Resumo: Esta pesquisa científica teve o objetivo de analisar a preservação da empresa sob o ponto de vista da Lei n. 11.101/2005, denominada Lei de Falência e de Recuperação de Empresas. De início, fez-se uma avaliação em torno da importância social da empresa, bem como das eventuais conseqüências negativas na hipótese de sua extinção. Foi realizado um estudo comparativo entre o mencionado diploma legal e a Lei de Falência e Concordata, no que tange à preservação da empresa. Finalmente, apurou-se como os mecanismos da falência e das recuperações judicial e extrajudicial poderão contribuir para que a unidade produtiva continue a cumprir a sua função social.
Palavras-chave: falência, recuperação de empresas, função social, interesse público.
INTRODUÇÃO
Desde 1945, estávamos sob a égide da Lei de Falência e Concordata, que disciplinava o processo de restauração ou de extinção da empresa que se encontrava em dificuldade para adimplir pontualmente os seus débitos sociais. Foi elaborada logo após o final da 2a. Guerra Mundial, quando o País ainda vivenciava os efeitos naturais daquele notável conflito bélico, num ambiente, portanto, de difícil avaliação das conseqüências sócio-econômicas que dele -adviriam
Em 2005, foi promulgada a Lei de Falência e de Recuperação de Empresas, que além de tratar das condições objetivas previstas no cerne do vetusto diploma legal, impõe, sobretudo, a obrigatoriedade de se pugnar pela restauração da unidade produtiva. Para tanto, ver-se-á no decorrer desta pesquisa científica que foram mobilizados mecanismos para se atingir tal desiderato.
A nova lei revela o nível de consciência do legislador sobre a importância que representa a empresa no contexto social, em face da preservação da mesma, da manutenção dos reflexos da exteriorização de sua função social, de estímulo às atividades econômicas, e de alavancagem dos princípios constitucionais da livre iniciativa e da livre concorrência.
1. REPRESENTATIVIDADE DA EMPRESA PERANTE A SOCIEDADE
A empresa é um organismo vivo, inserida num contexto social, que interfere e recebe influências desse ambiente.
É fonte geradora de empregos, de recolhimento de tributos e de ativação da economia. Desempenha papel preponderante no equilíbrio da balança de pagamentos do País. Nesse sentido, age por meio do incremento das exportações de bens e de serviços, mecanismos estes que contribuem para com a internalização de moedas estrangeiras, indispensáveis para se promover a amortização e liquidação de serviços e de dívidas externas.
Mesmo quando realiza operações de importação, a empresa também contribui para com a estabilização da balança de pagamentos do País, vez que tais inversões são engendradas com o objetivo de se adquirir insumos, tecnologia, máquinas e equipamentos, dentre outros, fundamentais para que se promova a modernização dos parques industriais, otimização da eficiência produtiva, e geração de bens e serviços para os consumos interno e externo. Logo, estando ela capacitada para atender as expectativas do consumidor interno, inibe-se a importação de bens e serviços assemelhados, ao mesmo tempo em que alavanca as exportações dos mesmos, para atender às necessidades do consumidor externo.
Vale acrescentar que a imagem e a conseqüente avaliação de risco que um país oferece, perante a comunidade financeira internacional, depende, em grande parte, do perfil de sua dívida externa e de suas reservas cambiais. Esses fatores são otimizados à medida que ocorre a promoção do ingresso de moedas externas, o que é realizado por meio das empresas públicas e privadas. Portanto, é possível dizer que país que tenha uma condição muito atraente a respeito de suas contas externas, certamente tem, internamente, empresas preparadas para os grandes desafios do comércio internacional.
Merece destaque, inclusive, a importância da geração de empregos no contexto social, pela ação do empreendedorismo do empresário. Nesse sentido, mister se faz destacar que a empresa desempenha um papel de relevância sócio-econômica na sociedade, pois além de ativar a economia como um todo, produzindo bens e serviços importantes para a consolidação do bem-estar das pessoas, gera postos de trabalho, como conseqüência natural, de forma a contribuir para com a satisfação das necessidades dos cidadãos. Assim, à medida que ocorre a satisfação dos anseios dessas pessoas, nesse nível, arrefecem-se as tensões sociais, visto que o homem passa a receber tratamento que enaltece a sua dignidade pessoal.
É justamente a expressão sócio-econômica de certas empresas que imprimindo-lhes verdadeiro caráter público ou de interesse público, justifica a continuação de suas atividades. Chega-se, por via desse raciocínio, ao cerne da moderna teoria da empresa, que reconhece suas responsabilidades e deveres perante a coletividade e como que a emancipa de seus proprietários, dissociando a empresa do empresário. (FRONTINI, 1974, p. 247)
Destarte, pode-se afirmar que a empresa é um bem social, antes mesmo de ser um bem que pertence ao empresário. Em linguagem inversa, o empresário tem cotas ou ações de uma empresa que pertence à sociedade. É por isso que a empresa tem uma função social para cumprir, norma esta positivada nos textos legais principalmente a partir da promulgação da Lei n. 6.404/76, conhecida como Lei das Sociedades por Ações. (ZANOTI; MENDES, 2005, p. 19)
Portanto, quando a empresa cumpre a sua função social, de forma a dignificar os seus empregados, consumidores, meio ambiente, Estado e comunidade existente no entorno (os chamados stakeholders), não o faz induzida por sentimentos filantrópicos ou de marketing, mas para cumprir preceitos legais. (ZANOTI, 2006, p. 130)
O princípio da função social da empresa reflete-se, por certo, no princípio da preservação da empresa, que dele é decorrente: tal princípio compreende a continuidade das atividades de produção de riquezas como um valor que deve ser protegido, sempre que possível, reconhecendo, em oposição, os efeitos deletérios da extinção das atividades empresariais que prejudica não só o empresário ou sociedade empresária, prejudica também todos os demais: trabalhadores, fornecedores, consumidores, parceiros negociais e o Estado. (MAMEDE, 2005, p. 417)
Por outro lado, quando a empresa extrapola os limites legais, e contempla os stakeholders com benefícios adicionais, ela deixa o plano da função social, e ingressa em seara de responsabilidade social corporativa. Assim, o que difere a função social, da responsabilidade social, é que o cumprimento daquela tem como limitador os preceitos legais, enquanto que esta se constitui num plus, em algo que espontaneamente a empresa devolve aos stakeholders, como forma de melhorar a qualidade de vida destes.
O raciocínio natural que se tem, a respeito da importância social das empresas para a comunidade, é que o Estado deve envidar todos os esforços para preservar a saúde financeira delas. Inegavelmente, elas contribuem fundamentalmente para que os cidadãos realizem suas melhores expectativas de vida, seja pela produção de um medicamento, seja pela colocação no mercado de bens e serviços que facilitam a vida das pessoas, seja pela geração de empregos que resultam em pagamentos de salários que dão acesso a esses confortos.
É possível dizer, portanto, que o desenvolvimento de uma sociedade moderna depende do fortalecimento de sua economia, sendo que sobre a empresa repousam as expectativas de manutenção deste ciclo, como elemento que realiza a produção e a circulação de riquezas e de rendas, no plano interno e externo.
2. CONTRASTE DA NOVA LEI DE FALÊNCIA E DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS, EM RELAÇÃO À ANTIGA LEI DE FALÊNCIA E CONCORDATA
A Lei n. 11.101, denominada de Lei de Falência e de Recuperação de Empresas, foi promulgada no dia 09 de fevereiro de 2005, e entrou em vigor cento e vinte dias após. Substituiu o Decreto-Lei n. 7.661/45, conhecido como Lei de Falência e Concordata, e atinge os empresários individuais e as sociedades empresárias1.
Ela tem em vista empresas-pacientes cujos fluxos de caixa apresentem resultados negativos, caracterizados por insuficiência de capital de giro, de maneira que não conseguem adimplir os seus compromissos financeiros pontualmente, ainda que possuam patrimônio considerável. É interessante frisar que essas anomalias de ordem econômico-financeira se instalam inclusive no âmbito de empresas lucrativas, mas que ostentam estruturas de dimensões tão grandiosas que as tornam incapazes de mantê-las.
Fundamentalmente, o atual diploma legal se distingue do anterior pelo fato de que, enquanto Lei de Falência e Concordata tinha por escopo o pagamento dos débitos sociais, a Lei de Falência e Recuperação tem o mesmo objetivo, porém privilegia a recuperação financeira das empresas. Está aqui configurada a importância que o Estado proporciona à preservação da empresa, justamente por considerá-la um bem social de inestimável importância.
O Art.47, da Lei n. 11.101/2005, traz em seu bojo a essência do novel diploma legal:
A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
É possível perceber que a defesa do princípio da preservação da instituição empresarial enaltece interesses sociais, definidos como garantia de que sejam mantidas as metas empresariais convergentes, que se caracterizam pelo affectio societatis. Desta forma, os empreendedores são incentivados a dar continuidade ao ciclo produtivo da empresa, com vistas à satisfação dos interesses econômicos e de consumo da comunidade.
Um outro ponto que diferencia os dois diplomas legais é o fato de que o Decreto-Lei n. 7.661/45 sobrecarregava a responsabilidade da empresa inadimplente, no que diz respeito à busca de alternativas econômicas para solucionar os seus conflitos financeiros. A nova lei, ao revés, estende essa responsabilidade também para os credores e para o Poder Judiciário, para que todos somem esforços para se promover a reestruturação financeira da empresa. Para atingir esse desiderato, que em síntese, pugna pela manutenção da fonte produtora e de seus recursos produtivos, o dispositivo legal estimula os credores para que estes se utilizem de todos os meios éticos que se fizerem necessários.
A Lei de Falência e Recuperação de Empresas se constitui na materialização do princípio de preservação da empresa, que por sua vez contém em seu bojo a valorização do trabalho humano e do princípio da livre iniciativa, previstos no Art. 170, da Constituição Federal.
3. BENEFÍCIOS CONCRETOS DA LEI DE FALÊNCIA E DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
O diploma legal em comento contempla um horizonte jurídico que vai muito além da simples re-pactuação dos débitos sociais – como previa a antiga Lei de Falência e Concordata --, e pugna pelo diagnóstico do perfil econômico-financeiro da empresa, pela solução das causas que ocasionaram a crise por ela vivenciada.
A rigor, os objetivos dessa lei estão voltados preferencialmente para a empresa, e não para o empresário, pois é a unidade econômica que interage no mercado, como partícipe de uma rede de relacionamentos diretos e indiretos, cuja eventual debilidade econômico-financeira, não-corrigida em tempo hábil, pode resultar na extinção da corporação, com conseqüências sociais negativas que chegam a ultrapassar os limites territoriais da cidade onde ela encontra-se estabelecida.
Com efeito, a efetiva liquidação somente deve alcançar as empresas absolutamente inviáveis, as quais não comportem qualquer tipo de reorganização eficaz. Mesmo assim, não cessa aí a busca por soluções que possam otimizar a realização de seus ativos, se possível com a venda integral e parcial para outros empresários que estejam interessados na viabilização da empresa extinta, ainda que sob outra denominação.
Vale acrescentar que a visão de falência da empresa, contida na nova lei, não implica propriamente na extinção definitiva desta, como previa a antiga lei, mormente diante das vantagens fiscais, previdenciárias e trabalhistas que a Lei de Falência e de Recuperação de Empresas proporciona aos que a adquirem nessas condições, como veremos em tópico seguinte.
3.1. Recuperação Extrajudicial
Na recuperação extrajudicial a empresa convoca os seus credores para assembléia extraordinária e fornece-lhes peças contábeis e financeiras que tenham o condão de revelar a sua condição de insolvência momentânea. Apresenta-lhes um plano de recuperação que tenha por objeto a restauração de sua capacidade econômico-financeira de continuar produzindo ou vendendo bens e serviços, que se aprovado é encaminhado ao Poder Judiciário. A este compete tão somente a tarefa de homologar os acordos que forem entabulados entre o devedor com parte ou a totalidade dos credores.
Se a sociedade devedora em crise procura seus credores (ou parte deles) e os consegue convencer de que a renegociação de suas obrigações é indispensável para a superação do estado crítico e, sem a quota de sacrifício deles (representada pela dilação do prazo de pagamento, novação, etc.), não terá como escapar da falência, o acordo de vontades é suficiente para realizar-se o desiderato. (COELHO, 2006, p. 343)
Tanto nessa fase, como na recuperação judicial, é imprescindível que toda e qualquer operação engendrada pelas partes interessadas respeite o princípio par conditio creditorum, que consiste no tratamento eqüitativo das pretensões creditícias legítimas, com o tratamento paritário de todos os credores. Desta forma, os credores de uma mesma categoria precisam ser contemplados com idêntica medida, por ocasião da amortização de seus créditos, de forma que não se conceda privilégios para uns, em detrimento de outros.
Com efeito, a decisão em torno da viabilidade técnica de recuperação da empresa precisa levar em consideração as peculiaridades de sua condição econômica, e contrastá-las com a relevância que essa mesma empresa representa para a comunidade local, regional e nacional. Assim, os operadores do direito devem levar em consideração se a empresa tem, efetivamente, potencial econômico que lhe dê suporte para os planos de sua reestruturação, sob pena de não o fazendo, impor um trabalho hercúleo e inócuo, que resultará na elevação dos custos do crédito bancário, como conseqüência do processo de socialização da recuperação organizacional.
3.2. Recuperação Judicial
A recuperação judicial é uma das alternativas de que dispõe a empresa para superar as razões que culminaram com a sua crise econômico-financeira. É coordenado pelo Poder Judiciário, como forma de preservar a unidade produtiva, a geração de empregos, os direitos dos credores, o incremento das atividades econômicas, o bem-estar da sociedade e a sua função social (Art. 161). Não é intenção do legislador burocratizar a recuperação empresarial, mas garantir que ela seja transparente, lícita e economicamente eficaz, sem prejuízo dos direitos sociais individuais que extrapolam a esfera dos interesses envolvidos. (FAZZIO JÚNIOR, 2005, p. 153-154)
A decisão judicial que concede a recuperação judicial constitui-se em título executivo judicial, e assume a condição de sentença homologatória da transação entre o devedor e o credor. (GUERRA e LITRENTO, 2005, p. 123)
Mais uma vez o legislador foi benevolente com a empresa devedora, se comparada com as exigências contidas na Lei de Falência e Concordata, vez que enquanto esta exigia a apresentação de certidão de inexistência de protesto (Art. 158, IV), a nova lei admite tão somente uma certidão que informe a existência de indicação de protestos efetuados (Art. 51, VIII).
A Lei de Falência e de Recuperação de Empresas proporcionou um tratamento singular às micros, pequenas2 e médias empresas, concedendo-lhes automática prorrogação de seus débitos quirografários, pelo prazo de até 36 meses, em parcelas iguais e sucessivas, com carência de 180 dias, incidindo sobre elas juros de 12% ao ano, mais correção monetária (Art. 71). Esse tratamento diferenciado se constitui num dos princípios constitucionais da ordem econômica, que está fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, e que tem por fim assegurar existência digna a todos, conforme os ditames da justiça social (Art. 170, inciso IX e Art. 179).
3.3. Falência
Falência é a constatação jurídica de inviabilidade da empresa que enfrenta dificuldades profundas e permanentes de fluxo de caixa.
A nova Lei de Falência e de Recuperação de Empresas criou a figura dos créditos extraconcursais, que se constituem naqueles proporcionados à unidade produtiva no momento mais agudo de sua instabilidade econômico-financeira. O legislador reservou uma condição de destaque para os credores que, mesmo diante de um quadro sombrio, continuaram fornecendo bens e serviços à empresa debilitada, de forma a contribuir para com a restauração desta.
Os credores extraconcursais recebem os seus créditos em primeiro lugar, antes mesmo dos portadores de créditos trabalhistas, bem como daqueles que são decorrentes de acidentes do trabalho (Art. 84). Esta figura [...] inexistia na lei anterior, sem embargo de criação pretoriana que permitia o reembolso imediato das despesas necessárias à administração da massa falida. (BEZERRA FILHO, 2005, p. 211)
Uma outra novidade da nova Lei de Falência e de Recuperação de Empresas é que os pedidos de decretação de quebra somente serão admitidos se tiverem valor igual ou superior a 40 salários mínimos, ao contrário da antiga Lei de Falência e Concordata, que permitia o processamento de pretensões de qualquer valor. Trata-se, portanto, de mais uma ação concreta do legislador com vistas à preservação da empresa, da sua função social desta, e de estímulo à concorrência e à atividade econômica
Contudo, o maior avanço no campo da preservação da empresa está contido no Art. 141, inciso II, que prevê a eliminação de todo e qualquer risco de sucessão tributária, previdenciária e trabalhista, para o empresário ou grupo corporativo que adquirir o fundo de comércio ou o estabelecimento comercial da empresa falida, ainda que em partes3. Ou seja, há possibilidade de que, a empresa falida ou até mesmo aquela que está em fase de recuperação judicial, sofra alienação somente de seus ativos saudáveis, mantendo-se a chamada ‘parte podre’ com a massa.
CONCLUSÃO
Um empreendimento econômico em crise, assolado por dificuldades decorrentes de insuficiência de meios de pagamentos, causa transtornos inestimáveis para a sociedade. O eventual desaparecimento dele traz, como conseqüências inevitáveis, dependendo do raio de sua atuação, o fechamento de postos de trabalho, o desaquecimento da economia, a redução das exportações, a queda dos níveis de concorrência e dos recolhimentos de tributos, a maior dificuldade de se administrar a mola inflacionária do País, e o incremento do caos social em virtude da somatização de todos esses fatores.
Logo, partindo do fato de que o Direito positivado impõe que toda empresa tem uma função social a cumprir, depreende-se, sob a óptica lógica-jurídica, que a organização empresarial é um ente de significativa importância para a sociedade, de maneira que a eventual extinção da unidade produtiva resulta, inevitavelmente, em conseqüências negativas para o conjunto social, aí incluídos o Estado, a comunidade como um todo e, inclusive, os próprios credores.
Nesse espectro, a Lei de Falência e de Recuperação de Empresas convoca os dirigentes da empresa inadimplente, os credores, o Poder Judiciário, dentre outros, para encontrarem meios legais e exeqüíveis para restaurar a condição econômico-financeira da corporação em dificuldades. Isso se deve ao fato de que a nova lei se constitui num instrumento de recuperação da atividade empresarial, ao contrário da lei anterior que primava pela liquidação da corporação.
O novo diploma legal cria condições concretas para a reestruturação da empresa, ao estabelecer que os créditos extraconcursais têm privilégio sobre os de qualquer outra classe, inclusive sobre os de natureza trabalhista. Além disso, não mais se exige a comprovação de inexistência de protestos, para que o Poder Judiciário possa deferir a recuperação judicial.
Digno de nota é o tratamento privilegiado concedido às micro, pequenas e médias empresas, por ocasião da recuperação judicial das mesmas, pois passam a desfrutar do direito de alongar o perfil de seus débitos em até 36 meses, com carência de 180 dias, a um custo financeiro de 12% ao ano, mais correção monetária.
A nova Lei de Falência e de Recuperação de Empresas impôs o valor mínimo de 40 salários mínimos para o deferimento de pedidos de falência, prova inequívoca de que ela traz em seu bojo compromissos com a tese de que toda empresa é um bem social, e que por isso precisa ser preservada.
Além do mais, o adquirente de empresa falida ou em fase de recuperação judicial está, agora, liberado da responsabilidade sucessória, no que tange aos débitos tributários, previdenciários e trabalhistas, bem como os decorrentes de acidentes do trabalho. É possível afirmar que esta é, dentre todas as demais, a maior prova proporcionada pelo legislador de que foram quebrados até mesmo conceitos dogmáticos para se alimentar a perspectiva de se preservar a vida de empresas que enfrentam dificuldades econômico-financeiras.
Com efeito, a nova lei passa a exigir maiores conhecimentos científicos -- nas áreas de administração, economia e de ciências contábeis -- de advogados, juízes e representantes do Ministério Público, para que na condição de operadores do direito, possam conduzir, com eficácia, os processos de falência e de recuperação das empresas, sob a óptica de um diploma legal que está sensível para com a importância da empresa no contexto social, e dos conseqüentes reflexos negativos para a comunidade na hipótese de ela encerrar as suas atividades. Estão aí evidenciados, portanto, os princípios da função social e o da preservação da empresa, fundados na valorização do trabalho humano, na livre concorrência e na livre iniciativa, e que tem por fim assegurar existência digna a todos, de conformidade com os ditames da justiça social.
REFERÊNCIAS
BEZERRA FILHO, Manoel Justino. Nova Lei de Recuperação e Falências Comentada. 3. ed. da obra Lei de Falências Comentada. São Paulo: RT, 2005.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. vol. 3, 5. ed., São Paulo: Saraiva, 2006.
FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Nova Lei de Falência e Recuperação de Empresas. 2. ed. revista e ampliada, São Paulo: Atlas, 2005.
FRONTINI, Paulo Salvador. O caso da falência da Sanderson e as tendências atuais do Direito Falimentar. RDM 15/247. São Paulo: RT, 1974.
GUERRA, Érica e LITRENTO, Maria Cristina Frascari (Org.). Nova Lei de Falências. Campinas: LZN, 2005.
MAMEDE, Gladston. Manual de Direito Empresarial. São Paulo: Atlas, 2005.
ZANOTI, Luiz Antonio Ramalho. A função social da empresa como forma de valorização da dignidade da pessoa humana. Dissertação de mestrado em Direito, apresentada à Banca examinadora da Unimar – Universidade de Marília, em 2006.
ZANOTI, Luiz Antonio Ramalho; MENDES, Marcelo Dorácio. Responsabilidade dos sócios das sociedades limitadas. In: Hórus – Revista de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas, da Faculdade Estácio de Sá, de Ourinhos (SSN 1679-9267), ano 3, nov/2005, p. 19.
Notas
1 Exclui, portanto, as sociedades simples. Estão excluídas, também, as empresas públicas, as sociedades de economia mista, as instituições financeiras, as cooperativas de crédito, os consórcios, as entidades de previdência complementar, as sociedades operadoras de planos de assistência à saúde, as seguradoras e sociedades de capitalização, além de outras equiparadas.
2 O conceito legal de micro e pequenas está contido na Lei n. 9.841, de 05/10/99 (Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.
3 Essa benesse legal somente foi possível com a alteração do Art. 133, do Código Tributário Nacional, pela Lei Complementar n. 118, de 09/02/2005.