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Comentários à reforma do Judiciário (XVIII).

Conclusão

05/05/2007 às 00:00
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A Reforma do Judiciário, após mais de doze anos de debates no Congresso Nacional, deixou de lado vários temas, alguns constantes de anteriores projetos, outros que sequer foram levados à discussão parlamentar.

A pergunta que emerge após a promulgação da Emenda Constitucional nº 45/2004 e com a possibilidade de aprovação da PEC 358/2005 é se as alterações empreendidas são suficientes a denotar a existência, no futuro, de um Poder Judiciário mais célere e eficiente.

No contexto da Reforma do Judiciário, melhor seria se o conceito de Reforma da Justiça tivesse sido empreendido, assim compreendendo desde direitos e garantias constitucionais de acesso ao Judiciário, como melhor disciplina para todos os segmentos envolvidos com a prestação jurisdicional, assim os magistrados, os membros do Ministério Público, os defensores públicos e também os advogados e procuradores estatais, sem a aparente restrição a um ramo do Estado.

Pouco se reorganizou dos Tribunais brasileiros. Pouco se alterou no âmbito do Ministério Público. Pouco se fez em relação à Defensoria Pública. Nada se disse sobre a Advocacia.

Foram abandonadas propostas de implementação das normas programáticas constitucionais, não se outorgando ao mandado de injunção o alcance imaginado pelo constituinte originário. A absurda simetria do instrumento com outros de controle concentrado de constitucionalidade por omissão resulta numa constante instituição de óbices para a devida aplicação no âmbito dos direitos individuais e coletivos, onde, aliás, resta inscrito (artigo 5º, LXXI, da Constituição). Quanto não se teria evoluído, nesse aspecto, se houvesse sido acolhida a proposta inicialmente debatida na Câmara dos Deputados, constante do Relatório da Deputada Zulaiê Cobra, com os acréscimos então propostos pela AMB – Associação dos Magistrados Brasileiros, no sentido de que a norma passasse a dispor que "conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à soberania, à nacionalidade e à cidadania, destinando-se o provimento judicial a suprir a norma para o interessado, no âmbito do pedido, enquanto não editada pela autoridade ou órgão competente", caso em que o Poder Judiciário não estaria a substituir o Poder Legislativo na edição de norma geral nem a avisar-lhe de omissões, mas a garantir, no âmbito da postulação e dos sujeitos interessados, a outorga do direito constitucional dependente de norma regulamentar, enquanto não fosse editada.

Com relação ao Júri, houve o silêncio, embora o artigo 5º, XXXVIII, da Constituição estabeleça preceitos incompatíveis com o artigo 93 e desvirtue a instituição como garantia individual. Afinal, pode alguém invocar preferência em ser julgado por Juízo ou Tribunal de magistrados ao invés de sê-lo por seus pares leigos? Cabe notar que o Júri não aparece no capítulo do Poder Judiciário, assim não sendo órgão de sua estrutura, mas direito individual que poderia ser repelido por aquele que aparentemente protege, se o sigilo das votações e a soberania dos veredictos aparentemente atenta contra outras garantias constitucionais descritas no artigo 5º, XXXV, LII e LV, dentre outras, além do próprio artigo 93, IX, da Constituição Federal. Melhor seria que o Júri estivesse compreendido como efetiva garantia individual para controle da atuação do Ministério Público, ao modo como ocorre nos Estados Unidos quanto ao denominado "Grande Júri", em que a instauração da ação penal é autorizada após o assentimento dos jurados, evitando a indevida persecução penal contra aquele que a sociedade não reconhece como criminoso ou por conta de falta de reconhecimento social do tipo penal ou da ocorrência do próprio fato alegado. Como garantia constitucional, e não como órgão jurisdicional, à luz do preceituado pelo artigo 5º da própria Constituição, melhor seria, quiçá, o explicitamento da condição institucional do Júri, garantindo que "qualquer pessoa acusada de autoria ou participação em crime poderá invocar, perante o juízo ou tribunal que lhe competir julgar, que a ação penal tenha curso apenas se previamente acolhida a denúncia por júri integrado por pessoas da comunidade, sempre que possível, com a organização que lhe der a lei, ou necessariamente pelo Parlamento, na forma da Constituição, convertido em grande júri quando o acusado detenha prerrogativa especial de foro (...)".

Outra medida que passou ao largo das discussões seria a instituição de Conselho Nacional de Justiça que envolvesse não apenas as discussões do Poder Judiciário, mas que, substituindo aquele instituído e o congênere do Ministério Público, regulasse a atividade administrativa e disciplinar de todos os envolvidos na atividade da Justiça, assim os magistrados também os membros do Ministério Público, os Defensores Públicos e os advogados e procuradores estatais, inclusive considerando, nesse último particular, que a Advocacia compreende função reconhecida pelo Estado como relevante e as atividades de seus órgãos de representação constam de lei qualificando a OAB como autarquia federal. Nesse sentido, o sistema de controle interno poderia ter maior dinâmica pela alteração das corregedorias de Justiça, instituindo-as também em relação aos tribunais de segundo grau, no âmbito dos respectivos tribunais superiores, e quanto aos membros destes sob o comando de corregedor nacional escolhido dentre Ministros do Supremo Tribunal Federal. No âmbito da atividade administrativa, a experiência dos Conselhos Superiores poderia ser estendida junto aos tribunais de segundo grau, com Conselhos mistos integrados por desembargadores e juízes de primeiro grau, deslocando para os plenos de tais tribunais apenas as questões de interesse interno da própria Corte ou o reexame em situações específicas. Para a coordenação geral da administração judiciária, a atuação de Conselho junto ao Supremo Tribunal Federal parece que seria suficiente a indicar as normas gerais, sem afetar o autogoverno dos demais tribunais e sobretudo a estrutura federada do Poder Judiciário brasileiro.

Ainda que tais propostas não se desenvolvessem, quando menos deveria ser repensada a composição do Conselho Nacional de Justiça instituído a partir da EC 45/2004, de modo a contemplar como membros natos o Presidente e o Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal e os Presidentes dos Tribunais Superiores, entregando ao Presidente do STF a presidência do CNJ e ao Vice-Presidente a Corregedoria Nacional de Justiça, até por conta da sobreposição institucional que decorre sobre os demais tribunais brasileiros; a composição, doutro lado, pelos Presidentes dos Tribunais Superiores asseguraria a participação regular dos diversos ramos judiciários na formulação das propostas orçamentárias e na melhor coordenação administrativa.

Também não prosperou, até o momento, a discussão sobre a pertinência dos denominados "quintos constitucionais", sobretudo após a instituição do Conselho Nacional de Justiça. Há que se notar que logo que assumem seus postos, passam os advogados e membros do Ministério Público à condição de magistrados, e em regra afastam-se de suas representações, sobretudo por conta do período de exercício na Magistratura, às vezes demais longo. As justificativas do passado para tais representações, pois, perdem cada dia mais o significado original. Quando muito, dada a conotação de órgãos de cúpula no âmbito de cada ramo judiciário, poderia admitir-se a existência de certas vagas destinadas a advogados e membros do Ministério Público apenas nos tribunais superiores, que seriam assim providas por profissionais de notoriedade nacional, sem igual reserva nos tribunais de segundo grau, assim sendo razoável a revogação do artigo 94 e a adaptação dos dispositivos que ao mesmo fazem referência.

Com relação ao primeiro grau do Poder Judiciário, melhor seria a adoção de modelo similar àquele descrito para os demais graus, na linha do que ocorre em vários Países, com tribunais de comarca, especializados ou não, com tantos juízes quantos fossem necessários, sem titularização de Varas, simplesmente inexistentes. Afinal, não há estrutura assim nos demais tribunais e é facilmente adaptável a regra de distribuição, instrução e julgamento de processos entre magistrados, com maior facilidade para as regras de substituição e sucessão. Nesse sentido, deveria ser abolida a figura do denominado "juiz substituto", passando a carreira a iniciar-se pela aprovação em concurso público e nomeação como juiz, assumindo a vaga no tribunal de comarca disponível, admitidas depois certas remoções e permutas entre uns e outros. Haveria lógica melhoria da eficiência e do sistema interno de distribuição processual, sem com isso estabelecer-se desvinculação administrativa aos tribunais de segundo grau, na forma como já preconiza a Constituição Federal.

Em sentido similar, deveriam os Juizados Especiais retornar à índole de juízos de única instância, evitando a proliferação de recursos em causas de menor significância cível ou criminal, e também autorizando que outras demandas, como as próprias da Justiça do Trabalho, neles pudessem ter curso, em Juizados próprios. Com isso, as Turmas Recursais deveriam limitar-se a admitir recursos para o reexame de matérias jurídicas, sem outros recursos, não obstante a possibilidade das reclamações quando afrontada súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal, em caráter assim excepcional de indireta revisão da decisão proferida.

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, também houve o silêncio sepulcral do Congresso Nacional quanto ao modo de escolha de seus Ministros. Não obstante o caráter de Corte Constitucional detida pelo STF, assim também cúpula do Poder Judiciário, a nomeação livre outorgada ao Presidente da República, dependente apenas da aprovação pelo Senado Federal, parece despropositada quando se percebe a nova posição político-institucional da Suprema Corte brasileira. Também há que ser considerar que fosse aprovada a composição nata do Conselho Nacional de Justiça, deveria o Supremo Tribunal ter sua composição aumentada de um Ministro, passando a doze, de modo a desonerar o Presidente e o Vice-Presidente da participação nas Turmas de julgamento da Corte. Nesse sentido, a remodelação do modelo vigente poderia dispor que "O Supremo Tribunal compõe-se de doze Ministros, escolhidos dentre cidadãos natos com mais de quarenta e cinco anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada, sendo: quatro indicados pelas Casas do Congresso Nacional, alternadamente; quatro, pelo Presidente da República; e quatro, pelo próprio Tribunal. A metade de cada representação será indicada dentre os Ministros de Tribunal Superior com mais de oito anos de exercício e a outra metade dentre juristas indicados, em lista tríplice, pelos Tribunais Superiores, por colégio dos chefes dos Ministérios Públicos da União e dos Estados e pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, não podendo nenhuma lista conter integrante da própria instituição. A indicação deverá ser aprovada pela maioria absoluta de cada uma das Casas do Congresso Nacional, em sessão conjunta, para posterior nomeação pelo Presidente da República, no prazo de dez dias. Os Ministros continuarão no cargo enquanto bem servirem e forem capazes para a atividade judiciária, podendo aposentar-se após oito anos de atividade no Tribunal."

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Com relação aos Tribunais Superiores, uma inicial correção seria a uniformização das denominações, assim o STJ passaria a Tribunal Superior de Justiça e o STM a Tribunal Superior Militar.

Na Justiça Eleitoral, a alteração proposta foi mínima, quando melhor poderia estar regulada a questão do equilíbrio entre magistrados federais e locais nos Tribunais Regionais.

Na Justiça do Trabalho, o deslocamento de certas competências de ordem criminal, como os crimes contra a organização do trabalho e os contra a administração da própria Justiça do Trabalho, seria salutar, cabendo notar que em Portugal os respectivos Tribunais do Trabalho apreciam tais questões ao lado das questões cíveis-trabalhistas pertinentes, dada a afinidade.

Na Justiça Militar, talvez a melhor alteração seria excluir a participação de militares nos juízos e tribunais, sem prejuízo da instituição de júris compostos por membros da caserna para a admissão da denúncia ou para a apreciação exclusiva de fatos. Talvez merecesse debate, também, a possibilidade da Justiça Militar ser unificada nos planos federal e estadual, de modo a traduzir o STM como efetivo órgão de cúpula de tal ramo especializado, transpondo do STJ para tal Tribunal o exame dos recursos de caráter extraordinário em matéria penal militar e processual penal militar, além agora daquelas envolvendo a disciplina militar.

A Advocacia não teve compreendido o alcance do artigo 133, que mereceria alteração, quiçá para descrever que "O advogado presta serviço público relevante e exerce função social, sendo, no exercício de suas atividades, inviolável por seus atos e manifestações pertinentes à defesa de seus constituintes ou de suas prerrogativas profissionais, nos limites da lei, que regulará também os casos expressos em que sua atuação será dispensável por autorizada postulação direta pelo próprio interessado ou por parte do Ministério Público ou da Defensoria Pública."

Tudo isso apenas exemplifica quanto mais se poderia ter avançado nas discussões para a efetiva reformulação judiciária.

Por tudo isso, e por muito mais, percebe-se que a Reforma do Judiciário foi tímida, restrita a traduzir alguns institutos buscados há muito tempo pela cúpula judiciária, como a súmula vinculante e restrições a recursos de caráter extraordinário, sem instituir meios efetivos para melhoria da celeridade e da segurança na prestação jurisdicional primária.

De todo modo, é um começo.

Com equívocos, com tropeços técnicos ou materiais, mas um começo.

A compreensão da melhoria da atividade jurisdicional depende muito da alteração dos conceitos arraigados entre os operadores do Direito. Assim, pensar o novo, repensar o velho, instituir um outro modelo de atuação de magistrados, membros do Ministério Público, defensores públicos e advogados e procuradores estatais.

Por aí começa a verdadeira Reforma do Judiciário: aquela que deve seguir-se à mera alteração das normas constitucionais e legais.

Porque não adianta haver novas estruturas, novas regras, se o novo não se estabelece no íntimo de cada um, num debate inócuo de que a fórmula antiga ainda pode permitir alcançar o que nunca encontrou.

A sociedade brasileira espera um novo Poder Judiciário, um novo Ministério Público, uma nova Defensoria Pública, uma nova visão da Advocacia.

A Reforma do Judiciário, como empreendida pelo Congresso Nacional, apenas diz a todos que uma parte da tarefa se dá por concluída, sem impedir que a verdadeira reforma persista a cada novo dia, com a alteração de outras normas intocadas, o aperfeiçoamento técnico, a realização de novas idéias.

A Reforma do Judiciário, como empreendida, não é a melhor que poderia ter ocorrido, mas é um começo para outras que possam realizar-se a partir de medidas mais simples, como o pedir apenas o controverso, efetivamente fiscalizar a aplicação da norma, propor soluções e julgar conforme a convicção de que a decisão adotada é a correta porque ajusta a norma à realidade vigente.

Porque a maior crítica para a Reforma do Judiciário será não conseguir levantar nenhuma crítica, a constante busca do aperfeiçoamento, a idéia de que nada está finalizado.

Porque nada é perfeito, já que somos seres humanos, e dela são integradas as instituições que julgam e aplicam o Direito na busca da Justiça.

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Sobre o autor
Alexandre Nery de Oliveira

Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO). Pós-Graduado em Teoria da Constituição. Professor de Processo do Trabalho.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Alexandre Nery. Comentários à reforma do Judiciário (XVIII).: Conclusão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1403, 5 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9768. Acesso em: 18 dez. 2024.

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