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Juros após a Emenda Constitucional nº 40/2003.

É cabível a sua limitação segundo a média de mercado para operações da espécie?

25/04/2007 às 00:00
Leia nesta página:

1. Introdução

A limitação constitucional 1 dos juros em 12% não mais existe. Ela foi retirada da Constituição por meio de emenda constitucional. 2 Com a referida emenda houve supressão do parágrafo 3º, do art. 192, da Constituição da República.

É certo que com a retirada da Constituição da República do dispositivo que tratava da limitação dos juros não há mais que falar-se em contenção da taxa cobrada pelos bancos e instituições financeiras com o fundamento em análise. 3

Estabelecida essa situação, indaga-se: estão as instituições financeiras e bancos com carta branca para cobrar juros sem qualquer limitação? Negativa a resposta, o que pode ser questionado pelo tomador de crédito? Qual o posicionamento doutrinário e jurisprudencial sobre o assunto?

As respostas às supramencionadas indagações é o que se pretende com o presente estudo, bem como a abertura de novos debates sobre a matéria.


2. Dispositivos legais que interessam ao estudo

A matéria se espraia por numerosos dispositivos legais. Eles são encontrados no Código de Proteção ao Consumidor e no Código Civil Brasileiro. A abordagem neste trabalho será delimitada, apesar da existência de outros, a dois dispositivos do Código Civil Brasileiro: art. 112. e 113. São eles que têm servido de fundamentação às decisões dos Tribunais, principalmente do Superior Tribunal de Justiça:

Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.


3. O posicionamento da doutrina

Paulo Luiz Netto Lobo, em esclarecedora lição acerca do princípio da função social do contrato, apresenta oportunas considerações sobre o artigo 112 do Código Civil Brasileiro, dentre outros, como se extrai de fragmento de seu trabalho doutrinário:

"O princípio da função social é a mais importante inovação do direito contratual comum brasileiro e, talvez, a de todo o novo Código Civil. Os contratos que não são protegidos pelo direito do consumidor devem ser interpretados no sentido que melhor contemple o interesse social, que inclui a tutela da parte mais fraca no contrato, ainda que não configure contrato de adesão. Segundo o modelo do direito constitucional, o contrato deve ser interpretado em conformidade com o princípio da função social.

O princípio da função social do contrato harmoniza-se com a modificação substancial relativa à regra básica de interpretação dos negócios jurídicos introduzida pelo art. 112. do novo Código Civil, que abandonou a investigação da intenção subjetiva dos figurantes em favor da declaração objetiva, socialmente aferível, ainda que contrarie aquela". 4

Noutro giro, Artur Garrastazu Gomes Ferreira, invocando regras do Código de Proteção ao Consumidor que tratam da onerosidade excessiva e nulidade de cláusula, aponta, de forma objetiva, caminho para o questionamento dos juros com base no descompasso da taxa praticada pelo banco ou instituição financeira com aquelas praticadas no mercado, o que permite ao julgador intervir na relação contratual para reconduzi-la ao devido equilíbrio contratual:

"O Código de Defesa do Consumidor impõe a nulidade da cláusula contratual que se mostre excessivamente onerosa, considerando-se como tal a natureza do contrato e outras circunstâncias peculiares ao caso.

Frente a tal regra de ordem pública, pergunta-se: até que percentual seria aceitável uma determinada taxa de juros em um empréstimo bancário, e a partir de que patamar deverá a mesma ser considerada excessivamente onerosa ou abusiva para o consumidor?

Ora, como não há na legislação uma regra específica sobre o tema, parece-nos que uma coerente regrinha prática seria tomar-se como padrão "aceitável" a taxa média praticada pelos bancos num certo mês.

Mostra o saite do Banco Central que a taxa média operada pelos bancos para a concessão de empréstimos pessoais no mês de janeiro de 2006 foi de 68,92% ao ano, ou 5,74 % ao mês. Frente a este fato, é evidente que uma taxa de juros contratada, por exemplo, a uma taxa 50% superior à média, deve ser rotulada como excessivamente onerosa. Não há devaneio intelectivo do qual possa decorrer conclusão diversa.

Se a taxa média já mostra juros em percentuais campeões mundiais, 50% a mais é por certo escandalosamente abusivo, com efeito! Assim sendo, em tais hipóteses deve o julgador anular a cláusula abusivamente estipulada. Não por haver norma legal cogente que limite o juro bancário a um determinado percentual, mas sim por verificá-la agressivamente superior ao padrão ora sugerido como aceitável (a média operada no mês).

Sem embargo, há já recentes decisões judiciais neste sentido, e que começam a construir um anteparo que, espera-se, deverá minorar esta cruel transferência de recursos dos cidadãos em geral para os alforjes de alguns poucos, numa verdadeira expropriação de riquezas impingida à classe média brasileira ao bel talante do sistema financeiro". 5


4. O posicionamento da jurisprudência

Os Tribunais, principalmente o Superior Tribunal de Justiça, têm adotado, em numerosos precedentes, entendimento afinado com aquele esposado pela doutrina supramencionada reconhecendo a possibilidade de intervenção judicial para o necessário equilíbrio da relação entre as partes no caso de cobrança excessiva de juros.

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Nessa linha, precedente da relatoria do Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, com fragmento de ementa nos seguintes termos:

"DIREITO COMERCIAL. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. Os negócios bancários estão sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor, inclusive quanto aos juros remuneratórios; a abusividade destes, todavia, só pode ser declarada, caso a caso, à vista de taxa que comprovadamente discrepe, de modo substancial, da média do mercado na praça do empréstimo, salvo se justificada pelo risco da operação. Recurso especial conhecido e provido".6 (Negritou-se).

Em igual sentido, invocando expressamente os artigos 112 e 113 do Código Civil Brasileiro, precedente da relatoria da Ministra Nancy Andrighi, assim ementado:

"Direito bancário. Contrato de abertura de crédito em conta corrente. Juros remuneratórios. Previsão em contrato sem a fixação do respectivo montante. Abusividade, uma vez que o preenchimento do conteúdo da cláusula é deixado ao arbítrio da instituição financeira (cláusula potestativa pura). Limitação dos juros à média de mercado (arts. 112. e 113 do CC/02). (...). As instituições financeiras não se sujeitam ao limite de 12% para a cobrança de juros remuneratórios, na esteira da jurisprudência consolidada do STJ. - Na hipótese de o contrato prever a incidência de juros remuneratórios, porém sem lhe precisar o montante, está correta a decisão que considera nula tal cláusula porque fica ao exclusivo arbítrio da instituição financeira o preenchimento de seu conteúdo. A fixação dos juros, porém, não deve ficar adstrita ao limite de 12% ao ano, mas deve ser feita segundo a média de mercado nas operações da espécie. Preenchimento do conteúdo da cláusula de acordo com os usos e costumes, e com o princípio da boa fé (arts.. 112. e 133 do CC/02). (...)". 7 (Negritou-se).


5. Considerações finais

Constatou-se neste estudo, que apesar da retirada do limite de 12% da Constituição da República não existe plena liberdade para os bancos e instituições financeiras no que diz respeito aos juros cobrados. Identificou-se a possibilidade de controle do equilíbrio contratual pelo Poder Judiciário. Por fim, apurou-se a possibilidade da intervenção do Poder Judiciário para o devido ajuste do contrato, com fundamento em numerosos princípios, em especial o da função social do contrato e da boa-fé, sempre que se comprovar discrepância entre a taxa cobrada pelo banco ou instituição financeira do consumidor com a média de mercado para operações da mesma espécie.


Notas

1 Art. 192, § 3º, da Constituição Federal.

2 Emenda Constitucional n. 40. de 29.5.2003.

3 Súmula 648. A NORMA DO § 3º DO ART. 192. DA CONSTITUIÇÃO, REVOGADA PELA EMENDA CONSTITUCIONAL 40/2003, QUE LIMITAVA A TAXA DE JUROS REAIS A 12% AO ANO, TINHA SUA APLICABILIDADE CONDICIONADA À EDIÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR. Disponível em: https://www.stf.gov.br/jurisprudencia/nova/pesquisa.asp.

4 NETTO LOBO, Paulo Luiz. Princípios sociais dos contratos no CCD e no Novo Código Civil. Disponível em: https://www.brasilcon.org.br/exibir_artigos.asp?codigo=20. Acesso em: 29 set.2006.

5 FERREIRA, Artur Garrastazu Gomes. O lucro dos bancos e uma regra prática para limitação dos juros. Disponível em: https://www.espacovital.com.br/novo/noticia_ler.php?idnoticia=3813. Acesso em: 10 set.2006.

6 STJ. REsp. 407097/RS. Relator: Min. Antônio de Pádua Ribeiro. Disponível em: https://www2.stj.gov.br/revistaeletronica/ita.asp?registro=200200060432&dt_publicacao=29/09/2003. Acesso em: 8 set.2006.

7 STJ. REsp 715894/PR. Relatora: Min. Nancy Andrighi. Disponível em: https://www.stj.gov.br/livraoweb/jsp/mainPage.jsp?seqiteor=623542.

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Sobre o autor
Luiz Cláudio Barreto Silva

advogado em Campos dos Goytacazes (RJ), escritor, ex-diretor-geral da Escola Superior de Advocacia de Campos dos Goytacazes, professor universitário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Luiz Cláudio Barreto. Juros após a Emenda Constitucional nº 40/2003.: É cabível a sua limitação segundo a média de mercado para operações da espécie?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1393, 25 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9801. Acesso em: 24 nov. 2024.

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