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A legitimidade do Ministério Público para a defesa dos direitos individuais homogêneos do consumidor:

Um caminho para a eficácia social da norma dentro de um modelo garantista

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A eficácia social da norma esbarra numa visão jurisprudencial que ainda rejeita a máxima utilização dos mecanismos legais existentes, sem ter a sensibilidade de que, em algumas situações, tal restrição importa a impossibilidade absoluta do acesso à justiça.

Sumário: 1) Apresentação do Tema; 2) O Status Constitucional dos Direitos do Consumidor; 3) A Constituição e seus Mecanismos de Auto-Implementação; 4) Em Busca da Eficácia dos Direitos do Consumidor; 4.1) Internalizando Externalidades; 4.2) A Eficácia Social da Norma; 5) Algumas Considerações sobre o Garantismo; 6) O Papel do Ministério Público na Defesa do Consumidor; 7) Conclusão; 8) Referências Bibliográficas.


1) A Apresentação do Tema

            Boaventura de Sousa Santos inicia sua obra "A Crítica da Razão Indolente: Contra o Desperdício da Experiência" [01] afirmando: "Há um desassossego no ar. Temos a sensação de estar na orla do tempo, entre um presente quase a terminar e um futuro que ainda não nasceu".

            E é exatamente essa sensação que invade o jurista ao analisar os direitos sociais hoje na sociedade brasileira.

            O consciente coletivo brasileiro, já bastante impregnado pela máxima das leis que não "pegam" e descrente da própria democracia, se viu surpreendido por uma Constituição repleta de princípios e normas programáticas que aos poucos foram sendo delineadas pelos intérpretes e aplicadores do direito.

            Certamente o Brasil não foi o mesmo após o advento da Constituição Federal de 1988, sobretudo com a descoberta, ou melhor dizendo, a redescoberta dos direitos transindividuais.

            A consagração no texto constitucional de um sem número de direitos transindividuais e respectiva instrumentalização dos meios de sua defesa, dentre os quais sobressai o perfil dado ao Ministério Público, forneceram os ingredientes necessários a uma mudança de atitude da sociedade no que tange a sua postura frente ao direito.

            Num primeiro plano cresceram as demandas judiciais relativas aos direitos transindividuais, sobretudo por iniciativa do Ministério Público.

            E num segundo momento, sobretudo em função da cobertura jornalística, cresceu o interesse da população em participar dos debates acerca do tema, o que acaba por criar um ciclo em expansão; quanto maior for a iniciativa dos legitimados para as ações coletivas (em sentido lato) maior será a demanda da população, que por sua vez realimenta os legitimados para novas ações.

            Nesse cenário deve ser destacada a tutela dos direitos do consumidor.

            Essencialmente após a edição da Lei n° 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) se implementou um processo social de conscientização progressiva dos direitos do consumidor.

            Tal conclusão é extraída do incremento das ações individuais e coletivas nessa área e da importância que o tema assumiu na mídia, a tal ponto que é difícil lembrar de algum jornal que não mantenha de modo permanente uma coluna dedicada ao tema.

            No mesmo sentido, verificou-se uma sensível (mas significativa) mudança de atitude do empresariado, que reagiu ao movimento de demandas procurando se adequar ao Código, adotando práticas até então tidas como desnecessárias, como por exemplo, a manutenção de serviços de atendimento ao consumidor e a elaboração de manuais ilustrados para esclarecimentos de contratos.

            Se por um lado não se permite a ingenuidade de afirmar que o empresariado brasileiro se modernizou para atender os direitos do consumidor, tampouco se permite o ceticismo de não se vislumbrar qualquer mudança de atitude.

            Porém, tal mudança de atitude se dá à custa da implementação dos comandos constitucionais, cuja concretude depende da iniciativa dos legitimados para tanto.


2) O Status Constitucional dos Direitos do Consumidor

            O direito do consumidor foi incorporado ao texto constitucional sob duas formas: como direito humano fundamental, no art. 5°, inciso XXXII, e como princípio geral da atividade econômica, no art. 170, inciso V.

            Como direito humano fundamental, verifica-se a presença de dois dos três momentos a que se refere Bobbio [02]. Dependendo do aspecto a que se dê relevância se apresentam como direitos de segunda ou de terceira geração.

            Em sua já clássica lição Bobbio analisa a evolução dos direitos fundamentais identificando a fase dos direitos relativos à liberdade, marcado pelo absenteísmo estatal, a que chama de direitos de primeira geração; a fase dos direitos sociais, em que a intervenção estatal se faz marcante para mitigar as desigualdades que resultaram no conflito de classes; e a fase dos direitos difusos, onde o mote seria a proteção de interesses da sociedade (ou da humanidade) como um todo.

            É necessário nesse ponto deixar claro que o direito do consumidor, em termos absolutos, não representa o direito de uma classe. Representa uma meta de igualdade material que corporifica no campo contratual o ideal da eqüidade.

            Assim, a identificação do direito do consumidor como um direito de classe, de uma corporação, implica uma armadilha, qual seja a de se setorizar um interesse que é pertencente a toda a sociedade.

            Diferentemente de outros direitos, o consumo, na sociedade contemporânea, é imanente ao ser humano, incutindo-se na própria personalidade do ser.

            A pessoa é o que consome (ou o que deixa de consumir).

            Tal perspectiva é importante para se ter em mente a relevância do tema.

            Porém, por óbvio, conforme o pedido deduzido em juízo, preponderam aspectos menos eloqüentes do direito tutelado (há, por certo, maior relevância social numa ação coletiva ajuizada para retirar do mercado um produto cancerígeno do que numa ação individual proposta com o intuito de se obter a restituição em dobro de valor indevidamente pago).

            Voltando a Bobbio, o direito do consumidor apresenta-se como uma simbiose entre os direitos humanos de segunda e terceira geração, os quais, como o próprio autor assume, ainda não possuem definição clara [03].

            Assim, em última análise, o pedido deduzido em juízo empresta maior ou menor relevância ao interesse social intrínseco nas normas de defesa do consumidor, mas este sempre deve iluminar a aplicação da lei.

            Há, por certo, no nível empírico, uma maior tendência a se sensibilizar pelos problemas consumeristas quando neles se vêem imbricadas questões relacionadas a interesses outros tidos como de maior relevância, como a saúde, a educação ou segurança.

            Mas, em função de seu assento constitucional e da dicção expressa da lei (art. 1° da Lei n° 8.078/90), as normas de proteção ao consumidor representam, por si só, normas de ordem pública e de interesse social, reclamando a pronta atuação estatal na sua implementação [04].

            Como princípio da ordem econômica o enfoque é diverso.

            Os princípios, na verdade, definem as metas a serem buscadas tanto pelo legislador quanto pelo aplicador da lei. Configuram parâmetros previamente estipulados e que norteiam o ordenamento jurídico.

            Porém, são normas e não meros instrumentos de hermenêutica.

            Contudo, caracterizam-se por um teor elevado de abstração, carecendo de uma "densificação" [05] através de subprincípios e de regras que diminuam o âmbito de interpretação do aplicador da lei.

            Porém não se permite dizer que os princípios sejam despidos de conteúdo normativo, independentemente da existência de produção normativa posterior.

            Por si só, os princípios trazem um comando normativo que prescinde de qualquer processo de integração.

            Assim, por mais amplo que seja, por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana, bastaria seu simples enunciado para que se pudesse concluir pelo banimento de penas cruéis do ordenamento jurídico.

            Os princípios máximos de um ordenamento estão, por certo, guardados na Lei Fundamental, ainda que de forma implícita.

            Portanto, é na Constituição que se deve buscar os princípios vetores do ordenamento jurídico.

            Mas é necessário frisar, antes de tudo, que não é incomum que dentro de um mesmo texto constitucional estejam prescritos princípios que colidam uns com os outros.

            Melhor esclarecendo, no caso das Constituições compromissórias [06] como a brasileira, em que o texto final é fruto de tensões entre segmentos organizados da sociedade, verdadeira síntese de ideologias conflitantes e multifacetadas, a regra é a consagração de princípios aparentemente conflitantes, mas que na verdade devem ser aplicados harmonicamente.

            Em sede de direitos do consumidor, o art. 170 do Constituição Federal é emblemático no que pertine ao tema de conflitos entre princípios.

            Isto porque o referido artigo consagra a defesa do consumidor como princípio geral da atividade econômica, a qual é fundada, por força do mesmo preceito constitucional, na livre iniciativa.

            Obviamente que a questão ora suscitada deve ser analisada à luz de uma aparente antinomia de normas e não de uma antinomia real, vez que o ordenamento pressupõe um conjunto harmônico de normas e de métodos de solução de antinomias aparentes [07][08]. Uma norma que de forma absoluta não encontre respaldo do sistema, de fato, é um corpo estranho ao ordenamento, uma não-norma, cuja aplicação o intérprete deve necessariamente excluir [09].

            Veja-se que as aparentes antinomias entre normas-regra funcionam de forma diversa em relação às antinomias, por igual aparentes, entre normas-princípio.

            Naquelas o intérprete concluirá pela aplicação de uma regra em total detrimento da outra, ou seja, as regras conflitantes se excluem reciprocamente, de acordo com os critérios clássicos de solução de conflitos (especialidade, cronológico e hierárquico).

            Todavia, tratando-se de princípios não prevalece o mesmo mecanismo. Os conflitos entre princípios resolvem-se pela ponderação dos valores [10] que lhes são ínsitos, de modo que não se cogita tão-somente de validade, como no conflito entre regras, mas também de valor ou peso [11].

            Notadamente, numa constituição multifacetada como a nossa, os princípios nela incorporados colidem entre si, mas diante do princípio (este interpretativo) da unidade da constituição, há que se buscar uma aplicação harmônica do direito [12].

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            Presentemente, nos interessa registrar que a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica infiltra-se, como valor, na iniciativa privada e na intervenção estatal no domínio econômico, de modo que impossível se mostra não associar a atividade econômica à defesa do consumidor, a qual, por sua vez, não pode chegar ao ponto de inviabilizar a livre iniciativa, igualmente protegida através de princípio constitucional.

            Mas, longe de serem conflitantes, tais princípios harmonizam-se se considerada a dignidade da pessoa humana como princípio vetor de toda a ordem constitucional e que se sobrepõe à própria ordem econômica, vez que elevado a fundamento (ou melhor, princípio fundamental) da República Federativa do Brasil (art. 1º, III, CF).

            Somente uma visão fragmentada da constituição poderia antever conflito entre os dois princípios em comento.

            Na verdade o texto constitucional é fruto da história e consagra em suas páginas a própria evolução do capitalismo, consagrado como sistema econômico nacional (art. 1º, inciso IV, 2ª parte, da CF) e que para sua própria sobrevivência não prescinde de mecanismos de prevenção contra suas distorções.

            Assim, a natureza de princípio confere à defesa do consumidor a condição de característica da atividade econômica, a qual só poderá ser tida como lícita se obediente ao escopo fixado constitucionalmente.

            Transfigurado como direito fundamental ou como princípio, a defesa do consumidor consubstancia atualmente verdadeiro limite à iniciativa privada.

            Juntamente com a defesa do meio ambiente e a função social da propriedade, a defesa do consumidor é apresentada como uma espécie de princípio densificador de outros princípios, sobretudo o princípio da dignidade da pessoa humana.

            Isto porque é possível verificar-se, ainda que empiricamente, que alguns princípios (que inevitavelmente traduzem-se em direitos) são positivados de forma mais ampla e abstrata que outros.

            Assim acontece com o princípio [13] da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, da CF) e o princípio da livre iniciativa (art. 1º, inciso IV, 2ª parte, CF).

            Em várias passagens o próprio texto constitucional desdobra tais princípios, tornando-os mais concretos (mais densos), como, por exemplo, no art. 5º, incisos XIII, XVIII, XXII, XLIX; art. 7º, inciso XXX; art. 227, caput etc.

            E da mesma forma ocorre em relação aos direitos do consumidor, que nada mais são do que uma densificação dos princípios gerais da iniciativa privada e da dignidade da pessoa humana. A defesa do consumidor constitui subprincípio para o qual convergem os princípios estruturantes em comento.

            Desta forma, não há que se cogitar de conflito entre a livre iniciativa e a defesa do consumidor, pois a livre iniciativa só se reputa reconhecida como princípio constitucional na medida em que é exercida sem a lesão dos direitos básicos do consumidor.


3) A Constituição e seus Mecanismos de Auto-Implementação

            Faz-se necessário fixar a premissa de que a norma pode ser juridicamente eficaz sem ser socialmente eficaz.

            Tal entendimento não é novo e viu-se consagrado, sobretudo na já clássica obra "Aplicabilidade das Normas Constitucionais [14]" de autoria de José Afonso da Silva segundo o qual "uma norma pode ter eficácia jurídica sem ser socialmente eficaz, isto é, pode gerar certos efeitos jurídicos, como, por exemplo, o de revogar normas anteriores, e não ser efetivamente cumprida no plano social".

            Um dos obstáculos à eficácia social dos direitos do consumidor já foi superado com a edição do Código de Defesa do Consumidor.

            Muito embora o reconhecimento dos direitos do consumidor no texto constitucional, seja como direito fundamental seja como princípio da ordem econômica, já se mostre por si só como medida suficiente à aplicação da norma, não é despiciendo registrar que a edição do Código facilita a aplicação da norma na medida em que delineia seu conteúdo.

            Em sede de direito do consumidor, mister se faz ressaltar que a norma constitucional em comento tem como destinatário o Estado, tanto na sua função executiva quanto na sua função legislativa, e o particular [15].

            E, por certo, a densificação da norma através da edição de legislação infraconstitucional facilita a atuação do intérprete e reduz a vacuidade que caracteriza o enunciado constitucional.

            Porém, a edição do Código de Defesa do Consumidor não se mostra apta, por si só, a garantir a prevalência, no plano social, dos desígnios do legislador constituinte.

            Tendo em vista tal assertiva, é que o próprio constituinte instituiu mecanismos de implementação da norma.

            Nesse passo, se faz oportuno consignar que a própria edição do Código foi determinada pelo constituinte no ato das disposições constitucionais transitórias, em seu art. 48, cumprida, é bem verdade, com algum atraso.

            Aliás, a redação do art. 5°, inciso XXXII, da Carta, já traz, em si, embutida a idéia de implementação, de concretização da norma, quando enuncia: O Estado implementará, na forma da lei, a defesa do consumidor.

            Nesse sentido a Constituição já estrutura a atuação do Estado para a consecução dos objetivos determinados pelo constituinte.

            E o faz, em especial, ao atribuir ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais indisponíveis.

            Na verdade, coube ao Código de Defesa do Consumidor melhor delinear os mecanismos de implementação da proteção do consumidor, sendo de se destacar, nesse sentido, o capítulo II, do título I, que trata da política nacional das relações de consumo, o título III, que trata da defesa do consumidor em juízo, e o título IV, que trata do sistema nacional de defesa do consumidor.

            Esses mecanismos estão ligados à expressão enforcement, que por sua vez traduz a idéia do "reconhecimento da necessidade de serem estabelecidos mecanismos eficazes que assegurem o cumprimento das leis" [16].


4) Em Busca da Eficácia dos Direitos do Consumidor

            Sem embargo do que já foi dito antes, de nada adiantaria a previsão, ao nível da norma, de mecanismos de implementação dos direitos sociais, se tal cabedal de possibilidades não fosse posto em uso.

            Muito embora a atuação do legislador ainda seja necessária para a implementação de tais direitos, na medida em que a mutação constante da sociedade faz surgir novas situações cuja regulamentação se faz premente, é na esfera de atuação do poder executivo e judiciário que o comando constitucional deve ecoar com maior expressão.

            Consoante estabelecido pelo CDC, em consonância com o princípio vetor constitucional, a proteção do consumidor se dará, em linhas gerais, através da estruturação de órgãos de defesa do consumidor, da intervenção do Estado na economia e da ampliação do acesso à justiça.

            Nesse trabalho se dará destaque ao último enfoque.

            A questão do acesso à justiça comporta ainda, a grosso modo, uma bipartição para fins de análise: uma baseada nos conflitos individuais e outra nos transindividuais.

            Tanto num como noutro aspecto o Código de Defesa do Consumidor se valeu de uma série de mecanismos como o propósito de facilitar a atuação do consumidor em juízo.

            Nesse sentido são, a título de exemplo, as regras previstas no art. 6°, inciso VI, VII e VIII; no art. 82; e art. 101, do CDC.

            A adoção de mecanismos de facilitação da defesa judicial dos direitos do consumidor tem no mínimo uma repercussão de ordem econômica, no campo da redução das externalidades, e outra jurídica, na seara da eficácia social da norma.

            4.1) Internalizando Externalidades

            À luz da economia, externalidade pode ser conceituada como o "impacto das ações de uma pessoa sobre o bem-estar de outras que não participam da ação" [17][18].

            A adoção do termo é mais comum para se caracterizar o efeito dos danos ambientais decorrentes da produção (externalidade negativa) ou os benefícios de uma invenção (externalidade positiva).

            Assim, quando uma indústria polui um rio com seus dejetos causa um dano não indenizado aos moradores vizinhos que dependem daquelas águas para atividades rotineiras, eis a externalidade.

            O conceito parte da premissa de que alguns bens são apropriados pelo empreendedor sem que haja qualquer pagamento por seu uso, como seria de se esperar.

            Ao produzir o empreendedor paga pela matéria-prima e pela mão de obra, gastos que representam o custo da produção. Porém, a degradação do rio, enquanto não for indenizada representa uma apropriação indevida de bem de uso comum, em prejuízo de terceiros.

            A adoção de medidas tendentes a impedir o dano ambiental ou o pagamento de indenizações internalizam as externalidades, ou seja, fazem com que o empresário insira como custo as intervenções indevidas no bem-estar alheio.

            A defesa do consumidor passou a ser reconhecida juridicamente como uma externalidade da iniciativa privada(Ulhoa trabalha essa idéia) a partir do momento em que tal direito foi elevado a princípio da ordem econômica e principalmente a direito fundamental do cidadão.

            Ou seja, tais normas implicaram num aumento do custo da atividade empresarial, como as normas de proteção ao trabalhador.

            Contudo, o empresário dispõe de meios para compensar, ou melhor, internalizar as externalidades, adaptando sua atividade aos novos parâmetros constitucionais sem que a mesma reste inviabilizada.

            Segundo Fábio Ulhoa Coelho [19], "a transposição da noção de "internalização de externalidades" do campo do conhecimento econômico para o contexto da reflexão jurídica tem o grande mérito de alertar para o fato de que as obrigações jurídicas impostas ao empresário têm a natureza de elemento custo."

            Porém, é necessário lembrar, contra os que vislumbram no direito do consumidor um entrave à atividade empresarial, que o entendimento do direito do consumidor como direito-custo permite a conclusão de que, no final das contas, quem arca com o preço da melhoria do mercado é o próprio consumidor, vez que as adaptações a que a atividade empresarial se vê compelida a fazer traduzem-se em custo da produção, repassada, obviamente, para o preço final de produtos e serviços. [20]

            De qualquer modo, os mecanismos que facilitam a proteção dos direitos do consumidor em juízo acabam por forçar os fornecedores a internalizar as externalidades.

            Registra-se a título de exemplo a inversão do ônus da prova.

            Caso fosse adotada a regra geral do Código de Processo Civil, a dificuldade para a prova seria premente em certos casos, como os de saque indevido em conta corrente.

            Aplicada a inversão, a tendência natural é que o fornecedor, frente a inúmeras decisões desfavoráveis, passe a implementar mecanismos de segurança, como filmadoras em caixas eletrônicos ou a adoção de senhas mais complexas, despendendo mais recursos financeiros no oferecimento do serviço.

            Logo, insere-se no custo elementos antes desprezados pelo empresário.

            Caso fosse mantida a regra tradicional de distribuição do ônus da prova, eventuais falhas na prestação do serviço seriam suportadas, independentemente de qualquer indenização, pelo consumidor, que não teria condições de provar o dano.

            Invertido o ônus da prova, o custo da produção aumentará em função da internalização da externalidade.

            4.2) A Eficácia Social da Norma

            Alguns dos dispositivos processuais oferecidos ao consumidor contribuem sobremaneira a emprestar maior eficácia social à norma.

            Há de se destacar nessa seara os dispositivos reguladores das ações coletivas que permitem a dedução em juízo de questões que a princípio não teriam como ser levadas ao conhecimento do judiciário pela via tradicional [21].

            Na medida que a lei legitima determinados entes para a defesa dos interesses transindividuais permite que, através do judiciário, uma gama maior de normas seja implementada.

            É necessário registrar que a eficácia social da norma tem repercussão direta na internalização das externalidades, vez que a atuação do empresário se pauta na realidade dos fatos e não no plano abstrato normativo.

            Ou seja, na medida em que as normas se tornam realidades sociais é que os fornecedores atuarão no sentido de mitigar os efeitos negativos da implementação normativa, assumindo uma postura de prevenção, mais coerente e menos onerosa do que uma postura de reparação.

            Assim, os dispositivos processuais de defesa do consumidor se comportam como instrumentos de implementação da norma, na medida que permitem de maneira célere a concretização do direito.

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Sobre o autor
Luiz Cláudio Carvalho de Almeida

promotor de Justiça no Estado do Rio de Janeiro, professor de Direito Comercial da Faculdade de Direito de Campos (RJ), mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Campos, diretor do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (BRASILCON)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Luiz Cláudio Carvalho. A legitimidade do Ministério Público para a defesa dos direitos individuais homogêneos do consumidor:: Um caminho para a eficácia social da norma dentro de um modelo garantista. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1397, 29 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9818. Acesso em: 3 mai. 2024.

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