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Existem limites para o princípio da autodeterminação coletiva da vontade?

Reflexões sobre as cláusulas que prevêem a tolerância na marcação do ponto, refletindo sobre a jornada de trabalho

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01/05/2007 às 00:00
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4. Considerações finais

No contexto de mudanças (econômicas, sociais, políticas, etc) que vivemos, não podemos esquecer que o direito do trabalho é mais que um sistema de normas positivadas, com o condão de impor limites e regras às partes nele envolvidas. Fruto de longa evolução histórica, nascido da força de resistência da classe operária, trata-se de um ramo do direito que vem amparado por uma gama de princípios que lhe dão sustentação.

À frente de todos estes princípios está o princípio da proteção, o qual deixa clara a razão de ser do direito do trabalho, indicando a necessidade de proteger-se o hipossuficiente na relação jurídica, a partir do qual nascem os demais princípios: primazia da realidade, aplicação da norma mais favorável ao trabalhador, in dubio pro operario, condição mais benéfica e intangibilidade e integralidade do salário, além do princípio da autodeterminação coletiva o qual, segundo alguns doutrinadores, não constitui exatamente um princípio, mas é mera concretização do princípio da proteção.

Nesta linha de raciocínio, verifica-se a impossibilidade de se fazer uso do princípio da autodeterminação coletiva para estipular cláusulas prejudiciais ao empregado, pois isto implicaria ferir-se os princípios da aplicação da norma mais favorável e da condição mais benéfica o que, em última análise, significaria ferir-se o próprio princípio da proteção.

Na esteira do ponto analisado no presente trabalho, a saber, a possibilidade de fixar-se limites de tolerância para a marcação do ponto em tempo superior ao estabelecido no artigo 58, §1º da CLT, entende-se que, ainda que prevista em acordo ou convenção coletiva (portando, instituída com base no princípio da autodeterminação coletiva, anteriormente mencionado) apresenta-se incompatível com os mais basilares princípios de direito do trabalho, à medida que institui uma tolerância na marcação do ponto do empregado que, somada a sua jornada normal de trabalho, vem elastecê-la o que, a nosso ver, configura-se uma instituição de regra prejudicial ao trabalhador.

Além disso, referida regra cria uma flexibilização das condições de trabalho que a Constituição Federal não previu, razão pela qual entendemos, respeitados os entendimentos em sentido contrário, que esta espécie de regra é inconstitucional.

É preciso que, mais do que assegurar-se a fria aplicação da lei, seja assegurada a fiel observância aos princípios informadores do direito do trabalho, sob pena de restar apenas um direito do trabalho mínimo, em muito distante de sua real razão de existir.


5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (4. Região). Recurso ordinário nº 01594-2005-771-04-00-1. Recorrente: -___________________. Recorrida: Avipal S/A Avicultura e Agropecuária. Juiz Relator: Pedro Luiz Serafini. Porto Alegre, 04 de maio de 2006. Disponível em: www.trt4.gov.br Acesso em 12/05/2006.

BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº 299/2003-381-04-00.0. Recorrente(s): Natalael Santos dos Santos e Calçados Azaléia S/A. Recorrido(s): os mesmos. Juiz Relator: Ministro Barros Levenhagen. Brasília, 20 de abril de 2006. Disponível em http://www.tst.gov.br. Acesso em 13/05/2006.

CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 4. ed. Porto Alegre: Síntese, 2003.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 20 ed. rev. Atual. São Paulo: Saraiva, 2005.

PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Los princípios del Derecho del Trabajo. Montevideo, 1997

SÜSSEKIND, Arnaldo in SÜSSEKIND, Arnaldo. .. et al. Instituições de direito do trabalho. 21 ed. São Paulo: Ltr, 2003.


Notas

01.PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Los princípios del Derecho del Trabajo. Montevideo, 1975, p. 17.

02.CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 4. ed. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 88.

03.Op. Cit., p. 96.

04.Cfe. SÜSSEKIN, Arnaldo in SÜSSEKIN, Arnaldo. .. et al. 21 ed. São Paulo: Ltr, 2003, p. 145.

05.Cfe. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 20 ed. rev. Atual. São Paulo: Saraiva, 2005.

06.Op. Cit., p. 352.

07.Idem, ibidem.

08.BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (4. Região). Recurso ordinário nº 01594-2005-771-04-00-1. Recorrente: -___________________. Recorrida: Avipal S/A Avicultura e Agropecuária. Juiz Relator: Pedro Luiz Serafini. Porto Alegre, 04 de maio de 2006. Disponível em: Acesso em 12/05/2006.

09.Idem.

10.BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Recurso de Revista nº 299/2003-381-04-00.0. Recorrente(s): Natalael Santos dos Santos e Calçados Azaléia S/A. Recorrido(s): os mesmos. Juiz Relator: Ministro Barros Levenhagen. Brasília, 20 de abril de 2006. Disponível em http://www.tst.gov.br. Acesso em 13/05/2006.

11.CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 4. ed. Porto Alegre: Síntese, 2003, p. 108.

12.Idem.

13.MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho. 21 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 97.

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Sobre a autora
Fernanda Pinheiro Brod

advogada em Lajeado (RS), professora no Centro Universitário Univates, mestre em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BROD, Fernanda Pinheiro. Existem limites para o princípio da autodeterminação coletiva da vontade?: Reflexões sobre as cláusulas que prevêem a tolerância na marcação do ponto, refletindo sobre a jornada de trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1399, 1 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9819. Acesso em: 24 abr. 2024.

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