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A falência da segurança pública nos Estados e a atuação das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem

24/04/2007 às 00:00
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Cogita-se o emprego das Forças Armadas no campo da segurança pública, inclusive com o aval de autoridades estaduais, mas será que isso é fática e juridicamente possível?

A recente escalada da violência, as barbáries que se sobrepõem nos noticiários, a fragilidade dos sistemas de segurança pública dos Estados, imersos em desmando e corrupção, são situações reais em nosso cotidiano.

Diante deste quadro calamitoso, a sociedade torna-se refém do crime que cada vez mais se organiza, ocupando o espaço que a omissão do Estado deixou sob vácuo.

Em face desta situação desesperadora, inúmeras soluções são cogitadas pelo extremo mais frágil da relação, o cidadão. Dentre as sugestões apontadas para o combate ao crime organizado está a atuação das Forças Armadas para garantir a tranqüilidade das pessoas nas cidades.

O fato é que as Forças Armadas gozam de inegável credibilidade, principalmente por seu baixíssimo índice de corrupção e sua seriedade quando atua, representando uma esperança para a população que não sabe mais a quem recorrer.

Cogita-se o emprego das Forças Armadas no campo da segurança pública, inclusive com o aval de autoridades estaduais [1], mas será que isso é fática e juridicamente possível?

Devemos, inicialmente, buscar um conceito adequado do termo segurança pública de modo a possibilitar o raciocínio que será doravante desenvolvido. Podemos conceituar segurança pública como a "garantia que o Estado proporciona à Nação, a fim de assegurar a ordem pública, ou seja, ausência de prejuízo aos direitos do cidadão, pelo eficiente funcionamento dos órgãos do Estado [2]".

A questão da segurança pública está constitucionalmente delineada, donde verificamos a previsão dos órgãos capacitados a atuar neste setor. Nessa linha prevê o artigo 144 da Constituição Federal, in verbis:

CAPÍTULO III

DA SEGURANÇA PÚBLICA

Art. 144

. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares.

(...)

§ 8º - Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei.

Pela simples leitura do dispositivo constitucional percebemos que as Forças Armadas não integram o rol das instituições cuja incumbência é zelar pela segurança pública.

O fato é que a Carta Magna prevê atribuições até para os Municípios, por meio de suas Guardas Municipais e nada delega às Forças Armadas.

Esta omissão, entretanto, foi proposital. Com o advento da Carta de 1988, o constituinte originário retirou das Forças Armadas qualquer atribuição de atuação ou ingerência em segurança pública e delegou, precipuamente, aos Estados membros e, em alguns casos, aos órgãos federais (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, etc).

Um clássico exemplo dessa abstenção de ingerência das Forças Armadas nas questões de Segurança Pública foi o esvaziamento das atribuições da Inspetoria Geral de Polícia Militar - IGPM, prevista no Decreto-Lei 667, de 2 de julho de 1969, que determinava a fiscalização das Policias Militares dos Estados por departamento específico das Forças Armadas em todos os seus aspectos como armamento, salários, etc. Tal ingerência é inconcebível sob a ótica da atual Constituição.

Assim, não restam dúvidas de que as Forças Armadas não possuem respaldo jurídico para atuar na segurança pública, dada a ausência deliberada da concessão de atribuições a esta, em especial o denominado "poder de polícia".

Entende-se por poder de polícia a "atividade de administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina de produção e de mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de produção e de mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos [3]".

Assim, concluímos que não foi conferido às Forças Armadas o poder de polícia para atuar em questões relacionadas à segurança pública. Há entretanto uma única exceção que será abordada adiante.

Em face deste cenário vários questionamentos poderiam surgir, em especial sobre a suposta irregularidade nas atuações pretéritas das Forças Armadas, como já aconteceu no Rio de Janeiro, por ocasião da ECO 92, por exemplo. Também poderia ser questionado que as Forças Armadas, por não possuírem atribuições para atuar em segurança pública, em nada poderiam contribuir no combate à crescente violência.

A resposta para ambos os pretensos questionamentos é simples. As Forças Armadas, embora não possam atuar em questões de segurança pública o podem fazer para a Garantia da Lei e da Ordem - GLO, assim ocorrendo nos casos em que fora chamada a atuar em operações urbanas.

Nossa Constituição prevê, em linhas gerais, as atribuições conferidas às Forças Armadas, das quais destacamos, in verbis:

CAPÍTULO II

DAS FORÇAS ARMADAS

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

§ 1º - Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas. (grifamos)

Assim, está previsto na Carta Constitucional que competirá às Forças Armadas, dentre outras atribuições, atuar na garantia da lei e da ordem.

Traçadas as linhas gerais, a Lei Complementar 97, de 9 de junho de 1999, veio dispor "sobre as normas gerais para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas". Acerca do tema dispôs o diploma, in verbis:

Art. 15.

O emprego das Forças Armadas na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem
, e na participação em operações de paz, é de responsabilidade do Presidente da República, que determinará ao Ministro de Estado da Defesa a ativação de órgãos operacionais, observada a seguinte forma de subordinação:

(...)

§ 1o Compete ao Presidente da República a decisão do emprego das Forças Armadas, por iniciativa própria ou em atendimento a pedido manifestado por quaisquer dos poderes constitucionais, por intermédio dos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados.

§ 2o A atuação das Forças Armadas, na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, relacionados no art. 144 da Constituição Federal.

§ 3o Consideram-se esgotados os instrumentos relacionados no art. 144 da Constituição Federal quando, em determinado momento, forem eles formalmente reconhecidos pelo respectivo Chefe do Poder Executivo Federal ou Estadual como indisponíveis, inexistentes ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional.

(Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)

§ 4o Na hipótese de emprego nas condições previstas no § 3o deste artigo, após mensagem do Presidente da República, serão ativados os órgãos operacionais das Forças Armadas, que desenvolverão, de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, as ações de caráter preventivo e repressivo necessárias para assegurar o resultado das operações na garantia da lei e da ordem.

(Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)

§ 5o Determinado o emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem, caberá à autoridade competente, mediante ato formal, transferir o controle operacional dos órgãos de segurança pública necessários ao desenvolvimento das ações para a autoridade encarregada das operações, a qual deverá constituir um centro de coordenação de operações, composto por representantes dos órgãos públicos sob seu controle operacional ou com interesses afins.(Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)

§ 6o Considera-se controle operacional, para fins de aplicação desta Lei Complementar, o poder conferido à autoridade encarregada das operações, para atribuir e coordenar missões ou tarefas específicas a serem desempenhadas por efetivos dos órgãos de segurança pública, obedecidas as suas competências constitucionais ou legais. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004)

§ 7o O emprego e o preparo das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem são considerados atividade militar para fins de aplicação do art. 9o, inciso II, alínea c, do Decreto-Lei no 1.001, de 21 de outubro de 1969 - Código Penal Militar. (Incluído pela Lei Complementar nº 117, de 2004) (grifamos)

Pois bem, o trecho acima colacionado, em especial os parágrafos 2º e 3º, já nos auxiliam na obtenção da conceituação da Garantia da Lei e da Ordem, porém não é suficiente.

O Decreto 3.897, de 24 de agosto de 2001, vai além e positiva algo muito próximo à conceituação do termo, o qual destacamos, in verbis:

Art. 3º  

Na hipótese de emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem, objetivando a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, porque esgotados os instrumentos a isso previstos no
art. 144 da Constituição, lhes incumbirá, sempre que se faça necessário, desenvolver as ações de polícia ostensiva, como as demais, de natureza preventiva ou repressiva, que se incluem na competência, constitucional e legal, das Polícias Militares, observados os termos e limites impostos, a estas últimas, pelo ordenamento jurídico.

Parágrafo único. Consideram-se esgotados os meios previstos no

art. 144 da Constituição, inclusive no que concerne às Polícias Militares, quando, em determinado momento, indisponíveis, inexistentes, ou insuficientes ao desempenho regular de sua missão constitucional. (grifamos)

O glossário das Forças Armadas [4] remata a questão e conceitua o termo, in verbis:

"Atuação coordenada das Forças Armadas e dos Órgãos de Segurança Pública na garantia da lei e da ordem, por iniciativa de quaisquer dos poderes constitucionais, possui caráter excepcional, episódico e temporário. Ocorrerá de acordo com as diretrizes baixadas em ato do Presidente da República, após esgotados os instrumentos destinados à preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. A decisão presidencial para emprego das Forças Armadas nessa situação poderá ocorrer diretamente por sua própria iniciativa ou por solicitação dos chefes dos outros poderes constitucionais, representados pelos Presidentes do Supremo Tribunal Federal, do Senado Federal ou da Câmara dos Deputados".

Em síntese, diante de tudo o que já fora exposto, nos é permitido concluir que o termo "garantia da lei e da ordem" é utilizado para retratar situação diferente da simples "segurança pública", sendo, grosso modo, uma situação extremada, ante ao quadro de verdadeira incapacidade ou insuficiência operacional dos órgãos de segurança pública para restabelecer a ordem das coisas. Tal situação pode vir a gerar o comprometimento das atividades que devem ser desempenhadas pelos órgãos de segurança pública estaduais e, conseqüentemente, dos direitos constitucionais assegurados.

Em suma, tem-se situação em que é necessário que seja garantida a lei e a ordem quando houver verdadeiro colapso na segurança pública, estágio posterior ao mero combate à criminalidade.

Assim, em regra, apenas nestas situações extremadas é que as Forças Armadas serão chamadas a atuar. Uma exceção, entretanto, existe e deve ser mencionada.

Prevê a Lei Complementar 97/1999, com alteração inserida pela Lei Complementar 117, de 2 de setembro de 2004, in verbis:

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Art. 17A.

Cabe ao Exército, além de outras ações pertinentes, como atribuições subsidiárias particulares:

(...)

IV – atuar, por meio de ações preventivas e repressivas, na faixa de fronteira terrestre, contra delitos transfronteiriços e ambientais, isoladamente ou em coordenação com outros órgãos do Poder Executivo, executando, dentre outras, as ações de:

a) patrulhamento;

b) revista de pessoas, de veículos terrestres, de embarcações e de aeronaves; e

c) prisões em flagrante delito. (grifamos)

Este é caso de evidente exceção à regra de que as Forças Armadas não possuem poder de polícia para a atuação em questões de segurança pública, sendo, inclusive, caso muito restrito com a conferência de tais atribuições apenas ao Exército Brasileiro, não possuindo igual prerrogativa a Marinha e a Força Aérea.

Nesta situação, por sinal, é dado ao Exército Brasileiro atuar com funções precípuas de policiamento, como revista, patrulhamento, etc.

Assim, feitas as considerações até o momento, podemos passar ao ponto que consideramos mais delicado da questão em delimitar os requisitos necessários política e juridicamente para a atuação das Forças Armadas, ante uma situação fática, na garantia da lei e da ordem.

Dissemos que a questão é delicada pela falta de consenso da doutrina para que seja realizada esta atuação militar. Buscaremos a concisão nesta abordagem, de modo a não desvirtuar o objetivo precípuo desta obra, sem, contudo, furtarmo-nos da análise desta nuance e emissão de nossa opinião.

Há quem afirme a necessidade de decretação de intervenção federal no Estado para respaldar, conseqüentemente, a atuação das Forças Armadas neste caso. Outros sustentam a necessidade de decretação de estado de sítio ou de defesa como requisito essencial [5].

Quem defende as posições mencionadas o faz, em suma, argumentando que uma atuação das Forças Armadas, sem a caracterização formal de algumas destas situações, estaria por violar um dos princípios basilares de nosso estado democrático e republicano, o pacto federativo.

Na mesma linha, insistem também que estaríamos diante de um quadro de instabilidade institucional do Estado que necessita a atuação das Forças Armadas. Discordamos, veementemente, destes posicionamentos, senão vejamos:

Entendemos que em algumas situações pode não haver situação de instabilidade institucional, ocorrendo apenas mera insuficiência momentânea para os órgãos de segurança pública estaduais poderem desempenhar sua função constitucional, conforme determina o já transcrito parágrafo único do artigo 3º do Decreto 3.897, de 24 de agosto de 2001 [6].

Nesse mesmo sentido corrobora a determinação legal de que esta atuação militar seja apenas de caráter episódico.

Além do mais, a Constituição, ao prever a atuação das Forças Armadas nestas circunstâncias, o faz em capítulo próprio, distinto do que trata dos estados de anormalidade (de defesa e de sítio).

Ora, a simples análise dos dispositivos constitucionais sob ótica da hermenêutica jurídica, nos permite concluir que não se tratam de situações correlatas.

Entendemos que, caso o legislador originário desejasse que a atuação das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem estivesse vinculada à decretação prévia de estados de anormalidade, haveria de ter disposto na própria constituição.

Ora, se o legislador supremo não fez qualquer vinculação quanto ao desempenho de uma das atribuições constitucionais das Forças Armadas à esta situação anômala previamente decretada, também não poderia fazê-lo o legislador infraconstitucional, e por isso não o fez.

Pode ocorrer, é verdade, que, em casos de estados de anormalidade (defesa e sítio), as Forças Armadas sejam chamadas a atuar, mas isso não torna lícito concluir que apenas em tais casos seja possível tal atuação.

O fato é que, tanto a previsão de estados de anormalidade quanto a atuação na garantia da lei e da ordem estão dispostos sob o mesmo título V, "Da defesa do Estado e das instituições democráticas", estando em capítulos distintos.

Os estados de defesa e de sítio estão sob o mesmo capítulo I, enquanto a previsão da atuação militar veio prevista no capítulo II, relativo às Forças Armadas.

Ora, a única correlação entre os assuntos é que tanto a decretação dos estados de anormalidade quanto a atuação das Forças Armadas, e até mesmo dos órgãos de segurança pública, visam a "defesa do Estado e das instituições democráticas".

Desse modo, não existe qualquer previsão normativa ou regra interpretativa que venha vincular a atuação das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem aos casos previstos nos artigos 136 a 141 (estados de defesa e de sítio) da Carta Republicana, tratando-se de assuntos distintos.

Também é necessário verificar o preenchimento de alguns requisitos legais para que se implemente a atuação garantidora da lei e da ordem dos quais destacamos a já citada atuação de forma episódica, a necessidade de delimitação prévia da área geográfica em que irá atuar e o tempo que durará a missão [7].

Por fim, há necessidade de que o chefe do Poder Executivo estadual venha a, formalmente, reconhecer indisponíveis, inexistentes ou insuficientes os seus instrumentos de segurança pública relacionados no artigo 144 da Constituição Federal [8], para que o Presidente da República, como Chefe Supremo das Forças Armadas, em decisão exclusiva, decida pela determinação da atuação destas [9].

Com isso, preenchidos os requisitos legais (requisição do governador do Estado, determinação do Presidente da República, delimitação do território de atuação, etc) não haverá empecilhos para a atuação das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem.

Assim, não há que se confundir esta situação com decretação de estados de defesa, sítio ou intervenção federal no Estado da federação, sendo situações verdadeiramente distintas da aqui tratada.

Lembramos, na mesma esteira, que não há qualquer afronta ao princípio do pacto federativo pela atuação de forças militares federais no âmbito dos Estados, visto que haverá prévia deliberação entre os entes públicos (Estado e União), sem qualquer caráter impositivo de uma parte à outra. Vamos além ao afirmar que haverá, em verdade, a implementação prática dos auspícios ontológicos do pacto federativo perfeito pelo auxílio de um ente a outro, quando este esteja em momento de necessidade, de crise.

Feitas todas estas considerações jurídicas, ante a possibilidade de que as Forças Armadas venham a atuar nos Estados em algumas circunstâncias, cabe cogitar se seria faticamente possível tal atuação.

Há quem sustente a inadequação da atuação imediata das Forças Armadas em situações que envolvam atividades desempenhadas, em situações normais, por polícias militares, como o patrulhamento de vias públicas urbanas, por exemplo.

Argumentam que o treinamento recebido pelas Forças Armadas não seria compatível com o exigido para o desempenho de tais atribuições (seriam treinados para combates e não para atividades de polícia) além de que seu armamento não seria adequado para tal.

Em que pese a necessidade de um melhor direcionamento do treinamento de homens das Forças Armadas para atuar na garantia da lei e da ordem, o fato é que o raciocínio acima está na sua grande maioria incorreto.

Existem nos quadros das Forças Armadas grupamentos que realizam tarefas muito próximas ao que costuma ser desempenhado nas missões de garantia da lei e da ordem, sendo o caso dos Grupamentos de Fuzileiros Navais- FN [10], da Marinha do Brasil, da Polícia do Exército- PE [11], no âmbito do Exército Brasileiro e dos Batalhões de Infantaria Aeronáutica Especial- BINFAE [12], no âmbito da Força Aérea Brasileira.

Bastaria que fosse oferecido a estes militares, quando chamados a atuar nestas missões, treinamento um pouco mais direcionado, já considerando a capacitação afim prévia, de modo a torná-los perfeitamente aptos a atuar na garantia da lei e da ordem.

Por outro lado, existe atualmente no Brasil ao menos uma Brigada capacitada a desempenhar as atividades exigidas em missões de garantia da lei e da ordem de modo amplamente satisfatório vez que treinado e vocacionado para tal missão.

Trata-se da 11ª Brigada de Infantaria Leve- GLO [13], sediada no município de Campinas/SP, que possui cerca de 3.000 (três mil) homens prontos para atuar. Cabe nesse particular inferir que este número representa um quantitativo cerca de 30 % maior que toda a Polícia Militar do Estado do Acre [14].

Cabe também esclarecer que, por se tratar de Brigada de Infantaria Leve, pode esta ser deslocada para qualquer parte do território nacional, com auxílio das Forças Armadas (Força Aérea, por exemplo) ou para Municípios dentro do Estado de São Paulo ou Estados vizinhos, por meios próprios, com muita rapidez e eficiência.

Esta Brigada também possui, além do treinamento específico, o equipamento adequado para atuação nesta missão, inclusive armamentos não-letais e dispositivos para controle de distúrbios.

Assim, não restam dúvidas também quanto à existência tanto de força pronta para atuar, quanto de militares com treinamento afim ao necessário para o cumprimento de tal missão, podendo ser treinada especificamente para esta em curtíssimo espaço de tempo.

Com isso, entendemos ser possível e, até mesmo recomendável, que seja procedida a reestruturação das Forças Armadas [15] de modo a possibilitar a adequação completa de militares das três armas, incluindo treinamento e aquisição de material, às condições necessárias para atuação na garantia da lei e da ordem.

Acreditamos, entretanto, que um efeito colateral que poderia defluir desta situação seria o incentivo à omissão dos Estados da Federação no desempenho de seu múnus constitucional na segurança pública.

Sabendo que haveria sempre como recorrer às Forças Armadas, os Estados poderiam agir com maior desídia na valorização e efetivação de suas polícias militares, deixando de investir em segurança e canalizando tais recursos para a consecução de fins diversos.

Este pretenso panorama corrobora com a assertiva do caráter, realmente, subsidiário de atuação das Forças Armadas em tais condições, conforme determina a Lei Complementar 97/1999, devendo tal mecanismo ser utilizado com muita parcimônia.

Entretanto, embora possível o incentivo a este quadro desfavorável, devemos compreender que a atuação das Forças Armadas, em casos episódicos e específicos, é preceito constitucional, devendo ser utilizado como tal, fiscalizado do modo e pelos meios juridicamente adequados.

Assim, por ser medida jurídica e faticamente viável, somos favoráveis à utilização das Forças Armadas na Garantia da Lei e da Ordem, nos casos previstos, desde que observados os requisitos normativos, de modo a restaurar e garantir uma maior tranqüilidade ao soberano do poder político nacional: o povo.


NOTAS

[1] Disponível em: http://www.estadao.com.br/ultimas/cidades/noticias/2007/abr/09/230.htm, ultimo acesso em 12 de abril de 2007.

[2] Glossário das Forças Armadas, 4ª Edição, 2007, aprovado pela Portaria Normativa nº 196/EMD/MD, de 22 de fevereiro de 2007.

[3] Idem.

[4] Idem.

[5] Art. 21, V, Art. 49, IV e Arts. 136 e ss. da Constituição Federal prevêem os institutos.

[6] Também referido no art. 15 da Lei Complementar 97/99.

[7] Requisitos dispostos no § 4º do art. 15 da Lei Complementar 97/99.

[8] Determinação do § 3º do art. 15 da Lei Complementar 97/99.

[9] Dispõe o artigo 2º do Decreto 3.897, de 24 de agosto de 2001, in verbis:

Art. 2º  É de competência exclusiva do Presidente da República a decisão de emprego das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem.

§ 1º  A decisão presidencial poderá ocorrer por sua própria iniciativa, ou dos outros poderes constitucionais, representados pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal, pelo Presidente do Senado Federal ou pelo Presidente da Câmara dos Deputados.

§ 2º  O Presidente da República, à vista de solicitação de Governador de Estado ou do Distrito Federal, poderá, por iniciativa própria, determinar o emprego das Forças Armadas para a garantia da lei e da ordem.

[10] Os Fuzileiros Navais costuma atuar em missões de paz das quais o Brasil participa, desempenhando funções assemelhadas,

Disponível em: https://www.mar.mil.br/comffe/emprego_fn.htm, último acesso em 28 de março de 2007.

[11] A Polícia do exército costuma atuar em missões de paz das quais o Brasil participa, desempenhando função assemelhada,

Disponível em: http://www.4bpe.eb.mil.br/missao_de_paz.html, último acesso em 28 de março de 2007.

[12] Disponível em: http://www.ordemdebatalha.com/fab/infantaria.htm, ultimo acesso em 01 de abril.

[13] Disponível em: http://www.11bda.eb.mil.br, ultimo acesso em 02 de abril.

[14] Disponível em: http://www.pm.ac.gov.br/historia.htm, ultimo acesso em 02 de abril.

[15] Disponível em: http://www.defesanet.com.br/eb/est_06.htm, ultimo acesso em 05 de abril.

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Sobre o autor
Thiago Lacerda Nobre

Advogado da União, lotado na Consultoria Jurídica do Ministério da Defesa

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOBRE, Thiago Lacerda. A falência da segurança pública nos Estados e a atuação das Forças Armadas na garantia da lei e da ordem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1392, 24 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9794. Acesso em: 23 abr. 2024.

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