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Pronunciamento "ex officio" da prescrição e processo do trabalho

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19/04/2007 às 00:00
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5. Pronunciamento Ex Officio da Prescrição: Aplicação no Direito Material/Processual do Trabalho

            Dentro dessa temática, têm os operadores da seara juslaboral refletido se essa recente alteração legislativa ocorrida no processo civil teria o condão de acarretar efeitos no processo do trabalho.

            Noutros termos: o artigo 219, parágrafo 5º, do CPC, com a redação conferida pela Lei n. 11.280/2006, pode ser aplicado no processo do trabalho?

            a) Prescrição, natureza alimentar do crédito trabalhista e princípio protetivo. Compatibilidade?

            Antes de tudo, é bom que se diga – porque alguns o tem esquecido – que o instituto da prescrição desde longa data é plenamente aplicado no campo do Direito Material/Processual do Trabalho.

            Malgrado, de fato, seja possível lançar críticas teórico-filosóficas sobre a justiça ou não da existência do instituto prescrição, à luz de argumentos eminentemente ideológicos, certo é que, querendo ou não, aceitando ou não, o corte prescricional é e sempre foi plenamente compatível com a processualística do trabalho.

            Com efeito, a prescrição, na área juslaboral, diferentemente do que ocorre em outros ramos jurídicos, tem assento tanto na legislação infraconstitucional (CLT, artigo 11), como também na própria legislação constitucional (CF, artigo 7º, inciso XXIX), ressoando insustentável, pois, qualquer tese que arvore no argumento de que no Direito Processual do Trabalho não haveria espaço para aplicação do lapso prescricional [28].

            A natureza privilegiada do crédito trabalhista e o princípio protetivo, portanto, nunca foram – e, de lege lata, continuam não sendo - erigidos como fatores elisivos de aplicação do cutelo prescricional. Pode-se até sugerir, é verdade, tal ressalva, de lege ferenda, como simples sugestão ao legislador [29], mas, de qualquer forma, o regramento, tal qual delineado, é de clareza solar: a pretensão a créditos decorrentes do contrato de trabalho também sofre naturalmente os efeitos da prescrição, por força – repito – de expressa disposição constitucional (CF, artigo 7º, inciso XXIX).

            Sob esse prisma, penso que, sinceramente, nem mesmo há que se trabalhar – como sói acontecer – com o artigo 769 celetista [30], à luz dos conhecidos requisitos da omissão/compatibilidade, haja vista que, imagino eu, a questão não está posta ao pálio de norma infraconstitucional, mas sim de norma constitucional, como já vocalizei.

            A discussão, pois, deve ser levada à arena correta: não CLT-CPC, mas sim CLT-CF.

            Aliás, mesmo que se mudasse a lente, não se chegaria a outra conclusão, porquanto omissão e compatibilidade são requisitos facilmente visualizados no particular desse tema, quanto ao processo do trabalho [31].

            De todo modo, se a aplicação do instituto em comento, na processualística do trabalho, encontra inequívoca guarida na Lex Legum – motivo pelo qual o mesmo sempre fez parte do dia-a-dia do Juiz do Trabalho -, penso que, então, não haveria razões legítimas para se negar a aplicação da sua nova feição legal nos rincões do direito processual do trabalho [32].

            Explico-me: é que o instituto não mudou; o que mudou foi a disciplina jurídica impressa a esse instituto – que confere ao magistrado, doravante, o dever de aplicar de ofício o cutelo prescricional.

            Aqui, manifesto inteira concordância com o sempre lúcido GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA, quando aduz que o novo preceito:

            "... é inteiramente aplicável ao Direito e ao Processo do Trabalho, pois presentes os requisitos dos arts. 8º, parágrafo único, e 769, da CLT".

            "Se a pretensão formulada, de acordo com o direito objetivo, não é mais exigível, nada mais justo e natural que seja assim considerada pelo juiz, mesmo de ofício, o que está em consonância, aliás, com os princípios da primazia da realidade, bem como da celeridade e economia processual. Argumentações em sentido contrário, na verdade, estão a discordar do próprio direito objetivo ora em vigor, situando-se, assim, com a devida vênia, no plano da mera crítica ao direito legislado".

            "Eventual hipossuficiência de uma das partes da relação jurídica de direito material – condição esta que não se restringe ao âmbito do Direito do Trabalho, podendo perfeitamente ocorrer em outros ramos do Direito, mesmo Civil lato sensu – não é critério previsto, no sistema jurídico em vigor, como apto a excepcionar a aplicação da disposição legal em questão; ou seja, não afasta o reconhecimento pelo juiz, de ofício, da inexigibilidade do direito, da mesma forma como se este já estivesse extinto por outro fundamento, como a quitação demonstrada nos autos".

            "Não se pode admitir que o juiz, como sujeito imparcial no processo, possa querer "beneficiar" uma das partes, deixando de pronunciar a prescrição, matéria que, de acordo com a lei atual, deve ser conhecida de ofício" [33].

            "Imagine-se a situação em que se o empregado for credor, não se aplica a prescrição de ofício; no entanto, se ele for devedor, o juiz decreta a inexigibilidade do direito independentemente de argüição do empregador. O mesmo ocorreria se o consumidor fosse devedor e, em outra questão, fosse credor de direito não mais inexigível. Como se nota, corre-se o risco de se incorrer em casuísmo inadmissível, tornando o juiz parcial, referendando conduta contrária ao Estado (democrático) de Direito, por causar total insegurança jurídica" [34].

            Logo, a regra, a meu ver, pode ser livremente usada no campo trabalhista [35], pela patente compatibilidade [36], à luz de qualquer ótica que se deseje aplicar [37][38].

            b) Pronunciamento Ex Officio da Prescrição e Acordo Judicial. Atitude do Juiz

            Insta refletir, ainda, acerca da cogitação de alguns estudiosos no sentido de que esse dever precisa ser observado mesmo diante de avença firmada entre as partes litigantes, inobstante manifestamente prescrita a pretensão do autor.

            Ou seja, o magistrado, frente ao comando imperativo de pronunciar a prescrição, segundo essa tese, deveria rejeitar os termos da conciliação entabulada entre as partes, pronunciando, em seguida, a prescrição.

            Penso, porém, que essa não é a melhor exegese, porquanto em tal conclusão repousam duas perigosas perdas de foco: uma, de origem dogmática, outra, teleológica.

            A primeira (dogmática), porque o acordo, nesse caso, importa, indubitavelmente, renúncia à prescrição, por parte do devedor (CC, artigo 191 [39]).

            A segunda (teleológica), porque não se pode esquecer – como já firmado alhures - que a alteração legislativa em destaque, à luz da ótica constitucional, detém o nítido intuito de prover ao magistrado uma valiosa técnica de solução célere dos conflitos [40]. Essa é, em última análise, a ratio essendi da norma.

            Mas é preciso alertar, também, que a questão não se resume ao cumprimento do desiderato de resolver rápido (celeridade), mas sobretudo de resolver bem (celeridade/efetividade).

            Ora, se existe um conflito social que fora trazido à análise judicial e exsurgindo posteriormente a manifesta intenção das próprias partes no sentido de solucionar o problema que os envolve, mediante concessões mútuas e razoáveis, não vejo razões plausíveis para que o juiz, nesse panorama processual, furte-se de homologar o tal intento conciliatório.

            Nesse caso, ao avalizar o acordo alinhavado entre os próprios demandantes, mesmo diante de uma pretensão prescrita, o juiz, no meu sentir, cumpre com sapiência a verdadeira finalidade da lei, eis que prestigiaria, com esse expediente, não apenas o valor celeridade, como também o próprio valor efetividade.

            Haveria, assim, caso se conduzisse dessa forma, uma solução (boa solução – solução ideal) rápida (genuína rapidez – rapidez ideal) do processo, isso porque, de regra, a chancela da avença extingue o feito de forma eficiente e ágil, com plena satisfação de todos os sujeitos envolvidos no contexto processual (os parciais e o imparcial), resolvendo, desse modo, não só o elemento formal processo, mas, acima de tudo, também, o elemento material conflito social [41].

            Segue, então, a advertência: é preciso não confundir celeridade com pressa. Não se recaia no erro de, na atual quadra processual, firmar o vetor rapidez como um fim em si mesmo, esquecendo que se trata tão-somente de mais um instrumento na aplicação do direito.

            Cumpre, como disse, não perder de vista o verdadeiro foco do tema: resolver rápido, mas com justiça. Urge, pois, harmonizar, necessariamente, celeridade e efetividade, manuseando as ferramentas processuais com discernimento, bom senso e equilíbrio.

            c) Pronunciamento Ex Officio da Prescrição: indeferimento in limine da peça inicial e garantia do contraditório e da ampla defesa

            A franca liberdade agora conferida, quanto ao pronunciamento de ofício da prescrição, resgatou a eficácia jurídica do artigo 295, inciso IV, do CPC, que sempre autorizou o magistrado indeferir a petição inicial "quando verificar, desde logo, a decadência ou a prescrição" [42].

            Essa hipótese, aliás, em tese, já era de compatibilidade reconhecida nos sítios do processo do trabalho, mercê da Súmula 263 do TST [43].

            A espécie, aqui, portanto, é aquela em que o juiz extingue o feito initio litis, aplicando a prescrição sem travar qualquer diálogo com as partes [44].

            Reconheço, dessarte, que, na legislação atual, pode o magistrado extinguir o feito já em seu início, sem dar satisfação a quem quer que seja, haja vista a prescrição constituir, atualmente, genuína matéria de ordem pública, de cognoscibilidade ex officio, pois.

            É verdade: pode fazer – mas, penso, não deve fazer [45].

            Isso porque o tema comporta sérias indagações acerca de possível violação, nessa prática, da garantia do contraditório e da ampla defesa, à vista da existência de diversas causas interruptivas, suspensivas e impeditivas do fluir do lapso prescricional [46].

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            Também há a possibilidade – remota que seja – de o próprio devedor renunciar, tácita ou expressamente, a prescrição que lhe é favorável (CC, artigo 191) [47].

            Diante dessa panorama, envolvendo possível afronta a uma garantia de ordem constitucional (artigo 5º, inciso LV) [48], penso que recai sobre o magistrado o dever de atuação cuidadosa, evitando, assim, o indeferimento de pronto da exordial, mormente no processo do trabalho, onde ainda vigora o jus postulandi [49].

            Repito: muito embora reconheça essa possibilidade, juridicamente falando, creio que não seja essa, talvez, a saída mais adequada.

            É que tal atitude, realizada sem a necessária cautela, pode perpetrar injustiças, pois, de regra, quando na inicial se vê manifestamente prescrita a pretensão do reclamante, geralmente se descobre, em audiência, ter ocorrido reclamação trabalhista anterior entre as mesmas partes [50] – que, sabe-se, é fator interruptivo da prescrição, quanto aos pedidos idênticos (Súmula 268 do TST [51]).

            Desse modo, por entender que o acordo firmado entre as partes ainda é a melhor forma de solucionar a demanda (CLT, artigo 764 [52]), encontrando-se diante da hipótese ora ventilada – manifesta prescrição da pretensão do autor -, deverá o magistrado trabalhista, ad cautelam, aguardar a audiência agendada pela secretaria (CLT, artigo 841, caput) [53], ocasião em que desfrutará da oportunidade de:

            (1) travar diálogo com o demandante [54], instando-o acerca da possível existência de circunstâncias que proporcionam interrupção, suspensão e/ou impedimento do fluir do prazo de prescrição [55];

            (2) travar diálogo com o demandado, investigando possível renúncia - tácita ou expressa - com respeito à prescrição (CC, artigo 191 [56]).

            A conversa, pois, deve atingir a ambas as partes.

            Não descobrindo qualquer dessas hipóteses, que influenciam o trato prescricional, aí sim o juiz poderá, com segurança e sem intentar qualquer afronta à ordem constitucional, indeferir a petição inicial, na própria audiência mesmo, pelo vislumbre evidente da prescrição da pretensão do autor, com fincas no artigo 295, inciso IV, do CPC [57].

            Esse diálogo, por sinal, fulcrado até então em mero senso de justiça, pode, em verdade, ser viabilizado mesmo até com espeque em lei.

            Com efeito, dispõe o artigo 40, § 4º, da Lei n. 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais - LEF) [58], in verbis:

            "Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato".

            Tal aplicação normativa foi visualizada por GUSTAVO FILIPE BARBOSA GARCIA, como segue:

            "Essa cautela, aliás, encontra-se expressamente prevista no mencionado art. 40, § 4º, da Lei 6.830/80, acrescentado pela Lei 11.051/2004, o qual pode ser interpretado, extensivamente, para outras modalidades de ação. Assim ocorrendo, possibilita-se que o autor se manifeste a respeito da prescrição, demonstrando, por exemplo, a sua interrupção, tornando a pretensão ainda exigível" [59].

            Em suma: é recomendável que esse indeferimento da inicial, caso inteiramente pertinente e verdadeiramente necessário, ocorra, no âmbito juslaboral, precedido de um bom e saudável diálogo entre o juiz e as partes [60], em audiência [61], fazendo cumprir, assim, com zelo e esmero, a verdadeira finalidade do direito: realizar justiça [62].

            d) Silêncio do Reclamado na Contestação: renúncia tácita da prescrição?

            Sem qualquer delonga, insta desde logo frisar, no tocante a tal indagação, que, até o advento da Lei n. 11.280/2006, o silêncio do réu na contestação nunca fora seriamente interpretado como renúncia tácita de prescrição [63], por parte dos operadores do direito.

            Não sem razão. É que há longa data existe em nosso ordenamento jurídico preceito que autoriza expressamente a suscitação da questão prejudicial de prescrição em qualquer grau de jurisdição [64], pela parte a quem aproveita, e, ainda assim, nunca se vindicou que, em casos tais, teria ocorrido a dita renúncia tática ao benefício prescricional.

            De notar que já a própria lei prevê essa hipótese de esquecimento da suscitação da prescrição, da parte do interessado, facultando-lhe a oportunidade de, mais à frente, em seu arrazoado recursal, por exemplo, levantar tal questão.

            Não há, portanto, de lege lata, a mínima possibilidade jurídica de se enxergar no silêncio da peça de contestação do reclamado, tout court, uma espécie de renúncia tácita à prescrição.

            e) Pronunciamento Ex Officio da Prescrição: Lei n. 11.280/2006 e sua eficácia no tempo

            A Lei 11.280, publicada no DOU de 17.02.06, entrou em vigor 90 (noventa) dias após essa data (artigo 10), ou seja, em 18.05.06, conforme preceitua o artigo 8º, § 1º, da LC 95/1998 [65].

            Sua eficácia no tempo é imediata.

            Por corolário, a aplicação de ofício da lâmina prescricional ocorrerá em todos os processos em curso.

            Noutras palavras: caso proposta a demanda após o esgotamento do prazo de prescrição, impõe-se ao magistrado, ainda que a ação tenha sido ajuizada antes da vigência da Lei n. 11.280/2006, o dever de suscitar ex officio a prejudicial de mérito baseada em prescrição e pronunciar a prescrição da pretensão aviada pelo autor.

            Logicamente, a prescrição passível de aplicação na fase cognitiva não pode vingar em plena fase de execução [66], pena de se ferir de morte a garantia constitucional da coisa julgada [67].

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Sobre o autor
Ney Maranhão

Professor Adjunto do Curso de Direito da Universidade Federal do Pará (Graduação e Pós-graduação). Doutor em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela Universidade de São Paulo - Largo São Francisco, com estágio de Doutorado-Sanduíche junto à Universidade de Massachusetts (Boston/EUA). Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade de Roma/La Sapienza (Itália). Mestre em Direitos Humanos pela Universidade Federal do Pará. Ex-bolsista CAPES. Professor convidado do IPOG, do Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA) e da Universidade da Amazônia (UNAMA) (Pós-graduação). Professor convidado das Escolas Judiciais dos Tribunais Regionais do Trabalho da 2ª (SP), 4ª (RS), 7ª (CE), 8ª (PA/AP), 10ª (DF/TO), 11ª (AM/RR), 12ª (SC), 14ª (RO/AC), 15ª (Campinas/SP), 18ª (GO), 19ª (AL), 21ª (RN), 22ª (PI), 23ª (MT) e 24 ª (MS) Regiões. Membro do Instituto Goiano de Direito do Trabalho (IGT) e do Instituto de Pesquisas e Estudos Avançados da Magistratura e do Ministério Público do Trabalho (IPEATRA). Membro fundador do Conselho de Jovens Juristas/Instituto Silvio Meira (Titular da Cadeira de nº 11). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito do Trabalho – RDT (São Paulo, Editora Revista dos Tribunais). Ex-Membro da Comissão Nacional de Efetividade da Execução Trabalhista (TST/CSJT). Membro do Comitê Gestor Nacional do Programa Trabalho Seguro (TST/CSJT). Juiz Titular da 2ª Vara do Trabalho de Macapá/AP (TRT da 8ª Região/PA-AP). Autor de diversos artigos em periódicos especializados. Autor, coautor e coordenador de diversas obras jurídicas. Subscritor de capítulos de livros publicados no Brasil, Espanha e Itália. Palestrante em eventos jurídicos. Tem experiência nas seguintes áreas: Teoria Geral do Direito do Trabalho, Direito Individual do Trabalho, Direito Coletivo do Trabalho, Direito Processual do Trabalho, Direito Ambiental do Trabalho e Direito Internacional do Trabalho. Facebook: Ney Maranhão / Ney Maranhão II. Email: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARANHÃO, Ney. Pronunciamento "ex officio" da prescrição e processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1387, 19 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9769. Acesso em: 27 abr. 2024.

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