o movimento internacional humanitário que não só coíbe a prisão perpétua como exige a individualização da pena. Se a progressão de regime, o livramento condicional e outros benefícios penais devessem ser contados sobre a pena total, ficaria sem nenhum sentido a "unificação de penas" prevista no citado art. 75, bastando que a norma proibisse seu cumprimento acima de 30 anos.

A própria Constituição Federal, em seu art. 5º, inc. XLVII, manifestando clara preocupação com a humanização das penas, assim como com o particular aspecto da sua indignidade, cuidou da proibição da pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX, assim como da pena de caráter perpétuo.

O Estado que mata, que tortura, que humilha a pessoa, ainda que a pretexto de "combater" o crime, iguala-se ao criminoso, perde sua legitimidade e adota (como sua política punitiva) a mesma lógica do delinqüente frente a sua vítima. Uma pena pode ser ofensiva à dignidade humana seja pela sua qualidade (pena humilhante), seja pela sua quantidade (prisão perpétua).

Desde o Iluminismo a ciência do Direito penal vem se empenhando para humanizar as penas e evitar que elas aniquilem o valor da pessoa humana. Superficial exame da evolução histórica do nosso Direito penal confirma o quanto se evoluiu nessa matéria. A pena de morte e as penas corporais eram a regra no famoso Livro V das Ordenações Filipinas. Desde a nossa primeira Constituição (de 1824) o legislador constituinte vem impondo restrições a várias modalidades punitivas que foram desaparecendo. A interpretação que foi dada (por força da Súmula 715) ao art. 75 do CP retrocede o Direito penal brasileiro ao período que antecede o Iluminismo.

De outro lado, o sentido normativo da Súmula 715 viola o princípio constitucional da individualização da pena, visto que em muitos casos fará com que o condenado, ainda que tenha bom comportamento e mérito, permaneça 30 anos no cárcere, em regime fechado. Isso significa a eliminação de qualquer possibilidade de individualização da pena na fase executiva. Aliás, era esse o sentido do antigo §1º do art. 2º da Lei 8.072/1990, que foi julgado inconstitucional pelo STF (HC 82.959). Por meio da Súmula 715 se chega, outra vez, a essa inconstitucionalidade. Em outras palavras, pode-se dizer que a referida súmula na prática também conduz a uma inconstitucionalidade patente. O que se eliminou por meio do HC 82.959 ficaria agora "repristinado" pelo programa normativo emanado da citada súmula.


c) segunda progressão: nos crimes hediondos e equiparados, na primeira progressão (do fechado para o semi-aberto) deve o condenado cumprir 2/5 ou 3/5 da pena (conforme seja primário ou reincidente). Cabe perguntar: na segunda progressão (do regime semi-aberto para o aberto) qual será o tempo de cumprimento da pena: um sexto (como diz o art. 112 da LEP) ou o novo patamar fixado pela Lei 11.464/2007? A resposta está dada pelo novo diploma legal, que fala em "progressão de regime", não importando para qual deles. Ou seja: o que vale, para o efeito de qualquer progressão, nos crimes hediondos e equiparados, é sempre o novo critério de 2/5 ou 3/5, conforme o condenado seja primário ou reincidente.

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d) execução provisória da pena e progressão de regime: o início de execução da pena mesmo antes do trânsito em julgado final (execução provisória) não impede a progressão de regime, nos termos da Súmula 716 do STF: "Admite-se a progressão de regime de cumprimento da pena ou a aplicação imediata de regime menos severo nela determinada, antes do trânsito em julgado da sentença condenatória".

Não importa se o réu acha-se ou não em prisão especial. A propósito, diz a Súmula 717 do STF: "Não impede a progressão de regime de execução da pena, fixada em sentença não transitada em julgado, o fato de o réu se encontrar em prisão especial".

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Lei nº 11.464/2007:: Outras questões relacionadas com a progressão de regime nos crimes hediondos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1380, 12 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9733. Acesso em: 18 nov. 2024.

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