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A base de cálculo do ITBI na jurisprudência do STJ

Resumo:


  • O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que a base de cálculo do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis) deve ser o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não vinculada ao valor venal do IPTU.

  • A presunção de veracidade do valor da transação declarado pelo contribuinte só pode ser afastada pelo Fisco mediante processo administrativo próprio, garantindo-se o contraditório e a ampla defesa.

  • É vedado aos Municípios arbitrarem previamente a base de cálculo do ITBI com base em valor venal de referência estabelecido unilateralmente, devendo o lançamento do imposto refletir o preço acordado na transação imobiliária.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Apresenta-se a compreensão da tese fixada pelo STJ no Recurso Especial nº 1.937.821-SP, representativo da controvérsia do Tema nº 1.113.

RESUMO: O presente artigo tem por finalidade analisar a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça sobre a base de cálculo do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis). Para tanto, foram utilizadas, como base investigativa e argumentativa, a legislação nacional correlata, a jurisprudência e a doutrina.

Palavras-chave: ITBI. Base de Cálculo. Valor Venal. STJ.

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Competência Normativa Tributária; 3. O Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis ITBI; 3.1. Fato Gerador; 3.2. Base de Cálculo; 3.3. Lançamento; 3.4. Arbitramento de Base de Cálculo; 4. Conclusão; 5. Bibliografia.


INTRODUÇÃO

No dia 11 de novembro de 2021, o Superior Tribunal de Justiça decidiu afetar a controvérsia surgida sobre a base de cálculo do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis) para fins de definir: a) se a base de cálculo do ITBI está vinculada à do IPTU; b) se é legítima a adoção de valor venal de referência previamente fixado pelo fisco municipal como parâmetro para a fixação da base de cálculo do ITBI.

O caso piloto, Tema nº1.113, foi o representativo da controvérsia analisado no Recurso Especial nº1.937.821-SP que, em 24 de fevereiro de 2022, foi julgado pela Corte Cidadã.

Este artigo tem por finalidade analisar a referida decisão à luz da legislação, da jurisprudência e da doutrina.

COMPETÊNCIA NORMATIVA TRIBUTÁRIA

Por expressa previsão constitucional, compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local e instituir e arrecadar os tributos de sua competência legal (artigo 30, incisos I e III).

Entre os tributos que os municípios podem instituir, lançar e cobrar, está o Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (artigo 156, inciso II).

Contudo, a própria Constituição determina que a União edite normas gerais sobre os impostos nela previstos com o fim de uniformizar certos assuntos considerados relevantes, como, por exemplo a base de cálculo:

Art. 146. Cabe à lei complementar: III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; (BRASIL, 1988)

O instrumento normativo vigente é o Código Tributário Nacional (Lei Nacional nº5.172, de 25 de outubro de 1966), conforme decisão do Supremo Tribunal Federal:

O artigo 146, III, a, da CF/1988 dispõe que compete à lei complementar definir normas gerais acerca da definição de tributos e dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes. O Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966), recepcionado pela Constituição de 1988 como lei complementar, regulamentou o IPI, definindo que a base de cálculo do imposto é o valor da operação de que decorre a saída da mercadoria. (RE 602917, Relator(a): ROSA WEBER, Relator(a) p/ Acórdão: ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 29/06/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-254 DIVULG 20-10-2020 PUBLIC 21-10-2020)

Assim, todos os Municípios brasileiros, além do Distrito Federal, podem legislar sobre o referido imposto imobiliário, o que possibilita certa margem de criação legislativa, dentro da moldura legal estabelecida pela norma geral editada pela União, isto é, das normas gerais estabelecidas pelo Código Tributário Nacional.

3. O IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO DE BENS IMÓVEIS - ITBI

3.1. Fato Gerador

A Constituição Federal de 1988, no artigo 156, inciso II, e o Código Tributário Nacional, no artigo 35, estabelecem que o ITBI é um imposto incidente sobre o patrimônio e tem como principal fato gerador a transmissão onerosa, entre vivos (inter vivos), de bens imóveis:

Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; (BRASIL, 1988)

Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador: I - a transmissão, a qualquer título, da propriedade ou do domínio útil de bens imóveis por natureza ou por acessão física, como definidos na lei civil; II - a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia; III - a cessão de direitos relativos às transmissões referidas nos incisos I e II. (BRASIL, 1966)

Como o Código Tributário Nacional foi editado antes da atual Constituição, contudo foi por ela recepcionado nas partes compatíveis, a competência Estadual estabulada no artigo 35 do CTN deve ser lida à luz da nova ordem constitucional, ou seja, competência municipal ou distrital.

O fato gerador descrito na norma como transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso de bens imóveis, por natureza ou acessão física é a transação imobiliária entre pessoas vivas cuja legislação civil reconhece como contrato de compra e venda de bens imóveis.

O contrato de compra e venda, por ser instituto civil, deve ter sua definição, conteúdo, alcance, conceitos e formas determinados pela respectiva legislação civil, isto é, pelo Código Civil, em razão da expressa disposição do CTN relativa à integração e interpretação da legislação tributária:

Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários. (BRASIL, 1966)

Contudo, como se observa, os institutos e conceitos civis não alcançam os efeitos tributários, porquanto esses possuem consequências jurídicas próprias, ou seja, há autonomia do direito civil e do direito tributário:

Hoje, entende­-se caber ao intérprete verificar se o legislador levou em conta, ou não, a estrutura de Direito Privado, na definição da hipótese tributária. O legislador é livre para se vincular, ou não, às formas daquele. O fato de o legislador utilizar uma expressão que também surge no Direito Privado não implica que aquela expressão exija que se considere o instituto do último que com aquela se designa. Uma mesma expressão pode ter significado diverso, conforme o contexto em que se insira. Em princípio, as expressões empregadas na lei tributária devem ser interpretadas segundo o contexto das leis em que se encontram. Claro que é possível que o legislador tributário se valha do Direito Privado e, em tal caso, deve­-se respeitar a autonomia privada.[1]

O Código Civil dispõe que o contrato de compra e venda é aquele em que um dos contratantes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro (artigo 481).

Assim, o referido contrato é o acordo entre as partes em que uma se obriga a transferir o domínio da coisa e a outra parte a pagar o preço.

A transmissão dos bens imóveis, contudo, somente ocorrem com o efetivo registro da transferência dominial no Cartório de Imóveis competente, conforme artigo 1.245 do Código Civil:

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. § 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel. (BRASIL, 2002)

Nesse sentido é a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema nº1124 da Repercussão Geral:

O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro. (ARE 1294969 RG, Relator(a): MINISTRO PRESIDENTE, Tribunal Pleno, julgado em 11/02/2021, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-031 DIVULG 18-02-2021 PUBLIC 19-02-2021)

3.2. Base de Cálculo

A base de cálculo representa, na maioria dos casos, a grandeza quantificável da hipótese de incidência tributária, ou seja, do fato gerador:

O objeto da obrigação principal é o tributo. Seu cálculo faz­-se a partir de dois elementos numéricos: a base de cálculo e a alíquota. A primeira, via de regra, pode ser encontrada como um desdobramento da hipótese de incidência; é a própria quantificação, em cada caso, do fato jurídico tributário ou, ainda, é o fato jurídico tributário, visto do ponto de vista numérico. Daí por que se chega a afirmar que a base de cálculo surge como aspecto quantitativo da hipótese de incidência. Uma vez identificada a base de cálculo, aplica­-se a alíquota, que geralmente é expressa na forma de um percentual, chegando­-se ao montante do tributo devido.[2]

No caso específico dos impostos imobiliários, já que os fatos geradores que autorizam a tributação têm relação com o imóvel, a base de cálculo tem que estar, de algum modo, ligada a uma circunstância que quantifique o valor imobiliário.

Nessa linha de pensamento, o Código Tributário Nacional elegeu o valor venal como base de cálculo do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) e do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI):

Art. 33. A base do cálculo do imposto é o valor venal do imóvel. (BRASIL, 1966)

Art. 38. A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos. (BRASIL, 1966)

Contudo, o Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº1.937.821-SP, representativo da controvérsia do Tema nº1.113, ao apreciar o aspecto quantitativo tributário do ITBI, afirmou que a apuração da base de cálculo do IPTU ocorre de maneira diferente da do ITBI:

A jurisprudência pacífica desta Corte Superior é no sentido de que, embora o Código Tributário Nacional estabeleça como base de cálculo do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) o valor venal, a apuração desse elemento quantitativo faz-se de formas diversas, notadamente em razão da distinção existente entre os fatos geradores e a modalidade de lançamento desses impostos. (REsp 1937821/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/02/2022, DJe 03/03/2022)

E isso ocorre porque o conceito de valor venal do IPTU e do ITBI traduzem grandezas diferentes quando justapostas aos respectivos fatos geradores.

No IPTU a grandeza quantificável é a propriedade, a posse ou o domínio útil, já que são esses os fatos geradores (artigo 32 do Código Tributário Nacional).

A base de cálculo, assim, do IPTU é encontrada nos valores presumidos e pré-fixados pelas Plantas Genéricas de Valores dos Municípios:

No IPTU, tributa-se a propriedade, lançando-se de ofício o imposto tendo por base de cálculo a Planta Genérica de Valores aprovada pelo Poder Legislativo local, que considera aspectos mais amplos e objetivos como, por exemplo, a localização e a metragem do imóvel. (REsp 1937821/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/02/2022, DJe 03/03/2022)

Já no ITBI, como o fato gerador é a transmissão ou a cessão de direitos imobiliários (artigo 35 do Código Tributário Nacional), o aspecto material do tributo é o valor do negócio jurídico entabulado pelas partes:

Os arts. 35 e 38 do CTN dispõem, respectivamente, que o fato gerador do ITBI é a transmissão da propriedade ou de direitos reais imobiliários ou a cessão de direitos relativos a tais transmissões e que a base de cálculo do tributo é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos, que corresponde ao valor considerado para as negociações de imóveis em condições normais de mercado. (REsp 1937821/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/02/2022, DJe 03/03/2022)

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Esse negócio jurídico, como visto acima, na maioria dos casos, é o contrato de compra e venda de bens imóveis que se torna perfeito com o acordo do objeto e do preço:

Art. 482. A compra e venda, quando pura, considerar-se-á obrigatória e perfeita, desde que as partes acordarem no objeto e no preço. (BRASIL, 2002)

Observa-se, assim, que a fixação do preço do negócio é condição essencial, em regra, do negócio.

Portanto, o aspecto tributário base de cálculo está intimamente ligado ao aspecto fato gerador que, no ITBI, apesar de possuir nomenclatura igual à do IPTU, ou seja, valor venal, encontra a medida de sua grandeza em realidade fática distinta, isto é, no negócio jurídico entre as partes e não em valores pré-fixados ou presumidos.

3.3. Lançamento

O lançamento é o ato administrativo fiscal que constitui o crédito tributário, após o devido procedimento tributário, e apura a ocorrência do fato gerador, a matéria tributável, o montante do tributo devido, o sujeito passivo, eventual penalidade e demais requisitos legais (artigo 142 do CTN):

Pode-se conceituar o instituto da seguinte forma: é o ato administrativo unilateral, privativo do Fisco, plenamente vinculado, declaratório da ocorrência do fato gerador e constitutivo do crédito tributário.[3]

O CTN estabelece três modalidades de lançamento: (1) de ofício, (2) por declaração e (3) por homologação.

Na primeira modalidade, de ofício (artigo 149 do CTN), a própria administração tributária possui as informações suficientes para proceder ao devido lançamento do crédito tributário, sendo dispensada qualquer ação do sujeito passivo (ou seja, do devedor). É o que ocorre, por exemplo, com o lançamento do IPTU ou IPVA em que o Fisco, a partir de informações cadastrais e tabela de valores, apura o tributo unilateralmente e o cobra do devedor:

Denomina-se lançamento direto ou de ofício aquele efetuado e revisto pela autoridade administrativa, sem participação do contribuinte (art. 149 do CTN), cabendo também ao Fisco calcular o valor devido. Exemplos: IPTU, IPVA, contribuição de melhoria e taxas.[4]

Na segunda modalidade, por declaração (artigo 147 do CTN), o sujeito passivo ou um terceiro presta informações sobre matéria relevante de fato ao Fisco que procede ao lançamento do tributo. Nessa modalidade há uma ação tanto do sujeito passivo quanto da Administração que, em atuação conjunta, possibilita o lançamento. É o caso, por exemplo, do ITCMD em que o sujeito presta informações sobre a doação ou a herança e possibilita ao Fisco apurar o imposto devido.

Lançamento misto ou por declaração, nos termos do art. 147 do CTN, é aquele em que o sujeito passivo ou o terceiro presta informações à autoridade administrativa sobre matéria de fato, indispensáveis à sua efetivação, cabendo ao Fisco calcular o valor devido. Exemplos de tributos lançados por declaração: Imposto de Exportação, ITCMD e ITBI.[5]

Na terceira e última modalidade, por homologação (artigo 150 do CTN), o sujeito passivo pratica todos os atos necessários à tributação e paga antecipadamente os valores devidos sem qualquer atuação prévia ou concomitante do Fisco. A Administração, assim, só atua posteriormente na verificação da conformidade do lançamento com o fato gerador e os valores devidos, homologando o lançamento. É o caso, por exemplo, do ICMS ou do ISSQN em que o sujeito realiza todos os atos de apuração do imposto competindo ao Fisco, posteriormente, analisar e homologar o lançamento:

O tributo é lançado por homologação, também conhecido como autolançamento, quando, conforme disposto no art. 150 do CTN, a legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa. São exemplos de tributos lançados por homologação: ICMS, ISS, IPI e Cofins.[6]

Nesse ponto, a decisão do STJ, no Recurso Especial nº1.937.821-SP, representativo da controvérsia do Tema nº1.113, afirma que:

O ITBI comporta duas modalidades de lançamento originário: por declaração, se a norma local exigir prévio exame das informações do contribuinte pela Administração para a constituição do crédito tributário, ou por homologação, se a legislação municipal disciplinar que caberá ao contribuinte apurar o valor do imposto e efetuar o seu pagamento antecipado sem prévio exame do ente tributante. (REsp 1937821/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/02/2022, DJe 03/03/2022)

A justificativa da Corte é que somente com as informações prestadas pelas partes que efetuaram a transação imobiliária é que se pode saber sobre as circunstâncias específicas do valor de mercado do bem e, logo, do preço que servirá de base de cálculo para a tributação:

Os lançamentos por declaração ou por homologação se justificam pelas várias circunstâncias que podem interferir no específico valor de mercado de cada imóvel transacionado, circunstâncias cujo conhecimento integral somente os negociantes têm ou deveriam ter para melhor avaliar o real valor do bem quando da realização do negócio, sendo essa a principal razão da impossibilidade prática da realização do lançamento originário de ofício, ainda que autorizado pelo legislador local, pois o fisco não tem como possuir, previamente, o conhecimento de todas as variáveis determinantes para a composição do valor do imóvel transmitido. (REsp 1937821/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/02/2022, DJe 03/03/2022)

Resta prejudicada, portanto, a adoção do lançamento de ofício com base em valores presumidos ou pré-fixados:

A prévia adoção de um valor de referência pela Administração configura indevido lançamento de ofício do ITBI por mera estimativa e subverte o procedimento instituído no art. 148 do CTN, pois representa arbitramento da base de cálculo sem prévio juízo quanto à fidedignidade da declaração do sujeito passivo. (REsp 1937821/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/02/2022, DJe 03/03/2022)

Assim, é impossível a Administração saber previamente sobre as questões relevantes do negócio para fins de apurar o tributo devido. Ou seja, o lançamento de ofício, que leva em consideração parâmetros previamente fixados, como a Planta Genérica de Valores, é impróprio para apuração do tributo, uma vez que não é apto a refletir o preço da transação realizada.

Portanto, a base de cálculo do ITBI é o valor de mercado do bem imóvel determinado pelo preço acordado na compra e venda pelas partes.

3.4. Arbitramento da Base de Cálculo

O artigo 148 do Código Tributário Nacional prevê um método de lançamento de ofício denominado de arbitramento:

Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial. (BRASIL, 1966)

A utilização desse método, como prescreve a norma, ocorre quando há omissão do sujeito passivo ou as suas declarações ou esclarecimentos não mereçam fé, ou seja, não possibilita a devida apuração do tributo ou há indícios de irregularidade:

Há casos em que a autoridade, embora verificando que o fato gerador ocorreu, não dispõe de elementos suficientes para a apuração da base de cálculo com exatidão em face da ausência ou inidoneidade da documentação respectiva, tendo de recorrer ao arbitramento ou aferição indireta. Denomina-se lançamento por arbitramento, pois, o realizado mediante apuração da base de cálculo mediante elementos indiciários ou presunções legais.[7]

É mecanismo excepcional de lançamento e deve ser utilizado quando a base de cálculo real não puder ser conhecida:

Note-se que o lançamento por arbitramento ou aferição indireta é excepcional e subsidiário. Só se justifica quando da impossibilidade de apuração da base de cálculo real.[8]

A decisão do STJ, no Recurso Especial nº1.937.821-SP, representativo da controvérsia do Tema nº1.113, confirma essa posição:

Em face do princípio da boa-fé objetiva, o valor da transação declarado pelo contribuinte presume-se condizente com o valor médio de mercado do bem imóvel transacionado, presunção que somente pode ser afastada pelo fisco se esse valor se mostrar, de pronto, incompatível com a realidade, estando, nessa hipótese, justificada a instauração do procedimento próprio para o arbitramento da base de cálculo, em que deve ser assegurado ao contribuinte o contraditório necessário para apresentação das peculiaridades que amparariam o quantum informado (art. 148 do CTN). (REsp 1937821/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/02/2022, DJe 03/03/2022)

Assim, cabe à Administração Tributária infirmar a presunção de veracidade das declarações do contribuinte para então poder proceder ao arbitramento.

Conforme foi argumentado, no Recurso Especial objeto desta análise, o ponto de partida para infirmar as declarações do contribuinte pode ser o valor venal de referência previamente fixado pela Administração:

Esse denominado valor venal de referência, ou equivalente, quando muito, poderá justificar a ação fiscal para apurar a veracidade da declaração prestada, mas, em hipótese alguma, pode servir para antecipar tal juízo, porquanto, além de não abranger todas as áleas definidoras do valor de mercado daquele específico imóvel, acaba por subtrair a garantia do contraditório assegurada ao contribuinte, cujo exercício pressupõe a prévia instauração de regular processo administrativo. (REsp 1937821/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 24/02/2022, DJe 03/03/2022)

Assim, quando na comparação do valor declarado com o valor venal de referência ficar demonstrada que as informações do contribuinte não mereçam fé, por haver divergência substancial de bases, pode o Fisco instaurar o devido processo administrativo para fins de apurar o valor da base de cálculo do ITBI, mas sempre com obediência aos Princípios Constitucionais do Devido Processo Legal, da Ampla Defesa e do Contraditório. Ou seja, o valor referencial pode ser utilizado para deflagrar a ação fiscal, mas não para, por si só, justificar o lançamento de ofício.

4. CONCLUSÃO

Este artigo buscou lançar luzes sobre a base de cálculo do ITBI, imposto intrinsecamente relacionado com o mercado imobiliário, com foco na decisão do Recurso Especial nº1.937.821-SP, representativo da controvérsia do Tema nº1.113, do Superior Tribunal de Justiça.

Assim, após explicações sobre a legislação, a jurisprudência e a doutrina, chega-se à devida compreensão da tese fixada pela Corte: a) a base de cálculo do ITBI é o valor do imóvel transmitido em condições normais de mercado, não estando vinculada à base de cálculo do IPTU, que nem sequer pode ser utilizada como piso de tributação; b) o valor da transação declarado pelo contribuinte goza da presunção de que é condizente com o valor de mercado, que somente pode ser afastada pelo fisco mediante a regular instauração de processo administrativo próprio (art. 148 do CTN); c) o Município não pode arbitrar previamente a base de cálculo do ITBI com respaldo em valor de referência por ele estabelecido unilateralmente.


BIBLIOGRAFIA:

BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: < https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm >. Acesso em: 27 mar. 2022.

BRASIL. Lei nº5.172, de 25 de outubro de 1966. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm>. Acesso em: 27 mar. 2022.

BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm >. Acesso em: 27 mar. 2022.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial: REsp 1937821/SP. Relator: Ministro Gurgel de Faria. DJ: 03/03/2022. STJ, 2022. Disponível em: < https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/doc.jsp?livre=RESP+1937821&b=ACOR&p=false&l=10&i=1&operador=E&tipo_visualizacao=RESUMO >. Acesso em: 27 mar. 2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário: RE 602917. Relator: Ministro Alexandre de Moraes. DJ: 20/10/2020. STF, 2020. Disponível em: < https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=3749426 >. Acesso em: 27 mar. 2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Agravo em Recurso Extraordinário: ARE 1294969 RG. Relator: Ministro Presidente. DJ: 19/02/2021. STF, 2021. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6031137>. Acesso em: 27 mar. 2022.

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  4. MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Tributário. Editora Saraiva, 2021. 9786555597226. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597226/. Acesso em: 27 mar. 2022.
  5. MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Tributário. Editora Saraiva, 2021. 9786555597226. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597226/. Acesso em: 27 mar. 2022.
  6. MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Tributário. Editora Saraiva, 2021. 9786555597226. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786555597226/. Acesso em: 27 mar. 2022.
  7. PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. Editora Saraiva, 2021. 9786553623255. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553623255/. Acesso em: 27 mar. 2022.
  8. PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. Editora Saraiva, 2021. 9786553623255. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9786553623255/. Acesso em: 27 mar. 2022.
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Sobre o autor
Luiz Mário Araújo Camacho Carpanez

PROCURADOR (Ocupante de Cargo de Provimento Efetivo); Competências atuais: Tributário, Execução, Precatórios e Dívida Ativa. Mestrando em Direito - área de concentração "Direitos Fundamentais e Novos Direitos" (UNESA); Pós-graduado em Direito Tributário (PUC-Minas); Pós-graduado em Direito Administrativo (PUC-Minas); Pós-graduado em Direito Processual Civil (Universidade Cândido Mendes); Graduado em Direito (Universidade Federal de Juiz de Fora - UFJF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARPANEZ, Luiz Mário Araújo Camacho. A base de cálculo do ITBI na jurisprudência do STJ. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 6896, 19 mai. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/97824. Acesso em: 22 dez. 2024.

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