Dentre as modificações introduzidas pela novel Lei nº 11.441/07 no regime de dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, sobressai a supressão da intervenção judicial para os casos de separação e divórcio consensuais em que não há filhos menores ou incapazes (CPC, art. 1.124-A).
Antes da vigência de referida Lei, a separação e o divórcio somente eram possíveis por ato judicial, não tendo as partes a liberalidade de fazê-lo por si. A vontade do casal não era suficiente para dissolver o casamento (ou apenas a sociedade conjugal), sendo que tal efeito somente podia ser obtido em mediante de um comando judicial expresso, observadas as formalidades legais (CPC, 1.120 e seguintes), uma vez que "a terminação consentida da sociedade conjugal não se torna eficaz senão após homologado o acordo pelo juiz" (1).
Agora, porém, a situação é diversa. Facultando aos cônjuges/ex-cônjuges realizar a separação consensual ou o divórcio consensual por escritura pública, a nova Lei atribui tão somente à vontade do casal a eficácia de extinguir a sociedade conjugal ou o casamento, conforme for, ainda que lhe imponha forma especial (escritura pública).
Assim, o casal não irá "requerer" a separação ou o divórcio ao Tabelião de Notas, nos moldes do que se fazia perante o juízo (CC, 1.574; CC, 1580; CPC, 1.120), senão apenas formalizar por escritura pública sua manifestação de vontade que, por sua vez, consistirá o título de seu novo estado. Não haverá, pois, uma decisão judicial constitutiva de um novo estado civil do casal (separado ou divorciado), já que tal efeito decorrerá tão somente da vontade dos cônjuges, tomada pela forma pública perante o tabelião e observadas as exigências legais, conforme o caso, inclusive quanto aos prazos.
Indaga-se, então, agora, se nas separações e nos divórcios consensuais processados judicialmente (nas hipóteses não alcançadas pela Lei em crivo, quando existirem filhos menores ou incapazes e nos casos de conversão de lides litigiosas em consensuais) também seria dispensado o ato judicial (constitutivo de estado civil) para obtenção da dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal, já "deliberado" ou "consentido" pelo casal na petição inicial ou termo de audiência de conversão, reservada a intervenção judicial apenas para as questões atinentes aos filhos menores ou incapazes. Vale dizer, haveria necessidade de sanção judicial para conferir efeitos à vontade do casal manifestada no processo judicial no que tange especificamente à separação/divórcio, partilha de bens, alimentos conjugais e nome dos cônjuges, ou persistiria a necessidade de intervenção judicial também para estas avenças?
Considere-se, por exemplo, uma situação de separação consensual com filhos menores. Será processada em juízo, obrigatoriamente, a fim de que seja verificado se os interesses dos filhos estão devidamente resguardados, seja no pacto de guarda e de pensão alimentícia, seja no regime de visitas, inclusive com a necessária intervenção do Ministério Público.
Pois bem. Estando tudo conforme, deveria o juiz homologar o acordo como um todo e decretar a separação do casal, ou tão somente homologar o pacto de alimentos, guarda e visitas aos filhos menores, já que no restante (dissolução da sociedade conjugal, partilha de bens, alimentos conjugais e nome dos cônjuges) a manifestação de vontade do casal seria suficiente para obtenção dos fins almejados, conforme a regra do novo art. 1.124-A, do CPC?
Num primeiro exame, parece que a segunda solução estaria mais de acordo com o espírito da nova Lei. Atente-se que se foi conferido ao arbítrio do casal o efeito de dissolver a sociedade conjugal consensualmente (nos casos em que regula), independentemente de qualquer intervenção judicial (bastando a observância das cautelas legais, inclusive da forma prescrita), porque não seria ela (vontade do casal) reconhecida em todos os seus efeitos quando dada em juízo - ato igualmente revestido de publicidade, ainda que restrita - concomitantemente a outras avenças (pensão, guarda e visita de filho menor ou incapaz)?
Nesta linha de raciocínio, a intervenção judicial deveria ficar restrita à questão dos filhos, homologando-se tão somente o acordo de guarda, alimentos e visita. Relativamente às demais questões consensualmente deliberadas pelo casal (dissolução da sociedade conjugal, uso do nome, alimentos ao cônjuge e partilha de bens) não deveria haver intervenção judicial alguma, limitando-se o juiz a tomar por termo a manifestação de vontade do casal, para que surtam os seus jurídicos e legais efeitos, inclusive de modo imediato (ao contrário do pacto homologado, que dependeria do trânsito em julgado). Não fosse assim, estar-se-ia impondo injustificada restrição, na medida em que a nova Lei é expressa no sentido de conferir à vontade dos cônjuges o efeito de dissolver o casamento (ou o vínculo conjugal), além de resolver todas as demais questões a ele relacionadas, à exceção das questões afetas aos interesses dos filhos menores ou incapazes.
De qualquer forma, o questionamento indica que a nova Lei nº 11.441/07 não terá efeitos restritos à matéria que regula, senão que ensejará modificações também nos processos judiciais das Varas de Família, exigindo, pois, especial cautela na compreensão de seu conteúdo e alcance, para sua devida integração ao ordenamento jurídico vigente (2). E justamente por tal razão, não parece exagero afirmar que o legislador, mais uma vez, foi precipitado e afoito ao impor à sociedade uma norma de tal envergadura sem maiores detalhamentos ou cautelas, suprimindo até mesmo a prudência da vacatio legis (Lei nº 11.441/07, art. 4º).
Notas
1.CAHALI, Yussef Said. Divórcio e Separação. 10.ed. rev. atual. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2002. p. 280.
2.Indaga-se, por exemplo, se a Lei daria guarida aos cônjuges para acordarem separação de corpos por escritura pública ("quem pode o mais, pode o menos") ou, também extrajudicialmente, deliberarem o restabelecimento da sociedade conjugal, prevista no art. 1.577, do CC. Sem dizer, das implicações a respeito da publicidade, ínsita ao ato notarial, em afronta ao disposto no art. 155, II, do CPC; além da ausência de intervenção do Ministério Público, contrariamente à regra do art. 82, II, do CPC.