Capa da publicação Violência institucional, aborto legal e silêncio das vítimas
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A violência institucional e o aborto legal

Resumo:


  • O estupro de vulnerável é um crime hediondo previsto no Artigo 217-A do Código Penal brasileiro, com penas que variam de 8 a 30 anos de reclusão, dependendo das circunstâncias do crime.

  • A legislação brasileira permite o aborto em casos de estupro de vulnerável, considerando a proteção à vida da gestante e o trauma gerado pela violência sexual, mesmo diante do direito à vida do feto.

  • A violência institucional contra a mulher, incluindo o Judiciário, pode dificultar o acesso das vítimas de estupro de vulnerável ao aborto legal, perpetuando novas formas de violência e agressão.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

É entendido que o direito à vida deve ser redirecionado àquela criança que foi abusada e tirada o direito de crescer conforme o ciclo natural da vida. Na prática judiciária, no entanto, as vítimas de estupro são negligenciadas ao exigir o Aborto Legal.

O silêncio das vítimas pós-estupro de vulnerável

Segundo o ordenamento jurídico brasileiro, o estupro de vulnerável trata-se de crime hediondo e está previsto no Artigo 217-A do Código Penal. Este constitui-se em ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menores de 14 (quatorze) anos. Considera-se vulnerável aquele que, for menor de 14 anos e, também, aquele que, por enfermidade ou doença mental, não obtenha o discernimento necessário para a prática do ato ou que não ofereça resistência. O ato libidinoso, para Fernando Capez, compreende, nesse conceito, outras formas de relação do ato sexual, que não a conjunção carnal. Como os coitos anormais, que são a cópula oral e anal (Apud. VEDANA e WENDRAMIN, 2019, p.1)

O Código Penal Brasileiro conta com penas variadas acima do Artigo 217- A, ocasionadas por suas qualificadoras:

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.

§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. 9

§ 2º (VETADO)

§ 3º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.

§ 4º Se da conduta resulta morte: Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.

§ 5º As penas previstas no caput e nos §§ 1º, 3º e 4º deste artigo aplicam-se independentemente do consentimento da vítima ou do fato de ela ter mantido relações sexuais anteriormente ao crime.

O motivo de tamanha diferença de penas entre o estupro de vulnerável para o estupro, advém da facilidade que o abusador tem para dominar a vítima fisicamente contando sempre com ameaças.

Os acusados de estupro somavam 17.704 cerca de 2,4% da massa carcerária , dos quais 14.407, ou seja, a maioria, foi condenada por estupro de vulnerável, que é quando o agredido é menor de catorze anos, mas que se aplica também a pessoas com problemas mentais ou que de alguma outra maneira, não podem se defender (pessoas que estejam inconscientes, por exemplo) (ARAÚJO, Ana Paula. 2020, p.32)

Nos casos de estupro de vulnerável em que se opta por aborto, é analisado tanto o inciso II do Artigo 128 como o inciso I para que essa prática seja realizada. Por vulnerável se tratar de menores de 14 (quatorze) anos, na maioria das vezes, a gravidez será de risco:

Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário

I- se não há outro meio de salvar a vida a gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II- se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

É nesse ponto que obtemos as divergências sobre o Direito à Vida, proferido no artigo 5° da Constituição Federal, que trata sobre a inviolabilidade da vida. Porém, a questão não é apenas a privação da vida, é também o trauma gerado, as noites em que o medo prevaleceu e a falta de escolha diante o resultado gerado. Afinal, Direito à Vida de quem?

Nesse caso, é entendido que o direito à vida deve ser redirecionado àquela criança que foi abusada e tirada o direito de crescer conforme o ciclo natural da vida, afinal, assim ela estaria privando-se da sua vida. A legislação brasileira, em casos permissivos sobre a interrupção da gravidez, entendeu que não seria aceitável punir criminalmente uma mulher que já sofreu a dor de uma violência sexual.

Para Nucci (2010, p. 633):

(...) é perfeitamente admissível o aborto em circunstâncias excepcionais, para preservar a vida digna da gestante. Em continuidade a essa ideia, convém mencionar ALBERTO SILVA FRANCO, ao dizer não ser inconstitucional o sistema penal em que a proteção à vida do não nascido cedesse, ante situações conflitivas, em mais hipóteses do que aquelas em que cede a proteção penal outorgada à vida humana independente.

Se o Direito ao Aborto Legal - termo popularmente dito está previsto em nossa legislação, por que as mulheres e meninas encontram dificuldades ao reivindicativo?


O JUDICIÁRIO COMO POSSÍVEL AGRESSOR

A violência institucional contra a mulher é aquela praticada, por ação ou omissão, nas instituições públicas ou privadas prestadoras de serviços, como por exemplo, o Judiciário, sendo consumada por agentes que deveriam prestar uma atenção humanizada, preventiva e reparadora de danos.

Esta violência pode ser identificada de várias formas, dentre elas:

  • Peregrinação por diversos serviços até receber atendimento;

  • Falta de escuta

  • Maus-tratos dos profissionais para com os usuários, motivados por discriminação, abrangendo as questões de raça, idade, opção sexual, gênero, deficiência física, doença mental

Isso inviabiliza um tratamento especializado, humanizado e acolhedor às mulheres em situação de violência - um tratamento que promova a mulher como detentora de direitos - gerando novas violências e agressões à menina já machucada.

Notícias recentes mostram a consequência dessa bola de neve sem fim: uma criança de 11 anos, grávida após ser vítima de um estupro, estava sendo mantida pela justiça em um abrigo para evitar que faça um aborto legal. Após o aborto legal ser realizado, a promotora Mirela Dutra Alberton começou uma investigação para determinar a causa que levou à morte do feto após o procedimento embora, pela lei, não haja nenhum crime a ser averiguado.

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Esse caso de repercussão nacional infelizmente acontece diariamente no nosso país. O sistema de justiça continua perseguindo meninas que buscam pelo exercício regular de seus direitos. A tentativa de transformar o aborto legal, previsto em lei desde a década de 1940 em um crime de homicídio, é algo inconstitucional, inconvencional e ilegal.


CONCLUSÃO

O Estado, não é uma instituição indivisível, mas reforça e institucionaliza a violência contra a mulher por meio de discurso dúbio, que tipifica tais condutas como crime. Sobre o âmbito do direito, além de se ter leis que assegurem o respeito e a autonomia feminina, é de fundamental importância o estudo de uma escuta acolhedora por parte dos órgãos que recebem as vítimas de estupro de vulnerável. Por essa razão, é importante que se aprimore e execute programas oficiais e constantes de formação e atualização para os profissionais, como requisito para sua atuação nesta área. A violência de gênero é a raiz de outras formas de violência, manifestando-se até mesmo nas Instituições e organizações da sociedade.


REREFÊNCIAS

ARANTES, A. C. Fundamentos de medicina legal para o acadêmico de direito. São Paulo: Lemos e Cruz, 2007.

MASSON, C. R. Direito Penal Esquematizado. 3. ed. v. 2. Parte especial. Rio de Janeiro: Método, 2011.

NUCCI, G. S. Código Penal Comentado. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

BORGES, Lize; NOGUEIRA, Mariely Lago Vianna; ALVES, Amanda Leite Souza. Mas é preciso ter força, é preciso ter raça, é preciso ter gana sempre!. Revista Direito e Feminismos, v. 1, n. 1, 2022.

EGRY, Emiko Yoshikawa et al. Infância violada: Estudo de reportagens veiculadas na imprensa sobre a menina vítima de estupro e consequente aborto legal. New Trends in Qualitative Research, v. 8, p. 44-52, 2021.

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Sobre a autora
Isabela Maria de Resende Cavalcante

Graduanda em Direito e Relações Internacionais, Líder Regional da Girl Up, membro da Comissão de Direito Penal da OAB/Santos e Conselheira Municipal da Condição Feminina de Cubatão. Tenho alguns artigos aprovados internacionalmente :)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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