Capa da publicação Notas e registros públicos no Maranhão: legislação
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Legislação de organização judiciária do Maranhão aplicada aos serviços notariais e registrais

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4. ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA COLONIAL NO ESTADO DO MARANHÃO. O JUDICIÁRIO NESSE CONTEXTO ATÉ NOSSOS DIAS.

Por Carta Régia datada de 13/06/1621, a colônia brasileira foi dividida em dois Estados: o do Maranhão e o do Brasil. Estado aí, obviamente, não no sentido atual (denominação que, por influência do direito norte-americano, foi dada pela Constituição Republicana de 1891, às antigas províncias brasileiras), mas designação que correspondia a uma divisão político-jurídico-administrativa no sistema colonial português (melhor se diria luso-espanhol) de então.

O Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão é o terceiro mais antigo do Brasil. Instalado em 04/11/1813, teve sua criação autorizada em 23/08/1811 através de resolução régia, assinada por Dom João, princípe regente.

Mas foi somente com a proclamação da República em 15/11/1889 que o Maranhão, no dia 04 de julho de 1891, após a elaboração da Constituição Estadual, providenciou sua organização judiciária, atribuindo não somente aos juízes jurisdição e competência, mas também aos titulares dos serviços cartorários suas atribuições e áreas de atuação.

Nessa perspectiva, cumpre observar que todas as constituições federais posteriores implementaram regras para a organização judiciária das justiças estaduais, as quais são complementadas por leis estaduais, por provimentos e por resoluções baixadas pelos tribunais de justiça estaduais para aplicação no âmbito judicial e extrajudicial da administração judiciária como decorrência do autogoverno da Magistratura (art. 96, I, alíneas “b” e “f”, CF).

O objetivo das normas de organização judiciária é dar operacionalidade à função orgânica dos serviços prestados por órgãos vinculados ao Poder Judiciário. Isto se aplica aos delegatários de funções registrais ou notariais, embora prevaleça o entendimento atual de que tais agentes públicos não se enquadrem no conceito de serventuários ou auxiliares da justiça, inobstante gozarem de independência13 no exercício de suas atribuições.


5. DA FÉ PÚBLICA COMO PRINCÍPIO CARDEAL DA DELEGAÇÃO CARTORÁRIA.

Os serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, validade, segurança e eficácia dos atos jurídicos14, praticados por delegatários que exercem tal mister com base num dos pilares da função, que é a fé pública.

Os delegatários, por sua vez, são agentes públicos especializados na área do direito privado, responsáveis por garantir preventivamente os atos e negócios jurídicos. Por essa razão, estão autorizados a ouvir, assessorar, mediar, conciliar e orientar, de forma imparcial e pública, os interesses de ambas as partes interessadas a respeito dos serviços que envolvem as funções delegadas de tais agentes públicos.

No que tange aos serviços extrajudiciais, como as delegações cartorárias a notários, registradores, tabeliães, escrivães, do denominado foro extrajudicial, é prudente em primeira mão dizer que tais delegatários são particulares (pessoas físicas) portadores de fé pública15, atributo que lhes é exclusivo e que constitui a espinha dorsal dos serviços prestados pela administração pública de interesses privados.

Por essa razão, incumbe aos notários e aos oficiais de registro praticar, independentemente de autorização, todos os atos previstos em lei necessários à organização e execução dos serviços extrajudiciais, podendo, ainda, adotar sistemas de computação, microfilmagem, disco ótico e outros meios de reprodução eletrônica ou não.16

Destarte, as afirmações dos notários e registradores são respaldadas pelo selo da fé pública, repita-se, bem como pela confiança e segurança jurídica estatal, posto que gozam do sinal público oficial de serem tidas como autênticas até prova em contrário.

Num conceito etimológico, o escritor argentino Augusto Luis Piccon17, ensina que a palavra fé “viene de la voz FIDES, a su vez la voz latina se considera que proviene del griego PEITHEIN (convencer), o también asentir al hecho o dicho ajeno. En el diccionario podemos leer “creencia que se da a las cosas por la autoridad del que las dice”.

Mas quando falamos de fé pública, a expressão “pública” remete a ideia geral de povo, forçando-nos a inferir que estamos diante de uma realidade que acomoda a organização desse povo em Estado. Melhor explicando: que nos referimos à fé do povo que emana desse Estado politicamente organizado, através da delegação outorgada a um cidadão para o exercício de função extrajudicial de cunho notarial e registral, a fim de acomodar situações que envolvem interesses das pessoas.

Contudo, a base da fé pública está na confiança do povo no delegatário (notário ou registrador), ou seja, nos atos notariais e registrais por ele instrumentalizados, os quais guardam a autenticidade, idoneidade e segurança jurídica que resultam da verdade imposta pelo Estado, cuja confiança não pode ser presumida pelo povo, muito menos descuidada pelo serventuário, porque ela é o espeque legal do sistema.

Destarte, assim como em todas as atividades humanas se impõe a necessidade de procedermos com honestidade, no âmbito judicial e extrajudicial, também deve ser exigido manifestações confiáveis do oficial público decorrentes de bases sólidas. Nessa perspectiva, os fatos e as relações envolvidas devem ser a garantia inquestionável e institucional para a vida social e jurídica das pessoas, devendo os instrumentos probatórios servir de subsídios abonadores a serem utilizados em todas as situações peculiares perante todos e contra todos os cidadãos e instituições.

Com isto, ficam acreditados os atos praticados pelo notário ou registrador, porque estão respaldados pelo princípio da força probatória do instrumento público, cuja falsidade somente pode ser arguida em ação judicial cível ou criminal. Consagra-se com essa diretriz o respeito ao apotegma acta scripta publica probant se ipsa.

A propósito, veja-se o esclarecedor escólio do Ministro João Otávio Noronha, in verbis:

A fé pública traduz-se na confiança na autoridade do Estado em confeccionar documentos que valham como prova de algo ou representam um valor. Corresponde à confiança geral que se estabelece em relação aos atos atribuídos por lei ao tabelião ou oficial e à eficácia do negócio jurídico atestado ou declarado .”

(Superior Tribunal de Justiça, SEC 11.173/EX, Rel. Min. João Otávio Noronha, Corte Especial, julgado em 17/08/2016, Dje 30/08/2016).

Com essa perspectiva, pode-se atestar induvidosamente que os atos notariais e registrais, elaborados pelos delegatários do Poder Público, possuem fé pública, autenticidade, certeza, idoneidade, confiabilidade, eficácia e segurança jurídica, sendo, portanto, VEDADO à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios recusarem fé pública aos documentos públicos, dentre os quais aqueles elaborados ou autenticados pelo notário ou registrador, conforme dispõe o artigo 19, inciso II, da Constituição Federal.

Nesse espeque, catequiza Walter Ceneviva 18 que “presume-se a boa-fé daquele que efetuar negócio jurídico ou promover registro com base em atos notariais e registrais praticados por delegados do Poder Público, dos quais cuida a lei.”

Na verdade, a fé pública é a garantia oficial que o próprio Estado assegura de que os fatos ou atos jurídicos afirmados na presença dos delegatários (oficial público) são verdadeiros, isto é, autênticos. E nem poderia ser diferente, considerando que os papéis referentes aos serviços dos notários e dos oficiais de registro são arquivados mediante utilização de processos que facilitem as buscas19, como um dos deveres do cargo.20

Daí porque não existe fé pública entre os particulares envolvidos no negócio, mas sim nas declarações recebidas diretamente pelo notário ou registrador (auctores fidei publicae) e lançadas no documento público para conservação e preservação do conteúdo ad eternum. Nisto é que reside essencialmente a fé pública, que existe como decorrência do dever do Estado conceder uma parcela da sua soberania política (potestas fidei publicae) aos notários e registradores para garantia da segurança jurídica e da paz social.

Demais disso, a fé do documento público ou particular só cessará quando for declarada a falsidade judicialmente (CPC, art. 427), notadamente se as telas do site da corregedoria demonstrarem que os selos e o sinal público atestam que os documentos cartorários são verdadeiros.

Quando qualquer documento expedido por serventia extrajudicial tiver questionada a sua idoneidade, essa dúvida deve ser suscitada primeiramente ao delegatário. Se a resposta não for convincente ou se o titular da serventia omitir-se quanto ao esclarecimento solicitado, entendo que o procedimento a ser adotado para o exame aprofundado da questão é a esfera judicial, onde o contraditório e a ampla defesa poderão ser amplamente exercitados, assim como a produção das provas em geral, em especial exibição de livros, oitiva das partes interessadas e de testemunhas, realização de perícias, etc. perante o Juiz de Direito titular ou substituto de vara judicial especializada na matéria de acordo com a lei de regência.

Portanto, não compete concessa maxima venia a outra esfera judiciária administrativa a prolação de decisão a respeito de possível contrafação do documento ou sobre o mérito da questão, porque a Lei n.º 8.935/94 estatui que “os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso” 21.

Por óbvio que essa responsabilidade é do notário ou registrador, porque exerce direitos e assume deveres, age em nome próprio e não manifesta a vontade do Estado, por não ser funcionário público. Ademais, o cartório ou serventia não possui personalidade jurídica, motivo pelo qual essa questão não pode ser aferida em procedimento administrativo disciplinar, mas significativamente em processo judicial de complexa e esmerada tramitação.

Obviamente que a prestação de tais serviços, embora de caráter privado22, deve ser fiscalizada pelos juízes23 aos quais mencionados delegatários se encontram subordinados, porque são exercidos por delegação pública, nos termos do art. 236. da Constituição Federal.

Isto não quer dizer, obviamente, que o juiz encarregado da fiscalização ou correição, bem como a própria Corregedoria-Geral da Justiça devam interferir sistematicamente na atuação dos registradores públicos e notários para retirar-lhes a independência jurídica dos seus afazeres e saberes prudenciais. Essa fiscalização deve ter um caráter de supervisão para garantir eficiência, probidade e o aperfeiçoamento dos serviços prestados pela serventia extrajudicial. Por conseguinte, somente deve resultar na instauração de sindicância ou mesmo de PAD após haver sido constatado, em processo judicial contraditório, que o delegatário agiu de forma ilícita no exercício de suas funções públicas.

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É que os delegatários necessitam de liberdade jurídica e prudencial para sua atuação profissional, considerando que “formalizam juridicamente a vontade das partes” (art. 6.º, Lei n.º 8.935/94). Por isso enfatiza o emérito professor Ricardo Dip24, com inteira razão, que “sem essa liberdade, correm risco de com ela morrerem a autonomia de vontades e a propriedade particular.”

Daí pode-se enfatizar categoricamente que os atos cartorários oficiais gozam de fé pública – nihil prius fide e comprovam por si mesmos os fatos transcritos – acta publica fidem faciunt. E mais acta publica probant se ipsa, nos termos do art. 405, do CPC e art. 215. do Código Civil, especialmente se deles constar apontamentos como selo oficial, sinal público e outros requisitos expedidos pelo titular ou preposto da serventia extrajudicial da delegação estatal, que podem ser conferidos no próprio site oficial da corregedoria, o que somente pode ser questionado por decisão judicial.

Assim sendo, não há como os notários e registradores abdicarem dessa garantia, considerando que, na ensinança de Tullio Formicola25, desde a criação dos colégios notariais de Aragon e Valência e em Portugal, no reinado de Dom Diniz, quando surgiu o Regimento ou Estatuto dos Tabeliães, já existia uma demasiada preocupação institucional e acadêmica voltada para o aperfeiçoamento da atividade notarial, circunstância que resultou, como temos dito alhures, na independência do notário, característica comum, na atualidade, nos países mais desenvolvidos e modernizados, membros da União Internacional do Notariado Latino.

Por essa razão, com todas as vênias, entendo que a atuação correcional deve ser no sentido do aperfeiçoamento dos serviços notariais e registrais prestados à sociedade. Mas para isso é indispensável que juízes e servidores dos órgãos correcionais participem constantemente de curso de aprimoramento do tema em questão e estejam efetivamente capacitados para a orientação dos delegatários, considerando a particularidade de que estes são profissionais altamente preparados, que desfrutam de assessoramento permanente de seus órgãos e associações de classe.

Deve ser levado em conta também que, atualmente, os delegatários são submetidos a rigoroso concurso para ingresso na carreira, com elevado grau de dificuldade e complexidade, circunstância que desafia equipe de fiscalização com formação compatível ou superior aos saberes e conhecimentos dos titulares das serventias extrajudiciais, e não preliminaristas que são designados para exercerem funções temporárias durante o biênio da gestão correcional.


6. DA ATUAL ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA DO ESTADO DO MARANHÃO. CÓDIGO DE NORMAS DA CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO MARANHÃO. ANTECEDENTES CONSTITUCIONAIS.

No Brasil, a primeira Constituição Federal que deu foros de cidadania jurídica aos serviços notariais e registrais, utilizando tais expressões e a nomenclatura “registros públicos” foi a de 1934.

Antes disso, no período colonial e imperial brasileiro, o direito notarial e registral não teve expressão alguma, pelo fato de os poucos cartórios existentes se concentrarem nas grandes cidades e, especialmente, pela circunstância de os registros cartorários, notadamente os das pessoas, à época estarem entregues à Igreja Católica.

Com efeito, embora as constituições de 1824 (política do império) e a de 1891 (primeira da república) não tenham feito menção à expressão “registro público”, garantiam a “inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, a liberdade, a segurança individual e a propriedade” (art. 179. – CI 1824), o que, de igual modo, foi preservado pela Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (art. 72, § 2.º - CF 1891).

Por expressa disposição constitucional, a atual Constituição Federal concedeu aos estados membros e ao distrito federal autorização para organizarem o funcionamento da justiça estadual, sua jurisdição e esfera de competência, estendendo tal competência em relação aos serviços prestados por serventias extrajudiciais.

A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), por sua vez, estabelece em seu art. 95. que “Os Estados organizarão a sua Justiça com observância do disposto na Constituição federal e na presente Lei.”

O assunto vem disciplinado, no Estado do Maranhão, pelo Provimento n.º 16, de 28 de abril de 2022 (arts. 251. a 858), que atualizou o Código de Normas da Corregedoria em vigor, o qual, em seu art. 1.º, caput, estabelece que:

Art. 1.° O Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça – CNCGJ-MA revisa e consolida as regras relativas ao foro judicial e dos serviços extrajudiciais constantes de provimentos, circulares e demais atos administrativos expedidos pela Corregedoria Geral da Justiça.”

Por outro lado, numa redação draconiana e intimidatória, o § 2.º, do art. 1.º, em paradoxo frontal com a parte final do art. 10, dispõe que:

§ 2.° - O descumprimento injustificado das disposições deste Código implicará procedimento administrativo disciplinar para aplicação da devida sanção.

Há de se verificar que nesse ponto houve um retrocesso permissa maxima venia em relação à redação do Provimento n.º 31/2020, que tratava do anterior Código de Normas da Corregedoria Geral da Justiça do Estado do Maranhão, o qual em seu art. 14, de maneira moderada e adequada à função correcional, recomendava o seguinte:

Art. 14. A função correcional deve procurar o aprimoramento da prestação jurisdicional , a celeridade nos serviços judiciais, nas secretarias judiciais, nas secretarias de diretorias de fórum e nas serventias extrajudiciais, o esclarecimento de situações de fato, a prevenção de irregularidades e a apuração de reclamações, denúncias e faltas disciplinares .”

Por sua vez, a redação atual do art. 1026 especificamente direcionado à função correcional da CGJ-MA, seguindo uma linha estritamente corretória, obtempera ipsis verbis:

Art. 10. A função correcional consiste na orientação, fiscalização e inspeção permanente em todas as unidades jurisdicionais, diretorias de fórum, serventias extrajudiciais , serviços auxiliares, polícia judiciária, estabelecimentos penais, sendo exercida pelo corregedor-geral da Justiça e pelos juízes corregedores, em todo o Estado do Maranhão, e pelos juízes de direito, nos limites de suas atribuições , tendo por objetivo a apuração e prevenção de irregularidades, o aprimoramento dos serviços cartorários e a eficiência na prestação jurisdicional.”

E a contradição está frequente em outros pontos do CNCGJ-MA. Convém destacar que o § 4.º, do art. 21. do mencionado código de normas aponta, de forma incoerente data venia, que “a reclamação contra serviços extrajudiciais deverá ser autuada como Pedido de Providências, no sistema de tramitação processual”, dando a entender que o caminho mais razoável não é o indicado no dispositivo transcrito no tópico anterior.

Realmente Pedido de Providências é uma coisa; Processo Administrativo Disciplinar, é outra coisa. Veja-se que o art. 43, incisos V e XI, do Regimento Interno do CNJ faz distinção entre ambos. Tais institutos possuem finalidade diversas e estão disciplinados nos arts. 73. e 98 respectivamente do referido diploma normativo.

Já dissemos aqui, linhas atrás, que a Lei n.º 8.935/94 garante aos delegatários o exercício da função cartorária com plena liberdade. Ora, essa liberdade não resulta de uma norma qualquer, mas da própria Constituição Federal que lhes assegura, em seu art. 236, o exercício da função notarial e registral, sob o signo da específica delegação do Poder Público, que é definida pela pesssoalidade, vale dizer, individualidade do delegado instituído, o qual identifica a pessoa física que obteve o lugar por aprovação em concurso público de provas e títulos. O alcance dessa peculiaridade prende-se à natureza da atividade, notadamente pela prestação dos serviços públicos essenciais do Estado.

Nessa perspectiva, insisto na questão da liberdade para o exercício da função notarial ou registral, a qual é fixada pela fé pública imanente à delegação pública estatal, cujo objetivo é orientar os negócios entre as partes para evitar conflitos na esfera judicial.

Nesse prisma, é salutar o prelecionamento27 abaixo transcrito:

Os notários ou tabeliães são operadores do direito, dotados de fé pública, a quem o Poder Público delega o exercício da atividade notarial, cujo núcleo duro da atividade reside em formalizar juridicamente a vontade das partes, intervindo nos negócios jurídicos e atos não patrimoniais (na terminologia do atual Código Civil, sempre e quando as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, solicitando a redação dos instrumentos (mesmo com a apresentação de prévia minuta) adequados, conservando os originais e expedindo as pertinentes cópias fidedignas de seu conteúdo, ademais da tarefa de autenticar fatos.”

Tais apurações são decorrentes de correições ordinárias ou extraordinárias, gerais ou parciais, bem como através de inspeções correcionais, na forma do art. 1128 do vigente Código de Normas da CGJ-MA. Daí porque podem também ter como fundamento o disposto nos arts. 26529 a 269 do referido diploma legal.

Para garantir a independência do delegatário, entendo que, em qualquer das situações acima apontadas, deve o mesmo ser previamente informado para apresentar justificativa dos atos praticados durante ou antes da realização das mencionadas correições. De outra parte, deverá ser sempre notificado após a realização das correições, caso haja necessidade de justificar atos praticados, assim como para elogiá-lo em sua metodologia de trabalho e pelas boas práticas obreiras.

Sabe-se que, recentemente, tem sido recorrente a realização de correições e inspeções correicionais decorrentes de enormes equívocos e até erros cometidos no passado por titulares de serventias extrajudiciais (não concursados) e seus prepostos. É comum a hipótese de celebração de casamento ou de negócio, cujo traslado, por exemplo, foi emitido sem o devido registro ou anotação/averbação nos livros cartorários, selos, sinal público, circunstância que vem gerando suscitação de dúvida inversa ao órgão correcional ou direta ao delegatário em exercício pela parte interessada que, muitas vezes, resultam na apuração do fato como se fosse de absoluta responsabilidade do atual titular da serventia extrajudicial.

Outra particularidade que tem sido frequentemente revelada é a notificação de delegatários e de interinos para explicarem a destinação de selos que foram supostamente utilizados antes de suas investiduras na serventia extrajudicial, mediante a ameaça de instauração de Processo Administrativo Disciplinar, acaso não consigam justificar os termos da notificação correcional, muitas vezes carregadas de desconfiança e preconceito contra o titular da serventia.

Merece especial destaque também a polêmica gerada em torno do limite à remuneração dos substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada, cuja interferência da presidência dos tribunais e das corregedorias estaduais proibia tais agentes auferirem remuneração equivalente às dos titulares.

Essa questão foi dirimida, como repercussão geral, pelo STF no julgamento do Mandado de Segurança n.º 808202/RS, Rel. Min. Dias Toffoli, cuja ementa do acórdão destacou:

MANDADO DE SEGURANÇA. NOTÁRIOS E REGISTRADORES. ATO DA PRESIDÊNCIA N.º 005/2013 QUE LIMITA A REMUNERAÇÃO DOS SUBSTITUTOS (INTERINOS) DESIGNADOS PARA O EXERCÍCIO DE FUNÇÃO DELEGADA. SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS. TETO REMUNERATÓRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. CONCESSÃO DA SEGURANÇA. Considerando que os interinos designados para o exercício de função delegada em serventias extrajudiciais exercem atividade de natureza privada, desempenhando as mesmas atribuições do titular, inviável aplicar a limitação remuneratória, prevista no inciso XI, do art. 37. da Constituição Federal, destinada aos agentes públicos e servidores estatais. Necessidade de concessão da segurança, assegurando garantia constitucional à parte impetrante.”

Tais hipóteses ultrapassam a finalidade correcional e demonstram não somente uma espécie de abuso de autoridade, mas sobretudo ausência de organização setorial quanto ao controle dos materiais disponibilizados à serventia questionada, a época em que os atos foram praticados e sob a gestão de quem foram utilizados e recebidos para poder-se pensar na possibilidade de responsabilizar e identificar os envolvidos, acaso seja necessário o aprofundamento da investigação.

Sabe-se que a atividade notarial e registral tem como base legislativa nacional a Lei dos Registros Públicos (Lei n.º 6.015/1973) e a Lei n.º 8.935/1994, ambas federais, que regulamentam a atividade como um todo. Em nível estadual, as serventias extrajudiciais seguem as disposições das Normas de Serviço e Provimentos das Corregedorias Gerais da Justiça (que não podem conflitar com a norma federal) para os detalhes da prática dos atos ou para matérias não previstas nas leis federais, neste último caso, desde que não conflitem com o ordenamento constitucional e as normas infraconstitucionais federais.

A ausência de regulamentação mais aprofundada em nível nacional das matérias aqui ventiladas faz com que surjam determinadas discrepâncias entre as Normas de Serviço e Provimentos da Corregedoria Geral da Justiça de cada estado e o normativo federal, além das lacunas existentes para diversos temas.

A lacuna ocorre quando não há qualquer norma regulamentando a prestação do serviço solicitado ou prática comportamental cartorária, ou quando a norma que existe não é suficiente para dirimir a dúvida ou não está em consonância com o próprio ordenamento vigente (lacuna axiológica), gerando o vazio incômodo no sistema.

Outro problema encontrado corriqueiramente, repita-se, é também a criação de regras nas Normas de Serviço ou de Provimentos das Corregedorias Estaduais que conflitem com legislações nacionais já existentes, gerando antinomias no ordenamento jurídico. A forma como cada corregedoria estadual regulamenta a prestação dos serviços acarreta graves entraves e problemas, posto que na elaboração da norma administrativa nunca é convidado algum delegatário ou mesmo a associação de classe para opinar ou participar da elaboração dessa legislação.

Assim, muitos atos normativos expedidos pelas corregedorias estaduais são elaborados ignorando que o CNJ, após a Emenda Constitucional n.º 45, exerce uma função correcional sobre a atividade notarial e registral, sendo o responsável por emitir diversas regulamentações para a referida atividade e atuar para coibir os abusos previstos nas normas estaduais, fato que também pode ser resolvido por decisão judicial.

Penso que, por conta dessas antinomias, no ano de 2016, foi apresentada salutar e relevante proposta de emenda constitucional no Congresso Nacional (PEC n.º 55/2016) que, dentre outras medidas concernentes à atividade notarial e registral, previu a inclusão de um representante de cada modelo de serventia notarial e de registro como membros permanentes do CNJ. A referida proposta teve como justificativa os argumentos abaixo reproduzidos:

A experiência tem demonstrado que os procedimentos envolvendo serventias notariais e de registro têm sido inúmeros, sendo que vários deles acabam desaguando, em sede recursal, no Supremo Tribunal Federal. Muitas vezes, as decisões do Conselho Nacional de Justiça poderiam ser mais bem deliberadas se o órgão contasse, em sua composição, com representantes dessa atividade. É que os comandos administrativos dos Tribunais de Justiça nem sempre são uniformes, no território nacional, gerando situações e decisões desiguais para situações idênticas. Ademais, certas instruções emanadas desse Conselho esbarram na realidade fática que poderia ser explanada, de modo mais adequado, por Conselheiros que fossem oriundos da atividade notarial e de registro. O acréscimo, proposto por esta emenda, tornará as decisões do Conselho Nacional de Justiça mais condizentes com as diferentes realidades verificadas em todo o país e contribuirá para diminuir o número de processos encaminhado ao Supremo Tribunal Federal.”

Diante de antinomias, o correto é a aplicação de soluções compatíveis com a irregularidade apontada ou com o ilícito verificado no caso concreto para não imputar dano a quem não deu causa à situação verificada. Essa é a ensinança de Vitor Frederico Kümpel30, in exthensis:

Quando duas normas conflitantes incidem sobre um mesmo caso, aplicando soluções incompatíveis, temos as famosas antinomias, simples ou de segundo grau (incompatibilidade entre os critérios de aplicação). Para a resolução de antinomias aparentes, utilizam-se critérios pautados na cronologia, na especialidade e na hierarquia de normas e, caso estes não resolvam o problema, estaremos diante de uma antinomia real, para a qual os artigos 4.º e 5.º da LINDB preveem o uso de analogias, costumes, bem como dos princípios gerais do direito, em vista dos fins sociais aos quais a norma se dirige à exigência do bem comum.”

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que o CNJ não atua apenas de forma subsidiária, tanto no que diz respeito a responsabilização administrativa, quanto no que tange a atuação administrativa da Justiça dos Estados ou da própria Justiça Federal. A atuação do CNJ pode ser tanto subsidiária ou principal, cabendo ao seu plenário resolver a questão no caso concreto.

Por essa razão, em caso de dúvida sobre qual norma administrativa (estadual ou do CNJ) deve ser aplicada na hipótese de antinomia, deve-se optar pelo cumprimento da norma que melhor disciplinar a situação aventada e evidenciar maior grau de exigência para evitar responsabilidade na esfera administrativa.

Numa visão hierárquica, o Conselho Nacional de Justiça torna-se o órgão responsável por sanar as divergências ou controvérsias normativas existentes a respeito de determinados casos, cuja solução ainda não seja unânime entre os Estados ou entre o Estado e a federação em matéria registral e notarial, haja vista a carência de legislação federal que discipline certos conflitos, dissídios e lacunas. Embora o CNJ possa atuar nessa regulamentação administrativa, entendo, no entanto, que não pode formular normas em âmbito nacional, sob pena de se imiscuir no ente delegante, que é o Poder Judiciário de cada Estado da federação.

De qualquer modo, não custa nada o notário ou registrador, em caso de dúvida quanto à norma administrativa que deve aplicar, formular consulta em nome próprio ou de sua representação classista ao CNJ ou ao órgão correcional local sobre qual legislação aplicar.

É bem verdade que, nos últimos tempos, têm surgido inúmeras obras escritas por profissionais do direito especializados em matéria notarial e registral, cuja temática e metodologia inovadoras foge ao sistema ortodoxo utilizado pelos pioneiros nesse estudo, os quais se limitavam a comentar apenas a Lei n.º 6.015/73, artigo por artigo, sem enfrentar as questões que a modernidade social e a dinâmica da vida suscitam a cada dia.

Apontar novos paradigmas e abordar os novos saberes que a atividade notarial e registral exige, atualmente, é algo indispensável e necessário, notadamente pela extrema complexidade dos temas enfrentados, inclusive ante a inexistência, na maioria das grades curriculares dos Cursos Universitários de Direito, de disciplina obrigatória ou facultativa, voltada para esse estudo, em nível de graduação.

Esse deficiente saber jurídico, inclusive por parte de profissionais do direito, de magistrados e de servidores dos órgãos correcionais, tem gerado não só o desconhecimento, mas enorme confusão quanto a operacionalidade dos serviços extrajudiciais, tanto dos Notários quanto dos Registradores, que muitas vezes são confundidos, embora exerçam funções com estruturação distintas.

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Sobre o autor
José Eulálio Figueiredo de Almeida

Professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Juiz de Direito Titular da 8.ª Vara Cível em São Luís. Membro da Academia Maranhense de Letras Jurídicas. Especialização em Processo Civil pela UFPE. Especialização em Ciências Criminais pelo UNICEUMA. Doutor em Direito e Ciências Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, José Eulálio Figueiredo. Legislação de organização judiciária do Maranhão aplicada aos serviços notariais e registrais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 29, n. 7615, 7 mai. 2024. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/98456. Acesso em: 22 dez. 2024.

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