O PROTOCOLO DE MINSK
O Protocolo de Minsk. Em decorrência dos acontecimentos de 2014, quando os russos tomaram a Crimeia, foi assinado o Protocolo ou o Acordo de Minsk, que é um Acordo Internacional firmado em 05/09/2014, por representantes da Ucrânia, da Rússia, da República Popular de Donetsk (DNR), e da República Popular de Lugansk (LNR), para pôr fim à Guerra no Leste da Ucrânia. O Acordo foi assinado depois de prolongadas conversações em Minsk, a capital de Belarus, (Bielorrússia), sob o patrocínio da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE). O referido Acordo, que seguiu às várias tentativas anteriores, no sentido de interromper os combates em Donbass, onde se localizamos territórios de Donetsk e Lugansk, no Leste da Ucrânia, implementou-se um cessar-fogo imediato. O texto do Protocolo de Minsk, de 05/09/214, consiste em 12 (doze) pontos, a saber:
1) Assegurar o cessar-fogo imediato por ambos os lados em conflito; 2) Garantir a supervisão e verificação do cessar-fogo pela OSCE; 3) Descentralizar o poder, inclusivamente através da aprovação de uma lei ucraniana sobre a descentralização do poder, nomeadamente através de uma lei sobre o "regime provisório de governação local em certas zonas dos Oblasts (regiões) de Donestsk e Lugansk ” ("Lei sobre o estatuto especial"); 4) Assegurar a monitorização permanente da fronteira Russo-Ucraniana e a sua verificação pela OSCE, através da criação de zonas de segurança nas regiões fronteiriças entre a Ucrânia e a Federação Russa; 5) A libertação imediata de todos os reféns e de todas as pessoas detidas ilegalmente; 6) Uma lei prevenindo o julgamento e a punição de pessoas implicadas nos eventos que ocorreram nalgumas áreas dos Oblasts de Donetsk e de Lugansk, excetuando em casos de crimes que sejam considerados graves; 7) A continuação de um diálogo nacional inclusivo; 8) A tomada de medidas para melhorar a situação humanitária na região de Donbass , no Leste da Ucrânia; 9) Garantir a realização antecipada de eleições locais, em conformidade com a lei ucraniana (acordada neste protocolo) acerca do "regime provisório de governação local em certas zonas dos Oblasts de Donetsk e de Lugansk" ("Lei sobre o estatuto especial"); 10) Retirada dos grupos armados ilegais, equipamento militar, assim como dos combatentes e dos mercenários pró-governamentais; 11) Aprovação do programa de recuperação económica e de reconstrução da região de Donbass, no Leste da Ucrânia;12) Garantir a segurança pessoal dos participantes nas negociações.
O Acordo de Minsk, formulado pela Ucrânia, Rússia e a OSCE, foi criado em junho de 2014, tendo em vista a facilitação do diálogo e a resolução das disputas terrestres no Leste e no Sul da Ucrânia, e envolveram também representantes da das Repúblicas Populares Separatistas de Donetsk e de Lugansk, confederadas na Federação Russa, e consolidado em 05/09/2014. No entanto, o Acordo fracassou no seu objetivo de cessar grande parte dos combates na Ucrânia Oriental, estimando-se, a morte de 14.000 pessoas, de ambos os lados, gerando os seus efeitos em tempos posteriores, e se evidenciando em 2021/2022, entre os protagonistas, Rússia, Ucrânia e a Comunidade Internacional, notadamente, com a manifestação dos EUA e da União Europeia.
7 O CONFLITO RÚSSIA E UCRÂNIA.
A tensão entre a Rússia e a Ucrânia, que se estende desde 2014, quando os russos tomaram a Crimeia, vem ganhando força com a repentina concentração militar russa, nas proximidades da fronteira com o país vizinho. Conforme os EUA, o número de tropas russas na fronteira com a Ucrânia está em seu nível mais alto, desde 2014. No dia 13/02/2021, o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, expressou sua preocupação e pediu para que o russo Vladimir Putin reduzisse as tensões na região.
O Sociólogo e Cientista Político da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Prof. Gustavo Lacerda[6] , sustenta que a Rússia quer, de fato, “é retomar a Ucrânia, para o país voltar a ser a 'grande Rússia', ideia imperialista, que vem desde o Século XIX. Eles acreditam que o Ocidente é decadente e que os grandes ideais da humanidade se concentram no Oriente".
O conflito pode aumentar ainda mais, caso a Rússia venha tomar Donbas, à Leste da Ucrânia, onde se localizam os russos étnicos separatistas, que se identificam mais com a Rússia, da mesma forma, como ocorreu com a Crimeia. Outro possível desdobramento, seria a Rússia ser barrada pelo guarda-chuva nuclear da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), da qual fazem parte os Estados Unidos e outros 29 países, muitos deles, membros da União Europeia.
Localização: Extremo Leste da Ucrânia: Região de Donbass, que compreende Luhansk e Donestst: Credito Imagem: Google Map[7] .
O interesse da Rússia na Ucrânia, se deve a uma série de elementos. O país domina o Mar Negro, região estratégica do ponto de vista político-geográfico, e tem a Base Naval de Sebastopol, localizada na Crimeia, a única capaz de acolher e dar logística à completa Frota de Navios da Rússia, no Mar Negro. Em diversos momentos da história, um conflito localizado resulta em consequência e envolvimento de Nações pelo mundo, como foi o caso da I Guerra Mundial, que começou com uma disputa pelos Bálcãs, região da Europa, e evoluiu para uma guerra devido ao Sistema de Alianças entre os envolvidos. Para o Professor Lacerda, da UFPR, no caso específico de um conflito entre a Rússia e os Estados Unidos, o risco de uma guerra entre as duas potencias, é baixo.
Para compreender a tensão entre russos e ucranianos, é preciso recapitular a história recente, e entender as motivações da Rússia ao invadir a Crimeia, Península, situada ao Sul da região ucraniana de Kherson, e a Oeste da região russa de Kuban, que havia sido concedida à Ucrânia em 1954. As divergências entre a Rússia e a União Europeia (UE), aliada dos Estados Unidos e do Ocidente, de forma geral, se estendem desde o final da Guerra Fria, em 1991, quando a União Soviética, que englobava tanto a Rússia quanto a Ucrânia, se colapsou.
Em 2013, o então Presidente da Ucrânia, Viktor Yushchenko, manifestou interesse em assinar um Acordo de Livre Comércio, com a União Europeia - UE, mas, pressionado por Vladmir Putin, Presidente da Rússia, que tem grande interesse em continuar exercendo poder sobre a Ucrânia, nada foi assinado. Naquela altura, a Ucrânia, já se encontrava dividida entre a população de Kiev, a capital do país, que almejava não mais estar sob influência da Rússia, e os russos étnicos separatistas, de Donbas, região no extremo Leste do país, que faz fronteira com a Rússia.
Teve início uma onda de protestos que levou à queda de Viktor Yushchenko, que se identificava com o Kremlin, e aproveitando o vácuo de poder, em 2014, Vladimir Putin, tomou a Crimeia. Em 20/05/2019, foi eleito o Presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, e já no seu discurso inaugural, afirmou que sua primeira tarefa seria acabar com o Conflito no Leste do país, e prometeu “proteger a soberania e a independência da Ucrânia”. O Presidente Volodymyr Zelensky, afirma a intenção da possível entrada da Ucrânia na OTAN. Acrescentou o Presidente Volodymyr Zelensky, que o diálogo com a Rússia, só poderá ocorrer após a devolução do território ucraniano ocupado e o retorno de prisioneiros de guerra, e prometeu pressionar o Presidente russo, Vladimir Putin, a acabar com a ocupação russa do território ucraniano, na região de Donbas.
Diga-se que, com o fim da II Guerra Mundial, foi assinada em 26 de junho de 1945, nos EUA, a Carta que cria a Organização das Nações Unidas (ONU), tendo como pontos principais a instituição da Assembleia Geral, constituída por todos os países membros e, do Conselho de Segurança (CS), e como integrantes deste Conselho, os Estados Unidos da América, a China, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas – URSS (atual Federação Russa), o Reino Unido (Grã-Bretanha), e a França. Embora os EUA e a URSS, estivessem liderando, respectivamente, a reconstrução da Europa Ocidental e a Europa Oriental, é fato que, estas duas Superpotências iniciaram, a partir do fim da II Guerra Mundial, um período de disputa político-econômica, militar e ideológica, entre o capitalismo e o socialismo, e a corrida armamentista, que ficou conhecida como Guerra Fria (1948-1991).
7.1 A ORGANIZAÇÃO DO ATLÂNTICO NORTE (OTAN)[8] .
Com o surgimento da Guerra Fria, surgiu também as Zonas de Influências no mundo das Superpotências, notadamente, no Leste e no Oeste do Continente Europeu. A North Atlantic Treaty Organization - NATO ou Organização do Tratado do Atlântico Norte, OTAN, por vezes chamada Aliança Atlântica, é uma Aliança Militar Intergovernamental, baseada no Tratado do Atlântico Norte, que foi assinado em 04/04/1949. O Quartel-General da OTAN, está localizado na cidade de Bruxelas, na Bélgica, e esta Organização, se constitui num Sistema de Defesa Coletiva, na qual, os seus Estados-membros concordam com a defesa mútua, em resposta a um ataque por qualquer entidade externa. São os 12 (doze) membros da OTAN, EUA, Canadá, Reino Unido, França, Itália, Portugal, Dinamarca, Noruega, Holanda, Bélgica, Islândia e Luxemburgo. Contudo a Aliança foi se expandindo, e hoje conta com 30 membros, inclusive com a Turquia, para o Oeste Europeu.
7.2 O PACTO DE VARSÓVIA[9] .
O Pacto de Varsóvia ou Tratado de Varsóvia foi uma Aliança Militar formada em 14/05/1955 pelos Países Socialistas do Leste Europeu e pela União Soviética, Países estes, que também ficaram conhecidos como Bloco Socialista. O Tratado foi firmado na cidade de Varsóvia, capital da Polônia, e estabeleceu o alinhamento dos Países-membros com Moscou, com um compromisso de ajuda mútua em caso de agressões militares. O Organismo Militar, foi instituído em contraponto à OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), Organização Internacional que uniu as Nações capitalistas da Europa Ocidental e os Estados Unidos, para a prevenção e defesa dos Países Membros, contra eventuais ataques vindos do Leste Europeu. Os Países que fizeram parte do Pacto de Varsóvia, nos quais, foram instituídos Governos Socialistas pela extinta URSS, após a II Guerra Mundial, eram a União Soviética – URSS, com as suas 15 (quinze) Repúblicas integrantes, inclusive a Ucrânia, mais, a Alemanha Oriental, Bulgária, Hungria, Polônia, Tchecoslováquia, Romênia e Albânia, totalizando 22 (vinte e dois) Países Socialistas, sendo que a estrutura militar, seguia as Diretrizes Soviéticas. As estruturas militares da Aliança Militar do Pacto de Varsóvia, deixaram de existir no dia 31/03/1991. A dissolução foi decretada numa Conferência dos Ministros do Exterior e da Defesa, dos Países-membros, realizada em fins de fevereiro daquele ano em Budapeste, na Hungria. Com a extinção da URSS, dentro do contexto da Guerra Fria, hoje, inexiste o Pacto de Varsóvia, para os fins que se propunha, para o Leste Europeu.
7.3 RÚSSIA E EUA: POTÊNCIAS NUCLEARES
Durante a Guerra Fria (1948-1991), existiam aproximadamente 70 mil armas nucleares no mundo. Atualmente, a estimativa é de 17 mil[10] , sendo que a maior parte, 90%, pertencente à Rússia e aos Estados Unidos da América, e, em menor escala, entre outros países tais como, a França, Inglaterra, Grã-Bretanha, China, Paquistão, Coreia do Norte, Índia, Grã-Bretanha, e Israel, esse último que não afirma e nem desmente possuir.
Assim, de acordo com estimativas de 2012, obtidas pela Federation of American Scientists Word Nuclear Forces ou Federação de Cientistas Norte Americanos, existe aproximadamente 17.000 ogivas nucleares no mundo, sendo que cerca de 4.300 delas são consideradas “operacionais”, ou seja, estão prontas para uso, conforme QUADRO abaixo:
DOS PAÍSES QUE POSSUEM ARSENAL NUCLEAR Total estimado do Arsenal Nuclear no Mundo: 16.410 Ogivas Estimadas. |
|||
País |
Ogivas ativas |
Ano do 1º teste |
CTBT* |
Países que assinaram o TNP |
|||
Estados Unidos |
7.315 |
1945 |
Signatário |
Rússia |
8.000 |
1949 |
Ratificado |
Reino Unido |
225 |
1952 |
Ratificado |
França |
300 |
1960 |
Ratificado |
China |
250 |
1964 |
Signatário |
Países que não assinaram o TNP** |
|||
Índia |
110 |
1974 |
Não signatário |
Paquistão |
120 |
1998 |
Não signatário |
Coreia do Norte |
10 |
2006 |
Não signatário |
Países com Armamentos Nucleares não declarados |
|||
Israel |
80 |
Desconhecido |
Signatário |
*CTBT - Comprehensive Nuclear Test Ban Treaty - Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares:1996.
**TNP - Tratado de Não Proliferação Nuclear, de 1967.
Fonte: Federation of American Scientists Word Nuclear Forces[11] .
Assim, conforme dispõe o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), os países que realizaram testes da bomba atômica antes de 1° de janeiro de 1967, têm o direito de possuírem esse tipo de armamento. Nesta condição encontram-se os EUA, a Rússia, herdeira do acervo nuclear da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, a China, o Reino Unido e a França. Os demais países que são signatários do TNP, como é caso Brasil, podem apenas realizar o enriquecimento de urânio, somente para fins pacíficos, vale dizer, geração de energia, e para tanto, são inspecionados pela Agência Internacional de Energia Atômica - AIEA.
Vale recordar que em dezembro de 1961, o Presidente Fidel Castro anuncia a adesão de Cuba ao marxismo-leninismo e ao socialismo soviético. Em 1962, os EUA, decretam o bloqueio econômico e político a Cuba, condição esta, que permanece até hoje, e expulsa da Organização dos Estados Americanos, OEA. No ano de 1962, com a descoberta dos planos de instalação de mísseis soviéticos em Cuba, próximo ao Estado da Flórida, os EUA, criam um impasse, que poderia ter conduzido a uma Guerra Nuclear, ao impor o bloqueio naval a Cuba.
Embora já existente a Carta da ONU, de 1945, na oportunidade, paradoxalmente, não se discutiu sobre a soberania de Cuba, e sua decisão de permitir a instalação dos mísseis soviéticos no seu território, os quais, poderiam ser apontados para Washington, mas, sim, prevaleceu os interesses dos EUA, como forma de proteção ao seu território e ao Ocidente. A então URSS, recua nos seus planos de instalação e retira os mísseis da região.
Diga-se, que a possível entrada da Ucrânia, na OTAM, com a eventual permissibilidade de instalação de armas ou mísseis ou misseis nucleares, no território ucraniano, possivelmente, apontados para Moscou, por similitude, se aproxima a Crise dos Mísseis Soviéticos em Cuba, de 1962, que, por iguais propósitos geopolíticos dos EUA, na época, a Rússia, quer, agora, inexoravelmente, a proteção do seu território, e de igual forma, a proteção ao Oriente.
Nesta perspectiva, além do problema relativo aos reconhecimento pelo Kremlin, dos russos étnicos separatistas da região de Donbas, que compreende os territórios de Luhansk e Donestst, região esta, localizada no extremo Leste da Ucrânia, que faz fronteira com a Rússia; e, a possível entrada da Ucrânia na OTAN, que assemelha-se em muito, à Crises dos Mísseis em Cuba, em 1962; a Rússia, entende que o ingresso da Ucrânia na OTAN, gera uma instabilidade na região e não contribui para a paz mundial, motivo pelo qual, se opõe ao pleito ucraniano.
7.4 O CONSELHO DE SEGURANÇA (CS) DA ONU
Registre-se que, numa sinopse e na marcha dos acontecimentos, a Guerra do Iraque, em 2003-2011, teve como principal motivo oferecido pelo ex-Presidente norte-americano, George W. Bush, e pelo ex-Primeiro-Ministro britânico, Tony Blair e os seus apoiantes, o de que, o Iraque, estava desenvolvendo armas de destruição em massa e de que, existia uma ligação entre Saddam Hussein, Presidente do Iraque, e a Al-Qaeda, Organização Fundamentalista Islâmica Internacional, que protagonizou os ataques aos EUA, em 11 de setembro de 2001. Apesar disso, tempos depois da Guerra, confirmou-se que não foram encontradas provas de nenhuma ligação substâncial à Al-Qaeda, e muito menos, as armas de detruição em massa, que se argumentava e que, supostamente, ameaçavam a segurança e paz mundial.
Isto porque[12] , a declaração de guerra unilateral e a invasão militar de um país em outro, somente poderá ocorrer, se todos os meios diplomáticos tiverem se esgotados e, ainda assim, com a autorização do Conselho de Segurança (CS) da ONU. Diga-se que, na época, os EUA pressionaram a ONU, para a utilização da Força Militar, a fim de desarmar o Iraque, mas, enfrentou resistência de países membros do CS, sobretudo, da França, e da Rússia, que não concordavam com a intervenção.
Não obstante, EUA e Reino Unido decidiram pela operação militar, e invadiram o Iraque em 20/03/2003 e lá permaneceram até 18/11/2011, violando a soberania iraquiana, sem o respaldo do Conselho de Segurança da ONU, o que deixou perplexa toda a Comunidade Internacional, restando dúvidas, quanto a real autoridade do Conselho de Segurança e da Organização das Nações Unidas! Depreende-se, houve violação das regras do Direito Internacional, por parte dos EUA e Reino Unido, porém, paradoxalmente, nenhuma sanção foi imposta aos EUA e ao Reino Unido pela Comunidade internacional.
Neste sentido, o diplomata Sérgio Vieira de Mello (1948-2003)[13] , então, membro do Alto Comissariado da ONU, publicou um Artigo “Apenas os Estados Membros podem fazer a ONU funcionar”, constante do livro “Sérgio Vieira de Mello - Pensamento e Memória”, Edusp, São Paulo. 2004 p. 225-228, coordenado por Jacques Marcovitch[14] . O citado Artigo, foi publicado originalmente, pelo “The Wall Street Journal”, em 21/04/2003, Dow Jones & Company Inc. original em inglês, tradução de Celso Mauro Paciornik.
Em maio de 2003, o brasileiro Sérgio Vieira de Mello, na época, destacado membro do United Nations High Commissioner for Refugees - UNHCR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados - ACNUR, fora indicado pelo Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, como seu representante especial, durante quatro meses no Iraque. Consta da história, que milícias de Saddan Hussein, líder do Iraque à época, em represália à intervenção militar sem a autorização da ONU, liderada pelos EUA e Reino Unido, promoveram um atentado terrorista contra o edifício do Hotel Canal, da ONU, em Bagdá, em 19/08/2003, onde morreu Sérgio Vieira de Mello, junto com mais 21 pessoas, a maioria integrantes do ACNUR, e ferindo mais de 100 pessoas. Em abril de 2004, Abu Musab al-Zarqawi, líder da Organização Terrorista Jama’a tal-Tawhid wal-Jihad, assumiu a responsabilidade pela explosão de 19 de agosto de 2003. Vide trecho do aludido Artigo:
A preponderância militar dos EUA e Grã-Bretanha não nos devem levar a pensar que a estabilidade internacional possa ser assegurada pela força. Para o Sistema Internacional buscar-se em algo que não seja o poder, os Estados terão de assegurar a instituição que construíram: a ONU. Essa instituição está enfrentando uma grande crise. Precisamos encontrar caminhos para resolvê-lo ou enfrentar consequências desconcertantes.
Os debates sobre o Iraque - antes da guerra e, agora, depois - mostraram as potências mundiais incapazes de falarem entre si em uma linguagem comum. Já se viu isso mais dramaticamente em instituições globais. Desde o surgimento da ONU, o Conselho de Segurança tem sido responsável pela Segurança, e a Comissão de Direitos Humanos procurou proteger os direitos humanos. Mas, no caso do Iraque, o Conselho foi e, aparentemente, é ainda, incapaz de chegar a um acordo sobre segurança e o papel da ONU. Da mesma maneira, a Comissão de Direitos Humanos, ao aproximar-se o fim de sua sessão anual de seis semanas, está se mostrando quase incapaz de discutir os direitos humanos.
Precisa ficar evidente que chegou a hora de todos os Estados redefinirem a segurança global para colocar os direitos humanos no centro do conceito. Ao fazê-lo, todas as Nações devem exercer sua responsabilidade de maneira proporcional à sua força. Somente então os Estados responsáveis, e não os meramente fortes, serão capazes de trazer uma estabilidade duradoura para nosso mundo.
(...)
Assim, hoje, por um lado, os EUA, os Membros da União Europeia - EU e ou, Membros da OTAN, se alinham aos interesses da Ucrânia, por entender que a Rússia viola a soberania do território da Ucrânia e o Direito Internacional, ao estacionar tropas e equipamentos militares nas fronteiras Ucrânia, e sugere sanções econômicas, e possivelmente, retaliações militares.
Por outro lado, Belarus e China, já manifestaram simpáticos à causa da Rússia. Assim, eventual conflito entre Rússia e os EUA, bem como, a Rússia e os Membros da UE ou da OTAN, parece ser pouco provável, e esta possibilidade somente com o armamento convencional, pois, ninguém se arriscaria a apertar o botão, para o lançamento do primeiro míssil nuclear e desencadear a Guerra Nuclear.
Destaque-se que a República de Belarus, é um país do Leste Europeu, sem saída para o mar, que faz fronteira coma Rússia, Polônia, Ucrânia, Lituânia e Letônia. É uma Nação conhecida por sua arquitetura stalinista, pelas grandes fortificações e pelas florestas primordiais, tendo a indústria e agricultura como integrante da sua economia. Na capital, Minsk, a monumental Sede da KGB se destaca na Praça da Independência, enquanto o Museu da Grande Guerra Patriótica, relembra a participação do país na Segunda Guerra Mundial. Ainda, na capital Minsk, abriga também muitas igrejas, como a dos Santos Simão e Helena, de estilo neorromânico. Registre que na capital, Minsk, foi o local onde foi assinado o Acordo de Minsk, em 05/09/2014. Belarus: Área: 207.600 Km²; População: 9.491.800; PIB: US$ 188 bilhões; renda per capita de US$ 20.008.
Destaque-se também, que a República Popular da China é uma Nação mais populosa da Ásia Oriental e do mundo, cuja ampla paisagem, abrange pradarias, desertos, montanhas, lagos, rios e mais de 14.000 km de litoral. É uma potência Econômica, Militar, Nuclear e Cultural. Na Constituição da China, descreve-se como um Sistema Multipartidário de cooperação e consulta política sob a liderança do Partido Comunista da China - PCC; e como uma ditadura democrática popular, liderada pela classe trabalhadora, e baseada na Aliança de Trabalhadores e Camponeses. A capital é Pequim, que combina a arquitetura moderna com locais históricos, como o Complexo de Palácios da Cidade Proibida e a Praça da Paz Celestial. Xangai é um centro financeiro global, repleto de arranha-céus. A emblemática Muralha da China, corta a região Norte do país, de Leste a Oeste. China: Área: 9.596.961 Km²; População: 1.397.897.720, de pessoas; PIB US$ 18,463 trilhões; renda per capita de US$ 12,990.
Há, paradoxalmente, entre os EUA e Rússia, um trabalho em conjunto na Estação Espacial Internacional, em prol da Ciência Espacial, e, até há pouco tempo, os astronautas norte-americanos e (russos), se utilizavam da Espaçonave Soyuz, uma nave espacial russa, com capacidade para três cosmonautas, usada no Programa Espacial da Rússia, para ir e voltar, à Estação Espacial Internacional, e assim, há um respeito recíproco, entre EUA e Rússia, e sobre a Ucrânia, as negociações diplomáticas devem continuar, em homenagem ao Direito Internacional.
Dessa forma, no fechamento deste Artigo, no dia 24/02/2022, já havia a confirmação da invasão da Rússia no território da Ucrânia, e, ainda que não haja uma solução entre Rússia e Ucrânia, acredita-se que as negociações diplomáticas devam prosseguir, e o desfecho final, ainda é uma incerteza para Sociedade Internacional, que, ao contrário, desejam a manutenção da segurança e da paz internacional.
Para os russos étnicos de Donbass, que se encontram nas Repúblicas Populares Separatistas de Donetsk e de Lugansk, região no extremo Leste da Ucrânia, que faz fronteira com a Rússia, em observância à soberania da Ucrânia, talvez, um plebiscito, seria uma medida eficaz, para selar o destino e futuro do povo de Donbas. Aguarda-se, assim, o desdobramento e a evolução dos acontecimentos.
7.5 A GUERRA RÚSSIA E UCRÂNIA
Si vis pacem, para bellum é um provérbio em latim, que pode ser traduzido como "se quer paz, prepare-se para a guerra". Essa frase é atribuída ao autor romano do Século IV d.C, Flávio Vegécio[15] .
A Teoria da Guerra Justa, em latim, a Ratio Bellum Justum, ou o direito da guerra, jus ad bellum, é um modelo de pensamento e um conjunto de regras de conduta que define em quais condições a guerra é uma ação moralmente aceitável. O casus belli ou causa da guerra, é um fato considerado suficientemente grave pelo Estado ofendido, para declarar guerra ao Estado supostamente ofensor. Todavia, a doutrina se refere mais, particularmente, à guerra preventiva ou a praecaventur bellum e não na noção de prova do casus belli, que passa a ter pouca relevância.
O uso da expressão bellum justum, "guerra justa", para avaliar formas de relações entre comunidades estrangeiras, foi originária da cultura político-jurídica da Roma Antiga e, nesse sentido, tem-se o testemunho de Cícero (106-43 a.C), estadista, orador e filósofo de Roma. Em alguns trechos de duas [16] das suas obras, De Republica (A República) e De Legibus (Das Leis), Cícero, ensina que havia bellum Justum (guerra justa) quando os romanos entravam em guerra contra uma nação estrangeira, que não tivesse atendido, no prazo de trinta dias, a um pedido de satisfações por eventuais danos sofridos ou temidos.
O conceito do bellum justum ou guerra justa foi cunhado inicialmente por Santo Agostinho (354-430) de Hipona[17] (atual, Argélia) inspirado em Cícero, e foi frequentemente usado como justificativa para as Cruzadas. O tema guerra justa, também foi também objeto de estudo de outros renomados pensadores como São Tomás de Aquino (1225-1274), Francisco Suárez (1548-1617), Emer de Vattel (1714-1767), Francisco de Vitória (1548-1617), Samuel Pufendorf (1632-1704) e Christian Wolff (1679-1754) e Hugo Grócio (1583-1645). Destaca-se Hugo Grócio, é, provavelmente, aquele que mais se dedicou à elaboração do conceito e da teoria da guerra justa ou o bellum iustum.
Hugo Grócio (1583-1645)[18] foi um jurista da República dos Países Baixos, considerado o fundador, junto com Francisco de Vitória e Alberico Gentili, do Direito internacional Moderno, baseando-se no Direito Natural. Na sua influente obra Jure Belli ac Pacis (Sobre os Direitos de Guerra e Paz) de 1625, quando afirmou que "Se tudo o que alguém consegue dizer sobre a Lei e a Justiça, é que se deve obedecer às Leis de seu próprio país, então não há como decidir as disputas internacionais senão com a força".
Hugo Grócio discute a guerra como modo de proteger os direitos e punir os erros. É um dos modos do procedimento judicial. Embora a guerra possa ser considerada um mal necessário, é necessário que seja regulada. A guerra justa, ou o bellum justum, aos olhos de Grócio, é uma guerra para obter um direito. Discute três métodos de se resolver uma disputa pacificamente: o primeiro método, é a conferência e a negociação entre dois rivais ou contestantes. O segundo método, é chamado compromisso ou um acordo em que cada um dos lados abandona certas exigências e faz concessões. O terceiro método, é por combate ou por tirar a sorte. Para Grócio, seria melhor, por vezes, renunciar a alguns direitos do que tentar exigi-los pela força.
Nesta perspectiva afigura-se a firmação de Ruy Barbosa (1849-1923)[19] político, diplomata, escritor e jurista brasileiro, de que a força do Direito deve superar o direito da força. Todavia, qual seria o real significado ou qual seria a dimensão dessa afirmação e deste paradoxo nos dias de hoje? Será que o Estado deve se submeter aos ditames da Lei e ser despojado do direito ao uso das forças policiais e das forças armadas, para a garantia da manutenção da Ordem, da Segurança e da Defesa Nacional do Estado e de seus nacionais, em relação a outro Estado?
Talvez pudesse ser interpretado como um Estado de Direito que privilegia a Lei, autorizando apenas, um aparato mínimo de Segurança e Defesa para a garantia da manutenção da Ordem, da Segurança e da Defesa Nacional do Estado e de seus nacionais? Fato é que, Rui Barbosa não deixou explicitado qual seria o tipo de Direito e tampouco à que força estava se referindo. No mundo globalizado existem 194 países que integram e se organizam perante a Organização das Nações Unidas - ONU.
Guerra Simétrica[20] . Por definição clássica do Direito Internacional, Guerra Simétrica é aquela em que os oponentes apresentam equivalência técnica e numérica, bem como, equivalência de meios e objetivos. Algumas guerras regulares encaixam-se neste perfil. Exemplo: Guerras Mundiais, Guerra Irã-Iraque, Guerra da Coreia. Guerra Assimétrica[21] . Por outro lado, a Guerra Assimétrica é aquela em que os oponentes apresentam diversas diferenças, tais como: nível de organização, objetivos, recursos financeiros, recursos militares, comportamento, obediência às regras. Exemplo: em geral, são guerras irregulares (guerrilhas), insurrecionais ou entre Potências Militares e Estados pequenos.
Embora os países do G7, que é o Grupo dos Países mais industrializados e desenvolvidos do mundo, composto por Alemanha, Canadá, Estados Unidos, França, Itália, Japão e Reino Unido, embora a União Europeia - EU, também esteja representada, sejam democracias, com eleições regulares, nas quais, imperam o estado de direito ou a força da Lei, estes países, e outros como potências regionais, tem elevados orçamentos militares de Segurança e Defesa, para a utilização do direito ao uso da força em conflitos ou guerras para assegurar à soberania do Estado.
Dispõe a Carta das Nações Unidas[22] , nos seus arts. 2º, §3 e §4, e 51, a saber:
“Artigo 2º. A Organização e seus Membros, para a realização dos propósitos mencionados no Artigo 1, agirão de acordo com os seguintes Princípios:
(...)
§ 3. Todos os Membros deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais.
§ 4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas.
Artigo 51. Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais”.
(...)
A guerra, não obstante o conceito de bellum justun ou guerra justa, como se depreende da Carta da ONU, é um ilícito internacional e com sérias consequências para o Estado que insistir em violar esta regra, pois, este, quando ingressa como membro das Nações Unidas, aceita cumprir todas as determinações da Carta, sob pena de sanções. Logo, somente poderá ser exercer o seu legítimo direito de defesa utilizando a força, nas hipóteses do art. 51, da Carta das Nações Unidas, que é uma exceção ao art. 2º, §3º e §4º, do aludido instrumento jurídico internacional.
Cite-se o exemplo dos EUA, em relação aos ataques protagonizados pela Al Qaeda, de 11 de setembro de 2001, e por via de consequência, os EUA, invadiu o Afeganistão e depois, o Iraque, sem, entretanto, a autorização do Conselho de Segurança (CS) da ONU, mas, baseado no direito inerente de legítima defesa, fundamentado no art. 51, da Carta da ONU.
Nesta mesma perspectiva, perante o Conselho de Segurança (CS), a Rússia alegou que a utilização da força militar contra a Ucrânia, ocorreu, primeiro, porque esta, praticava hostilidades contra os russos étnicos separatistas de Donbas, que compreende Luhansk e Donestst, região esta, no extremo Leste da Ucrânia, que faz fronteira com a Rússia; e, segundo, porque, a possível entrada da Ucrânia na OTAN, gera uma instabilidade na região e não contribui para a paz mundial, motivo pelo qual, se opõe ao pleito ucraniano, e a invasão da Rússia no território da Ucrânia, foi fundamentada no direito inerente de legítima defesa, fundamentado no art. 51, da Carta da ONU.
De outra parte, a Ucrânia, alega que a guerra deflagrada pela Rússia, a partir de 24/02/2022, ofende aos Princípios e Regras do Direito Internacional, dos dispositivos da Carta ONU, notadamente, a violação da soberania do Estado Ucraniano. Diga-se, que a “Soberania do Estado é o Poder ou autoridade suprema, e é a propriedade que tem um Estado de ser uma Ordem Suprema, que não deve sua validade a nenhuma Ordem Superior[23] . O conceito de Soberania do Estado foi objeto do Tratado de Westfália, firmado em 24 de outubro de 1648, que pôs fim à guerra dos 30 (trinta) anos na Europa.
Assim, independentemente, da evolução dos acontecimentos, e não obstante, as justas ou injustas argumentações jurídicas reciprocas, seja da Rússia, seja da Ucrânia, e dos demais atores, como os EUA, os Membros da União Europeia, e os demais países, que compõem a Sociedade Internacional, e, inobstante as possíveis sanções à Rússia, o que se deseja e o que espera, é um imediato cessar-fogo imediato, de modo que, a Diplomacia e o Direito Internacional, possam reger e apontar caminhos e soluções para o conflito, de modo a alcançar a paz e a segurança, na região, em especial, no Continente Europeu, na Ásia e no Oriente, prevalecendo assim, a força do Direito, e não o uso da força.