3 - NÃO EXISTE RECEITA DE BOLO
Como visto, há anos que o assunto sobre Centro de Governo – CG permeia o diálogo público, despertando interesse nas instâncias político-administrativas, nos meios acadêmicos e na sociedade mundial, pois está estruturado em um conjunto de órgãos, instituições e atores diversos para ajudar, de forma integrada e coordenada, os Chefes do Poder Executivo no que tange ao alcance dos objetivos estratégicos de um dado governo.
Por meio da evolução histórica, ocorreu a ampliação da complexidade dos problemas sociais, tornando crucial o aperfeiçoamento de políticas públicas transversais e alicerçada pela demanda crescente da participação social e dos serviços públicos integrados e de qualidade.
O papel do Centro de Governo no planejamento estratégico, na construção de um plano de ação realizável, na coordenação de atividades, na comunicação interna e externa, na publicidade de resultados e na prospecção de informações é imprescindível. Todavia não há um modelo que caiba igualmente e perfeitamente a todo Estado.
É muito comum que a sociedade requeira algo que seja copiável, tal como quando experimentamos uma comida ou um bolo muito saboroso e pedimos a receita para fazermos igual em outro momento. Entretanto, mesmo com a receita, o sabor pode ficar diferente, mesmo que o resultado agrade aos paladares mais exigentes. Ou seja, mesmo colocando ingredientes iguais e nas mesmas proporções indicadas pela e na receita há fatores externos que podem influenciar no sabor, no aroma, no cozimento etc. Assim, até uma receita de uma comida não garantirá o mesmo resultado quando feita por outra pessoa.
É importante ter um referencial mínimo de construção e de estabelecimento do Centro de Governo. Parâmetros são primordiais. As organizações públicas e privadas têm um ciclo, em que os passos dados deixam experiências, as quais devem ser resgatas para o aprendizado com o passado. Acertos e erros cometidos podem e devem ser documentados para trazer a experiência do que deve ser continuado ou não. O momento presente é para execução. Gestores e sociedade não devem se imobilizar, pois a gestão pública requer a busca pelas possibilidades para o futuro.
A história de uma nação não pode ser esquecida, uma vez que é por meio dela que as populações do mundo inovam e constroem um caminho melhor.
A instituição que pretende inaugurar seu Centro de Governo - CG pode implantar o modelo que melhor se adeque ao seu contexto e à sua disponibilidade de recursos, conforme o plano de ação desenvolvido no âmbito de um Grupo de Trabalho – GT criado para essa tarefa. Esse Grupo de Trabalho - GT será formado por um corpo técnico multidisciplinar que coordenará a execução das ações planejadas. Assim, as ideias não ficarão em uma folha de papel esquecida, pois serão concretizadas para a construção do futuro da nação.
Como orientação, uma vez que não existe um padrão “quadrado” e estanque para Centros de Governo, pois cada ação pública depende da cultura, da sociedade, da economia, das finanças e outros aspectos locais, há a possibilidade de ser elaborado o mapeamento de stakeholders (partes interessadas). Esse mapeamento, para a gestão pública, transige o ato de se identificar e se categorizar os grupos que podem influenciar as iniciativas das políticas e procedimentos públicos e que podem ser direta ou indiretamente afetados/afetadas por elas.
A atualização desse mapa dos stakeholders ajudará no desenvolvimento contínuo das diretrizes do Centro de Governo, bem como poderá apoiar o monitoramento dos indicadores que trarão parâmetros evolutivos e alimentarão a base de dados para a emissão dos relatórios.
Ouvindo todas as partes interessadas, embasando-se em modelos de outras localidades, sem, contudo, copiá-los nos mesmos termos tal como está escrito e executado, há a possibilidade de se seguir os exemplos dos Centros de Governo já implementados em outros países com as adaptações necessárias a cada singularidade apresentada pelos entes públicos e privados brasileiros.
4 – GOVERNANÇA: O CAMINHO SEM VOLTA E A CONDIÇÃO SINE QUA NON
Para resultados com foco no cidadão é prioritária a aplicação de agendas positivas. O mundo todo está mais atento e empenhado em funcionar por meio das Boas e Melhores Práticas.
O Brasil, por sua visibilidade internacional, diante dos acordos e tratados internacionais, tem demonstrado esforço para a geração de oportunidades e de novos negócios. Essa pauta afirmativa traz segurança aos brasileiros, porém requer extrema diligência e zelo a partir da ação reflexiva em volta da integridade e ética para as relações entre o mundo corporativo, a administração pública e a sociedade, entre organizações públicas e privadas que operem em uma mesma cadeia de negócios e, dentro das empresas, instituições, companhias, entre conselhos, acionistas e direções.
Em uma visão contemporânea de mundo, está acontecendo uma mudança no paradigma da exploração econômica, que vem impulsionando a superação dos interesses eminentemente individuais. A maximização dos lucros está sendo vislumbrada não no aspecto individual e que privilegia poucos, mas está sendo observada em prol do equilíbrio entre o retorno financeiro e o impacto social e sustentável de toda atividade pública e privada, trata-se do capitalismo de stakeholders.[1] Dessa maneira, os estudos e os aprendizados estão conduzindo a alta gestão e demais atores às Boas e Melhores Práticas.
As engrenagens disponibilizadas pela Governança demonstram a abrangência universal de sua concretização como um imperativo ético. Trata-se de um caminho sem volta.
A título de exemplificação, recentemente, foi lançado no Brasil o Código de Boas Práticas em Governança Pública, que foi publicado pela Rede Governança Brasil, em parceria com a ENAP e o IGCP. O documento preleciona, ao longo das 135 boas práticas apresentadas, a implementação dos Centros de Governos - CGs em todas esferas da Administração Pública como boa prática em governança pública. Também, a Lei n. 9.203/17 regulamenta a criação dos CIGs. Proximamente, o Governo Federal publicou, em março de 2022, um guia didático com 8 (oito) passos para a edificação de um Comitê Interno de Governança - CMG mais eficiente.
Não obstante, o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, em sua publicação Governing to Deliver, revelou os três estágios (estabelecimento, desenvolvimento e otimização do CdG) com seus desafios inerentes ao centro de governo engendrando uma matriz de maturidade de centro de governo, conforme segue:
Gráfico construído com base no material da Presidência da República Federativa do Brasil (2019)
É notório que se trata de um caminho irreversível, o que significa dizer que avançará de maneira ininterrupta e progressivamente de modo a alcançar níveis mais elevados em termos de excelência em gestão pública. Esse é um efeito positivo de um mundo interconectado e global.
Assim, os centros de governo são ambientes propícios para se depurar e tratar de temáticas relevantes a toda sociedade, as quais demandam um olhar sistêmico, tais como: transformação digital, ESG, desenvolvimento sustentável (Agenda 2030), gente & cultura, saúde, segurança, educação, inovação & tecnologia, planejamento estratégico, lei orçamentária, crescimento desordenado, programa de desmatamento e redução da poluição, LGPD, integridade, comunicação integrada, mensurar a qualidade da democracia, geração de emprego, economia verde, cidades inteligentes, capitalismos de stakeholders, combate à pobreza, dentre outros assuntos estratégicos.
5 – CONCLUSÃO
Diante de todos os aspectos, os centros de governo apresentam-se como engrenagens necessárias para a aplicação da liderança, da estratégia e do monitoramento governamental.
Aos gestores públicos é dado o desafio de administrar os recursos públicos de maneira eficaz, eficiente e efetiva, sendo crucial conhecer os mecanismos de Governança. Tal incumbência é originária da combinação da responsabilidade primária pelas interações nacionais e internacionais; pela capacidade de direcionar o país; pela capacidade de superintendência do erário, dos recursos civis, dos subsídios públicos e dos aportes privados; pela capacidade técnica e operacional à disposição da coordenação das atividades de gestão governamental; entre outras habilidades dos condutores das engrenagens de liderança, de estratégia e de monitoramento em nosso país.
Toda avaliação, todo direcionamento e todo acompanhamento da máquina estatal dependem da sinergia entre os entes público e privados para a busca da excelência na prestação de serviços de interesse da sociedade. A Administração Pública, por esse turno, precisa propagar a implementação de políticas governamentais diante dos mais variados programas dos governos. Urge o debate sobre a capacidade de resposta, a integridade, a transparência, a equidade, a participação, a prestação de contas, a confiabilidade e a melhoria continuada que devem e precisam ameiar as atividades em âmbito local e global.
Preparar as organizações públicas e os líderes do setor público para os desafios vindouros requer o desenvolvimento de novas abordagens e engajamento de todas as partes e atores. Dessa maneira, foram desenhados os Centros de Governo com a responsabilidade de viabilizar uma contribuição técnica, profissional e centralizada para o desenvolvimento econômico, político, social de maneira sustentável, mantendo e melhorando a qualidade dos atos de gestão junto à União, Distrito Federal, Estados e Municípios.
Fonte: Ilustração elaborada pelas próprias autoras (Elise Brites e Luana Lourenço)
Para demonstrar a importância da Governança face aos Centros de Governo, a figura acima traz, de maneira simplificada a representação da conexão entre Administração Pública, Centros de Governo e governança. Muitas vezes, a Administração Pública é impulsionada a agir rapidamente e por conta própria, sem levar em conta aspectos mais amplos dos critérios de Gestão. No entanto, a prática dos atos de gestão sem fundamentação técnica e prática estão deixando de existir diante da atuação conjunta com os setores públicos e privados, seja em esforços conjuntos explícitos, seja por meio da união de pautas essenciais aos cidadãos brasileiros.
No intuito de impugnar e lutar contra a fragmentação do Estado, advinda de políticas e procedimentos de especialização e automação dos órgãos governamentais, surge o Núcleo Executivo para integrar as políticas do governo central e arbitrar, em última análise, preceitos e condutas dentro do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, sobre os conflitos da máquina governamental.
Diante da singularidade de cada Estado, Município, Distrito Federal e demais localidades o centro de governo deve ser organizado conforme as particularidades de cada região, prescindindo de conceitos, de suporte teórico e prático, de foco nas demandas e necessidades da sociedade, de mapeamentos, de análises, da construção de planos e demais utensílios de gestão.
A junção de Boas e Melhores práticas com Gestão de Riscos, Compliance e Governança permitirá a estruturação adequada do Centro de Governo, refletindo ambientes administrativo e político de maneira positiva para o alcance dos objetivos estratégicos do governo.
Como toda nação é composta por seres humanos, devemos lembrar de que o âmago dos Centros de Governo deverá ser edificado no humano, nas pessoas, nos indivíduos. Somente por meio de uma visão holística e disruptiva alcançaremos a prosperidade e melhores resultados para o Brasil e para o mundo.
REFERÊNCIAS:
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ALESSANDRO, M.; LAFUENTE, M.; SANTISO, C. El fortalecimiento del Centro de Gobierno en América Latina y el Caribe. Washington: IDB, 2013b. (Technical Note, n. 591).
ARAÚJO, Joaquim Felipe (2013), Da Nova Gestão Pública à Nova Governação Pública: pressões emergentes da fragmentação das estruturas da Administração Pública, em Hugo Consciência Silvestre e Joaquim Felipe Araújo (coord.), Coletânea em Administração Pública, Lisboa, Escolar Editora.
BRESSER_PEREIRA, Luiz Carlos. 1998. Reforma do Estado e Administração Pública gerencial. 3ª edição. Rio de Janeiro, FGV.
GIL, Antônio Carlos.2008. Métodos e Técnicas de Pesquisa Social. Ed. Atlas.
LUSTOSA DA COSTA, Frederico.2015. Nova História da Administração Pública brasileira: pressupostos teóricos e fontes alternativas. Rio de Janeiro: Revista de Administração Pública.
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MARQUES, Eduardo. FARIA, Carlos Aurelio Pimenta (orgs). A política pública como campo disciplinar. São Paulo: Editora Unesp; Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2013.
PETERS,B.G; ZITTOUN, P. (Org.) Contemporary Approaches to Public Policy - Theories, Controversies and Perspectives. International Series onPublic Policies. Palgrave Macmillan, 2016.
PIRES, R. Burocracias, gerentes e suas “histórias de implementação”: narrativas do sucesso e fracasso de programas federais. In FARIA, C.A.P (Org.) Implementação de políticas públicas: teoria e prática. Belo Horizonte. Editora PUC Minas, 2012.
SILVESTRE, H.C; ARAÚJO, J.F.F.E. Teoria do Equilíbrio Pontuado nas Políticas Públicas Brasileiras: O Caso do Ceará. RAC, Rio de Janeiro, v.19, n.6, art.2, pp. 96-711, Nov./Dez/2015
Sítios eletrônicos visitados:
http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/8253
https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/4746/1/Dissertação%20ENAP%20Patricia%20Alvares%20versão%20final.pdf
https://portal.tcu.gov.br/referencial-para-avaliacao-da-governanca-do-centro-de-governo.htm
https://portal.tcu.gov.br/governanca/governancapublica/centro-de-governo/
https://www.gov.br/secretariageral/pt-br/composicao/orgaos-especificos-singulares/ciset/orientacoes/ebook-conceitos-de-centro-e-governo-isbn.pdf
https://08f4af24-661e-42cd-bea1-76b941e30c5a.filesusr.com/ugd/5a9d77_181c0326ae21443288c4b6a329063312.pdf
https://publications.iadb.org/en/governing-deliver-reinventing-center-government-latin-america-and-caribbean
https://publications.iadb.org/en/winds-change-ii-progress-and-challenges-open-government-policy-latin-america-and-caribbean
https://www.opengovpartnership.org/wp-content/uploads/2018/07/Guia-de-Governo-Abierto-para-Ceticos.pdf
https://www.oecd-ilibrary.org/governance/government-at-a-glance-2021_1c258f55-en
https://www.youtube.com/watch?v=4RThMM-Aa6I
[1] https://exame.com/esg/davos-debate-como-colocar-em-pratica-o-capitalismo-de-stakeholder/