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Gastos públicos com visita do Papa

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A menos de uma semana da chegada do Papa Bento XVI ao Brasil, quase tudo já está pronto para recebê-lo. O governo federal, paulista e a Prefeitura de São Paulo gastaram uma cifra altíssima – e não publicada – na preparação da infra-estrutura adequada para recepcioná-lo e permitir a Sua Santidade o desempenho de sua importante missão. Os respectivos entes não negam, pelo contrário, achocalham o investimento neste evento, sendo que o Governo do Estado de São Paulo, a fim de inteirar a sociedade da visita, montou um sítio virtual. É onde se encontra a declaração "Governo de São Paulo investe e apóia a Visita do Papa". Adiante se fará uma análise da legalidade destes gastos públicos.

A Constituição Federal de 1988 preceitua:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

A princípio, o Poder Público não poderia financiar a visita papalina, visto que é constitucionalmente vedado ao Estado subvencionar cultos religiosos. Contudo, o Papa, além de líder da Igreja Católica, é chefe do Estado do Vaticano: menor país do mundo - com apenas 0,44 quilômetros quadrados - e que mantém relações diplomáticas com mais de 170 países e 33 organismos internacionais, inclusive a ONU. E por princípios do Direito das Gentes, em especial a igualdade entre os Estados e a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade – objetivos da República – é razoável admitir que o Estado brasileiro realize gastos especiais com visitas de chefes de Estados, como ocorreu a pouco, por exemplo, em relação ao Presidente dos Estados Unidos da América.

Neste sentido se posicionam Célio Borja e Paulo Brossard, ex-Ministros do Supremo Tribunal Federal e ex-Ministros da Justiça, ao serem indagados a respeito dos gastos públicos com a visita do Papa. Borja afirma: "o Papa faz jus a essas facilidades em razão de sua condição. É um dever de cortesia institucional, um princípio de direito internacional". Por seu turno, Brossard diz: "não se trata apenas de chefe de religião, mas de um chefe de Estado. É preciso um pouco de bom senso".

Com a devida vênia dos respeitáveis jurisconsultos, esta tese não convence. Ao contrário do que sugere Paulo Brossard, é cogente um questionamento mais profundo a respeito da legalidade destes gastos, não sendo curial aboná-los invocando o "bom senso". Impende perceber os fatos e interpretar a norma constitucional livre das fortes amarras da crença religiosa.

Assim sendo, uma análise séria deve perquirir dois pontos simples: o status de Sua Santidade e a natureza jurídica do interesse papal. Parte - minoritária - dos estudiosos do Direito não enxerga no Papa um chefe de Estado, por entender que a legitimidade de um líder estatal decorre da soberania popular, e não de mandato divino. Quiçá por esta razão, o Vaticano, embora tenha assento na ONU, não carregue consigo poder de voto naquele nobre órgão. E em não sendo chefe de Estado, não gozaria de tratamento extraordinário no Brasil. Afora isso, e aqui reside o principal argumento, o Papa não visita o país na condição de chefe de Estado. Deste modo, ainda que seja um deles, Sua Santidade vem ao Brasil portando o status e a missão de professar a fé do Estado religioso que representa: e como o interesse público brasileiro não se compadece com este interesse religioso, sua condição de chefe de Estado é afastada. E nem cabe argumentar que o Brasil é um país de maioria católica, porquanto interesse público não se confunde com interesse da maioria.

Por ser o Estado brasileiro laico, defensor da liberdade religiosa e impedido constitucionalmente de subvencionar cultos religiosos, é ululante que não pode patrocinar a visita de uma autoridade internacional que vem ao país apregoar suas crenças.

De maneira semelhante pensa parte do Ministério Público paulista e o Juiz gaúcho Roberto Arriada Lorea, nacionalmente conhecido após a solicitação para retirar das Casas de Justiça os símbolos religiosos, como, por exemplo, os crucifixos. Ele dita: "o Papa não virá na condição de chefe de Estado e certamente não passará em revista às tropas quando desembarcar no Brasil". Mais adiante completa: "o Estado tem o dever de assegurar a liberdade religiosa, o que não se confunde com fomentar religiosidade ou com apoiar alguma igreja em particular".

Destarte, o Papa, mesmo que seja um deles, não visita o Brasil na condição de chefe de Estado, não sendo de estrito interesse público sua visita. Cabe ao abastado Estado do Vaticano prover todos os gastos decorrentes dos misteres papais, tocando ao Brasil, como bom anfitrião, receber a Sua Santidade com o devido respeito e honra. Limitar-se-á a isso. Há vedação constitucional expressa de tratamento mais benigno, em especial a proibição de subvencionar cultos religiosos. Administradores que desrespeitarem a norma devem ressarcir ao erário todos os gastos indevidos, além de sofrerem outras sanções previstas na lei. Espera-se o discernimento e ação precisa dos Ministérios Públicos, Tribunais de Conta e demais entidades competentes.

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Sobre o autor
Marcelo Valadares Lopes Rocha Maciel

bacharelando em Direito pela Faculdade Pitágoras, em Belo Horizonte (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MACIEL, Marcelo Valadares Lopes Rocha. Gastos públicos com visita do Papa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1407, 9 mai. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/9854. Acesso em: 5 nov. 2024.

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