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Concretização judicial do direito de greve dos servidores públicos civis na Constituição da República Federativa do Brasil

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26/04/2007 às 00:00
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5.CONTROLE DA INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

Para o Supremo Tribunal Federal, mesmo sendo a greve um direito de defesa (liberdade pública), há necessidade de uma atuação concretizadora por parte do legislador, para que se imprima juridicidade ao fato social da paralisação coletiva, e estabeleça a regularidade de seu exercício.

Aquele tribunal desconsidera que sendo um direito fundamental, reconhecido pelo Poder Constituinte, e uma liberdade pública, a atuação do legislador não deverá ser óbice intransponível. A solução para esse vazio normativo está em reconhecer o máximo de efeitos possíveis aos preceitos constitucionais, superando ou relativizando dogmas, como o da separação dos poderes e da representatividade democrática.

O Judiciário (como poder público que é) deve tomar para si a responsabilidade pela proteção da autoridade normativa e pela efetividade das normas constitucionais, suprindo as insuficiências que obstaculizam o gozo dos direitos. Para tanto, a Constituição do Brasil forneceu dois valiosos instrumentos de controle das omissões inconstitucionais: o mandado de injunção (inciso LXXI, art. 5º, da CRFB/88); e a ação direta de inconstitucionalidade por omissão (§2º, art. 103, da CRFB/88).

5.1.OMISSÃO LEGISLATIVA INCONSTITUCIONAL

Mais difundido na sociedade, o controle de constitucionalidade por ação não é a única maneira de se desrespeitar a autoridade do Poder Constituinte. O não-ato, ou a inércia [20] dos poderes públicos, também gera semelhante vício, a depender da natureza da norma constitucional.

Assim, pela classificação proposta por José Afonso da Silva, a normas suscetíveis de omissão inconstitucional são as de eficácia limitada, uma vez que somente estas dependem de interposição legislativa para produzir todos os efeitos jurídicos essenciais e desejados. As demais normas constitucionais são dotadas de aplicabilidade imediata, independentemente da superveniência de legislação regulamentadora.

Seguindo os ensinamentos de Flávia C. Piovesan:

A omissão inconstitucional caracteriza-se: a) pela falta ou insuficiência de medidas legislativas; b) pela falta de adoção de medidas políticas ou de governo; c) pela falta de implementação de medidas administrativas, incluídas as medidas de natureza regulamentar, ou de outros atos da Administração Pública. (2003, p. 90).

Pela proposta desta monografia, que é a de analisar a concretização judicial do direito de greve, somente importará a análise da omissão pela falta ou insuficiência de medidas legislativas.

A omissão legislativa resulta do silêncio do legislador na tarefa de editar normas necessárias para a efetividade da Constituição. Trata-se do não cumprimento do dever especial de legislar, que se manifesta constitucionalmente quando há uma ordem concreta de legislar. (PIOVESAN, 2003, p. 91).

Desta forma, não é todo tipo de inércia que pode acarretar omissão legislativa inconstitucional. A omissão inconstitucional deve ser violadora de uma imposição específica e concreta, não sendo juridicamente relevante a omissão sobre um dever geral de legislar. A menção deve ser expressa, com ressalvas do tipo: "nos termos da lei", "na forma da lei", "lei disporá" etc.

Entretanto, em que pese as menções acima declinadas, nem sempre a constituição fixa prazo para a edição da norma reclamada. Quando isso ocorre, não resta claro o termo inicial da inconstitucionalidade.

Portanto, há duas formas de se verificar o termo inicial da inconstitucionalidade. Se há fixação de prazo pela constituição, a inconstitucionalidade origina-se do escoamento do período apontado. Noutro sentido, não havendo fixação de prazo, o julgador deverá valer-se do princípio da razoabilidade, levando-se em conta elementos e fatores sociais, históricos e valorativos. (PIOVESAN, 2003, p. 95).

Enfrentando a discussão, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre o conceito de inconstitucionalidade por omissão, seja total ou parcial. Além do mais, tratou do seu termo inicial, e adiantou o assunto que será abordado adiante, o ativismo judicial:

EMENTA: DESRESPEITO À CONSTITUIÇÃO - MODALIDADES DE COMPORTAMENTOS INCONSTITUCIONAIS DO PODER PÚBLICO. - O desrespeito à Constituição tanto pode ocorrer mediante ação estatal quanto mediante inércia governamental. A situação de inconstitucionalidade pode derivar de um comportamento ativo do Poder Público, que age ou edita normas em desacordo com o que dispõe a Constituição, ofendendo-lhe, assim, os preceitos e os princípios que nela se acham consignados. Essa conduta estatal, que importa em um facere (atuação positiva), gera a inconstitucionalidade por ação. - Se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos, operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do texto constitucional. Desse non facere ou non praestare, resultará a inconstitucionalidade por omissão, que pode ser total, quando é nenhuma a providência adotada, ou parcial, quando é insuficiente a medida efetivada pelo Poder Público. [...] As situações configuradoras de omissão inconstitucional - ainda que se cuide de omissão parcial, derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política, de que é destinatário - refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do Poder Judiciário. [...] A procedência da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, importando em reconhecimento judicial do estado de inércia do Poder Público, confere ao Supremo Tribunal Federal, unicamente, o poder de cientificar o legislador inadimplente, para que este adote as medidas necessárias à concretização do texto constitucional. - Não assiste ao Supremo Tribunal Federal, contudo, em face dos próprios limites fixados pela Carta Política em tema de inconstitucionalidade por omissão (CF, art. 103, § 2º), a prerrogativa de expedir provimentos normativos com o objetivo de suprir a inatividade do órgão legislativo inadimplente. (ADI-MC 1458 / DF, relator: Min. Celso de Mello, publicado no DJU em 20-09-1996, p. 34531). (grifos nossos).

Traçadas estas premissas sobre o que se entende por omissão legislativa inconstitucional, resta agora analisar os possíveis instrumentos de superação desta irregularidade. Contudo, apesar dos diferentes mecanismos de controle das omissões dos poderes públicos, nem todos, como se verá, prestam-se à concretização judicial do direito de greve dos servidores públicos civis.

5.2.AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

Trata-se de uma ação de controle abstrato que não objetiva solucionar dissídios individuais. Nesta ação, o judiciário deixa de resolver a lide, e expede ordem mandamental no sentido de outro órgão efetivar a norma constitucional violada. É o que se verifica dos termos do §2º, art. 103, da Constituição do Brasil:

Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade:

[...]

§ 2º - Declarada a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva norma constitucional, será dada ciência ao Poder competente para a adoção das providências necessárias e, em se tratando de órgão administrativo, para fazê-lo em trinta dias.

Nos termos do parágrafo acima, duas conseqüências são extraídas: para o Poder Legislativo, apenas ser-lhe-á dada ciência da mora regulamentar; enquanto, no que concerne ao órgão administrativo, ser-lhe-á fixado prazo de até trinta dias para adotar as providências necessárias à efetivação da norma, sob pena de responsabilidade.

Portanto, o prazo é apenas determinado ao órgão administrativo, não se fixando em relação ao poder legislativo inerte. Isso deve ser justificado pela maior complexidade em se editar uma espécie normativa de caráter geral e abstrato. Com efeito, o processo legislativo, não ficando a cargo de uma só pessoa, necessita de um consenso; enquanto os atos administrativos, embora provenientes de um processo, carecem de tamanha complexidade. Assim, a ação em comento, destituída de cogência por significativa razoabilidade, não serve à concretização das normas constitucionais.

Além do mais, não é só a ausência de coerção que se faz acreditar na insuficiência da ADIO como instrumento de concretização dos direitos fundamentais. Outro fator negativo fica por conta da legitimidade ativa [21], onde exclui o cidadão [22], nada mais nada menos que o titular do direito violado.

Pelo exposto, como a presente monografia busca analisar somente os aspectos da concretização judicial do direito de greve, não há maiores razões para aprofundar no estudo desta ação constitucional.

5.3.DO MANDADO DE INJUNÇÃO

A Constituição do Brasil, a fim de dotar o indivíduo de instrumento processual hábil a contrapor-se à omissão legislativa inconstitucional, dispõe, em seu inciso LXXI, art. 5º, que se concederá "mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania".

Consoante a clara definição, constitui ação especial de controle concreto e incidental de constitucionalidade das omissões do Poder Público, quando a inércia estatal inviabiliza o desfrute de algum direito fundamental. (DIRLEY, 2004, p. 513).

Muito se discute, e pouco se consente sobre esse instrumento processual. Não há no direito comparado instrumento semelhante, sendo esta previsão uma tentativa inovadora da assembléia nacional constituinte de 1988, no campo do controle de constitucionalidade.

O constituinte, preocupado com a preservação do respeito às normas que estavam a promulgar, criou um instrumento à semelhança do mandado de segurança, e ao mesmo tempo, o seu oposto. Não visa proteger um direito líquido e certo, conquanto estes são dotados de densidade normativa suficiente, sendo plenamente fruíveis. O Mandado de injunção visa a conferir certeza jurídica a um direito, detalhando seu sentido e alcance, e oferecendo segurança jurídica para a sociedade.

A constituição positivou importante instrumento de viabilização do direito subjetivo controverso, mas omitiu-se sobre qual forma isto seria realizado.

A imperfeição técnica do instituto até os dias atuais continua sendo objeto de severas críticas na doutrina e na jurisprudência. Um instituto inovador imperava maior regramento constitucional para que fosse possível sua plena aplicação. Desta maneira, não se chegaria ao absurdo de um mecanismo de viabilização de direitos necessitar ser viabilizado. Houve, por isso, quem negasse sua auto-aplicabilidade, até que o Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido contrário.

5.3.1.Legitimidade e competência

A legitimidade ativa é atribuída ao indivíduo que goza do interesse de agir sobre a demanda judicial. Assim, no que se refere ao mandado de injunção, é legitimado ativamente o titular do direito, liberdade constitucional ou de uma das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, inviabilizados por omissão regulamentar inconstitucional. Não houve detalhamento a respeito do assunto, na forma como o foi para a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, levando ao entendimento de que a interpretação deverá ser a mais ampla possível. Como o instrumento processual encontra-se localizado no capítulo I, da CRFB/88, relativo aos direitos e deveres individuais e coletivos, é forçoso concluir que são legitimados ativos as pessoas naturais, individualmente ou em litisconsórcio, e as pessoas jurídicas. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou a respeito, inclusive pela possibilidade do mandado de injunção coletivo.

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EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. CONCESSÃO DE EFETIVIDADE À NORMA INSCRITA NO ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 7.783/89, QUE REGE O DIREITO DE GREVE NA INICIATIVA PRIVADA, ATÉ QUE SOBREVENHA LEI REGULAMENTADORA. LEGITIMIDADE ATIVA DE ENTIDADE SINDICAL. MANDADO DE INJUNÇÃO UTILIZADO COMO SUCEDÂNEO DO MANDADO DE SEGURANÇÃO. NÃO-CONHECIMENTO. 1. O acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção coletivo é processualmente admissível, desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano. 2. Este Tribunal entende que a utilização do mandado de injunção como sucedâneo do mandado de segurança é inviável. Precedentes. 3. O mandado de injunção é ação constitutiva; não é ação condenatória, não se presta a condenar o Congresso ao cumprimento de obrigação de fazer. Não cabe a cominação de pena pecuniária pela continuidade da omissão legislativa 4. Mandado de injunção não conhecido. (MI 689 / PB, relator: Min. EROS GRAU, publicado no DJU em 18-08-2006 PP-00019).

Quanto à legitimidade passiva, há aqueles que entendem que deve figurar neste pólo a pessoa natural ou jurídica, pública ou privada, que suportará os efeitos da decisão judicial; enquanto há aqueles para quem o pólo passivo deve ser integrado pelo Poder Público omisso, responsável pela elaboração da norma reclamada.

Sustentando a primeira posição, Flávia C. Piovesan informa que:

a legitimidade passiva recai sobre a parte privada ou pública que viria a suportar o ônus de eventual concessão da injunção. Isto é, a legitimidade passiva recai sobre o ente cuja atuação é necessária para viabilizar o exercício do direito e não recai, portanto, sobre a autoridade competente para elaborar a norma regulamentadora faltante. (2003, p. 145).

Não há, neste entendimento, razão que assista à inclusão do Poder Público omisso, pois não será ele a pessoa diretamente interessada nos efeitos da decisão, sendo que, ao se fixar critérios de competência, o constituinte não desejou apontar a polaridade passiva do mandado de injunção.

A respeito do segundo posicionamento, Alexandre de Moraes argumenta que:

Os particulares não se revestem de legitimidade passiva ad causam para o processo injuncional, pois não lhes compete o dever de emanar as normas reputadas essenciais ao exercício do direito vindicado pelos impetrantes. Somente ao Poder Público é imputável o encargo constitucional de emanação de provimento normativo para dar aplicabilidade à norma constitucional.

Em conclusão, somente pessoas estatais podem figurar no pólo passivo da relação processual instaurada com a impetração do mandado de injunção.

Dessa forma, a natureza jurídico-processual do instituto não permite a formação de litisconsórcio passivo, necessário ou facultativo, entre particulares e entre estatais. (2001, p. 174-175).

Dentre os dois posicionamentos controversos, o Supremo Tribunal optou por adotar o segundo:

MANDADO DE INJUNÇÃO - LIMITE DA TAXA DE JUROS REAIS (CF, ART. 192, PAR. 3.) - CONGRESSO NACIONAL E INSTITUIÇÃO FINANCEIRA PRIVADA - LITISCONSORCIO PASSIVO INCABIVEL - AÇÃO JUDICIAL DE COBRANÇA EXECUTIVA - SUSPENSÃO CAUTELAR INDEFERIDA - DECISÃO INAPRECIAVEL EM SEDE DE AGRAVO REGIMENTAL. - A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL FIRMOU-SE NO SENTIDO DO DESCABIMENTO DE AGRAVO REGIMENTAL CONTRA DESPACHO DO RELATOR QUE APRECIA MEDIDA LIMINAR EM SEDE DE MANDADO DE INJUNÇÃO. - SOMENTE PESSOAS ESTATAIS PODEM FIGURAR NO POLO PASSIVO DA RELAÇÃO PROCESSUAL INSTAURADA COM A IMPETRAÇÃO DO MANDADO DE INJUNÇÃO, EIS QUE APENAS A ELAS E IMPUTAVEL O DEVER JURÍDICO DE EMANAÇÃO DE PROVIMENTOS NORMATIVOS. - A NATUREZA JURÍDICO-PROCESSUAL DO INSTITUTO DO MANDADO DE INJUNÇÃO - AÇÃO JUDICIAL DE INDOLE MANDAMENTAL - INVIABILIZA, EM FUNÇÃO DE SEU PRÓPRIO OBJETO, A FORMAÇÃO DE LITISCONSORCIO PASSIVO, NECESSARIO OU FACULTATIVO, ENTRE PARTICULARES E ENTES ESTATAIS. (MI-AgR 335 / DF, relator: Min. Celso de Mello, DJU em 17-06-1994 PP-15720).

O que explica a conclusão do Supremo Tribunal Federal é a própria sistemática utilizada pela constituição, quando tratou das competências dos tribunais. Para sua fixação, tomou-se como referência a autoridade pública responsável pela elaboração da norma faltante. O mandado de injunção, desta forma, pode ser impetrado relativamente às pessoas apontadas nos artigos 102, I, "q"; 105, I, "h", e 121, § 4º, V, todos da Constituição do Brasil [23].

5.3.2.Cabimento

O mandado de injunção é cabível quando a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. Assim, havendo norma regulando suficientemente o assunto levado a juízo, o mandado de injunção deverá ser decidido pela improcedência da demanda. Note-se que o julgador dever tomar especial atenção sobre o pleito, já que, em algumas situações, o silêncio do legislador é eloqüente, desejado. Mera alegação que uma norma não se demonstra perfeita ou adequada não tem o intuito de autorizar o judiciário a suprir a lacuna.

Como visto, o mandado de injunção tem como finalidade viabilizar o exercício de direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, soberania e cidadania. Desta forma, verifica-se um amplo objetivo material desse instrumento, merecendo especial atenção sobre o que se entende por cada bem jurídico tutelado.

Pode-se dizer que os direitos e liberdades estão previstos no art. 5º, enquanto as prerrogativas inerentes à nacionalidade estão nos arts.12º e 13º, as inerentes à soberania, no art. 1º, parágrafo único, e, por fim, as prerrogativas inerentes à cidadania, previstas nos arts. 14º e 15º, todos da CRFB/88.

Neste particular, o que parece lógico, não desfruta de consenso na doutrina e na jurisprudência.Três correntes doutrinárias podem ser citadas: a restritiva, a intermediária e a ampliativa.

A corrente mais restritiva sustenta que a parte final do art. 5º, LXXI, ao se referir a prerrogativas "inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania", restringe o alcance da expressão "direitos e liberdades constitucionais" a estes bens jurídicos. Uma segunda corrente restringe a expressão "direitos e liberdades constitucionais" ao direitos e garantias fundamentais do Título II do texto. A terceira corrente, a que se adota, entende que os direitos, liberdades e prerrogativas tuteláveis pela injunção não são apenas os constantes no Título II da Carta Maior, que se refere aos direitos e garantias fundamentais, mas qualquer dispositivo da Constituição, tendo em vista que inexiste qualquer restrição no art. 5º, LXXI, do texto. Entende-se que o mandado de injunção protege direitos e liberdades constitucionais e prerrogativas, esta sim, inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania. (PIOVESAN, 2003, p. 139/140).

Esta última posição, a ampliativa, rechaçando qualquer tentativa de reduzir a amplitude da proteção constitucional, é a adotada pelo Supremo Tribunal Federal

E M E N T A: MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO - IMPETRAÇÃO DEDUZIDA POR CONFEDERAÇÃO SINDICAL - POSSIBILIDADE - NATUREZA JURÍDICA DO WRIT INJUNCIONAL - TAXA DE JUROS REAIS (CF, ART. 192, § 3º) - OMISSÃO DO CONGRESSO NACIONAL - FIXAÇÃO DE PRAZO PARA LEGISLAR - DESCABIMENTO, NO CASO - WRIT DEFERIDO. MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO - ADMISSIBILIDADE. Entidades sindicais dispõem de legitimidade ativa para a impetração do mandado de injunção coletivo, que constitui instrumento de atuação processual destinado a viabilizar, em favor dos integrantes das categorias que essas instituições representam, o exercício de liberdades, prerrogativas e direitos assegurados pelo ordenamento constitucional. [...] O desprestígio da Constituição - por inércia de órgãos meramente constituídos - representa um dos mais tormentosos aspectos do processo de desvalorização funcional da Lei Fundamental da República, ao mesmo tempo em que, estimulando gravemente a erosão da consciência constitucional, evidencia o inaceitável desprezo dos direitos básicos e das liberdades públicas pelos poderes do Estado. O inadimplemento do dever constitucional de legislar, quando configure causa inviabilizadora do exercício de liberdades, prerrogativas e direitos proclamados pela própria Constituição, justifica a utilização do mandado de injunção. [...] (MI 472 / DF, relator: Min. Celso de Mello, publicado no DJU em 02-03-2001 PP-00003). (grifos nossos).

Neste contexto, podem ser objeto de mandado de injunção os direitos sociais, ainda que não previstos no Título II, da CRFB/88.

O óbice aos direitos sociais, típicos direitos de exigir prestações positivas do Estado, constitui na insuficiência da edição de norma regulamentadora para operacionalizá-los. Há, de regra, que se implementar políticas públicas e gerar despesas orçamentárias.

Contudo, mesmo para aqueles que excluem os direitos sociais da tutela injuncional, alegando não compreenderem na expressão "direitos e liberdades constitucionais", sabe-se que, quanto ao direito de greve, argumentos favoráveis à exclusão não se justificam. O direito de greve, como direito de defesa, é uma liberdade pública e, assim, deve integrar a tutela injuncional dentro da expressão referida.

Desta maneira, percebe-se que o constituinte não pretendeu reduzir o objeto da proteção a alguns direitos e liberdades constitucionais, somente. O único fator lógico de restrição não se encontra na topologia dos dispositivos constitucionais, mas na escolha daqueles que se viabilizam apenas com a edição de uma norma regulamentadora. Ou seja, o constituinte optou por afastar o Judiciário, ao menos em sede de mandado de injunção, do controle das políticas públicas mediante interferências orçamentárias.

5.3.3.Efeitos da decisão

Há variadas explicações a respeito da finalidade do mandado de injunção. Ao dispor que esse instituto deve viabilizar um direito, liberdade ou prerrogativa, o constituinte avançou sobre dogmas tradicionais do sistema jurídico pátrio.

Todavia, a imperfeição técnica com que o constituinte tratou do instituto permitiu que algumas dúvidas pairassem sobre seus possíveis efeitos jurídicos. No entanto, por não acrescentar ao fim desta pesquisa monográfica, não serão aqui abordadas todas elas, mas apenas a classificação proposta por Alexandre de Moraes (2001, p. 177). Para ele, podem-se resumir os variados entendimentos doutrinários em três correntes: concretista geral (efeito constitutivo erga omnes); concretista individual (efeito constitutivo inter partes), de aplicação direta ou intermediária; e corrente não concretista (efeito meramente declaratório).

5.3.3.1.Declaratório

Posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, compreende-se que o mandado de injunção não se presta a compelir o Poder Legislativo ou os órgãos administrativos à regulamentação da norma constitucional vindicada, nem se presta a regular a relação jurídica para o caso concreto.

A finalidade do mandado de injunção, para essa corrente, não pode avançar sobre dogmas tradicionais da separação dos poderes e da impossibilidade do judiciário legislar positivamente. O Supremo Tribunal Federal, em sua maioria, apenas reconhece o estado de mora legislativa (omissão inconstitucional), e comunica o fato ao Poder Público responsável pela edição da norma faltante.

Esta corrente acabou por equiparar o mandado de injunção à ação direta de inconstitucionalidade por omissão. No comentário dos opositores a essa escolha, o Supremo esvaziou o instituto, e perdeu uma oportunidade de se firmar como guardião da Constituição, garantindo a máxima efetividade de suas normas.

Na doutrina, posicionamento semelhante ao do Supremo foi adotado por Filho, para quem:

o alcance do mandado de injunção é análogo ao da inconstitucionalidade por omissão. Sua concessão leva o Judiciário a dar ciência ao Poder competente da falta de norma sem a qual é inviável o exercício de direito fundamental. Não importa no estabelecimento pelo próprio órgão jurisdicional da norma regulamentadora necessária à viabilização do direito. Aliás, tal alcance está fora da sistemática constitucional brasileira, que consagra a "separação dos poderes", não apenas pela referência contida no art. 2º, incluída entre os "princípios fundamentais" da República, mas também por ter sido ela incluída no cerne imutável da Constituição. (1999, p. 317).

Como visto, esta corrente não inovou, e firmou-se no sentido de valorizar o dogma da separação dos poderes em detrimento do texto expresso da constituição, e principalmente, em detrimento dos direitos fundamentais. Dizer que o alcance constitutivo e viabilizador do mandado de injunção estão fora da sistemática constitucional brasileira (que consagra a "separação dos poderes" como princípio fundamental da República e como cerne imutável da constituição), é menosprezar a força normativa dessa mesma constituição, e atentar contra os direitos fundamentais, que também se classificam como cláusula pétrea. Essa corrente restritiva nega, em tese, e por presunção, o que a constituição autorizou expressamente.

5.3.3.2.Constitutivo erga omnes

Para esta corrente, o Judiciário deve atuar, subsidiariamente, como se fosse o próprio Poder Legislativo. Seria editada uma norma geral e abstrata até que viesse uma outra do Poder originariamente responsável.

Esta posição, sim, colide com o princípio da "separação dos poderes", na medida em que o julgador produz norma da mesma natureza que o legislativo.

Fácil perceber que esse efeito não foi o pretendido pelo constituinte, pois se assim o desejasse, teria emprestado essa natureza à ação direta de inconstitucionalidade por omissão. O Mandado de Injunção não é instrumento de controle abstrato da constitucionalidade das leis, mas instrumento viabilizador (concretizador) de direitos subjetivos.

Como se não bastasse a ponderação acima, esse entendimento contraria a mutabilidade temporal das normas, conquanto, ao se normatizar, abstrata e genericamente, mediante decisão judicial, o regulamento estaria protegido pelos efeitos da coisa julgada material.

5.3.3.3.Constitutivo inter partes

Para este entendimento, a decisão injuncional gera efeitos apenas para as partes do processo, salvaguardando os interesses de terceiros. A decisão judicial, nesta hipótese, declara a mora legislativa e, no mesmo ato, constitui a norma regulamentadora faltante, viabilizando o direito do requerente.

Desta forma, os efeitos da decisão aproveitam apenas ao impetrante, por isso a denominação "efeito constitutivo inter partes". Este efeito entretanto pode ter variações, a depender da escolha que se faça, sendo imediato ou protelado.

O efeito constitutivo imediato (concretista individual direto) é defendido pelos Ministros Carlos Velloso e Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal. Imediatamente ao julgar a demanda, efetiva-se a norma constitucional, beneficiando apenas ao impetrante. (MORAES, 2001, p. 179).

Ainda há quem opte por fixar o prazo para o Poder omisso elaborar a regulamentação, e permanecendo este inerte, que o judiciário estabeleça as condições necessárias ao exercício do direito por parte do autor. Esta é a posição do Ministro Néri da Silveira, do Supremo Tribunal Federal (MORAES, 2001, p. 179). Denomina-se concretista individual intermediária. O efeito constitutivo da decisão judicial é protelado, sendo viável ainda que se estabeleça, desde logo, as condições de exercício do direito, para após inércia do Poder competente, transite em julgado a decisão judicial, com a conseqüente produção dos efeitos constitutivos pertinentes. Esta última solução continua ser classificada como intermediária, mas com a vantagem de que não necessita que os autos retornem conclusos para o julgador. O efeito seguirá automaticamente.

Ainda que não seja de efeito erga omnes, o mandado de injunção poderá repercutir sobre número indeterminado de pessoas, ou uma coletividade, pois a Constituição não diferenciou quais espécies de direitos são sindicáveis, de forma a abranger os direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. É o que ocorre com o direito coletivo de greve.

Pelo exposto, de acordo com esta corrente que se afigura a mais sensata, o mandado de injunção objetiva, no caso concreto, viabilizar um direito (ou liberdade) obstaculizado pela ausência de norma regulamentadora, beneficiando a parte impetrante e, eventualmente, beneficiando terceiros que se encontram na mesma situação jurídica daquela.

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Sobre o autor
Wesley Adileu Gomes e Silva

Procurador Federal junto ao INSS, pós-graduando em Direito Público

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Wesley Adileu Gomes. Concretização judicial do direito de greve dos servidores públicos civis na Constituição da República Federativa do Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1394, 26 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9812. Acesso em: 22 nov. 2024.

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