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Operação Furacão, limites das investigações e Estado garantista de Direito

27/04/2007 às 00:00
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Considerando-se que o Brasil ocupa posição de destaque (em 2006 era o número 70, em 163 países) no "ranking" mundial de percepção da corrupção elaborado pela Transparency International (www.transparencia.org.br) e um dos últimos a adotar medidas concretas e efetivas para enfrentá-la com seriedade; considerando o relatório do Banco Mundial divulgado em 15.04.07 (Folha de S. Paulo de 16.04.07, p. B4), que aponta o Brasil como um dos piores lugares do mundo para se fazer negócios, sobretudo em razão da corrupção e da criminalidade; considerando, ademais, a impunidade quase absoluta dos altos integrantes dos poderes constituídos, não causou surpresa o aplauso nacional que recebeu a "Operação Furacão", da Polícia Federal, que inteligentemente vem descobrindo falcatruas imensas (mensalão, sanguessuga, anaconda etc.) sem derramar (em regra) uma só gota de sangue.

O brilho dessas retumbantes operações, entretanto, muitas vezes, acaba sendo ofuscado por algumas elementares violações à estrita legalidade, que é o eixo que caracteriza o Estado Garantista de Direito (EGD, tão difundido por Ferrajoli). Foi precisamente isso que enfatizaram o presidente nacional da OAB (Cezar Britto), Alberto Z. Toron (Presidente da Comissão de Prerrogativas) e tantos outros, em petição escorreitamente fundamentada e dirigida ao Ministro Cezar Peluso, que deferiu de plano (praticamente todos) os pleitos formulados.

O que foi pedido pela OAB? Basicamente o seguinte: (a) acesso aos autos do inquérito policial aos advogados dos indiciados, sob pena de abuso de autoridade; (b) direito de dialogar pessoal e reservadamente com os clientes (censurou-se o contato com prazo limitado, em parlatórios e por meio de interfone); (c) prisão dos advogados em sala de Estado-Maior, garantida pelo Estatuto da Advocacia, que preencha as condições mínimas de dignidade fixadas pela ONU.

No que concerne ao acesso aos autos da investigação, invocou-se o precedente firmado no HC 82.354-8-PR (rel. Min. Sepúlveda Pertence), que proclamou:

"a) malgrado não se apliquem as garantias do contraditório e da ampla defesa ao inquérito policial, existem, não obstante, ‘direitos do indiciado no curso do inquérito, entre os quais o de fazer-se assistir por advogado, o de não se incriminar e o de manter-se em silêncio’;

b) "do plexo de direitos dos quais é titular o indiciado é corolário e instrumento a prerrogativa do advogado de acesso aos autos respectivos, explicitamente outorgada pelo Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/94, art. 7º, XIV), da qual, ao contrário do que previu em hipóteses assemelhadas, não se excluíram os inquéritos que correm em sigilo: a irrestrita amplitude do preceito legal resolve em favor da prerrogativa do defensor o eventual conflito dela com os interesses do sigilo das investigações, de modo a fazer impertinente o apelo ao princípio da proporcionalidade" (DJU 24.09.04).

A CF, no seu art. 5º, inc. LXIII, com efeito, assegura ao indiciado, quando preso (por extensão, também quando solto) a assistência técnica de advogado. Nisso está incluído, claramente, o acesso aos autos da investigação. Não pode nunca o advogado perturbar o natural andamento das investigações. Mas nada daquilo que já foi investigado e que consta dos autos pode ser subtraído do seu conhecimento. Pensar (ou praticar) o contrário significa violar o direito de defesa que está garantido pela constituição, embora não em sentido amplo, inclusive na fase preliminar de investigação.

O EGD, diferentemente do Estado de Direito tout court, caracteriza-se não só pela positivação de tais direitos e garantias, senão, sobretudo, pelo respeito ao conteúdo de cada um deles.

"O indiciado [por conseguinte] é sujeito de direitos e dispõe de garantias, legais e constitucionais, cuja inobservância, pelos agentes do Estado, além de eventualmente induzir-lhes a responsabilidade penal por abuso de poder, pode gerar a absoluta desvalia das provas ilicitamente obtidas no curso da investigação policial. (RTJ 168/896-897, rel. Min. Celso de Mello). Não custa advertir, como foi feito no MS 23.576/DF, rel. Min. Celso de Mello, que o respeito aos valores e princípios sobre os quais se estrutura, constitucionalmente, a organização do Estado Democrático de Direito, longe de comprometer a eficácia das investigações penais, configura fator de irrecusável legitimação de todas as ações lícitas desenvolvidas pela Polícia Judiciária ou pelo Ministério Público." No mesmo sentido: Inq. 1.867/DF, rel. Min. Celso de Mello; MS 23.836/DF, rel. Min. Carlos Velloso.

O direito de conversar pessoal e reservadamente com o cliente está previsto no artigo 7º, inciso III, do Estatuto da Advocacia que, nessa parte, não foi declarado inconstitucional pelo STF. O contato pessoal, pela literalidade do dispositivo, deve ser em regra direto, tal como assegurou o Min. Cezar Peluso, em sua decisão. Em outras palavras: não pode ser imposto prazo que implique cerceamento, não se pode usar parlatórios ou interfones (a exceção, aqui, evidentemente, ficaria por conta de situações extremas, como vemos em alguns casos de terrorismo no estrangeiro). E tudo deve ser feito de forma reservada, ou seja, não se admite nenhum tipo de gravação ou filmagem.

No que diz respeito ao recolhimento do advogado em sala de Estado-Maior, com condições dignas, cabe afirmar o seguinte: praticamente não existe no Brasil nenhuma "sala de Estado-Maior", logo, o fundamental é o respeito à dignidade do advogado preso cautelarmente. Isso depende, portanto, de cada caso concreto. Foi por essa razão que, nesse ponto, o Min. Cezar Peluso requisitou informações sobre as condições da prisão. Remarque-se que "A inexistência, na comarca, de estabelecimento adequado ao recolhimento prisional do Advogado, antes de consumado o trânsito em julgado da condenação penal, confere-lhe o direito de beneficiar-se do regime de prisão domiciliar." (RTJ 169/271-274, rel. Min. Celso de Mello). Cabe sublinhar ainda o seguinte: a incompatibilidade entre a norma anterior especial (Lei n.º 8.906/94, art. 7º, V) e a norma posterior geral (Lei n.º 10.258/2001) resolve-se em favor da primeira ("lex posterior generalis non derogat priori speciali").

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Sobre o autor
Luiz Flávio Gomes

Doutor em Direito Penal pela Universidade Complutense de Madri – UCM e Mestre em Direito Penal pela Universidade de São Paulo – USP. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Jurista e Professor de Direito Penal e de Processo Penal em vários cursos de pós-graduação no Brasil e no exterior. Autor de vários livros jurídicos e de artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998), Advogado (1999 a 2001) e Deputado Federal (2019). Falecido em 2019.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Luiz Flávio. Operação Furacão, limites das investigações e Estado garantista de Direito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1395, 27 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9814. Acesso em: 22 nov. 2024.

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